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SWEDENBORG
O sueco Swedenborg nasceu em 1677 e morreu em 1772. Uma longa vida que na verdade foram duas. Na primeira vida ele foi um cientista. Bem sucedido. Na segunda parte ele foi um medium. Após uma vida dedicada à ciência, ele recebe a visita de espíritos e de anjos. Conversa com eles por mais de um ano e então escreve sua obra, obra que narra não só aquilo que eles lhe contaram como também aquilo que Swedenborg viu. Pois ele visitou o Outro Mundo. --------------- Primeiro entenda: Swedenborg era tão famoso em ciência que recebera até mesmo um título de nobreza. Segundo: o espiritismo na época dele não havia sido ainda divulgado por Allan Kardec. A "moda" espiritualista viria apenas no meio do século seguinte, cerca de 60 anos após a morte de Swedenborg. Mas... o que ele viu e ouviu? ------------------- Primeiro: não existe pecado original ou condenação ao céu ou inferno. A própria pessoa escolhe seu lugar no além vida. Há pessoas que se deixam seduzir pelo inferno, há pessoas que desejam o céu, e nisso se mostra o Livre Arbítrio. Deus não julga, a pessoa escolhe. ------------- Mas como? Então Swedenborg acha que o Genesis é uma mentira? Que não houve o Pecado de Adão e Eva? ------------- Não. Swedenborg crê na Bíblia mas ele diz que lemos a Bíblia de modo errado. Tudo nela é a narração do crescimento e da evolução da Alma. E sua obra é a "tradução", a exemplificação daquilo que a Bíblia diz por símbolos. Daí vem a imensa influência de Swedenborg sobre Jung. O psicólogo suiço usa, como Swedenborg, o símbolo. Jung vê na Bíblia e em toda religião uma mensagem simbólica sobre a evolução individual. Toda religião seria um código de evolução espiritual. --------------------- O livre arbítrio não termina com a morte. Após morrer, a alma sente mais afinidade com certas almas e segue então esse caminho, rumo ao céu ou ao inferno. Ela escolhe. O inferno, por ser essa alma ruim, guiada pelo mal, lhe parece apropriado. É um mundo sujo, decadente, cheio de intrigas, violência e escuridão. Não há castigo ou Demônio, Deus comanda o inferno assim como o Céu. Na eternidade infernal, a alma vive para sempre dentro do mal. Borges, que adorava Swedenborg, tem conto sobre o céu descrito pelo sueco. O que nos leva ao céu é a inteligência. Só pessoas evoluídas cognitivamente esclarecidas, amam o céu. Não é lugar de beleza ou de paz eternas, é como um local de discussão filosófica, de apreciação racional, um mundo frio, equlibrado, etéreo. --------------------- Na leitura da Bíblia, Swedenborg diz que existem 6 eras: a mais primitiva é a de Adão e Eva. A maioria das almas não consegue evoluir para além dessa era, mundo de escuridão onde a alma não percebe quase nada da Verdade e mal consegue usar a Inteligência. A terra é o recipiente do conhecimento, o lugar onde toda inteligência se concentra. O que ilumina a terra são a Fé e o Amor. Tudo que vem do homem é morto, tudo que vem de Deus é vida. O homem se comunica com o céu graças aos anjos que são mensageiros. Vem daí o conceito de intuição de Jung. Todo pensamento ou toda sensação de Bem, de Fé, de Amor vem do céu, de fora do homem, trazido pelos anjos. ------------------ Cercado por espíritos ruins, o homem celestial ouve apenas aquilo que os anjos lhe dão. Esse homem se torna a imagem do céu. A crença-fé no Divino fazem dele a mais perfeita das imagens. ----------------- Ao morrer, Swedenborg se tornou patrono de uma igreja que existe até hoje, predominantemente nos EUA. Ele previu com exatidão o dia e hora de sua morte e pouco se importou com ela, pois para ele esta passagem pela terra é apenas uma escolha a ser feita. O corpo nada significa e a alma é eterna. A vida é uma tentativa de renascer, de evoluir, de atingir o alto. Anjos não nos protegem de nada, eles apenas podem falar conosco. Tudo de bom e de melhor que há em nós não é nosso, é Deus em nós. Tudo se resume a tentar fazer o espírito falar, pois quando ele fala é Deus que fala em nós. ------------------------ Antes de terminar este texto falo agora de mim mesmo. Sim, houve momentos, raros e brilhantes, em minha vida, em que hiper inspirado, parecia ser Outra Pessoa que me guiava e que falava por mim. Mais que isso, nesses momentos houve uma felicidade calma, clara, nítida, que parecia resolver todo enigma. Esses momentos, se eu os tentar descrever, se caracterizam acima de tudo pela felicidade e pelo esquecimento de si mesmo. A inteligência fala e fala de um modo mais racional que a própria razão. O eu é surpreendido por si mesmo. Eu pareço ser mais sábio e melhor do que eu mesmo acreditava ser. ------------- Essas experiências, que vivi, se encaixam bem naquilo que Swedenborg disse, pois seria Deus falando em mim. Inspiração real. Nessa hora o corpo pouco importa e morrer não significaria nada. Esta vida, trevas que escondem símbolos, seria insignificante. Ou melhor, o que se esconde nela seria tudo. A morte de meu pai me deu essa clareza. Mas não só isso. ----------------- Por fim, devo dizer que o mundo de 2023, histérico, cheio de imagens, ordens, gritos, regras, pressão, dificulta cada vez mais qualquer chance de clareza. Um soldado numa trincheira poderia ter uma visão espiritual, mas um jovem envolto em modismos, falsos valores e confusão não tem como parar e perceber. O que digo com isso? Que nosso cotidiano, dito normal, é mais nocivo que uma guerra física real. Eu disse física porque estamos numa guerra espiritual feroz, terrível, decisiva. O mal predomina. Almas escolhem o inferno aos milhôes. ------------------------ Swedenborg estava certo?
LIVIA, ENTERRADA VIVA - LAWRENCE DURRELL. SEU MELHOR LIVRO?
Há alguns posts atrás eu escrevi sobre o QUARTETO DE ALEXANDRIA, quatro romances de Durrell escritos nos anos de 1950 e que são sua obra mais famosa. Durrell foi, até a década de 80, autor muito lido. Hoje bem menos. Penso que seus livros voltarão um dia. Voltarão quando uma geração menos farmacêutica, menos covarde tiver deixado de ditar normas. A vida e escrita de Durrell são, como a de Henry Miller, excessiva, sem freios, desabalada, colorida, quente ao extremo. Vivemos a época do cinza e Durrell é vermelho. Romances hoje são tristinhos, ele é puro desespero. Pois bem...LIVIA faz parte do QUINTETO DE AVIGNON, cinco romances escritos nos anos de 1970, já na velhice do autor inglês. Como diz o título, eles têm por centro Avignon, cidade que foi o centro dos Templários e sede do papado por um breve período. Livia é uma alemã bissexual que anda pela noite vestida como homem. O livro se passa em 1938, às portas da guerra. Mas Livia é na verdade apenas uma das personagens, o livro foca muito mais em Blanford, um escritor inglês insone, solitário vagando por Paris e Avignon, que se casa com Livia, é abandonado, e sofre até mais não poder. Há ainda um príncipe egípcio muito rico, frio, esperto, e um lorde inglês que acredita ser Hitler uma boa pessoa ( sim, isso existia na Europa até 1939. As classes mais ricas europeias investiram muito dinheiro no governo nazista. Acreditavam que Hitler era um capitalista que faria a Alemanha crescer e que devolveria com lucro tudo que lá fosse investido. Imagina-se o quanto os nazis riam deles. E perceba o quanto isso é evitado por livros e filmes que contam a história da guerra ). Weeellll..... O mundo é sempre dos espertos e o que vemos neste livro são pessoas que nunca entendem o rumo da história. O que Durrell nos mostra é que a enterrada viva se chama EUROPA, continente que nunca se recuperou da destruição suicida da segunda guerra. Após o desastre, o cetro do espírito mundial ficou vago e foi então dado à América. O problema é que os USA, e pior ainda a URSS, nada tinham a oferecer em termos de religião, filosofia ou modo de construir uma nova civilização. Tudo o que os USA tinham era dinheiro e disposição ao trabalho e isso passou a ser a única filosofia do mundo. No lado comunista havia ideologia única e ordem totalitária, mais nada. Toda a história evolutiva do ocidente foi interrompida, enterrada, sufocada. Perdeu toda auto confiança. O tal "cetro" moral do mundo foi passado a quem não o queria. ( Os USA ainda hoje têm um desconforto com o poder que jamais foi problema para Inglaterra, Espanha ou Roma ). Os personagens são as vítimas passivas da passividade europeia. Os líderes exitaram. Poderiam ter esmagado Hitler em 1932 ou em 35. Fizeram negócios. Confiaram. Apoiaram. Foram de uma ingenuidade absurda. ( Somente Churchill bradava contra Hitler, mas o inglês aristocrata era tratado então como um tipo de fanfarrão saudosista da velha Inglaterra guerreira ). -------------- O romance de Durrell, escrito em estilo mais simples que aquele de sua juventude, é então o enterro da Europa, o fim não de uma era, mas a morte de uma civilização. É belo.
HORA DE PENSAR: ESTE É UM NOVO SÉCULO, ESQUEÇA O PASSADO
O século XX teve seu parto: a primeira guerra. Ele nasceu, de forma clara, em 1914. O século anterior, o XIX, morre e leva consigo muitas coisas que desapareceram para sempre. Creia, no XIX a guerra ainda era vista como bela, heroica, necessária. Isso morreu em 14. Assim como perdeu todo valor a monarquia. A opera deixou de ser diversão principal e as mulheres saíram de casa e tomaram as ruas. Mas não é disso que falo, o que foco é na profunda diferença do século XX para o XXI e em como a maioria das pessoas insiste em não perceber isso. Muitas coisas do século XX não servem mais como referência. Cito algumas. ---------------- Começo pelo mais banal: música não é importante. Ela deixou de ser motivo de mudança social, não simboliza mais liberdade ou ousadia. Hoje ela é apenas um ruído de fundo que acompanha a vida. Trilha sonora. Para mim é ainda importante porque sou um homem do século XX, mas um cara de 20 anos, como apontou uma pesquisa, não ouve nada com mais de 3 minutos de duração. ------------ O sexo deixou de ser algo relevante. O caráter, tão século XIX e XX, de sexo como desafio, como obsessão ou ponto central da vida, se foi. Hoje ele é apenas uma função física, prazerosa, necessária, mas nada mais misterioso ou desafiador que comer ou dormir. É bom, é preciso ser feito, mas não é nem céu e nem inferno. ------------------ A saúde tem hoje a importância que se dava antes a valores morais. Não ter cãncer é mais valoroso que ter honra ou honestidade. Aliás, os valores morais se foram de vez. -------------------- Parece já uma coisa absurda o tempo em que filmes dirigidos por Hawks, Capra ou MacCarey ( aliás todos de extrema direita ) glorificavam o jornalista. Comédias e dramas mostravam um jornal como garantia máxima da democracia. Por todo século XX nada era mais nobre que a profissão de correspondente de guerra. Com o advento da internet os jornais se viram numa encruzilhada. Como sobreviver a concorrência de blogs, páginas, vídeos em tempo real? A opção que foi feita se mostrou a pior possível: transformar-se em blog, em página de formador de opinião. Jornais optaram pelo rejuvenescimento fake, por nadar a favor da corrente, se tornar "internet de papel". Perderam toda isenção e com isso toda credibilidade. Como acontece com qualquer página da net, só crê naquele jornal quem quer crer, a verdade se tornou uma escolha. Com isso se criou o distanciamente cada vez maior da realidade. Se antes um jornal era o mundo como ele era ( pelo menos em parte ), hoje ele escolhe, edita, mente, falseia, inventa e assume, de modo assustador, toda sua parcialidade. Nada que um garoto na net não faça. ------------------- O que se criou, e esta é a realidade deste século, foi uma verdade ao gosto do cliente. Mas observe, o real continua existindo exatamente como sempre, mas hoje voce pode viver numa irrealidade completa. Basta querer. -------------- Ilustro com algo que vivi em 2020 ( e hoje não adianta ler tudo ou ver tudo numa tela, para saber o que é real é preciso ir de encontro a verdade, fisicamente ). No auge da pandemia, tema que no futuro será mostrado como marco do novo século, tive um problema de coração. Fui ao hospital público, o do Servidor Estadual. Lá havia todo um setor construído às pressas para atender os esperados milhões de doentes de gripe. Para chegar ao setor que deveria ir, tive de passar ao lado da tal construção. Estava vazia. Enfermeiros na calçada conversando, sem filas, sem nada. Já o setor cardíaco cheio de gente, como sempre. No dia seguinte fui dar uma volta pelo bairro e vi que outro hospital, Lefort, estava quase sem ninguém. Passei a desconfiar da tal pandemia. Muito. Ela é real, mas o quanto foi aumentada? Jamais iremos saber. -------------------- Chego à mais um tema do novo século: a democracia. O maior valor do século XX se vê hoje em crise total. Por um motivo simples: não se confia mais na própria noção de democracia, do que ela seja e em como a exercer. A vida na rede social fez com que não aceitemos mais o que nos é desagradável. É um mundo, o digital, onde podemos anular opiniões contrárias, ver apenas aquilo que nos agrada e só levar em conta quem pensa como nós mesmos. Esse hábito matou, no mundo inteiro, qualquer chance de democracia. Se em minha tela só existe quem é como eu, jamais aceitarei que na política exista algo que eu não aceite como um igual. O diferente se tornará um monstro a ameaçar a MINHA PAZ. Nesse universo, pós digital, é impossível haver democracia, pois a base da democracia é que se aceite o diferente, o líder que eu não escolhi. Isso jamais será possível outra vez. Devemos esquecer o que ocorria no século XX. Neste século o litígio, a difamação, as tentativas de impeachment serão eternas. Um líder que una uma nação será impossível. O simples fato de eu não ter permitido que ele entre em minha casa, via TV, já o faz um ser odiável. Não se iluda, não foi apenas no Brasil que houve a demonização implacável de um presidente, isso se dá nos EUA, na França, Inglaterra, Itália, em todo lugar. --------------------------------- A igualdade racial mudou neste século também, pois no XX o que se queria era ser tratado como um igual, hoje o que se exige é a reparação. Seja em termos raciais, mas também em religião, sexo ou política, o que se vê é o desejo por revanche e não o sonho por igualdade. O movimento é no sentido de imposição e não mais a integração. Isso, penso eu, é também consequência do isolamento da internet, mundo em que voce desaprende a aceitar o diferente. NUNCA se falou tanto em diversidade, e ao mesmo tempo fazem décadas em que não se via tão pouco espaço para o discordante. ------------------ A torcida organizada tomou conta do mundo. Não se pensa mais, se torce. O fato de voce não ser do meu time te torna um rival. E como tal voce jamais poderá ser um dos meus. O que almejo é vencer, mesmo que seja com um gol de mão ou com a ajuda do juiz. O que importa são os 3 pontos na tabela. Ou a taça. ----------------------- Haveria muito mais o que dizer. A infância agora é outra, a escola se tornou uma mentira, o amor ao país não faz mais sentido, ou o fato de que hoje tudo pode ser escolhido e nada pode ser mudado....Mas termino falando que no século XXI temos a permissão e até mesmo o dever de nos recriar o tempo todo, mas por sermos vigiados como nunca antes, nosso leque de opções é de uma pobreza humilhante. Voce pode escolher seu sexo entre dúzias de opções, mas seu prazer é limitado ao mais banal gozo sem espírito. Voce pode ter opinião sobre tudo, desde que não ofenda alguém que não possa ser ofendido ( há muitos que podem ser ofendidos à vontade ). Voce pode engolir o que quiser, desde que não prejudique a natureza. Voce tem a obrigação de ser limpo. Comedido. Bonzinho. Inofensivo. E pasmem, tudo isso é uma fantasia, pois no mundo real continua a se matar, roubar, xingar, ofender à vontade e a ser sujo, bem sujo. ---------------------------- Não pense mais nos valores do século XX. Ele morreu. Aqui e agora é o mundo da irrealidade idealisada contra a realidade que insiste em estragar tudo. Essa é a história do século XXI. Essa a guerra que acontece ( Ucrania é uma ficção, a Russia é a realidade dura ).
