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O FIO DA NAVALHA + GASLIGHT. DIVERSÃO PARA ADULTOS BABY

   O FIO DA NAVALHA de W. Somerset Maugham é daqueles best sellers que ninguém mais lê. Maugham, escritor profissional ao extremos, escreveu de tudo: romances, contos, teatro, cinema. Em certo momento, anos 40 e 50, ele era um dos cinco autores mais lidos no mundo. Hoje seus livros não interessam mais. São muito pop para serem estudados pelo povo metido a artista, e muito adultos para serem lidos por quem quer apenas fantasia, afinal, nossos atuais best sellers são todos fantasias sobre horror ou ciência, ou algum tipo de auto ajuda disfarçada.
  O FIO DA NAVALHA foi um dos romances formadores em minha vida. Como Zorba O Grego, Cândido, Complexo de Portnoy, são aqueles livros que me fizeram amar a leitura já em minha época de adulto. Se a história de meus livros amados começou com Tom Sawyer e A Ilha do Tesouro, foi com O Fio da Navalha que essa história se confirma. Li 3 vezes e me identifiquei com Larry, o homem que traumatizado pela guerra, passa a vida fugindo do mundo à procura da iluminação. Maugham escreve como quem fala à beira da lareira fumando um cachimbo. Pausado, calmo, jamais cansativo. Literatura de alta gastronomia. Como a de Isak Dinesen. Evelyn Waugh.
  Em 1984, Bill Murray, apaixonado pelo livro, fez um filme sobre a obra de Maugham. Larry feito por Bill Murray. Um filme longo e aborrecido. Pior que tudo, metido à arte. Salva-se apenas a Sophie feita por Theresa Russel. Ontem vi a versão de Edmund Goulding, Fox, 1946, época em que a moda Maugham estava no auge. É um típico filme adulto POP de Hollywood. O tipo de filme que hoje só pode ser feito na TV. Estranhamente o filme foca muito mais em Elliot, o velho esnobe, e Maugham, o próprio escritor que conta a história de Larry. Funciona? Muito. Larry no filme se torna aquilo que ele é na vida: personagem esquivo, que surge e desaparece, um solitário. Gene Tierney faz a maldosa ex noiva de Larry. Há que se dizer, Gene Tierney foi a mais bonita mulher do cinema. Estranho fato, todas as divas da tela hoje parecem grotescas. Marilyn, Greta, Marlene, Rita, são como bonecas em show de travestis. Porém Gene Tierney, assim como Grace Kelly ou Jeanne Crain, são tão belas hoje como sempre foram. É um bom filme.
  Patrick Hamilton escrevia teatro popular-chique. Esse tipo de teatro hoje sobrevive apenas em alguns musicais. O público era o casal de 35-60 anos, classe média, curso superior, querendo se divertir ao mesmo tempo que usava sua inteligência. O filme Gaslight, direção de George Cukor, Oscar para Ingrid Bergman, é eletrizante. Ingrid é a pobre mulher que quase enlouquece nas mãos de Charles Boyer. NUNCA ME IRRITEI TANTO com um vilão como com esse CRÁPULA feito por Boyer. Não me importa se ele exagera ou não. Eu fiquei a ponto de destruir a TV. Eu o odiei muito! MUITOOOOOOOOOOO!!!!!!!! Ótimo filme. Dizem que a versão inglesa é ainda melhor. Vou vê-la.
  Ingrid Bergman? Ela exala sexualidade até quando dorme. Tivesse sido atriz nos mais despudorados anos 60 ou 70, teria enlouquecido homens em salas de cinema. Ela tem traços nórdicos demais, mãos grandes, mas seu olhar e suas cenas de beijo são de absoluta entrega. Sentimos que ela é ultra quente. Aqui ela ganhou seu Oscar, merecido, e os USA se apaixonaram por ela. Ingrid vinha da sequência Casablanca, Por Quem Os Sinos Dobram, Notorious de Hitchcock...difícil achar atriz com sequência de filmes tão icônica. Mas em 48 ela destruiria tudo ao largar marido médico para viver com Roberto Rosselini, logo um italiano!!!! Corajosa Ingrid.
  Dois ótimos filmes. Gaslight é melhor.

CAMPO DE DOR- ISAK DINESEN ( KAREN BLIXEN ) DO LIVRO: CONTOS DE INVERNO

   Nascida na Dinamarca como Karen Blixen, ela se torna Isak Dinesen ao começar a escrever. Antes disso, casou-se com nobre barão e foi à Africa, plantar café. Após esse fiasco, retorna á sua terra e durante a segunda-guerra lança este livro. Dinesen escreveu romances ( bons ), mas é nos contos que ela se torna grande. Heminguay era um de seus admiradores. E em 1985, Sidney Pollack ganhou todos os Oscars ao dar a Meryl Streep o papel de Isak Dinesen em OUT OF AFRICA ( no Brasil, Entre dois Amores ).
   Há uma frase dela que define o estilo de seus contos: "Não vivemos para procurar a felicidade. O que procuramos é o destino." Dinesen conta histórias. É como se ela se sentasse ao fogo e começasse a narrar. Dá sentido às coisas, as faz sagradas, eternas, elas brilham e vivem. Todos os seus contos são momentos de crise. Pessoas pegas pelo destino e tentando, de forma inconsciente, encontrar sentido. Um casal de irmãos que morre no gelo, um garoto que deixa seu amigo morrer por desejar uma menina, um pianista que de súbito percebe o vazio. Mas me comovo mais com Campo de Dor, um dos mais perfeitos contos que já li.
   Um jovem volta a sua cidade do campo. Primeiro tema: o tempo. Lá ele reencontra aquilo que ele sempre é/foi/será. Nos recantos imutáveis ele revê o sentido, a imensa realidade inalcansável. Segundo tema: seu tio é o senhor de lá. Um velho vaidoso, duro, seguidor de velhas leis opressivas. Nessa figura há a ideia de que a vida faz sentido ao se prolongar de geração á geração. Terceiro tema: o tio faz com que a mãe de um jovem acusado ceife todo um campo para salvar o filho. A velha senhora o faz. Mas morre ao fim. A morte como sentido, como algo que dá verdade e dignidade a vida. A justificação da vida no amor e na morte. O ato da mãe é gravado em pedra e em memória. Quarto tema: o jovem sobrinho confronta a crueldade do tio. Mas acaba por compreendê-lo ao perceber que a vida precisa ser sofrida para ter valor. A cada um compete encontrar sua dor e vivê-la. Sem esse encontro não pode haver valor, virtude, fé ou heroísmo.
   Dinesen demonstra isso em todos os seus escritos. O desperdicio de viver jamais está na dor ou na infelicidade. Está na ausência de drama, de provação. Se o homem existe para achar seu destino, esse destino jamais pode ser um prazer, ele será uma sombra, um inverno e o gelo. Mas vem daí o sentido, pois é ao aceitar esse inverno que o homem pode viver o pleno mudar de estações. A vida para Dinesen é rica, animada, imensa.
   Ela tem uma alma.