Antes de Garcia-Marquez e de Vargas Llosa havia Carlos Fuentes e Angel Astúrias, e antes de tudo havia Carpentier.
Nascido em Cuba, filho de francês com russa, morou na Europa onde conheceu Lorca e se tornou surrealista. Mas retornou a América, e aqui apoiou a revolução de Fidel, se tornando um tipo de herói cubano. O REINO DESTE MUNDO é o primeiro livro que leio de Alejo. Volume magro, 130 páginas, mas que história!!!!! Para ele, é a América centro do planeta, lugar onde mundos se encontram, reino deste mundo e de todos os mundos, dimensão onde tudo é possível e tudo acontece, país da magia, absurdo de crueldade e de sangue, realidade que se observada com detalhismo se revela hiper onírica, simbólica, louca.
A novela é muito simples. O Haiti entre 1785/1820. Ti Noel é o nome do personagem central. Um escravo. Franceses que são donos de negros. Negros que fazem tambores de feitiçaria. Muito sexo e muito sangue. Europeus que são ridiculos em seu mundinho materialista e moralista. Seus padrecos e suas etiquetas. Negros que crêem em preto velho que virou inseto, virou pássaro, vive para sempre. A escravidão acaba e vem a revolução. Pretos estupram e matam todas as brancas. Degolam cães, esfolam cavalos. E criam uma república tão opressora quanta a da escravidão. A tragédia do Haiti, a tragédia da América. Ti Noel vai à Cuba. E em Cuba tudo é prostituição. Tudo se vende: jogo, corpos jovens, bebida, sangue, loucura. Volta ao Haiti e se aterroriza com o rei negro, Henri Christophe. Outra revolução, mais carnificina. Nova república, novas misérias.
Ao final Ti Noel se torna formiga, vira ganso, descobre a perfeição em ser ganso. Mais importante, ao morrer lúcido, descobre a dignidade em ser Homem. O livro é maravilhoso e prazeroso.
Antes há uma introdução que não deve ser lida, deve ser rezada. Nela Carpentier fala do maravilhoso. Ex-surrealista, ataca a vulgarização da magia, o modo fácil como se invocam duendes e magos em livrecos de segunda. A coisa comercial e mecânica que se tornou o extra-mundo, o sonho, o além. Truques de palavras, truques de imagens, fórmulas vazias. A diminuição do imenso. A Europeização da América.
Para se ser Quixote, ele diz, é necessário crer no quixotismo; para se entender o maravilhoso é preciso ser maravilhoso e para se perceber o imenso, há de se ser grande. Para osafricanos um homem é um pássaro e portanto ele pode voar. Para os europeus antigos um homem era ser de magia e portanto tudo podia ser verdade.
Se hoje cremos apenas na ciência, tudo o que vemos é racional. O homem como fórmula quimica.
Mas a América é onde espanhois loucos viam Eldorados. Onde portugueses comiam indias e se perdiam nas Minas. Guerras que dizimaram civilizações inteiras ( coisa que nem Hitler conseguiu ) onde se matava para ver o sangue jorrar. Terras de feiticeiros e de homens-plantas. De florestas ainda secretas, de sexo e de morte em todo recanto, em toda bruma. Onde não chove, desaba um rio do céu. De terremotos que tudo destroem, de febres e de insetos semfim. América que insiste em ser irracional, ridicula, surpreendente e sempre igual. Do futuro que é inalcansável, da mais dura injustiça, de cachoeiras e de desertos de morte, onde a vida ainda acontece e é terrível.
Porque a Europa morreu. Porque o branco puro está morto. A Europa se matou ao negar sua herança mágica, sua irracionalidade. Ela se matou ao trancafiar seu inconsciente. Lá seca a vida, pois lá tudo é certo e correto. Seus tambores são apenas tambores e suas igrejas são apenas palácios. Magia de feira e poesias de rimas banais. Mataram-se todos os lobos e todos os ursos. A Europa morreu.
Mas a América ainda é burra. Aqui ainda se tenta e se erra. Ainda se crê e o que é sombra respira. Tanto para ser feito, tanto que não se conhece ( e que fique em sombras ). A América respira e geme e sangra. Homens viram cactus e mulheres viram peixes.
Ler Alejo é acreditar na vida.
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