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POR QUÊ LOLITA, O FILME, É TÃO RUIM?

Assisto Lolita mais uma vez. Detesto. É um filme muito, muito ruim. Mas não basta dizer isso, é preciso apontar os erros. Por que eu amo o livro e odeio o filme? -------------- Livros maravilhosos que se tornaram filmes péssimos são muitos. Anna Karenina não tem nenhum versão que preste. Idem para Madame Bovary. E mesmo Poe, tão filmado, nunca foi filmado direito. Lolita, em livro, é uma maravilhosa sátira, nada erótica, sobre a tolice de um europeu diante da América. Lolita é os USA: bela, infantil, maldosa e inocente, inconsciente, egoísta, saudável, voraz, indecifrável. Humbert é o europeu: pretensioso, velho, vaidoso, racional, elegante e ao mesmo tempo tolo, vulnerável, assassino. Nada disso há no filme. Nada. Os erros são percebidos já nos créditos iniciais. O roteiro é de Vladimir Nabokov. Ora, era óbvio que ao transpor seu romance para as telas, Nabokov, gênio que é, tentaria fazer algo novo, diferente, outra versão. O que era um romance de estrada se torna um romance familiar. No livro Humbert se impressiona pela quantidade de moteis, estradas, postos de gasolina da América. Nada disso aqui. Pior, Lolita quase desaparece, basicamente é uma comédia ridícula, nas telas, entre a mãe e o escritor. ---------------------- Oswald Morris fez a fotografia. Ele é um dos maiores da história, mas o filme é em preto e branco. Erro fatal!!!! Lolita pede rosas, azuis, roxos, vermelhos berrantes, laranjas. A América é colorida em technicolor, isso impressiona e enlouquece Humbert, um inglês em preto e branco com fog. O filme é todo fog, sisudo, alemão. Lolita perde a validade e o charme. --------------- Nem vou comentar o que todo mundo sabe: Lolita tem 12 anos e um metro e trinta de altura. É uma boneca americana. Infantil e má. Nas duas versões para a tela ela tem 16 e poderia passar por ter 18. Seria um crime colocar uma menina no papel? Então que não se filme. -------------------- Humbert, no romance, é um belo homem que faz as mulheres sentirem desejo. Ele é solteiro por escolha, tem propostas sexuais e escolhe Lolita. Melhor, cai sob seu feitiço. Nobokov fala da paixão que a Europa sente pela América, o continente criança. Aqui Humbert é feito por James Mason, ator nada feio, mas sem sex appeal. Entenda, Mason é um grande ator, mas jamais poderia ser Humbert! Poderia ser Richard Burton, Olivier, se feito dois anos mais tarde Peter O'Toole ( esse seria perfeito ), mas nunca Mason. Lawrence da Arábia, O'Toole, fazendo Humbert melhoraria o filme em 100%. ---------------- Comentar o erro na escolha de Sue Lyon é tolice. Ela tem a idade e o tipo errado. Mas qual a culpa dela? Na verdade, no cinema, Lolita quase some da história. A mãe aparece demais e as cenas entre ela e Humbert são de uma chatice insuportável. Shelley Winters é perfeita, mas o que lhe deram para fazer pesa demais. Kubrick estica as cenas, parece se divertir com aquilo. Nós não. --------------- Por fim há Quilty, o escritor de sucesso que é o amante de Lolita. É feito por Peter Sellers. De um modo tão perfeito que Kubrick o chamaria no ano seguinte e lhe daria 3 papeis em Dr Fantástico. Vendo o filme eu tive vontade de ver a história de Lolita e Quilty e esquecer Humbert e a mãe. Os primeiros minutos, Quilty à mesa de ping pong com Humbert pronto para o matar, são os únicos minutos divertidos do filme. " Vamos jogar ping pong romano? Ping Roma....agora voce diz Pong Roma...." Sellers tenta salvar o filme. Não pode. ------------------- A versão de Adrian Lyne é menos ruim.

UM POST DIFÍCIL: LOLITA- NABOKOV. UMA OBRA PRIMA QUE NÃO É NADA DAQUILO QUE VOCÊ PENSA.