A GUERRA BEBÊ
No amor e na guerra vale tudo, não é? Dito isto, digo o que qualquer pessoa alfabetizada sabe: O mundo só muda, de fato, em guerras. A história da humanidade é uma história de guerras ( fato que os seres de soja tentam negar ). O mundo onde nascemos é o universo nascido após a Segunda Guerra, mundo onde tudo se dividiu entre esquerda e direita, modernismo e conservadorismo, EUA como país dominante, democracia como valor supremo. Esse mundo só poderia morrer debaixo de uma grande destruição, uma guerra geral. Mas, que coisa né, após a criação da bomba atômica países realmente poderosos não podem mais fazer a guerra de modo direto. A destruição não teria vencedores. Porém....com a tecnologia que hoje temos, podemos fazer uma guerra mundial virtual. Dividir o planeta em ELES e NÓS, como em toda guerra, e arrasar economias, para assim zerar tudo e fazer nascer outro-novo mundo. Essa guerra, que como toda guerra, coloca pai contra filho e irmão contra irmão, tem como campo de batalha a tela de seu PC e sua mente. As bombas são as informações emotivas e os slogans, as batalhas se passam nos tribunais, as ofensivas atacam os bancos centrais, e os soldados somos todos nós. O simples ato de voce compartilhar uma palavra te faz participante da ofensiva. E se voce tenta não se envolver, bem...franceses tentaram isso em 1940. Viam e fingiam não ver os trens levando judeus para a morte. Se omitiram. -------------------- Como em toda guerra, cada lado acha que o outro lado é perverso. E como em toda guerra, tenta-se crer que a verdade pode ser relativa. O vilão é quem começa a agressão, eis a verdade. E em 90% das guerras, quem vence é quem reage a essa agressão. ------------------ Este texto não tem por meta defender meu lado. Ele está sendo muito bem defendido. Este texto apenas tenta fazer voce perceber que desde 2019 estamos dentro de uma guerra. Mesmo que voce não queira e não creia. Há mortos. E há a tentativa de destruir tudo. E sim, haverá vencedores e derrotados. Um novo mundo surgirá ao fim, e é lógico que em meio a batalha não há como saber do que esse mundo será feito. Te aconselho a esquecer a velha divisão entre esquerda e direita, a velha egemonia dos USA e a democracia como valor absoluto. Sim, a liberdade poderá vencer, ou não, mas como ela será e como será exercida? No voto? Provável que não mais. ------------------- Geralmente o lado derrotado é aquele que prega a ordem e a obediência. O ser humano não se dobra. Ele pode ser forçado à obediência cega por algum tempo, mas não por todo o tempo. Mais ainda: todo sistema que tenta racionalizar a alma do homem acaba em kaos. O nazismo e o comunismo foram e são assim. Sistemas que não levam em conta o improviso, a anarquia, a intuição e a criatividade. Tentam matar o inesperado. E por isso se auto destroem. O sucesso do capitalismo ( se voce perguntou "Que sucesso" eu te respondo: nunca o planeta teve tão poucos famintos. A história do homem é a procura incessante por comida, e o capitalismo criou, pela primeira vez, bilhões de pessoas que podem relaxar e usufruir a vida, algo impensável para 99.9999999999% dos homens em 1850 ), voltando: o sucesso do capitalismo se deve à falta de plano central. É um sistema onde cada um faz o que deseja, desde que não roube ou mate. ----------------------- É um sistema mínimo. ------------------------- O belo mundo que morreu na Primeira Guerra era aquele dos estados nacionais, criados por Napoleão e as guerras pós revolução francesa. A Segunda Guerra foi a pá de cal nesse universo feito de honra, acordos, reis e duques. -------------- Foi a guerra também que matou o império romano, a idade média, Atenas e Pérsia. A guerra é a transformação, é a troca da pele da serpente, é a larva ( todo o pré guerra ) dando ensejo ao novo organismo. ------------------ Podemos dizer então que o mundo pré 2019 já se mostrava pronto para a primeira batalha. E ela veio. Te aconselho a ficar frio. E jamais fugir à luta. É duro. É chato. É desgastante. Mas é o que há.
SOBRE A GUERRA E A AUSÊNCIA DE SONHOS
Desde que o mundo existe são narradas grandes batalhas em guerras sem igual. De GILGAMESH à ILÍADA, toda civilização tem um mito fundador baseado numa guerra. Na nossa civilização, ocidental e europeia, sempre existiram grandes textos, em forma de prosa, poema ou canção, exaltando herois, batalhas, líderes. Ainda ao fim do século XIX, tempo recente em termos históricos, guerras eram exaltadas. Mas tudo mudou na de 1914. Aconteceu alguma coisa ali que fez com que tudo desmoronasse. Após a PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL, nenhuma guerra seria vista como questão de honra. Na Segunda Guerra ainda haveria a questão do dever e do BEM, Hitler era o mal absoluto, mas beleza e nobreza, nunca mais. -------------- Até fins do século XIX a guerra era familiar. Por várias razões. Toda família tinha alguém que era ou fora soldado. Toda vizinhança tinha seu ex combatente. A vida militar era próxima, comum, inquestionável. Uma nação era um conjunto de famílias, de ruas e de coisas muito conhecidas. Uma nação tinha odor, tinha som, tinha toque. Ir à guerra era honrar um avô ou um tio que lá estivera e também era defender as cores pela qual tantos morreram. ---------------- Mas havia mais. Estupros e roubos sempre existiram, mas eram punidos ou pelo menos vergonhosos. A guerra se dava em campo escolhido, com momento acordado e divisões bem alinhadas. Somente bárbaros não seguiam a etiqueta mínima da guerra. O inimigo era como voce, uniformes e armas parecidas, táticas elaboradas, um jogo de morte e de horror, mas era um jogo. Estar lá era como estar numa onda de febre ou em velório: fazia parte da vida. A guerra era parte do costume. ------------- Ao contrário do que se pensa, morria-se pouco. Havia muita mutilação, mas os índices de mortes eram por volta de 30% numa batalha. Na Idade Média era ainda menor. A chance de voltar de uma guerra coberto de medalhas era de 70%. Era um jogo com boas chances. Por isso tantos iam à guerra. ---------------- Em 1914 se alistaram com esse espírito. E só no campo de morte descobriram que o índice de mortes era de 80% !!!!! Na aviação a chance de morrer após 3 batalhas aéreas era de 90% !!!! Pela primeira vez se morria mais do que se sobrevivia. A evolução científica do extermínio destruíra a guerra honrosa. Gás, fogo, metralhadoras, canhões, granadas, minas....lama, arame farpado....eram batalhas que não tinham hora para começar e por isso duravam anos. O campo de batalha se alastrava como tumor. Não era mais um jogo. Era uma anarquia. -------------------- Quem sofreu um trauma sabe que o começo da cura vem pela capacidade de narrar esse trauma. Uma dor absurda, na narrativa, adquire contornos de história, encontram-se razões, inventam-se porques. Porém a dor muito funda, a dor que não se transforma em narrativa, nunca passa. Ela fica como zona sem palavras, sem luz e sem ar. Um inferno irracional e portanto inalcansável. Esse o trauma mundial criado em 1914. O soldado que foi buscar honra encontrou tédio, tripas, barulho, sangue e medo, muito medo. A coragem valia menos que a covardia. ---------------- Winnicott percebeu que soldados de volta do front não sonhavam mais. Claro: sem a capacidade de narrar, como sonhar? JUnguiano que sou, eu sei que o inconsciente está presente, não se perde isso, mas ele pode se tornar inacessível, incompreensível ou tão assustador que esquecemos do que lá encontramos. Uma grande emoção faz com que possamos acessar nosso inconsciente, mas uma emoção aterradora demais faz com que o calemos. Houve uma ruptura em 1914. Perdemos a capacidade de literalmente SONHAR. Afastamos Deus, afastamos a poesia, matamos o heroísmo. O ruído da batalha não era mais composto de galopes, gritos, tambores e espadas retinindo. Eram estrondos que ensurdecem. Incompreensíveis. Mecânicos. Indiferentes. ---------------------- É isso.
SANGUE, SUOR E LÁGRIMAS - WINSTON CHURCHILL
Frequento sebos a já trinta anos. Meu primeiro foi o velho Bagdá Books, que ficava na rua Joaquim Floriano. Foi fechado em 2010. Desde sempre eu via nesses sebos a coleção dos Prêmios Nobel, da editora Delta em capa dura. Um volume para cada vencedor do prêmio sueco, tendo no livro a biografia do autor e uma obra do contemplado. Essa coleção se encerrou em 1968, portanto Kawabata foi o último livro.
Minha primeira compra foi o volume de Yeats, adquirido em 1993. Com o correr desses anos, essa coleção variou de encalhe de sebo, onde cada volume valia 10 reais, ao que é hoje, item difícil de achar. Um dos sebos que frequento comprou a coleção inteira de um particular e levo um susto ao ver que o Yeats que possuo vale agora 100 reais. O mais caro é Camus, 300 reais. Dois Churchill, dos quais falarei agora, custam 160 reais, 80 cada um. Churchill é o único na coleção que saiu em dois livros.
Muita gente não sabe que ele ganhou o Nobel de literatura. Foi em 1953. Antes de Heminguay portanto. Claro que houve muito de homenagem ao herói de guerra, mas Churchill foi um grande autor e escrever foi sempre um de seus mais dedicados trabalhos. Além de vários livros biográficos, Winston lançou uma história da civilização de língua inglesa, monumental, e uma história da segunda guerra. Aqui temos os discursos que ele fez entre 1938-1940, os anos onde ele preparou a Inglaterra para a guerra.
Parece chato? Discurso de político? Pois é...esquecemos a arte do discurso. Churchill nos faz lembrar o que isso foi um dia.
No mundo grego e romano, a arte da oratória era a maior de todas. Saber falar em público, saber se dirigir ao público, era uma arte que requeria dom e aprendizado. Eles colocavam esse prazer acima do teatro e da escultura. Cicero, Seneca, Marcial, todos foram mestres da retórica, a arte de falar. Nós perdemos esse dom em algum ponto do século XIX. No século XX o orador já era visto como caricatura. Churchill foi em tudo um homem do século XIX ( apesar de ter vivido até 1954 ). Ler seus discursos é mais que ler algo de belo, é aprender a raciocinar. Ele expõe, argumenta, defende sua tese e convence. Então passa a unir em uma ideia quem o escuta. E carrega avante um povo. Não, nada de discurso de filme de guerra, não! Ele jamais é apelativo e muito menos emocional. Nada de chantagem ao patriotismo. Isto não é Hollywood. Churchill é aristocrata. Sua voz é sempre fria, quase impessoal. Ele ergueu a nação usando a elegância, e afirmando a identidade de todo cidadão. Em sua totalidade os discursos são um rememorar. Nós europeus somos assim. Nunca se esqueçam disso. Devemos defender nossos valores. São nosso maior tesouro. Essa a base de toda sua oratória.
Lendo os discursos acompanhamos tudo que aconteceu no mundo entre 1938-1940. E eis a prova: Sim, Churchill nesses anos pregou sozinho. Vemos incrédulos a Alemanha tomar a Austria e a Tchecoslovaquia, e a Europa, passiva, tentar fazer acordos diplomáticos com Hitler. Vemos a Polonia sendo cercada e depois repartida entre alemães e russos ( sim, Russia já em 40 ), enquanto o presidente dos EUA, Roosevelt, mandava mensagens para Hitler ter bom senso! Bom senso! Causa espanto ver em 1940 o congresso americano aprovar um adendo de neutralidade. Os EUA se afirmavam NEUTROS em relação à Europa.
Vemos a Bélgica cair enquanto seu rei se entregava alegremente. Vemos a França perder a guerra em UM MÊS! Um mês! Lemos o magnífico discurso de Churchill sobre Dunquerque, afirmando que não há o que comemorar, uma retirada jamais é motivo para comemoração. Atrapalhados, os ministros ingleses esperaram até o último instante para crer na guerra. Causa hoje asco perceber como eles nunca acreditaram que Hitler fosse um perigo, quiseram crer que a Alemanha jamais iria querer correr o risco da guerra, tentaram BAJULAR Hitler todo o tempo. A filosofia mundial era: Oh...deixe Adolf pegar a Austria, talvez ele se acalme...deixe Adolf pegar a Noruega, quem sabe ele pare por aí....
Churchill clamava desde 1938: Vamos unir a Europa contra a Alemanha. Eles não atacarão a Noruega se souberem que a Suecia e a Dinamarca lutarão juntas. Não irão invadir a Bélgica se souberem que a França e a Inglaterra irão a defender. Ninguém ouviu. Ele ainda falava algo que hoje é provado estar certo e que na época parecia mentira: a paz pode ser garantida com uma nação fortemente armada. Não se consegue a paz em acordos assinados, Hitler rompeu todos eles, a paz se consegue quando há o temor do revide. URSS e EUA jamais entraram em guerra só por esse motivo. Israel não foi riscado do mapa por isso. A India nunca aniquilou o Paquistão por temer as bombas do vizinho. Churchill, sempre pragmático, dizia que a democracia e a liberdade só poderiam ser defendidas com um exército forte, e que cabia à Inglaterra, único país europeu a jamais em sua história ter tolerado um tirano, a defesa do direito mundial. Mussolini tomava Etiópia e Albânia, Hitler tomava a Polonia, Franco reinava na Espanha, a Russia era uma ditadura bolchevique, cabia ao povo inglês salvar a liberdade ameaçada. Esse o apelo central: Lembrar do que eles foram e se armar para continuar a ser o que se é. Retórica base do conservadorismo saxão: Ódio à tudo que signifique ameaça aquilo que voce é. Essa mensagem calou fundo na mente dos britânicos. Todos logo se alistaram.
