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FILME COOL

No momento em que o Oscar comete seu definitivo harakiri, quero lembrar de um momento genial na história de Hollywood. O filme cool dos anos 90. Assisti ontem GET SHORTY e ele simboliza bem tudo que foi feito nesse estilo durante a década. Uma trilha sonora esperta e brilhante ( John Zorn mais Morphine com Booker T e US3 ), roteiro baseado em Elmore Leonard, atores carismáticos em papéis malandros e acima de tudo diálogos brilhantes. O filme fala de um agiota que sai de Miami para ser produtor de cinema em LA. Mas, como em todo bom filme cool, o tema não importa, o que vale ouro são os toques, os temperos, os momentos de imenso prazer. Posso falar da barbearia em Miami, a cena, de gênio, de Chili Palmer vendo A Marca da Maldade no cinema, Chili ensinando Martin Weir a interpretar um gangster, o modo como Chili anda e fuma, a morte de Yayo, o diretor B dando nos dentes...são várias cenas que misturam cenários e roupas, som e atores em perfeição. Mas acima de tudo são diálogos inteligentes, que revelam o personagem em ação. John Travolta tem seu segundo melhor desempenho da vida. O melhor foi em 1977, voce sabe em que filme. Chili Palmer é rei do cool sem parecer caricato. Danny de Vito é o ator narciso, tolo e seguro, bobo e bem sucedido, Gene Hackman está estupendo como o diretor B, é uma mistura de ousadia mentirosa e covardia histérica. Há ainda Rene Russo, bonita e centrada e Delroy Lindo, um bandido que se perde. James Gandolfini tem ótimas cenas como um capanga. Barry Sonnenfeld acerta o tom, nunca tenta ser engraçado, não exagera a violencia, dá ritmo sem jamais correr. Esse tipo de filme teve seu momento entre 1993-2002. Depois saturou. Começaram a forçar o humor, a encher tudo com sangue, a errar no casting.