   É muito difícil escrever sobre Lolita. Não só pelo seu tema espinhoso. Mas também por ser uma obra muito, muito complexa. Os filmes péssimos feitos com base no livro, até Kubrick se perdeu e fez uma chatice sem fim, apenas deturparam o texto do romance. Então vamos deixar claro certas coisas que são óbvias mas que muita gente não sabe:
1- Nabokov nunca gostou de meninas. É até ridículo falar isso, mas ele amava mulheres que tinham um jeito de nobreza perdida, e todas eram profundamente intelectuais.
2- O livro não tem nenhuma cena erótica e é tão bem escrito que você mal percebe quando ele está descrevendo uma cena de masturbação.
3- Humbert Humbert, o narrador, é uma pessoa bastante fantasiosa. Tudo o que sabemos é aquilo que ele nos conta. E o que ele percebe é aquilo que ele quer perceber.
4- O tema do livro não é a tara, é a América. Lolita fala do deslumbramento de um emigrante da Europa central por uma americana jovem, muito jovem ( ela tem 12 anos e um metro e quarenta de altura ).
   Lançado em 1956, e ainda acho um milagre ele ter sido editado, Lolita se tornou um best seller de escândalo. Penso na quantidade de gente que pensou estar comprando pornografia e comprou um romance poético. Sórdido, imoral, cruel e às vezes até mesmo repugnante, porém sempre poético. A linguagem é hipnótica. Nabokov escreve com toda sua potência. Ele escreve como uma força da natureza.
  A história você conhece: ele chega a América, se casa com a mãe de Lolita, a mãe morre e ele e a criança partem numa viagem pelos motéis do país. Os capítulos em que os USA são descritos são maravilhosos. Humbert sente ódio e amor pela nação jovem e brega, linda e óbvia, vulgar e inesgotável. Os USA são Lolita. Uma ninfeta ( Nabokov criou esse nome neste livro ) que mistura sujeira e saúde, voracidade e ignorância, praticidade e inocência.
  Humbert narra e mesmo assim, se voce prestar atenção, verá onde suas mentiras surgem: ele diz que Lolita o seduziu, mas lemos que ela chora de manhã, tenta escapar e é chantageada por ele. Estamos diante de simples rapto. Lolita é orfâ, não tem ninguém no mundo, Humbert se aproveita disso. Eles transam o tempo todo. Ele diz que ela é indiferente. Estupro é a palavra. Humbert é asqueroso. E mesmo assim lemos com prazer tudo que ele diz. Milagre de grande autor: seguirmos as palavras de um pulha.
  O livro é delicioso. O livro é revoltante. Lolita não é adorável. Ela é uma menina com poucos banhos e muita fome. Apenas uma ninfeta. Nabokov descreve o que é uma. Seria uma menina que olha para adultos com curiosidade. Apenas isso. Ah sim, antes que acusem o autor de machista: há na história a plena sensação de como é difícil ser desejada. Os homens são descritos como maduros homens frustrados ou meninos cheios de espinhas loucos para transar. Humbert é interessante como personagem, mas voce jamais iria querer o encontrar na vida. Quanto à Lolita...ela nunca parece real. A olhamos pelos olhos de Humbert, e ele jamais a viu de fato.
   Muito se fala sobre a coragem de Joyce ou Kafka por escreverem os livros difíceis que escreveram. Mas este ex nobre russo teve uma coragem de titã ao lançar este romance. Não usarei a palavra imoral. Mas ele vai fundo contra o tabu. E para deixar tudo ainda mais complicado, Lolita o chama de pai.
   Nabokov percebeu como estrangeiro a hiper sexualização dos EUA. E viu que essa sexualização vinha via adolescentes. Não esqueça que 1956 é o ano de Elvis e do rock n roll. Lolita é lançado no tempo de Good Golly Miss Molly e de Be Bop a Lula. Já naquele tempo meninas de 12 anos pensavam em transar todo o tempo, e algumas faziam a coisa em moitas e banheiros públicos. Adultos ficavam loucos em meio à essa liberalidade. Queriam fazer parte da festa. Humbert enlouquece no processo. É o scholar europeu, o professor que escreve livros sobre poesia francesa, que mergulha na vertigem sexual do país novo, muito novo, jovem, muito jovem, caipira, muito caipira. Lolita TINHA de ter 12 anos. Fosse uma garota de 18 ou 19 a mensagem e a loucura não seria tão clara e tão poderosa. A Europa, sábia e morta, com seus 3000 anos de cultura se deixa levar pelo desejo americano, desejo que tem apenas 456 anos. Posso ir mais longe e dizer que Humbert está morto. Ele nunca viveu. Nasceu sem nascer. Lolita é viva. E por isso lhe escapa. Mesmo no ato sexual ela nunca está presente.
   Lolita foi nos anos 60 chamado de o melhor livro do século. Um milagre de escrita refinada. Nem tanto. Mas...caramba! Que grande livro!!!!