PS: Se no século XX a arte da retórica foi extinta, devo dizer que no XXI é a arte da conversação que morre. A conversa, que nos século XVII era chamada de a mais fina das artes, desaparece agora de nosso mundo. Não há conversa quando não se escuta.
Minha primeira compra foi o volume de Yeats, adquirido em 1993. Com o correr desses anos, essa coleção variou de encalhe de sebo, onde cada volume valia 10 reais, ao que é hoje, item difícil de achar. Um dos sebos que frequento comprou a coleção inteira de um particular e levo um susto ao ver que o Yeats que possuo vale agora 100 reais. O mais caro é Camus, 300 reais. Dois Churchill, dos quais falarei agora, custam 160 reais, 80 cada um. Churchill é o único na coleção que saiu em dois livros.
Muita gente não sabe que ele ganhou o Nobel de literatura. Foi em 1953. Antes de Heminguay portanto. Claro que houve muito de homenagem ao herói de guerra, mas Churchill foi um grande autor e escrever foi sempre um de seus mais dedicados trabalhos. Além de vários livros biográficos, Winston lançou uma história da civilização de língua inglesa, monumental, e uma história da segunda guerra. Aqui temos os discursos que ele fez entre 1938-1940, os anos onde ele preparou a Inglaterra para a guerra.
Parece chato? Discurso de político? Pois é...esquecemos a arte do discurso. Churchill nos faz lembrar o que isso foi um dia.
No mundo grego e romano, a arte da oratória era a maior de todas. Saber falar em público, saber se dirigir ao público, era uma arte que requeria dom e aprendizado. Eles colocavam esse prazer acima do teatro e da escultura. Cicero, Seneca, Marcial, todos foram mestres da retórica, a arte de falar. Nós perdemos esse dom em algum ponto do século XIX. No século XX o orador já era visto como caricatura. Churchill foi em tudo um homem do século XIX ( apesar de ter vivido até 1954 ). Ler seus discursos é mais que ler algo de belo, é aprender a raciocinar. Ele expõe, argumenta, defende sua tese e convence. Então passa a unir em uma ideia quem o escuta. E carrega avante um povo. Não, nada de discurso de filme de guerra, não! Ele jamais é apelativo e muito menos emocional. Nada de chantagem ao patriotismo. Isto não é Hollywood. Churchill é aristocrata. Sua voz é sempre fria, quase impessoal. Ele ergueu a nação usando a elegância, e afirmando a identidade de todo cidadão. Em sua totalidade os discursos são um rememorar. Nós europeus somos assim. Nunca se esqueçam disso. Devemos defender nossos valores. São nosso maior tesouro. Essa a base de toda sua oratória.
Lendo os discursos acompanhamos tudo que aconteceu no mundo entre 1938-1940. E eis a prova: Sim, Churchill nesses anos pregou sozinho. Vemos incrédulos a Alemanha tomar a Austria e a Tchecoslovaquia, e a Europa, passiva, tentar fazer acordos diplomáticos com Hitler. Vemos a Polonia sendo cercada e depois repartida entre alemães e russos ( sim, Russia já em 40 ), enquanto o presidente dos EUA, Roosevelt, mandava mensagens para Hitler ter bom senso! Bom senso! Causa espanto ver em 1940 o congresso americano aprovar um adendo de neutralidade. Os EUA se afirmavam NEUTROS em relação à Europa.
Vemos a Bélgica cair enquanto seu rei se entregava alegremente. Vemos a França perder a guerra em UM MÊS! Um mês! Lemos o magnífico discurso de Churchill sobre Dunquerque, afirmando que não há o que comemorar, uma retirada jamais é motivo para comemoração. Atrapalhados, os ministros ingleses esperaram até o último instante para crer na guerra. Causa hoje asco perceber como eles nunca acreditaram que Hitler fosse um perigo, quiseram crer que a Alemanha jamais iria querer correr o risco da guerra, tentaram BAJULAR Hitler todo o tempo. A filosofia mundial era: Oh...deixe Adolf pegar a Austria, talvez ele se acalme...deixe Adolf pegar a Noruega, quem sabe ele pare por aí....
Churchill clamava desde 1938: Vamos unir a Europa contra a Alemanha. Eles não atacarão a Noruega se souberem que a Suecia e a Dinamarca lutarão juntas. Não irão invadir a Bélgica se souberem que a França e a Inglaterra irão a defender. Ninguém ouviu. Ele ainda falava algo que hoje é provado estar certo e que na época parecia mentira: a paz pode ser garantida com uma nação fortemente armada. Não se consegue a paz em acordos assinados, Hitler rompeu todos eles, a paz se consegue quando há o temor do revide. URSS e EUA jamais entraram em guerra só por esse motivo. Israel não foi riscado do mapa por isso. A India nunca aniquilou o Paquistão por temer as bombas do vizinho. Churchill, sempre pragmático, dizia que a democracia e a liberdade só poderiam ser defendidas com um exército forte, e que cabia à Inglaterra, único país europeu a jamais em sua história ter tolerado um tirano, a defesa do direito mundial. Mussolini tomava Etiópia e Albânia, Hitler tomava a Polonia, Franco reinava na Espanha, a Russia era uma ditadura bolchevique, cabia ao povo inglês salvar a liberdade ameaçada. Esse o apelo central: Lembrar do que eles foram e se armar para continuar a ser o que se é. Retórica base do conservadorismo saxão: Ódio à tudo que signifique ameaça aquilo que voce é. Essa mensagem calou fundo na mente dos britânicos. Todos logo se alistaram.
PS: Se no século XX a arte da retórica foi extinta, devo dizer que no XXI é a arte da conversação que morre. A conversa, que nos século XVII era chamada de a mais fina das artes, desaparece agora de nosso mundo. Não há conversa quando não se escuta.
CORONEL BLIMP, MICHAEL POWELL. GENTLEMAN
Tendemos a não crer que um dia as coisas foram diferentes. Não existem mais pessoas vivas que eram adultas nos anos de 1930. Então quando lemos testemunhos de um mundo diferente, tendemos a pensar que tudo é apenas caso de nostalgia. Coronel Blimp, filme de Michael Powell feito em 1942, no auge da segunda guerra, o momento em que realmente parecia que Hitler iria vencer, fala do assunto que Churchill menos queria ouvir falar então: Bons Modos.
Churchill tinha sangue azul e era um conservador. Portanto ele conhecera o mundo de Blimp. Mas em 1942 ele já incutira na mente dos ingleses que para vencer a Alemanha era preciso lutar como os nazis lutavam: de um modo sujo. Sem respeitar acordos. O vale tudo absoluto. A destruição total. Blimp é um general que ainda crê na honra entre iguais e nos bons modos mesmo na guerra.
O filme foi em seu tempo um fracasso de público e poucos críticos lhe deram atenção. Hoje é chamado de obra prima por gente como Roger Ebert, Martin Scorsese e Copolla. Falo agora do que vemos...
Ele é dividido em 3 grandes blocos. No primeiro, todo em clima de comédia farsesca, vemos Blimp já velho, em 1942, sendo ofendido por jovens soldados da nova geração. Fazem uma palhaçada com ele. Então vem um flash back e vamos à 1902. Jovem, Blimp vai à Berlin resolver um problema. Lá, se envolve em duelo com oficial alemão. Estranhamos o duelo e o que acontece depois como se fosse um tipo de fantasia para crianças. Mas aquele é exatamente o mundo dos oficiais em 1902. O mesmo mundo que Renoir mostra em outro filme sobre o mesmo tema. Acima de tudo há o orgulho em se manter um bom nome. Um compromisso de classe. Um código de honra que precisa ser mantido para que a civilização que se defende não desabe. Observe bem essa frase: A civilização não desabe. A educação humanista da época pregava isso: Acima de Alemanha ou Inglaterra, vinha a civilização romana-cristã-ocidental. Tudo poderia ser perdido, menos essa base. O código de honra a mantinha a salvo.
No segundo bloco está a primeira guerra mundial, e aí o código começa a ruir. A guerra química destrói o acordo de cavalheiros e a Alemanha dá o primeiro chute no início do fim. Blimp diz que é um orgulho ter vencido a guerra dentro do código de respeito e honra, mas ele está enganado. Os ingleses já usam a tortura para obter confissões. E após a guerra erram ao humilhar os vencidos. Esse segundo bloco é já em outro clima, o filme fica mais seco e a comédia desaparece.
O terceiro bloco é trágico. É a segunda guerra e Blimp é afastado do exército. Suas crenças atrapalham a nação. A Inglaterra luta como a Alemanha, de modo sujo. O filme se torna trágico e de uma beleza absoluta. A fala do amigo alemão, tentando obter refúgio em solo inglês, é comovente.
Paralelamente à tudo isso, há a amizade entre os dois duelistas. Blimp e o alemão mantém a amizade porque ambos acreditam nas mesmas coisas. Mais que ingles e alemão, eles são civilizados. A mulher que o alemão rouba de Blimp, sem saber, é o símbolo do mundo perdido pelo general, a beleza que jamais poderá voltar.
É um filme imenso em todos os sentidos. Roger Livesey como Blimp tem uma das melhores atuações da história do cinema, e Anton Wallbrock como o alemão é ainda mais fascinante. O filme é considerado um exemplo do estilo biográfico. Ele humilha as biografias feitas nos últimos anos.
Voce pode falar que na idade média se torturava etc etc etc. Sim. É fato. Mas se torturava quem não fazia parte do universo dentro do código: o herege. Entre iguais se observava a honra da guerra justa. Cinismo? Pode ser. Mas dentro dessa civilização, a nossa, havia pelo menos essa certeza. A guerra feita com hora e local marcado, dentro de um limite. Quando esse limite era quebrado, e era, a punição era exemplar. Os crimes cometidos em países fora da Europa eram crimes contra outra civilização. O que Blimp diz, e que tanto irritou Churchill, é que ingleses e alemães são da mesma origem, têm os mesmos códigos e se os alemães erraram, e realmente erraram, o filme deixa isso muito claro, são ainda participantes da mesma civilização.
Vivemos um tempo de relativismo e achamos extremamente falso um código de honra que abrange apenas os iguais. Mas mesmo no globalismo atual é isso que acontece. Voce respeita quem é da sua tribo e só quem compartilha de suas crenças. O problema pós nazismo é que não há limite algum mesmo dentro da tribo. Vale tudo para vencer, mesmo que se negue a sua própria honra.
Não existe civilização sem acordo. Não vale a pena manter uma estrutura baseada apenas no prazer. Blimp sabe que o que dá sentido à vida é a crença em coisas que estão acima e além de voce mesmo.
O filme, antigo, velho, ultrapassado, está muito além do cinema.
Churchill tinha sangue azul e era um conservador. Portanto ele conhecera o mundo de Blimp. Mas em 1942 ele já incutira na mente dos ingleses que para vencer a Alemanha era preciso lutar como os nazis lutavam: de um modo sujo. Sem respeitar acordos. O vale tudo absoluto. A destruição total. Blimp é um general que ainda crê na honra entre iguais e nos bons modos mesmo na guerra.
O filme foi em seu tempo um fracasso de público e poucos críticos lhe deram atenção. Hoje é chamado de obra prima por gente como Roger Ebert, Martin Scorsese e Copolla. Falo agora do que vemos...
Ele é dividido em 3 grandes blocos. No primeiro, todo em clima de comédia farsesca, vemos Blimp já velho, em 1942, sendo ofendido por jovens soldados da nova geração. Fazem uma palhaçada com ele. Então vem um flash back e vamos à 1902. Jovem, Blimp vai à Berlin resolver um problema. Lá, se envolve em duelo com oficial alemão. Estranhamos o duelo e o que acontece depois como se fosse um tipo de fantasia para crianças. Mas aquele é exatamente o mundo dos oficiais em 1902. O mesmo mundo que Renoir mostra em outro filme sobre o mesmo tema. Acima de tudo há o orgulho em se manter um bom nome. Um compromisso de classe. Um código de honra que precisa ser mantido para que a civilização que se defende não desabe. Observe bem essa frase: A civilização não desabe. A educação humanista da época pregava isso: Acima de Alemanha ou Inglaterra, vinha a civilização romana-cristã-ocidental. Tudo poderia ser perdido, menos essa base. O código de honra a mantinha a salvo.
No segundo bloco está a primeira guerra mundial, e aí o código começa a ruir. A guerra química destrói o acordo de cavalheiros e a Alemanha dá o primeiro chute no início do fim. Blimp diz que é um orgulho ter vencido a guerra dentro do código de respeito e honra, mas ele está enganado. Os ingleses já usam a tortura para obter confissões. E após a guerra erram ao humilhar os vencidos. Esse segundo bloco é já em outro clima, o filme fica mais seco e a comédia desaparece.
O terceiro bloco é trágico. É a segunda guerra e Blimp é afastado do exército. Suas crenças atrapalham a nação. A Inglaterra luta como a Alemanha, de modo sujo. O filme se torna trágico e de uma beleza absoluta. A fala do amigo alemão, tentando obter refúgio em solo inglês, é comovente.
Paralelamente à tudo isso, há a amizade entre os dois duelistas. Blimp e o alemão mantém a amizade porque ambos acreditam nas mesmas coisas. Mais que ingles e alemão, eles são civilizados. A mulher que o alemão rouba de Blimp, sem saber, é o símbolo do mundo perdido pelo general, a beleza que jamais poderá voltar.
É um filme imenso em todos os sentidos. Roger Livesey como Blimp tem uma das melhores atuações da história do cinema, e Anton Wallbrock como o alemão é ainda mais fascinante. O filme é considerado um exemplo do estilo biográfico. Ele humilha as biografias feitas nos últimos anos.
Voce pode falar que na idade média se torturava etc etc etc. Sim. É fato. Mas se torturava quem não fazia parte do universo dentro do código: o herege. Entre iguais se observava a honra da guerra justa. Cinismo? Pode ser. Mas dentro dessa civilização, a nossa, havia pelo menos essa certeza. A guerra feita com hora e local marcado, dentro de um limite. Quando esse limite era quebrado, e era, a punição era exemplar. Os crimes cometidos em países fora da Europa eram crimes contra outra civilização. O que Blimp diz, e que tanto irritou Churchill, é que ingleses e alemães são da mesma origem, têm os mesmos códigos e se os alemães erraram, e realmente erraram, o filme deixa isso muito claro, são ainda participantes da mesma civilização.
Vivemos um tempo de relativismo e achamos extremamente falso um código de honra que abrange apenas os iguais. Mas mesmo no globalismo atual é isso que acontece. Voce respeita quem é da sua tribo e só quem compartilha de suas crenças. O problema pós nazismo é que não há limite algum mesmo dentro da tribo. Vale tudo para vencer, mesmo que se negue a sua própria honra.
Não existe civilização sem acordo. Não vale a pena manter uma estrutura baseada apenas no prazer. Blimp sabe que o que dá sentido à vida é a crença em coisas que estão acima e além de voce mesmo.
O filme, antigo, velho, ultrapassado, está muito além do cinema.