POSEIDON/ SHAMPOO/ DARJEELING/ ELVIS/ DORIS DAY/ OLIVIER

   O DESTINO DO POSEIDON de Ronald Neame com Gene Hackman, George Kennedy e Shelley Winters
Imenso sucesso em 1972, foi refilmado por Wolfgang Petersen sabe-se lá porque. Este é um filme ok. Isso porque os atores são ótimos e Neame não era um diretor medíocre. Se formou no cinema inglês na equipe de David Lean. A história é aquela: um navio é pego por onda gigante e fica de cabeça pra baixo. Um grupo tenta escapar. Leslie Nielsen é o capitão, e a gente fica esperando uma trapalhada. Hackman, no auge de seu sucesso, é um padre progressista. Boa diversão produzida por Irwin Allen, que empolgado com o sucesso deste filme fez logo Inferno na Torre e Terremoto.  Nota 6.
   RICARDO III de Laurence Olivier com Laurence Olivier, Ralph Richardson, John Gielgud e Claire Bloom.
Olivier faz Ricardo quase como um humorista. Ele gosta do personagem e nos incomoda isso. Ricardo é um monstro. Mata sobrinhos, primos, destrói irmão, tudo pelo trono. Ao final, feito rei, é derrotado em batalha magnifica. Não é das peças de Shakespeare que mais me fascinam. Mas Richardson está brilhante e Olivier, maquiado e quase irreconhecível, é sempre um prazer. Este filme, feito em 1955, foi o primeiro grande espetáculo a estrear primeiro na TV ( na NBC ) e depois nas salas. Foi exibido em toda a costa leste numa noite de sexta-feira. Não tem a ousadia de Hamlet ou a beleza de Lear, mas ainda assim vale ser visto. Nota 6.
   DONNIE BRASCO de Mike Newell com Al Pacino e Johnny Depp
Agente do FBI se infiltra na vida de pequeno mafioso. Esse agente começa a se sentir como parte da máfia e cria uma relação afetiva com Pacino, um mafioso mal sucedido. Não sei o que pensar desse filme. Tem seus momentos, mas nada nele tem algo de novo ou de ousado. Pacino está ótimo, mas tudo o que ele faz aqui é trabalho já visto. Tem Michael Madsen fazendo o papel que fez por toda a vida. Quantas cenas de clube de strip e tiros com Madsen no meio voce já viu? Johnny Depp faz Johnny Depp. É um filme muuuuito longo..... Nota 4.
   VIAGEM À DARJEELING de Wes Anderson com Owen Wilson e Adrien Brody
O que tem Owen Wilson? O cara faz montes de filmes e não tem nada de tão especial. Falta de opções para os produtores??? Wes Anderson, que percebemos nos extras do DVD ser um cara beeem estiloso ( no bom sentido ), diz ter feito este filme inspirado pela obra de Satyajit Ray. O legal é que ele nunca tenta se parecer com o gênio indiano. Usa algumas músicas de seus filmes, mas o estilo deste filme é "Wesandersoniano". Ele faz clips lindíssimos, o filme tem cenas muito interessantes, mas todas são mal alinhavadas. Anderson não sabe narrar. O filme é como um trailer de hora e vinte. Um belo trailer. Algumas cenas são desonestas: qualquer coisa filmada com o som de Play With Fire ao fundo, parece ser genial. Wes Anderson também coloca três músicas ótimas dos Kinks e vemos o velho cineasta doidão Barbet Schroeder fazer um papel. Jason Schwartzman, que tem as melhores cenas, disse em entrevista que seu cineasta favorito é Hal Ashby. Faz sentido, muitos filmes atuais têm um jeitão de Ashby. Jason fala que "SHAMPOO" é seu filme mais querido. Para este dou nota 6.
   SHAMPOO de Hal Ashby com Warren Beaty, Julie Christie e Goldie Hawn
Se voce leu o livro sobre os tempos loucos de Hollywood, aquele de Peter Biskin, já conhece a fama deste filme. O roteiro de Robert Towne sendo muito disputado, a importância do produtor Warren Beaty e o imenso sucesso de bilheteria que esta produção conseguiu. Aparentemente é um filme banal. Fala de um cabeleireiro, na Beverly Hills de 1968 ( o filme é de 1975 ), que é desejado por várias mulheres. Ele transa com todas, mas na verdade só poderia ser feliz com aquela que ele não mais pode ter. Warren faz então algo muito próximo daquilo que ele era na época, o mais voraz dos garanhões de Hollywood. Beaty tem a fama de ter tido "todas" as atrizes que valiam a pena. Todas. No elenco deste filme temos duas delas, Goldie que foi um caso rápido e Julie, que foi uma conturbada relação de cinco anos. Só com a idade e Anette Bening é que Warren Beaty relaxou. Sua interpretação aqui é absorvente. Um belo homem perdido, dominado pelas mulheres, cheio de medo. Ótimo. Julie Christie, minha musa da adolescência, faz a paixão de Warren. Uma mulher que usa os homens, que ansia por segurança. A leitura mais profunda do filme mostra a eleição de Nixon como a vitória do cinismo.  Todos os libertários do filme se dão mal. O ricaço poderoso sai por cima. O filme é cheio de ameaças, é como se uma tempestade estivesse se armando. Não é um grande filme. Ashby não chegou a fazer sua obra-prima. Mas é invulgar. Nota 7.
   JÁ FOMOS TÃO FELIZES de Charles Walters com Doris Day e David Niven
Um desastre. Doris Day era ótima, mas este roteiro é indigno de seu talento. Niven também está sub-aproveitado. Não merece um zero por Doris e David. Nota 1.
   UM ESTRANHO CHAMADO ELVIS de David Winkler com Harvey Keitel e Bridget Fonda
Juro que já não lembro deste filme. Algo sobre um cara em crise e uma carona que ele dá pra um cara que pensa ser Elvis. Keitel tá ok e Bridget era luminosa, mas o filme é raso. Winkler é filho do excelente produtor Irwin Winkler, produtor que fez alguns dos melhores filmes dos anos 70. O talento de David desmerece o pai. Nota 2.