OS ELEITOS - ALEX KERSHAW. A BATALHA DA GB.
Não, não confunda com o excelente filme de 1983 sobre os homens que quebraram a barreira do som. Em comum, apenas o ato de voar. Alex Kershaw escreveu uma boa biografia sobre Robert Capa e então este livro me pareceu bom. Não é não.
O tema é maravilhoso. Em 1940, cinco americanos ignoram a neutralidade americana e se alistam na RAF, a força aérea inglesa. Isso era crime nos EUA, e portanto eles fogem para o Canadá e de lá vão à França e por fim à Londres. Nenhum deles é militar. São apenas jovens que sabem pilotar aviões. Nenhum deles sobrevive à guerra. Morrem em combate e só após Pearl Harbour é que os EUA entram na guerra.
Pois bem, com um tema desses, o livro consegue ser truncado, chato, repetitivo, boçal. Como pode isso? Então percebo o porque. Tradução porca! As frases sem sentido se acumulam, verbos repetidos à granel, frases que não fluem, toscas, sujas. Creio firmemente que ele foi traduzido em algum programa de computador, e tenho certeza que não foi revisado.
Então me desculpe Kershaw, mas eu na verdade não li seu livro. O que li é um amontoado de palavras que se atropelam e cansam a leitura de qualquer um.
Pena.
O tema é maravilhoso. Em 1940, cinco americanos ignoram a neutralidade americana e se alistam na RAF, a força aérea inglesa. Isso era crime nos EUA, e portanto eles fogem para o Canadá e de lá vão à França e por fim à Londres. Nenhum deles é militar. São apenas jovens que sabem pilotar aviões. Nenhum deles sobrevive à guerra. Morrem em combate e só após Pearl Harbour é que os EUA entram na guerra.
Pois bem, com um tema desses, o livro consegue ser truncado, chato, repetitivo, boçal. Como pode isso? Então percebo o porque. Tradução porca! As frases sem sentido se acumulam, verbos repetidos à granel, frases que não fluem, toscas, sujas. Creio firmemente que ele foi traduzido em algum programa de computador, e tenho certeza que não foi revisado.
Então me desculpe Kershaw, mas eu na verdade não li seu livro. O que li é um amontoado de palavras que se atropelam e cansam a leitura de qualquer um.
Pena.
DOIS CASOS DO LIVRO DE MICHAEL KORDA.
Deixe-me contar dois momentos muito interessantes que mostram a beleza do livro que resenho abaixo ( Michael Korda, Asas de Águia ).
Primeiro: Um piloto alemão é atingido e salta de paraquedas. Cai em um campo de golfe. Recolhido por associados, ferido, é levado ao bar do clube, "para ser reanimado". Um dos sócios, ao ver o piloto no bar, exclama: "Meu Deus! Olhe esse sócio! Como deixaram ele entrar vestido assim?"
Segundo: Em gloriosas manhãs de inverno, pessoas fazem piquenique. A postura inglesa, sempre fleugmática, foi a de encarar tudo como se nada estivesse acontecendo. Pois bem, todos olham para o céu e observam a batalha no céu. Sem som, pois a distância é muita, aviões se perseguem e deixam rastros brancos no azul. Explosões laranja, quedas e chamas...os sanduíches de pepino são servidos, o chá, e a vida continua...
PS: Os alemães sentiram na pele essa fleuma pela primeira vez ao captar as previsões do tempo: "Aqui é a BBC falando...Tempo bom hoje com previsão de garoa e neblina por toda a tarde. 9 graus".
Só na Inglaterra isso é chamado de tempo bom! Cancelem a missão!
Primeiro: Um piloto alemão é atingido e salta de paraquedas. Cai em um campo de golfe. Recolhido por associados, ferido, é levado ao bar do clube, "para ser reanimado". Um dos sócios, ao ver o piloto no bar, exclama: "Meu Deus! Olhe esse sócio! Como deixaram ele entrar vestido assim?"
Segundo: Em gloriosas manhãs de inverno, pessoas fazem piquenique. A postura inglesa, sempre fleugmática, foi a de encarar tudo como se nada estivesse acontecendo. Pois bem, todos olham para o céu e observam a batalha no céu. Sem som, pois a distância é muita, aviões se perseguem e deixam rastros brancos no azul. Explosões laranja, quedas e chamas...os sanduíches de pepino são servidos, o chá, e a vida continua...
PS: Os alemães sentiram na pele essa fleuma pela primeira vez ao captar as previsões do tempo: "Aqui é a BBC falando...Tempo bom hoje com previsão de garoa e neblina por toda a tarde. 9 graus".
Só na Inglaterra isso é chamado de tempo bom! Cancelem a missão!
COM ASAS DE ÁGUIA - MICHAEL KORDA
Sir Hugh Dowding é o personagem principal deste livro. Foi ele quem, ainda nos anos de 36-37, teve a desacreditada ideia, de dar à Grã-Bretanha, um sistema de radar e de comunicação que fez com que em 1940, a Alemanha de Hitler e de Goring pudesse ser detida. Foi Dowding que inventou o sistema que vemos em qualquer filme de guerra atual: a sala com uma mesa onde vemos o avanço de tropas, navios ou aviões; um quadro na parede com batalhas em tempo real; linhas telefônicas ligadas a radares; liderança central e coordenação de todo um território minuto a minuto. Os nazistas vinham em ondas de aviões, mas os ingleses já sabiam de onde eles vinham e quantos eles eram. Para preservar pilotos e aviões, Dowding liberava apenas o necessário para cada missão. Os alemães nunca souberam assim, quantos eram os aviões ingleses no total. ( Eram muito mais do que eles pensavam ).
Beppo Schmidt talvez seja o cara que fez a Alemanha perder. Era o informante alemão. E nesse papel ele foi um desastre. Informava que pistas abandonadas ainda eram usadas, confundia fábricas com centros de armas, campos desertos com áreas militares. Preguiçoso, bastaria ter lido um guia turístico para saber onde jogar suas bombas. Sim!!!! Korda diz que o guia Shell de turismo informava onde estavam as bases militares. Todas elas. Beppo jamais leu esses guias. Usava apenas seu binóculo em viagens de espionagem regadas à vinho e mulheres...
Os alemães erraram e muito. Acreditavam que os ingleses, covardes, se renderiam ao primeiro tiro. Hitler não queria invadir a ilha, ele esperava uma rendição rápida e sem dor. Acabou tendo de lutar, e Goring, líder da aeronáutica, era uma figura patética. Hiper vaidoso, cercado por luxo, inflexível, mal visitava suas bases, trancada em seu palácio nos arredores de Paris. Os pilotos alemães foram jogados ao acaso em missões sempre mal planejadas e mal nutridas. Mas houve mais...
Tivesse atacado com tudo logo após Dunquerque, Hitler poderia ter vencido; mas ele deu tempo à Dowding. Comemorando a posse da França, o tempo se esvaiu, e quando se voltou para a ilha ela já estava pronta. Spitfires e Hurricanes a postos, eles eram mais rápidos que os Stukas e os Bf 110 da Alemanha. Korda descreve as batalhas acontecidas entre agosto e outubro de 1940, dia a dia, perda a perda. Dá nome aos pilotos heróis, dos dois lados, fala dos voluntários do Canadá, da Nova Zelândia, da Polonia, os tchecos, os americanos. Nos sentimos no dia a dia desses jovens, sem poder dormir, partindo em até 4 missões por dia, com uma expectativa de vida de cinco missões. A adrenalina nos é passada pelo texto, nos sentimos no ar, em perigo, olho a olho. Os esquadrões de milionários, com suas echarpes de seda e seu glamour; os esquadrões de artistas; as mulheres nas bases sob bombas. É o tipo de livro que não se consegue parar de ler.
Michael Korda, o autor, lutou na Hungria na revolução de 1956. Piloto, é filho de Vincent Korda e sobrinho de Alexander Korda, dois emigrantes húngaros que são nomes centrais no cinema inglês dos anos 30 e 40. Até Oscar eles ganharam. Michael escreve com elegância e nunca parece ufanista. Inclusive reconhece que Londres só foi bombardeada depois que Churchill mandou jogar bombas sobre o território alemão. Todo o acaso da guerra, e da vida, afloram no texto.
Que delícia de se ler...
Beppo Schmidt talvez seja o cara que fez a Alemanha perder. Era o informante alemão. E nesse papel ele foi um desastre. Informava que pistas abandonadas ainda eram usadas, confundia fábricas com centros de armas, campos desertos com áreas militares. Preguiçoso, bastaria ter lido um guia turístico para saber onde jogar suas bombas. Sim!!!! Korda diz que o guia Shell de turismo informava onde estavam as bases militares. Todas elas. Beppo jamais leu esses guias. Usava apenas seu binóculo em viagens de espionagem regadas à vinho e mulheres...
Os alemães erraram e muito. Acreditavam que os ingleses, covardes, se renderiam ao primeiro tiro. Hitler não queria invadir a ilha, ele esperava uma rendição rápida e sem dor. Acabou tendo de lutar, e Goring, líder da aeronáutica, era uma figura patética. Hiper vaidoso, cercado por luxo, inflexível, mal visitava suas bases, trancada em seu palácio nos arredores de Paris. Os pilotos alemães foram jogados ao acaso em missões sempre mal planejadas e mal nutridas. Mas houve mais...
Tivesse atacado com tudo logo após Dunquerque, Hitler poderia ter vencido; mas ele deu tempo à Dowding. Comemorando a posse da França, o tempo se esvaiu, e quando se voltou para a ilha ela já estava pronta. Spitfires e Hurricanes a postos, eles eram mais rápidos que os Stukas e os Bf 110 da Alemanha. Korda descreve as batalhas acontecidas entre agosto e outubro de 1940, dia a dia, perda a perda. Dá nome aos pilotos heróis, dos dois lados, fala dos voluntários do Canadá, da Nova Zelândia, da Polonia, os tchecos, os americanos. Nos sentimos no dia a dia desses jovens, sem poder dormir, partindo em até 4 missões por dia, com uma expectativa de vida de cinco missões. A adrenalina nos é passada pelo texto, nos sentimos no ar, em perigo, olho a olho. Os esquadrões de milionários, com suas echarpes de seda e seu glamour; os esquadrões de artistas; as mulheres nas bases sob bombas. É o tipo de livro que não se consegue parar de ler.
Michael Korda, o autor, lutou na Hungria na revolução de 1956. Piloto, é filho de Vincent Korda e sobrinho de Alexander Korda, dois emigrantes húngaros que são nomes centrais no cinema inglês dos anos 30 e 40. Até Oscar eles ganharam. Michael escreve com elegância e nunca parece ufanista. Inclusive reconhece que Londres só foi bombardeada depois que Churchill mandou jogar bombas sobre o território alemão. Todo o acaso da guerra, e da vida, afloram no texto.
Que delícia de se ler...
MATADOURO CINCO
Voce ama ou odeia. MATADOURO CINCO é um filme que impressiona de cara: uma máquina de escrever datilografa a história de um homem que está preso numa viagem pelo tempo. E voce estará preso em um filme que viaja pelo dentro de fora, pelo real e pelo imaginário, pelo futuro e pelo passado.
Pilgrim é um bobo. Calado, não muito esperto, ele é preso do acaso. É um soldado na segunda guerra. É preso pelos alemães. Vê uma nave no céu. Cresce na América dos anos 40-50-60. Casa com uma mulher que não ama. É raptado e enviado para o futuro. Descobre o sexo já na maturidade. Vê a destruição de Dresden pelos aliados.
George Roy Hill dirigiu este filme em 1972. Após seu sucesso em Butch Cassidy, ele faz um filme de "arte". Usa o livro de Kurt Vonnegut Jr. Usa a fotografia belíssima de Miroslav Ondrieck ( tcheco dos filmes de Milos Forman ). Usa a música de Bach tocada por Glenn Gould. E tudo isso junto faz deste filme uma coisa deliciosa, engraçada e trágica, muito trágica e muito engraçada.
As cenas se sucedem em cortes. Cenas muito curtas, algumas muito longas. Aquelas no planeta alienígena são as mais difíceis, o que é aquilo afinal? Seria esta Terra vista sob outro foco? O limite como prazer? Ou Vonnegut brinca com a física quântica? E há a beleza inenarrável de Dresden. Vemos o paraíso possível, humano, ser destruído inutilmente pelo homem, que se cria o céu cria o inferno também. Dresden foi tão destruída quanto Nagasaki. A cidade inteira foi arrasada em uma noite. Toneladas de bombas incendiárias jogadas sobre uma cidade que não tinha tropas e nem fábricas. Uma simples vingança. O filme não faz draminha: tudo é mostrado de forma seca. É de uma aterradora beleza. É o centro da vida de Pilgrim, um Forrest Gump sem doce simpatia spielberguiana.
Este filme foi um grande fracasso. Hoje parece obra de gênio. Ele prova o quão miserável é nosso cinema atual.
Em sequência George Roy Hill ganharia o Oscar com Golpe de Mestre.
Pilgrim é um bobo. Calado, não muito esperto, ele é preso do acaso. É um soldado na segunda guerra. É preso pelos alemães. Vê uma nave no céu. Cresce na América dos anos 40-50-60. Casa com uma mulher que não ama. É raptado e enviado para o futuro. Descobre o sexo já na maturidade. Vê a destruição de Dresden pelos aliados.
George Roy Hill dirigiu este filme em 1972. Após seu sucesso em Butch Cassidy, ele faz um filme de "arte". Usa o livro de Kurt Vonnegut Jr. Usa a fotografia belíssima de Miroslav Ondrieck ( tcheco dos filmes de Milos Forman ). Usa a música de Bach tocada por Glenn Gould. E tudo isso junto faz deste filme uma coisa deliciosa, engraçada e trágica, muito trágica e muito engraçada.
As cenas se sucedem em cortes. Cenas muito curtas, algumas muito longas. Aquelas no planeta alienígena são as mais difíceis, o que é aquilo afinal? Seria esta Terra vista sob outro foco? O limite como prazer? Ou Vonnegut brinca com a física quântica? E há a beleza inenarrável de Dresden. Vemos o paraíso possível, humano, ser destruído inutilmente pelo homem, que se cria o céu cria o inferno também. Dresden foi tão destruída quanto Nagasaki. A cidade inteira foi arrasada em uma noite. Toneladas de bombas incendiárias jogadas sobre uma cidade que não tinha tropas e nem fábricas. Uma simples vingança. O filme não faz draminha: tudo é mostrado de forma seca. É de uma aterradora beleza. É o centro da vida de Pilgrim, um Forrest Gump sem doce simpatia spielberguiana.
Este filme foi um grande fracasso. Hoje parece obra de gênio. Ele prova o quão miserável é nosso cinema atual.
Em sequência George Roy Hill ganharia o Oscar com Golpe de Mestre.
A GUERRA DE WITTGENSTEIN - BRUCE DUFFY
Enormes zeppelins cruzam o mar do norte a noite. Voam tão alto que os pilotos usam oxigênio. Frio. Como baleias voadoras, suas sombras surgem em cidades inglesas. E então eles vomitam bombas. É 1916. É a primeira vez que uma cidade é bombardeada dos ares.
Os alemães quebraram regras. O Kaiser quebrou códigos. 1939 seria a continuação de 1914. Nas trincheiras os austríacos lutavam contra os russos. O inferno completo. As palavras são fracas para descrever o horror absoluto. Não apenas a crueldade das bombas e dos tiros. A sujeira da lama, da bosta, dos ratos, das pulgas. O medo, a covardia, soldados que se exploram, os amotinados.
Pedaços de gente que insistem em não morrer. Atolados, com fome, com frio, com dor, com desespero.
Não era fácil ser Wittgenstein. Nasceu numa das mais ricas famílias da Europa. Em Viena. O pai teve vários filhos e filhas. Os dois mais velhos se suicidaram. Todos tinham talento musical. Nenhum dos herdeiros queria ser um empreendedor. O pai era vaidoso, exibido, forte, autoritário. E culto. Amava a música. Entrava em êxtase. Ludwig Wittgenstein nasceu com a crença de ser diferente. E isso o isolou do mundo. Estudou em casa, sempre tenso, veemente, agressivo, duro. E muito, muito rico. Estudou em Cambridge com Bertrand Russel e GH Moore. Os dois cobras da lógica em 1910. Lá, Ludi logo começa a se mostrar brilhante, confuso, cáustico, produtivo. E combativo. Ele desafia seus mestres, homens famosos, estrelas da filosofia europeia de então. Mas Ludi quer mais. Ou, menos.
Mora no norte da Noruega. Totalmente só. Constrói coisas com as mãos: cabanas, banheiro, barracas, móveis. Fica 3 anos por lá.
É sargento na Primeira Guerra. Está nas trincheiras. Sofre. Mata. Vê morrer milhares.
Abre mão da herança. Vira professor de crianças no lugar mais pobre da Austria falida. Se dá mal. Briga com os pais ignorantes. Perde 5 anos por lá.
Volta a Cambridge, consegue o doutorado e vira professor de filosofia na universidade. Agora já com sua homossexualidade assumida ( para si mesmo, ele foi assexuado até depois dos 30 anos ). Sofre por não ser pai, sofre por ser judeu, sofre por não confiar nas palavras, sofre por sua família esquisita, sofre por crer em Deus. Briga com seus antigos mestres, chama-os de ultrapassados, conquista seguidores em Cambridge, mas nunca é feliz.
Sim, é um belo personagem. Mas Duffy fala muito mais de Bertrand Russel e de Moore. Sua intenção é exibir Wittgenstein por contraste. Mas Russel é tão odiável!
Para quem não sabe, Bertrand Russel foi o filósofo mais famoso do mundo entre 1900-1960, e mesmo quando Sartre vira estrela, ele continua sendo um nome mundial, uma estrela da mídia. No começo ele foi o Papa da Lógica, o ateu furioso, o homem que ia unir a razão da filosofia à razão da matemática. Mas, com Wittgenstein seu tempo como pensador passou e então Bertrand Russel, gênio da comunicação, passa a ser o Rei do pacifismo, da educação ultra liberal, do Paz e Amor, do sexo livre. Russel viveu 99 anos, filho de condes, morreu só em 1972, e nos anos 60 ainda participava de passeatas hippies. Mas, com tudo isso, ele era um chato. Vaidoso, conquistador de mocinhas tolas, obcecado com a aparência, materialista extremado, ele era um personagem muito menos interessante que o austríaco. E o livro, de suas 650 páginas, gasta mais da metade com ele.
Quanto a Moore, um pacato filósofo lógico, também famoso, pacato pai de família, tímido, são gastas tantas páginas quanto com Ludi. Pena.
Wittgenstein nos deixou cerca de 300 páginas escritas por si mesmo. Muito pouco. Uma pena. Ele percebeu que a linguagem guarda o segredo da alma. Percebeu que a razão é uma criação artificial de filósofos iluministas. Que o homem não é racional. Que a linguagem não é racional. Que Deus não é razão.
A lingua não fala e não consegue falar daquilo que é mais importante´: ética, Deus, infinito, tempo, misticismo. Por isso o jogo. Palavras são peças de um jogo. Jogamos com regras fixas e assim procuramos nomear e comunicar tudo. E acabamos por não comunicar nada. Por isso ele se isolava. Por isso escreveu pouco. Ele sabia que as palavras nada podiam dizer. Que a verdade é silêncio.
Um exemplo simples: Eu tenho dor de dentes.
Primeiro: eu na verdade não tenho a dor. Segundo: posso estar mentindo. Terceiro: minha experiência de dor, aquilo que chamo de dor, pode ser absolutamente diferente da sua. Quarto: o que dói pode não ser o dente. Pode ser o nervo do dente, a gengiva, a coroa, ou até mesmo uma dor mental. Quinto: toda essa frase nada diz, é portanto, não lógica.
Como então expressar essa dor...se nem mesmo a dor é minha, ela se dá.
Talvez: A dor que parece ser em meus dentes surgiu em mim.
Depois de conhecer Wittgenstein voce nunca mais lerá como sempre esteve lendo.
Os alemães quebraram regras. O Kaiser quebrou códigos. 1939 seria a continuação de 1914. Nas trincheiras os austríacos lutavam contra os russos. O inferno completo. As palavras são fracas para descrever o horror absoluto. Não apenas a crueldade das bombas e dos tiros. A sujeira da lama, da bosta, dos ratos, das pulgas. O medo, a covardia, soldados que se exploram, os amotinados.
Pedaços de gente que insistem em não morrer. Atolados, com fome, com frio, com dor, com desespero.
Não era fácil ser Wittgenstein. Nasceu numa das mais ricas famílias da Europa. Em Viena. O pai teve vários filhos e filhas. Os dois mais velhos se suicidaram. Todos tinham talento musical. Nenhum dos herdeiros queria ser um empreendedor. O pai era vaidoso, exibido, forte, autoritário. E culto. Amava a música. Entrava em êxtase. Ludwig Wittgenstein nasceu com a crença de ser diferente. E isso o isolou do mundo. Estudou em casa, sempre tenso, veemente, agressivo, duro. E muito, muito rico. Estudou em Cambridge com Bertrand Russel e GH Moore. Os dois cobras da lógica em 1910. Lá, Ludi logo começa a se mostrar brilhante, confuso, cáustico, produtivo. E combativo. Ele desafia seus mestres, homens famosos, estrelas da filosofia europeia de então. Mas Ludi quer mais. Ou, menos.
Mora no norte da Noruega. Totalmente só. Constrói coisas com as mãos: cabanas, banheiro, barracas, móveis. Fica 3 anos por lá.
É sargento na Primeira Guerra. Está nas trincheiras. Sofre. Mata. Vê morrer milhares.
Abre mão da herança. Vira professor de crianças no lugar mais pobre da Austria falida. Se dá mal. Briga com os pais ignorantes. Perde 5 anos por lá.
Volta a Cambridge, consegue o doutorado e vira professor de filosofia na universidade. Agora já com sua homossexualidade assumida ( para si mesmo, ele foi assexuado até depois dos 30 anos ). Sofre por não ser pai, sofre por ser judeu, sofre por não confiar nas palavras, sofre por sua família esquisita, sofre por crer em Deus. Briga com seus antigos mestres, chama-os de ultrapassados, conquista seguidores em Cambridge, mas nunca é feliz.
Sim, é um belo personagem. Mas Duffy fala muito mais de Bertrand Russel e de Moore. Sua intenção é exibir Wittgenstein por contraste. Mas Russel é tão odiável!
Para quem não sabe, Bertrand Russel foi o filósofo mais famoso do mundo entre 1900-1960, e mesmo quando Sartre vira estrela, ele continua sendo um nome mundial, uma estrela da mídia. No começo ele foi o Papa da Lógica, o ateu furioso, o homem que ia unir a razão da filosofia à razão da matemática. Mas, com Wittgenstein seu tempo como pensador passou e então Bertrand Russel, gênio da comunicação, passa a ser o Rei do pacifismo, da educação ultra liberal, do Paz e Amor, do sexo livre. Russel viveu 99 anos, filho de condes, morreu só em 1972, e nos anos 60 ainda participava de passeatas hippies. Mas, com tudo isso, ele era um chato. Vaidoso, conquistador de mocinhas tolas, obcecado com a aparência, materialista extremado, ele era um personagem muito menos interessante que o austríaco. E o livro, de suas 650 páginas, gasta mais da metade com ele.
Quanto a Moore, um pacato filósofo lógico, também famoso, pacato pai de família, tímido, são gastas tantas páginas quanto com Ludi. Pena.
Wittgenstein nos deixou cerca de 300 páginas escritas por si mesmo. Muito pouco. Uma pena. Ele percebeu que a linguagem guarda o segredo da alma. Percebeu que a razão é uma criação artificial de filósofos iluministas. Que o homem não é racional. Que a linguagem não é racional. Que Deus não é razão.
A lingua não fala e não consegue falar daquilo que é mais importante´: ética, Deus, infinito, tempo, misticismo. Por isso o jogo. Palavras são peças de um jogo. Jogamos com regras fixas e assim procuramos nomear e comunicar tudo. E acabamos por não comunicar nada. Por isso ele se isolava. Por isso escreveu pouco. Ele sabia que as palavras nada podiam dizer. Que a verdade é silêncio.
Um exemplo simples: Eu tenho dor de dentes.
Primeiro: eu na verdade não tenho a dor. Segundo: posso estar mentindo. Terceiro: minha experiência de dor, aquilo que chamo de dor, pode ser absolutamente diferente da sua. Quarto: o que dói pode não ser o dente. Pode ser o nervo do dente, a gengiva, a coroa, ou até mesmo uma dor mental. Quinto: toda essa frase nada diz, é portanto, não lógica.
Como então expressar essa dor...se nem mesmo a dor é minha, ela se dá.
Talvez: A dor que parece ser em meus dentes surgiu em mim.
Depois de conhecer Wittgenstein voce nunca mais lerá como sempre esteve lendo.
O NAPOLEÃO DE NOTTING HILL - CHESTERTON
Escrito no começo do século XX, este romance de Chesterton é passado em 1984. Mas, ao contrário de Verne, Orwell, Wells e Huxley, o interesse de Chesterton não é mostrar a ciência do futuro. O que ele exibe é seu palpite sobre como estaria a alma do mundo em 84. Para tanto, a Londres do futuro ainda tem carruagens, calçadas de madeira e fraques com cartolas. Esse lado exterior pouco importa; o autor acerta na antevisão do espírito de 1984. ( Não exatamente 84...digamos 2017 ).
O mundo se globalizou. Em 1984 não existem mais nações. O planeta é uma coisa homogênea. Com isso, as pessoas também se homogeneizaram, e assim, vivem em absoluta indiferença. Viver é tão seguro que nada mais pode surpreender. O rei é escolhido por sorteio. Tanto faz quem seja rei. Mas então acontece algo de novo...
O novo rei tem senso de humor. E o humor, que havia sido esquecido, passa a reger os atos do rei. Ele obriga as pessoas a usarem roupas engraçadas, a repetirem cerimônias engraçadas. A rirem. ( Ninguém ri. O rei palhaço se torna um tipo de bobo de sua corte ).
Depois surge o fanático e é então que as coisas mudam.
Adam Wayne é um prefeito. E ele leva aquilo que o rei diz como piada a sério. Para Wayne, cada roupa, cada bandeira, cada gesto tem um significado. A vida para Wayne é símbolo e ele consegue ler e levar em conta todo símbolo.
Isso faz com que ele declare guerra aos outros bairros. E essa guerra muda o mundo.
Chesterton defende a guerra. Não, não é questão de defender ou não a guerra. Sejamos adultos. Chesterton apenas nos lembra que a guerra fez o mundo e que ela é uma parte de nossa alma. Se não a aceitamos, passamos a viver a guerra ruim, falsa, desleal, a guerra da mentira. Se aceitamos toda a história e toda a verdade da guerra, passamos a nos ver como guerreiros, e como tal, a vida se torna heráldica. Cores passam a ser palavras, desenhos e bandeiras falam à alma, gestos são carregados de vida e de morte, a fala se torna poesia. Os atos da vida deixam de ser apenas atos e passam a ser eventos. A vida deixa de ser rotina e passa a ser luta.
Chesterton sabia que um mundo sem inimigos, sem rivalidades, sem dor, sem risco, é um mundo onde a vida não vale a pena. O momento em que vivemos joga essa verdade em nossa cara. Jovens se tornam terroristas por não perceberem onde ser jovens. Acompanhamos notícias de cometas, discos voadores, vida fora da Terra, na esperança de que algo de significativo aconteça. Até uma guerra tola nuclear nos dá uma certa esperança de que um evento enfim mude a vida. Estamos presos na segurança da vida prevista, lógica, banal. Esses fatos tentam jogar sujeira na limpeza ocidental.
Chesterton previu que ser patriota, ser guerreiro, seria uma vergonha e não orgulho. Isso em 1904. A moderna guerra de 1914 e depois o horror de 1939 não o fariam mudar de ideia. Porque ele veria na guerra moderna a guerra sem confronto, a guerra covarde, guerra da máquina e não do homem. Pois não se esqueça que para ele, guerra é defender sua casa, seu vizinho, preservar sua praça, sua escola e levar no corpo as cores e os símbolos de seu bairro. Morrer por essas coisas. Fazer com que seu passado, o passado de sua gente sobreviva. A guerra como luta por preservar. E não como fim de tudo.
É isso. A guerra que eu lutaria. A guerra que lutarei. Aquela que sempre lutei.
O mundo se globalizou. Em 1984 não existem mais nações. O planeta é uma coisa homogênea. Com isso, as pessoas também se homogeneizaram, e assim, vivem em absoluta indiferença. Viver é tão seguro que nada mais pode surpreender. O rei é escolhido por sorteio. Tanto faz quem seja rei. Mas então acontece algo de novo...
O novo rei tem senso de humor. E o humor, que havia sido esquecido, passa a reger os atos do rei. Ele obriga as pessoas a usarem roupas engraçadas, a repetirem cerimônias engraçadas. A rirem. ( Ninguém ri. O rei palhaço se torna um tipo de bobo de sua corte ).
Depois surge o fanático e é então que as coisas mudam.
Adam Wayne é um prefeito. E ele leva aquilo que o rei diz como piada a sério. Para Wayne, cada roupa, cada bandeira, cada gesto tem um significado. A vida para Wayne é símbolo e ele consegue ler e levar em conta todo símbolo.
Isso faz com que ele declare guerra aos outros bairros. E essa guerra muda o mundo.
Chesterton defende a guerra. Não, não é questão de defender ou não a guerra. Sejamos adultos. Chesterton apenas nos lembra que a guerra fez o mundo e que ela é uma parte de nossa alma. Se não a aceitamos, passamos a viver a guerra ruim, falsa, desleal, a guerra da mentira. Se aceitamos toda a história e toda a verdade da guerra, passamos a nos ver como guerreiros, e como tal, a vida se torna heráldica. Cores passam a ser palavras, desenhos e bandeiras falam à alma, gestos são carregados de vida e de morte, a fala se torna poesia. Os atos da vida deixam de ser apenas atos e passam a ser eventos. A vida deixa de ser rotina e passa a ser luta.