AL PACINO/ DUSTIN HOFFMAN/ LUBISTCH/ CAPRA/ ERROLL FLYNN/ KIRK DOUGLAS

ZOMBIELAND de Ruben Fleischer com Jesse Eisenberg e Woody Harrelson
Jesse tem filmado muito. Falta ator com sua idade? Sua forma de atuação é sonambulica. Vamos dar nomes aos bois? Isto não é cinema. Não que eu saiba o que seja cinema, mas isto não é. Talvez possa ser chamado de brincadeira de internet ou game em telão. Aquelas coisas: humor chulo, visual pseudo-moderno e umas gostosas com pouca roupa ( e nada sexys ). Anuncia e exemplifica a crise do cinema de agora. O horror, o horror.... Nota Vácuo.
THE MECHANIC de Simon West com Jason Statham, Ben Foster e Donald Sutherland
É de bom tom se colocar atores dos anos 60/70 em filmes bobos. Dá uma pretensa dignidade à coisa. IanMcShane, Peter Fonda, Robert Duvall, Jon Voight têm sido muito usados nesses pequenos papéis de brilho falso. Jason ( ator de quem eu gosto. Ele é limitado, mas tem um resto do resto daquela frieza de Steve McQueen ), é um assassino profissional ( ser killer virou profissão de glamour ). Ele é enganado e mata seu mentor. O resto é ação. Adoro filmes de ação e me convenço cada vez mais ( com a ajuda de certos pensadores gregos ) que o valor absoluto da arte está no prazer que ela nos dá. Este filme não é um grande prazer, com certeza, mas é hora de percebermos que filmes de ação são cinema de imenso valor. Nota 4.
A LONGA NOITE DE LOUCURAS de Mauro Bolognini com Jean-Claude Brialy, Elsa Martinelli, Rossana Schiafino
O roteiro é de Pasolini. E pasolinianamente, mostra o submundo reles de Roma. Jovens roubam armas, andam com prostitutas, vendem as armas, perdem o dinheiro, o recuperam, gastam tudo em boate, voltam pra casa. Bolognini foi digno representante dos diretores italianos classe b. Um vasto campo que abrangia de Risi à Rossi, passando por Zampa e Lattuada. Aqui é sedutora a imagem de uma Itália cheia de favelas, ruas de terra e muita fome. Ao mesmo tempo vemos o nascimento do consumismo e da americanização ( o filme é de 1959 ). Mas, como sempre acontece com Bolognini, ele se deixa levar por um certo tédio, o filme perde o ritmo às vezes, e alguns cortes lhe fariam bem. Nota 6.
O ESPANTALHO de Jerry Schatzberg com Gene Hackman e Al Pacino
Pacino nunca foi tão engraçado. Há uma cena de "assalto" que é hilária!!! Mas o filme, feito no auge da contracultura, é triste, melancólico. É sobre um ex-presidiário ( Hackman na atuação de sua vida ) que conhece um marinheiro ( Pacino, melhor que aqui, raras vezes ). Os dois pegam carona juntos e passam a dividir sonhos. Hackman faz um tipo explosivo, do mal. Pacino é inocente, quase um bobo. Há muito de Laurel e Hardy nos dois. Com o correr do filme, Hackman se humaniza e Pacino após choque terrível se torna catatônico. É um filme que ama seus atores. Os dois têm tempo para improvisar, criar personas, nos impactar. Relembrando o filme agora ( assisti-o sete dias atrás ) o que me ficou são seus rostos, comoventes. Árido e muito doído, é um filme para quem ama filmes. Nota 8.
MARATONA DA MORTE de John Schlesinger com Dustin Hoffman, Roy Scheider e Laurence Olivier
Fez sucesso na época este thriller sobre criminosos nazi na América dos anos 70. Hoffman é torturado, enganado, perseguido e não precisa atuar. Olivier é o nazi e recebeu indicação ao Oscar. Não brilha, apenas está lá grunhindo. Scheider está excelente como o irmão que se vendeu aos nazis. ( Os nazis são agora traficantes de diamantes ). Schlesinger dirigiu 3 obras-primas em seu auge. Este não é seu melhor momento. Nota 6.
LADRÃO DE ALCOVA de Ernst Lubistch com Herbert Marshall, Miriam Hopkins, Kay Francis, Edward Everett Horton
Quando Lubistch, já diretor famoso, foi convidado a trabalhar na Paramount, o cinema americano mudou. Ele trouxe charme vienense a Hollywood. Aqui, vemos um casal de ladrões aplicar um golpe numa herdeira futil. Tudo é escapismo, tudo é chic, tudo é prazer. O modo como os dois ladrões se conhecem ( um rouba o outro e é roubado então ) é aula de ritmo. Também demonstra em imagens o nascimento de um afeto. Herbert Marshall é um tipo de ator completamente extinto. Seus modos são tão elegantes que hoje ele passaria por gay-afetado. Dá para notar também o modo como toda fala remete a sexo, sem que nada seja realmente dito. Críticos costumam apontar este como o melhor filme de Lubistch ( e alguns dizem ser ele o melhor dos diretores ), não acho. É uma comédia maravilhosa, mas ele faria ainda mais no futuro. De qualquer modo, a circulação de filmes como este justifica a criação do dvd. Nota 9.
ACONTECEU NAQUELA NOITE de Frank Capra com Clarck Gable e Claudette Colbert
A comédia de Capra é radicalmente diferente da de Lubistch. Aqui tudo é mais direto, mais febril e muito mais "sensível". Capra nunca é cínico. Este imenso clássico fala de casal que se encontra em ônibos inter-estadual. Ela é milionária em fuga do pai para se casar com noivo interesseiro. Ele é jornalista desempregado. E o filme é exemplo de perfeição: nada falha, não há um só minuto sem interesse, tudo, roteiro, elenco, direção, funciona com naturalidade. Perfeito. O casal acaba por se apaixonar e isso é muito convincente. Vemos passo a passo o nascer desse amor. Boas histórias são assim: acontecem como destino invencível. Nos convencem de que Tem de Ser desse Modo. Gable era feio e desajeitado, e mesmo assim consegue ser sempre sexy e simpático. Colbert, a mais mignon das atrizes, está apaixonante. O que mais se pode querer? Nota DEZ!
CONTRA TODAS AS BANDEIRAS de George Sherman com Erroll Flynn, Maureen O'Hara e Anthony Quinn
Erroll já estava meio inchado pelo álcool, mas mesmo assim usa seu charme desinteressado e domina o filme. Que trata de espião ( Flynn ) enviado pela marinha inglesa ao covil de piratas ( Quinn e Maureen ). Não é a ação o cerne do filme, é a relação entre Erroll e Maureen, relação que funciona. O filme é hiper colorido, alegre e bem produzido. É este o filme pop pelo qual o cinema de uma dada época deve ser julgado. É o equivalente aos filmes de terror em série e as comédias teen de agora. É por esse cinema que se avalia a saúde de uma época e não por suas excessões. Este leva nota 6.
ULYSSES de Mario Camerini com Kirk Douglas, Silvana Mangano e Anthony Quinn
É a Odisséia feita em Cinecitta. Filme tolo, com coadjuvantes fracos, mas que mostra também a imensa força do mito de Odisseu. As cena de sua volta à casa como mendigo, do affair com Circe e da vingança final são emocionantes mesmo aqui. Mas o filme no geral é constrangedor. Nota 3.