Chesterton sabia que um mundo sem inimigos, sem rivalidades, sem dor, sem risco, é um mundo onde a vida não vale a pena. O momento em que vivemos joga essa verdade em nossa cara. Jovens se tornam terroristas por não perceberem onde ser jovens. Acompanhamos notícias de cometas, discos voadores, vida fora da Terra, na esperança de que algo de significativo aconteça. Até uma guerra tola nuclear nos dá uma certa esperança de que um evento enfim mude a vida. Estamos presos na segurança da vida prevista, lógica, banal. Esses fatos tentam jogar sujeira na limpeza ocidental.
Chesterton previu que ser patriota, ser guerreiro, seria uma vergonha e não orgulho. Isso em 1904. A moderna guerra de 1914 e depois o horror de 1939 não o fariam mudar de ideia. Porque ele veria na guerra moderna a guerra sem confronto, a guerra covarde, guerra da máquina e não do homem. Pois não se esqueça que para ele, guerra é defender sua casa, seu vizinho, preservar sua praça, sua escola e levar no corpo as cores e os símbolos de seu bairro. Morrer por essas coisas. Fazer com que seu passado, o passado de sua gente sobreviva. A guerra como luta por preservar. E não como fim de tudo.
É isso. A guerra que eu lutaria. A guerra que lutarei. Aquela que sempre lutei.
GÊNIOS DO CINEMA - GENE TIERNEY - FLYNN - BOGART - MACLAINE
PATRULHA DA MADRUGADA de Edmund Golding com Errol Flynn, David Niven, Basil Rathbone e Donald Crisp.
Um dos melhores filmes de guerra já feitos. Na França de 1915, acompanhamos o dia a dia de uma base da RAF. Pilotos são mandados toda manhã para missões suicidas. Flynn, nunca melhor que aqui, comovente em seu estoicismo elegante, é o piloto que evita lamentações. Encara cada missão como um esporte e bebe como se fosse uma festa. Niven, excelente, é seu melhor amigo. O filme é pacifista e feito em 1938, encara a possibilidade de mais uma guerra. Este filme é nova versão de um filme anterior de Howard Hawks, feito em 1930. Sentimos ainda o foco que Hawks sempre dá a seus filmes, ou seja, a camaradagem entre homens que enfrentam uma missão dura. Nunca vi o original, mas imagino que seja mais lento e mais cheio de toques da vida comum. Golding foi um bom diretor e leva o filme para um tipo de drama que duvido que Hawks tenha tocado. É este um grande filme. As cenas de aviação são lindas, os aviões em malabarismos num céu sem fim e as manhãs em que eles decolam. Foi a última guerra em que os resquícios do cavalheirismo ainda existiam, creia, a cena com o alemão não é uma fantasia. Um belo filme sobre um valor esquecido: virilidade sem machismo.
O PECADO DE CLUNY BROWN de Ernst Lubitsch com Charles Boyer e Jennifer Jones.
Este é uma obra-prima. O melhor filme de um dos grandes diretores do cinema. Lubitsch nasceu no império austro-húngaro e começou fazendo belos filmes chiques e maliciosos na Europa. Foi para Hollywood já famoso e poderoso e se tornou nos anos 30 um tipo de rei da Paramount. Mestre para diretores como Preminger e Billy Wilder, que o adorava. Morreu no fim dos anos 40 ainda antes dos 50 anos. Aqui ele tece uma sátira soberba ao sistema de classes inglês. O filme é maravilhoso. Os diálogos faíscam, os atores brilham, nosso prazer é completo. A história fala de um refugiado do nazismo que se aproveita da ingenuidade dos ingleses. Mas também fala de Cluny Brown, uma menina da classe trabalhadora, que sonha em ter uma vida melhor e ignora a divisão de classes. Seu pecado é ser da classe baixa, além de entender de encanamentos. O filme tem drama e humor e na verdade debaixo de todo riso ele é bem sério. Jennifer está adorável como sempre e Boyer dá uma aula de comédia elegante. Todo o filme é deslumbrante e serve como introdução a quem queria conhecer ao cinema de Lubitsch e também o cinema dos anos 30. Inesquecível. Já sinto desejo de o rever.
A CONDESSA SE RENDE de Ernst Lubitsch com Betty Grable e Douglas Fairbanks.
Único fracasso de Lubitsch, é seu último filme. Ele estava doente quando o fez. Pura fantasia, conta a história de uma invasão a um reino da Itália. A condessa de Bergamo tenta convencer o invasor a partir e nisso é ajudada pelo fantasma de sua tatataravó. Há ainda um marido covarde. Não é ruim. Na verdade é leve, alegre, divertido. Uma atriz melhor melhoraria muito este filme.
PASSAGEM PARA MARSELHA de Michael Curtiz com Humphrey Bogart, Claude Rains, Peter Lorre e Michele Morgan.
Mares em tempo de segunda guerra. Um navio francês recolhe náufragos. Ficamos sabendo sua história. São fugitivos da prisão. Irão se juntar à luta contra Hitler. O filme é completo. As cenas na prisão e a fuga no pântano são emocionantes. Fotografado por James Wong Howe, um mestre, ele tem riqueza visual. O elenco não podia ser melhor. É a turma de Casablanca metida em um navio. Uma aventura típica de Bogey, direta e muito bem feita. Ver Bogart na tela é sempre uma felicidade.
ACONTECEU EM SHANGHAI de Josef Von Sternberg com Gene Tierney, Victor Mature, Walter Huston e Ona Munson.
Não dá pra ser pior. Este filme acabou de vez com a carreira de Sternberg. O descobridor de Dietrich, autor de cinco filmes originais e fantásticos nos anos 30, aqui, em 1941, encontra o desastre. É um filme mal feito, ridículo, feio, desagradável e hilário em seus diálogos inacreditáveis. Hoje virou cult, mas é bem ruim. Fala de um antro de jogo em Xangai. Centro de pecado, de sexo, de drogas. Tierney, inacreditavelmente linda, é uma inglesa rica que decai nesse centro de jogo. Vira prostituta. Huston é o pai. Ona é a cafetina, uma dona de bordel digna de carnaval. Mature faz um turco que seduz e usa mulheres...Nada faz o menor sentido. Creia, é pior do que voce imagina.
CHARITY, MEU AMOR de Bob Fosse com Shirley MacLaine, Chita Rivera e Ricardo Montalban.
Bob Fosse já era famoso na Broadway quando fez este seu primeiro filme. Que foi um desastre de crítica e de bilheteria. Feito em 1968, Fosse só iria se redimir em 1972, com o super sucesso e os Oscars para Cabaret. A história é a de Noites de Cabiria. Bob Fosse sempre assumiu seu amor por Fellini, e presta a homenagem ao filme do italiano levando a saga da doce prostituta para a New York dos hippies. Em 1979 ele faria All That Jazz, o seu Oito e Meio. Shirley não é Giulieta Masina! A atriz de Cabiria não pode ser igualada. O desempenho da esposa de Fellini é o maior da história dos filmes. Ainda mais quando sabemos que Giulieta na vida real é uma mulher elegante e sofisticada. O oposto a Cabiria. Shirley é uma estrela e uma boa atriz, mas aqui seu desempenho vira caricatura e o filme afunda. Ela é uma prostituta que se apaixona pelos caras errados. Montalban é o ator famoso, e depois dele vem o desastre com um rapaz que parece de bom coração mas que tem preconceitos. O que de melhor há no filme, claro, são as canções de Cy Coleman. São todas belíssimas! E as cenas de dança, com a coreografia de Bob Fosse. O homem foi um gênio, o único até hoje a ter ganho no mesmo ano o Oscar, o Emmy e o Tony ( cinema, TV e teatro ). Além do Globo de Ouro ( tudo em 72, por Cabaret, Liza com Z e Pippin ). Todas as danças, leves, modernas, ousadas, sexy, são fantásticas e suas coreografias foram imitadas desde então. Repare na cena que posto acima. O modo como todo um modo de vida, uma moda, um comportamento é satirizado sem uma só palavra. E observe em como Fosse faz as mãos, os braços e até os dedos dançarem e falarem. É coisa de gênio!!!! O filme, cheio de falhas, tem de ser visto. E confesso que a cena final me fez derramar uma inesperada lágrima. Cabiria é uma personagem tão magnífica, que mesmo no filme errado, e com a atriz errada, ela acaba nos pegando. Veja este filme!
Um dos melhores filmes de guerra já feitos. Na França de 1915, acompanhamos o dia a dia de uma base da RAF. Pilotos são mandados toda manhã para missões suicidas. Flynn, nunca melhor que aqui, comovente em seu estoicismo elegante, é o piloto que evita lamentações. Encara cada missão como um esporte e bebe como se fosse uma festa. Niven, excelente, é seu melhor amigo. O filme é pacifista e feito em 1938, encara a possibilidade de mais uma guerra. Este filme é nova versão de um filme anterior de Howard Hawks, feito em 1930. Sentimos ainda o foco que Hawks sempre dá a seus filmes, ou seja, a camaradagem entre homens que enfrentam uma missão dura. Nunca vi o original, mas imagino que seja mais lento e mais cheio de toques da vida comum. Golding foi um bom diretor e leva o filme para um tipo de drama que duvido que Hawks tenha tocado. É este um grande filme. As cenas de aviação são lindas, os aviões em malabarismos num céu sem fim e as manhãs em que eles decolam. Foi a última guerra em que os resquícios do cavalheirismo ainda existiam, creia, a cena com o alemão não é uma fantasia. Um belo filme sobre um valor esquecido: virilidade sem machismo.
O PECADO DE CLUNY BROWN de Ernst Lubitsch com Charles Boyer e Jennifer Jones.
Este é uma obra-prima. O melhor filme de um dos grandes diretores do cinema. Lubitsch nasceu no império austro-húngaro e começou fazendo belos filmes chiques e maliciosos na Europa. Foi para Hollywood já famoso e poderoso e se tornou nos anos 30 um tipo de rei da Paramount. Mestre para diretores como Preminger e Billy Wilder, que o adorava. Morreu no fim dos anos 40 ainda antes dos 50 anos. Aqui ele tece uma sátira soberba ao sistema de classes inglês. O filme é maravilhoso. Os diálogos faíscam, os atores brilham, nosso prazer é completo. A história fala de um refugiado do nazismo que se aproveita da ingenuidade dos ingleses. Mas também fala de Cluny Brown, uma menina da classe trabalhadora, que sonha em ter uma vida melhor e ignora a divisão de classes. Seu pecado é ser da classe baixa, além de entender de encanamentos. O filme tem drama e humor e na verdade debaixo de todo riso ele é bem sério. Jennifer está adorável como sempre e Boyer dá uma aula de comédia elegante. Todo o filme é deslumbrante e serve como introdução a quem queria conhecer ao cinema de Lubitsch e também o cinema dos anos 30. Inesquecível. Já sinto desejo de o rever.
A CONDESSA SE RENDE de Ernst Lubitsch com Betty Grable e Douglas Fairbanks.
Único fracasso de Lubitsch, é seu último filme. Ele estava doente quando o fez. Pura fantasia, conta a história de uma invasão a um reino da Itália. A condessa de Bergamo tenta convencer o invasor a partir e nisso é ajudada pelo fantasma de sua tatataravó. Há ainda um marido covarde. Não é ruim. Na verdade é leve, alegre, divertido. Uma atriz melhor melhoraria muito este filme.
PASSAGEM PARA MARSELHA de Michael Curtiz com Humphrey Bogart, Claude Rains, Peter Lorre e Michele Morgan.
Mares em tempo de segunda guerra. Um navio francês recolhe náufragos. Ficamos sabendo sua história. São fugitivos da prisão. Irão se juntar à luta contra Hitler. O filme é completo. As cenas na prisão e a fuga no pântano são emocionantes. Fotografado por James Wong Howe, um mestre, ele tem riqueza visual. O elenco não podia ser melhor. É a turma de Casablanca metida em um navio. Uma aventura típica de Bogey, direta e muito bem feita. Ver Bogart na tela é sempre uma felicidade.
ACONTECEU EM SHANGHAI de Josef Von Sternberg com Gene Tierney, Victor Mature, Walter Huston e Ona Munson.
Não dá pra ser pior. Este filme acabou de vez com a carreira de Sternberg. O descobridor de Dietrich, autor de cinco filmes originais e fantásticos nos anos 30, aqui, em 1941, encontra o desastre. É um filme mal feito, ridículo, feio, desagradável e hilário em seus diálogos inacreditáveis. Hoje virou cult, mas é bem ruim. Fala de um antro de jogo em Xangai. Centro de pecado, de sexo, de drogas. Tierney, inacreditavelmente linda, é uma inglesa rica que decai nesse centro de jogo. Vira prostituta. Huston é o pai. Ona é a cafetina, uma dona de bordel digna de carnaval. Mature faz um turco que seduz e usa mulheres...Nada faz o menor sentido. Creia, é pior do que voce imagina.
CHARITY, MEU AMOR de Bob Fosse com Shirley MacLaine, Chita Rivera e Ricardo Montalban.
Bob Fosse já era famoso na Broadway quando fez este seu primeiro filme. Que foi um desastre de crítica e de bilheteria. Feito em 1968, Fosse só iria se redimir em 1972, com o super sucesso e os Oscars para Cabaret. A história é a de Noites de Cabiria. Bob Fosse sempre assumiu seu amor por Fellini, e presta a homenagem ao filme do italiano levando a saga da doce prostituta para a New York dos hippies. Em 1979 ele faria All That Jazz, o seu Oito e Meio. Shirley não é Giulieta Masina! A atriz de Cabiria não pode ser igualada. O desempenho da esposa de Fellini é o maior da história dos filmes. Ainda mais quando sabemos que Giulieta na vida real é uma mulher elegante e sofisticada. O oposto a Cabiria. Shirley é uma estrela e uma boa atriz, mas aqui seu desempenho vira caricatura e o filme afunda. Ela é uma prostituta que se apaixona pelos caras errados. Montalban é o ator famoso, e depois dele vem o desastre com um rapaz que parece de bom coração mas que tem preconceitos. O que de melhor há no filme, claro, são as canções de Cy Coleman. São todas belíssimas! E as cenas de dança, com a coreografia de Bob Fosse. O homem foi um gênio, o único até hoje a ter ganho no mesmo ano o Oscar, o Emmy e o Tony ( cinema, TV e teatro ). Além do Globo de Ouro ( tudo em 72, por Cabaret, Liza com Z e Pippin ). Todas as danças, leves, modernas, ousadas, sexy, são fantásticas e suas coreografias foram imitadas desde então. Repare na cena que posto acima. O modo como todo um modo de vida, uma moda, um comportamento é satirizado sem uma só palavra. E observe em como Fosse faz as mãos, os braços e até os dedos dançarem e falarem. É coisa de gênio!!!! O filme, cheio de falhas, tem de ser visto. E confesso que a cena final me fez derramar uma inesperada lágrima. Cabiria é uma personagem tão magnífica, que mesmo no filme errado, e com a atriz errada, ela acaba nos pegando. Veja este filme!
THOMAS MANN E A SEGUNDA-GUERRA.
Terrível os capítulos sobre a Segunda Guerra. Thomas Mann, exilado na Califórnia, escreve texto sobre texto, divulgando suas opiniões sobre a Alemanha. Para ele, a Alemanha não merece perdão. Ele sente nojo daquele povo que NADA FEZ para tirar Hitler do poder. E que agora, vencidos, dizem estar sendo vítimas da guerra...
Os alemães não expiaram culpa, não se desculparam, apenas gemiam de dor pelas bombas jogadas pelos aliados. Tentaram adquirir a pena do mundo. Tiveram um papel lamentável e vergonhoso, do começo ao fim. De repente, em 1945, nenhum alemão era nazista. De repente todos foram mártires dos tais nazistas. Mas o que Mann perguntava era: ONDE ELES ESTAVAM EM 1940... Por que não houve resistência por parte do povo germânico ( enorme interrogação ).
Poucos autores foram tão homenageados como Mann. Impressiona a quantidade de palestras, diplomas, festas, concertos em homenagem ao autor de A Montanha Mágica. E ele usou essa popularidade para abrir os olhos do mundo ao fato de que na Alemanha tudo sempre termina em tragédia e em dor.
Ainda ontem, conversando com um professor, notei como as pessoas não têm consciência disso. De que minha, sua, nossas gerações ainda pagam o preço pelo horrível mal feito por um palhaço como Hitler. A hegemonia dos EUA, a irrelevância da Europa, a criação de Israel, a corrida armamentista, a descrença radical no homem como ser bom e honrado, a predominância da ciência sobre todo conhecimento, a não fixação na terra, o espírito nômade, tudo está presente em nosso tédio, nosso medo, nossa falta de fé. E tudo isso nasceu no romantismo alemão, no modo alemão de ver a vida e de se relacionar com a Europa. No transcendentalismo alemão nasce a aversão ao mundo, o desejo de destruição da realidade. O fim da história e a recriação do mundo a imagem desse ideal.
E sobretudo, a vaidade presunçosa do alemão.
Mann podia dizer tudo isso porque ele era assim. Ele era vaidoso, frio, e na juventude achava o alemão o povo supremo, guia do futuro do mundo. Mas ele mudou na Primeira Guerra. Passou a aceitar a Europa ( menos a França ). Thomas Mann fez um movimento espiritual que a nação alemã não fez. Sentiu na carne o que significava ser alemão.
Esta biografia, longa, detalhista, escrita por Donald Prater, inglês, não esconde os muitos defeitos de Mann ( ele surge como um supremo antipático ). Foi duro ler este livro, como é duro ler Mann. Ele nos perturba. Toca os nervos.
Devemos sempre lembrar que em 1940 o inferno esteve aqui. E que por um triz este planeta não foi transformado numa fábrica de arianos, numa máquina de correção militar, num homogênea civilização uniforme. Thomas Mann antecipou isso em 15 anos. Previu essa dor. E entendeu que a vitória tinha de vir. Meia dúzia de ingleses salvaram a civilização humanista. Mas a herança da dor matou esse legado lentamente. É nosso dever lembrar sempre.
Os alemães não expiaram culpa, não se desculparam, apenas gemiam de dor pelas bombas jogadas pelos aliados. Tentaram adquirir a pena do mundo. Tiveram um papel lamentável e vergonhoso, do começo ao fim. De repente, em 1945, nenhum alemão era nazista. De repente todos foram mártires dos tais nazistas. Mas o que Mann perguntava era: ONDE ELES ESTAVAM EM 1940... Por que não houve resistência por parte do povo germânico ( enorme interrogação ).
Poucos autores foram tão homenageados como Mann. Impressiona a quantidade de palestras, diplomas, festas, concertos em homenagem ao autor de A Montanha Mágica. E ele usou essa popularidade para abrir os olhos do mundo ao fato de que na Alemanha tudo sempre termina em tragédia e em dor.
Ainda ontem, conversando com um professor, notei como as pessoas não têm consciência disso. De que minha, sua, nossas gerações ainda pagam o preço pelo horrível mal feito por um palhaço como Hitler. A hegemonia dos EUA, a irrelevância da Europa, a criação de Israel, a corrida armamentista, a descrença radical no homem como ser bom e honrado, a predominância da ciência sobre todo conhecimento, a não fixação na terra, o espírito nômade, tudo está presente em nosso tédio, nosso medo, nossa falta de fé. E tudo isso nasceu no romantismo alemão, no modo alemão de ver a vida e de se relacionar com a Europa. No transcendentalismo alemão nasce a aversão ao mundo, o desejo de destruição da realidade. O fim da história e a recriação do mundo a imagem desse ideal.
E sobretudo, a vaidade presunçosa do alemão.
Mann podia dizer tudo isso porque ele era assim. Ele era vaidoso, frio, e na juventude achava o alemão o povo supremo, guia do futuro do mundo. Mas ele mudou na Primeira Guerra. Passou a aceitar a Europa ( menos a França ). Thomas Mann fez um movimento espiritual que a nação alemã não fez. Sentiu na carne o que significava ser alemão.
Esta biografia, longa, detalhista, escrita por Donald Prater, inglês, não esconde os muitos defeitos de Mann ( ele surge como um supremo antipático ). Foi duro ler este livro, como é duro ler Mann. Ele nos perturba. Toca os nervos.
Devemos sempre lembrar que em 1940 o inferno esteve aqui. E que por um triz este planeta não foi transformado numa fábrica de arianos, numa máquina de correção militar, num homogênea civilização uniforme. Thomas Mann antecipou isso em 15 anos. Previu essa dor. E entendeu que a vitória tinha de vir. Meia dúzia de ingleses salvaram a civilização humanista. Mas a herança da dor matou esse legado lentamente. É nosso dever lembrar sempre.
O HOMEM ETERNO- G.K. CHESTERTON
Será que se de nosso tempo restassem para o futuro apenas as pinturas de Picasso, as pessoas do ano 3000 pensariam que em 2014 todos se vestiam, se pintavam e eram como as caras e corpos das obras do espanhol ? E mais sinistro seria se elas imaginassem que os restos da Torre Eiffel tivessem um simbolismo além daquilo que ela é, simples beleza e exibição de riqueza. Porque imaginar que as pinturas numa caverna pré-histórica sejam mais que aquilo que são: belos desenhos. Talvez uma brincadeira, desenhos feitos para matar o tempo, embelezamento, arte pura e simples.
Olhamos os rostos das pinturas egipcias e achamos que eles tinham as caras que estão lá representadas. Porque? Aquilo é representação, ou alguém em 2014 tem a cara do Wolverine? A questão é, o que sabemos sobre os homens do passado? Quase nada.
E o melhor, segundo Chesterton, seria pensar neles como aquilo que são com certeza, Humanos. Desde sempre humanos, como eu e como voce.
Então vamos parar com essa tolice de imaginar que o homem que criou a roda era um quase-fera que grunhia e criava sem querer. Ele era um homem que pensava. Curioso, pegava coisas e as experimentava. Pesquisava. Tentava. Era, como nós, um criador. E ria. Se divertia. Tinha humor.
Tendemos a sempre pensar no passado com seriedade. Pois bem, se os homens do passado eram mais infantis eles então brincavam mais. E se fossem como nós, e eram, tinham senso de humor. Pois não pensem que os gregos cultuavam Hera ou Apolo como nós cultuamos Deus ou Allah. Eles tinham religião, eles tinham mito, mas não igreja. Os deuses eram mitos. Histórias que eles sabiam ser fantásticas e que os divertiam. Eles as criavam ao bel prazer. E tinham religião, coisas mais sagradas, sérias, e que nome não tinham. Estranho observar que subjacente às doidas lendas de Zeus, existem os ritos muito mais sérios de fertilidade, de sacrifício e de morte. Religião, a tentativa bem sucedida de transformar matéria. Mas não havia igreja. A Grécia era uma confusão de deuses, ritos, festas e tradições.
Os gregos eram organizados em politica, no estado, mas eram anarquistas em casa.
Interessante o que Chesterton percebe: povos que são apegados a familia costumam ter um estado anárquico e povos pouco apegados a familia criam estados fortes. Pois ao contrário de Atenas, Roma era anárquica. Governos caíam, senadores eram mortos e mesmo assim ela crescia. Porque romanos amavam sua terra. Amavam sua familia e amavam os deuses do lar. Se eles importaram Jupiter e Vênus, eram os secretos deuses do lar que os emocionavam. Esse trecho do livro é belíssimo.
Chesterton se divertiria muito com as bobagens escritas sobre as guerras entre Israel e árabes. O inglês dá risadas para o marxismo. Ele diz que razões econômicas existem em qualquer guerra, mas NUNCA são a razão principal. O que leva um soldado à guerra não é o soldo, o que leva um líder a declarar guerra não é uma mina de ouro. ( Isso tudo vem junto mas não é o que traz a guerra ), a batalha se faz quando uma nação encontra diante de si uma outra nação que a nega, que ameaça tudo aquilo em que ela crê, que ameaça sua certeza histórica e que traz assim o perigo da destruição de seu lar. Um soldado luta por sua casa, por aquilo que ele entende ser seu lar. Um país luta por destruir sua antítese, seu oposto. Os americanos podem lutar pelo petróleo do Iraque, mas acima de tudo lutam contra um mundo que lhes é horroroso, um modo de pensar que nega tudo em que eles acreditam. Lutam para sobreviver. Para poder continuar a crer em si-mesmo.
Como aconteceu com Roma. Os romanos tinham de aniquilar Cartago pelo fato de que Cartago matava crianças em sacrifício, comungavam com forças místicas que negavam tudo o que Roma professava e odiavam o modo familiar de Roma. Roma venceu. E o mundo nunca mais foi o mesmo.
Chesterton diz que é hora de parar com a mania científica. Um cientista explicando um totem ou um mito é como um poeta tentar explicar a divisão celular. Um totem é uma experiência estética e só pode ser entendido como arte. Um mito é sempre poesia e só pode ser explicado por poetas. Cientistas transformarão tudo naquilo que eles sabem, fórmulas de ação e reação.
Adoro Chesterton porque ele duvida. Inverte o que todos repetem e mostra a papagaice do que se tornou senso-comum.
Homens da caverna não eram feras assustadas, egipcios nunca foram seres rígidos de pintura, gregos não acreditavam em nada, romanos eram bons e calorosos, bárbaros eram brincalhões e os povos primitivos das Américas nada tinham de inocentes.
Excelente.
Olhamos os rostos das pinturas egipcias e achamos que eles tinham as caras que estão lá representadas. Porque? Aquilo é representação, ou alguém em 2014 tem a cara do Wolverine? A questão é, o que sabemos sobre os homens do passado? Quase nada.
E o melhor, segundo Chesterton, seria pensar neles como aquilo que são com certeza, Humanos. Desde sempre humanos, como eu e como voce.
Então vamos parar com essa tolice de imaginar que o homem que criou a roda era um quase-fera que grunhia e criava sem querer. Ele era um homem que pensava. Curioso, pegava coisas e as experimentava. Pesquisava. Tentava. Era, como nós, um criador. E ria. Se divertia. Tinha humor.
Tendemos a sempre pensar no passado com seriedade. Pois bem, se os homens do passado eram mais infantis eles então brincavam mais. E se fossem como nós, e eram, tinham senso de humor. Pois não pensem que os gregos cultuavam Hera ou Apolo como nós cultuamos Deus ou Allah. Eles tinham religião, eles tinham mito, mas não igreja. Os deuses eram mitos. Histórias que eles sabiam ser fantásticas e que os divertiam. Eles as criavam ao bel prazer. E tinham religião, coisas mais sagradas, sérias, e que nome não tinham. Estranho observar que subjacente às doidas lendas de Zeus, existem os ritos muito mais sérios de fertilidade, de sacrifício e de morte. Religião, a tentativa bem sucedida de transformar matéria. Mas não havia igreja. A Grécia era uma confusão de deuses, ritos, festas e tradições.
Os gregos eram organizados em politica, no estado, mas eram anarquistas em casa.
Interessante o que Chesterton percebe: povos que são apegados a familia costumam ter um estado anárquico e povos pouco apegados a familia criam estados fortes. Pois ao contrário de Atenas, Roma era anárquica. Governos caíam, senadores eram mortos e mesmo assim ela crescia. Porque romanos amavam sua terra. Amavam sua familia e amavam os deuses do lar. Se eles importaram Jupiter e Vênus, eram os secretos deuses do lar que os emocionavam. Esse trecho do livro é belíssimo.
Chesterton se divertiria muito com as bobagens escritas sobre as guerras entre Israel e árabes. O inglês dá risadas para o marxismo. Ele diz que razões econômicas existem em qualquer guerra, mas NUNCA são a razão principal. O que leva um soldado à guerra não é o soldo, o que leva um líder a declarar guerra não é uma mina de ouro. ( Isso tudo vem junto mas não é o que traz a guerra ), a batalha se faz quando uma nação encontra diante de si uma outra nação que a nega, que ameaça tudo aquilo em que ela crê, que ameaça sua certeza histórica e que traz assim o perigo da destruição de seu lar. Um soldado luta por sua casa, por aquilo que ele entende ser seu lar. Um país luta por destruir sua antítese, seu oposto. Os americanos podem lutar pelo petróleo do Iraque, mas acima de tudo lutam contra um mundo que lhes é horroroso, um modo de pensar que nega tudo em que eles acreditam. Lutam para sobreviver. Para poder continuar a crer em si-mesmo.
Como aconteceu com Roma. Os romanos tinham de aniquilar Cartago pelo fato de que Cartago matava crianças em sacrifício, comungavam com forças místicas que negavam tudo o que Roma professava e odiavam o modo familiar de Roma. Roma venceu. E o mundo nunca mais foi o mesmo.
Chesterton diz que é hora de parar com a mania científica. Um cientista explicando um totem ou um mito é como um poeta tentar explicar a divisão celular. Um totem é uma experiência estética e só pode ser entendido como arte. Um mito é sempre poesia e só pode ser explicado por poetas. Cientistas transformarão tudo naquilo que eles sabem, fórmulas de ação e reação.
Adoro Chesterton porque ele duvida. Inverte o que todos repetem e mostra a papagaice do que se tornou senso-comum.
Homens da caverna não eram feras assustadas, egipcios nunca foram seres rígidos de pintura, gregos não acreditavam em nada, romanos eram bons e calorosos, bárbaros eram brincalhões e os povos primitivos das Américas nada tinham de inocentes.
Excelente.