O ESPANTALHO um filme de JERRY SCHATZBERG ( FILMES COMO PEÇA DE ARTE )

Um bando de diretores apaixonados por cinema europeu toma a América. E dá aos atores fãs de Marlon Brando e de Montgomery Clift, a chance de inventar, criar, e ousar muito. Mas, sem querer, dois desses diretores criam o cinema-pipoca e matam tudo aquilo ( ou salvam os estúdios da inevitável falência ). Quase todos esses diretores, que não sabiam ou não queriam filmar ação e explosões, caem então, no gueto dos filmes de arte. Somente Altman, Scorsese e mais ou menos De Palma e Coppolla sobrevivem. A lista deles é imensa ( vai de Ashby até Yorkin ), Jerry Schatzberg foi dos maiores derrotados.
Numa estrada, Gene Hackman e Al Pacino pedem carona. Hackman é um tipo de cara puro-impulso, violento, macho, mau. Pacino é otimista, engraçado, bondoso, tolo. Por teimosia de Pacino, eles se tornam amigos. Cruzam o país em trens e caronas e vão visitar a irmã de Hackman. São presos e por fim visitam a mãe de um filho de Pacino. O final é digno da época em que foi feito: terrivelmente amargo.
Gene Hackman gosta de dizer que este foi o papel de sua vida. Diz que Jerry ligava a câmera e fazia com que eles improvisassem todo o tempo. Dá para notar isso. Por mais triste que seja a cena, há nela a alegria da criação. Toda a cena tem a duração que deve ter, nunca a duração que a pressa ou o mercado exigem. Gene Hackman comove quando seu tipo durão amolece. Al Pacino faz um tipo que não é seu costume: faz humor. Ele tem duas cenas hilárias, mas o que mais nos marca são seus enormes olhos escuros, a terrível cena em que ele é quase estuprado e o desespero da sua última cena. O filme, magnífico e sem nenhuma concessão, é marca de diretor cheio de caráter. A era Star Wars encerraria sua carreira. A forma iria sobrepujar o conteúdo.
Os atores da época também não tiveram fim melhor. Se Al Pacino, Jack Nicholson e De Niro sobreviveram por ter amigos que sobreviveram, e se Dustin Hoffman perdeu muito de seu status ( mas não todo ), atores estrelas da época como Robert Redford, Warren Beatty, Steve McQueen, James Caan, e até Paul Newman, perderam a vontade de atuar, reconheceram o fim de "seus" diretores e de seu tipo de papel. Atores maravilhosos e não tão famosos ( Jon Voight, James Coburn, Cliff Robertson, Robert Duvall, Lee Marvin, Elliot Gould, Donald Sutherland ) se tornaram caricatos e preguiçosos e toda uma nova geração que veio em sua cola ( penso em William Hurt, Dennis Quaid, Ed Harris, Kevin Kline, John Malkovich ) jamais pode desabrochar. Papéis como o deste filme, que surgiam em dúzias, passaram a vir aos pares.
O cinema criou uma armadilha para si-mesmo: fez nascer uma geração de cinéfilos que amam apenas a ação e o ruído, o escândalo e a sensação. Tentar fazer com que o cinema seja cada vez mais apenas ação e ruído levará à um beco. E então?