LIGEIRAMENTE FORA DE FOCO- ROBERT CAPA
o melhor fotógrafo de guerra relata sua experiência na segunda-guerra. Na verdade era para ser um roteiro de cinema ( e que filme soberbo ele seria! Principalmente se botassem Huston pra dirigir ). Heminguay deu uma ajuda ao amigo, o livro tem um másculo sabor que remete ao autor americano de O Sol Também se Levanta. Mas isso é marca do tempo. Escrever em inglês em 1940/1960 era geralmente escrever como Heminguay.
Capa salta de paraquedas e é dos primeiros homens a cruzar o canal e aportar na França. É o dia D. Suas fotos são definitivas. E seu relato? É bom, nos sentimos lá. Capa esteve nas guerras da Espanha, da China, na França, na Alemanha, em Israel e na Indochina ( Vietnã ). Aqui é só França e Alemanha, O melhor episódio é seu encontro com os espanhóis que lutaram pela França. O coração de Capa está com eles. A sua guerra foi a revolução da Espanha. Guerra que marcou todos aqueles que lá estiveram. Heminguay, Capa, Orwell, Dos Passos, Steinbeck...
O livro, da Cosac Naify, tem algumas fotos que eu nunca vira. São maravilhosas. Rostos de soldados, aviadores, camponeses, a resistência em Paris. Robert Capa nunca deixa de dar suas cutucadas. Tem humor irônico. Vê o absurdo, sente medo, mas nunca foge. A narrativa é entremeada por seu caso com uma inglesa em Londres, Pinky. Na verdade Capa teve muitas mulheres mas só um amor. E esse amor morreu numa explosão, na Espanha.
Li todo o livro em poucas horas de prazer. Uma bela história de guerra. Sangue e confusão.
Capa salta de paraquedas e é dos primeiros homens a cruzar o canal e aportar na França. É o dia D. Suas fotos são definitivas. E seu relato? É bom, nos sentimos lá. Capa esteve nas guerras da Espanha, da China, na França, na Alemanha, em Israel e na Indochina ( Vietnã ). Aqui é só França e Alemanha, O melhor episódio é seu encontro com os espanhóis que lutaram pela França. O coração de Capa está com eles. A sua guerra foi a revolução da Espanha. Guerra que marcou todos aqueles que lá estiveram. Heminguay, Capa, Orwell, Dos Passos, Steinbeck...
O livro, da Cosac Naify, tem algumas fotos que eu nunca vira. São maravilhosas. Rostos de soldados, aviadores, camponeses, a resistência em Paris. Robert Capa nunca deixa de dar suas cutucadas. Tem humor irônico. Vê o absurdo, sente medo, mas nunca foge. A narrativa é entremeada por seu caso com uma inglesa em Londres, Pinky. Na verdade Capa teve muitas mulheres mas só um amor. E esse amor morreu numa explosão, na Espanha.
Li todo o livro em poucas horas de prazer. Uma bela história de guerra. Sangue e confusão.
OS ÚLTIMOS DIAS- LIEV TOLSTOI
Transcrevo trechos:
Uma das principais causas do suicídio do mundo europeu é a falsa doutrina eclesiástica cristã sobre o paraíso e o inferno. Não se acredita nem no paraíso e nem no inferno, e no entanto, a ideia de que a vida deve ser ou o paraíso ou o inferno penetrou de tal forma na cabeça das pessoas que não se admite uma compreensão sensata da vida tal como ela é, a saber, não paraíso e nem inferno, mas uma luta, uma luta incessante, incessante porque a vida está só na luta, mas não a luta darwinista, de seres contra seres, mas na luta das forças espirituais contra seus limites corporais. A vida é a luta da alma contra o corpo.
...Mas havia pessoas para as quais a violência era vantajosa, e elas não reconheciam isso, e convenciam, a si próprias e aos outros, de que atacar e matar aos outros nem sempre era ruim, mas que há casos em que a violência é necessária e pode até ser boa. Tanto a violência quanto o assassinato continuaram a acontecer...
Cristo desmascarou essa falsa justificativa para a violência. Ele mostrou que qualquer violência pode ser justificada, como acontece quando dois inimigos lutam um contra o outro e ambos se justificam. Não devemos crer em nenhuma justificativa para a violência, e nunca se deve usa'-la, sob nenhum pretexto..
...podemos fazer tudo para nossa vantagem e nosso prazer, e para isso usar a violência contra as pessoas usando o pretexto de que é para o bem das pessoas.
Homem estúpido e ignorante, diz o homem de ciência, Você não entende que a ciência está a serviço da ciência, não da utilidade. A ciência estuda o que é possível estudar, não pode escolher. A ciência se abre ao todo, não se ocupa com ninharias.
E o homem simples quer apenas que o ensinem a viver melhor.
A ciência contemporânea não só não contraria o gosto e as exigências do setor dominante da sociedade como lhes é completamente servil: satisfaz a curiosidade ociosa, deixa as pessoas admiradas e lhes promete ainda mais deleite. A ciência de nosso tempo, ignorando tudo o que seja silencioso, modesto, simples, não conhece limites para a autobajulação.
Um dos sintomas de nossa decadência é o fato de um louco clínico como Nietzsche ser levado a sério.
Em todas as sociedades humanas em determinados períodos de sua existência, houve época em que a religião começa a se afastar de seu sentido original, e depois se afasta mais e mais, perde esse sentido original e, por fim, se petrifica em formas fixas, de modo que sua influência sobre a vida das pessoas vai se tornando cada vez menor. Nesses períodos, a minoria culta, tendo deixado de crer no ensinamento religioso, apenas fingia acreditar nele, por considerá-lo necessário ao controle das massas populares no modo de vida já existente. As massas populares, embora por inércia, mantivessem as formas religiosas pré-estabelecidas, já não conduziam sua vida cotidiana por ensinamentos religiosos, mas apenas por hábitos gerais e leis do governo. Mas nunca houve o que está acontecendo agora. Nunca houve um momento em que a minoria rica e culta se convencesse de que em sua época não há mais necessidade de religião alguma. E passasse a professar não só a inutilidade de toda religião, como a condenasse como símbolo de atraso e prejudicial ao desenvolvimento.
Bom, essas são algumas frases pegas no livro. Agora é hora de comentar e explicar o sentido geral do que Tolstoi pensava em seus últimos 20 anos de vida.
O centro de suas preocupações é a queda da civilização européia, e essa que da se liga a transformação da violência em regra geral. Profético, Tolstoi morre em 1910, e a sociedade que ele denunciava faria em 1914 a primeira guerra e em 39 sua continuação. Duas organizações promovem a violência: a politica, que precisa ser util e importante, e para um politico ser importante é ser o guia em momentos de crise, ou seja, ter inimigos, fazer o povo temer e odiar, e precisar dele para o defender. E a outra força social que promove a violência é a igreja, que finge esquecer os ensinamentos de Cristo e se torna cúmplice dos piores contra os inocentes. A mensagem de Cristo é simples: Fazer o bem. Dar a outra face. Jamais ser violento. Fazer ao outro o que desjas que se faça a ti. Seguir a lei do amor, dar sem pensar em receber. Agir agora e saber que o futuro não pode ser antecipado.
Segundo Tolstoi, todo homem quer que essas regras cristãs sejam seguidas, a maioria procura as seguir, mas a sociedade impede isso. Em um tempo em que o lucro, o trabalho e a disputa são o valor que move a vida, ser um cristão verdadeiro, um homem que ajuda e não disputa, cede e não briga, reparte e nunca acumula, é o grande pária. Para que o mundo do lucro exista é fundamental eliminar a verdadeira religião.
Tolstoi também fala muito da hipnose em que todos vivem. Um mundo europeu cheio de distrações, de pequenos fatos sem sentido, de brilhos que hipnotizam, de sons que calam, de ordens que são obedecidas sem que se saiba o porque. Outra característica do mundo moderno é dar ordens desde sempre. As crianças são treinadas a ser um membro atento que dará valor ao valor já estabelecido, a ciência será um tipo de circo do maravilhoso ( e esse maravilhoso raramente se ocupa daquilo que o cidadão simples quer: viver melhor e viver bem ), e o que se chama igreja fará o papel de bobo da corte, fingirá ser religiosa perante gente que finge crer.
Tolstoi diz que é um mundo vazio de sentido, vitima de tédio e de crueldade. Sem sentido e sem esperança.
Irrompem então os espertalhões, aqueles que percebem o estado podre da sociedade e gritam a plenos pulmões que o homem sempre foi esse traste sem porque e que a vida sempre foi sem sentido. Tolstoi diz que esse tipo de artista, de filósofo, é o mais nocivo corvo de todos, é o aproveitador, o propagador da falta de talento, o homem vil que comemora o fato do mundo ter atingido a sua insignificância. Esse arauto do desespero não ergue a vida, não ajuda, ele comemora sua vingança: eis que a vida me faz justiça! Ressentidos contra a vida.
O livro tem dois textos terríveis! Em um deles Tolstoi descreve os horrores de um matadouro. E diz ser tipico dos tempos que as pessoas criem bichos de estimação, detestem ver a morte de um animal, mas se banqueteiem com quilos de vitela. De Olhos vendados, elas se alimentam sem pensar e sem nunca discordar. Em outro capitulo ele descreve o trabalho numa mina e faz o contraste com o passeio dos donos dessa mina no campo. Tolstoi foi um socialista, mas sempre radicalmente contra a violência. Cristo era seu guia. O amor sua única lei.
Cartas trocadas entre Tolstoi e Gandhi, entre Tolstoi e Shaw também estão presentes ( os 3 eram as pessoas mais discutidas de 1910 ). E há um longo texto onde Tolstoi chama Shakespeare de autor mediocre. Sua tese é a de que Shakespeare foi escolhido como autor mais importante do mundo, por exibir em suas peças toda a violência e amoralidade da nova classe dominante e não por valor estético. Provávelmente isso é verdade, mas WS não é ruim...
Bem, Tolstoi pensa como eu penso em 99% dos casos. Penso nas guerras, na igreja sem sentido, no mundo do espetáculo, no sexo como distração, na nossa aceitação passiva da violência. Penso que a resistência pacífica nunca foi usada por palestinos, por exemplo, e que olho por olho dente por dente nunca deu certo. Sim, a ciência nunca pensa na moralidade do que faz e muito menos no bem das pessoas ( só as vezes a medicina ). E que chegamos a um ponto em que nem sequer conseguimos imaginar que possa haver outro modo de viver.
O livro é triste, pessimista, irado, e infelizmente, verdadeiro.
Haverá uma era cristã?
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Uma das principais causas do suicídio do mundo europeu é a falsa doutrina eclesiástica cristã sobre o paraíso e o inferno. Não se acredita nem no paraíso e nem no inferno, e no entanto, a ideia de que a vida deve ser ou o paraíso ou o inferno penetrou de tal forma na cabeça das pessoas que não se admite uma compreensão sensata da vida tal como ela é, a saber, não paraíso e nem inferno, mas uma luta, uma luta incessante, incessante porque a vida está só na luta, mas não a luta darwinista, de seres contra seres, mas na luta das forças espirituais contra seus limites corporais. A vida é a luta da alma contra o corpo.
...Mas havia pessoas para as quais a violência era vantajosa, e elas não reconheciam isso, e convenciam, a si próprias e aos outros, de que atacar e matar aos outros nem sempre era ruim, mas que há casos em que a violência é necessária e pode até ser boa. Tanto a violência quanto o assassinato continuaram a acontecer...
Cristo desmascarou essa falsa justificativa para a violência. Ele mostrou que qualquer violência pode ser justificada, como acontece quando dois inimigos lutam um contra o outro e ambos se justificam. Não devemos crer em nenhuma justificativa para a violência, e nunca se deve usa'-la, sob nenhum pretexto..
...podemos fazer tudo para nossa vantagem e nosso prazer, e para isso usar a violência contra as pessoas usando o pretexto de que é para o bem das pessoas.
Homem estúpido e ignorante, diz o homem de ciência, Você não entende que a ciência está a serviço da ciência, não da utilidade. A ciência estuda o que é possível estudar, não pode escolher. A ciência se abre ao todo, não se ocupa com ninharias.
E o homem simples quer apenas que o ensinem a viver melhor.
A ciência contemporânea não só não contraria o gosto e as exigências do setor dominante da sociedade como lhes é completamente servil: satisfaz a curiosidade ociosa, deixa as pessoas admiradas e lhes promete ainda mais deleite. A ciência de nosso tempo, ignorando tudo o que seja silencioso, modesto, simples, não conhece limites para a autobajulação.
Um dos sintomas de nossa decadência é o fato de um louco clínico como Nietzsche ser levado a sério.
Em todas as sociedades humanas em determinados períodos de sua existência, houve época em que a religião começa a se afastar de seu sentido original, e depois se afasta mais e mais, perde esse sentido original e, por fim, se petrifica em formas fixas, de modo que sua influência sobre a vida das pessoas vai se tornando cada vez menor. Nesses períodos, a minoria culta, tendo deixado de crer no ensinamento religioso, apenas fingia acreditar nele, por considerá-lo necessário ao controle das massas populares no modo de vida já existente. As massas populares, embora por inércia, mantivessem as formas religiosas pré-estabelecidas, já não conduziam sua vida cotidiana por ensinamentos religiosos, mas apenas por hábitos gerais e leis do governo. Mas nunca houve o que está acontecendo agora. Nunca houve um momento em que a minoria rica e culta se convencesse de que em sua época não há mais necessidade de religião alguma. E passasse a professar não só a inutilidade de toda religião, como a condenasse como símbolo de atraso e prejudicial ao desenvolvimento.
Bom, essas são algumas frases pegas no livro. Agora é hora de comentar e explicar o sentido geral do que Tolstoi pensava em seus últimos 20 anos de vida.
O centro de suas preocupações é a queda da civilização européia, e essa que da se liga a transformação da violência em regra geral. Profético, Tolstoi morre em 1910, e a sociedade que ele denunciava faria em 1914 a primeira guerra e em 39 sua continuação. Duas organizações promovem a violência: a politica, que precisa ser util e importante, e para um politico ser importante é ser o guia em momentos de crise, ou seja, ter inimigos, fazer o povo temer e odiar, e precisar dele para o defender. E a outra força social que promove a violência é a igreja, que finge esquecer os ensinamentos de Cristo e se torna cúmplice dos piores contra os inocentes. A mensagem de Cristo é simples: Fazer o bem. Dar a outra face. Jamais ser violento. Fazer ao outro o que desjas que se faça a ti. Seguir a lei do amor, dar sem pensar em receber. Agir agora e saber que o futuro não pode ser antecipado.
Segundo Tolstoi, todo homem quer que essas regras cristãs sejam seguidas, a maioria procura as seguir, mas a sociedade impede isso. Em um tempo em que o lucro, o trabalho e a disputa são o valor que move a vida, ser um cristão verdadeiro, um homem que ajuda e não disputa, cede e não briga, reparte e nunca acumula, é o grande pária. Para que o mundo do lucro exista é fundamental eliminar a verdadeira religião.
Tolstoi também fala muito da hipnose em que todos vivem. Um mundo europeu cheio de distrações, de pequenos fatos sem sentido, de brilhos que hipnotizam, de sons que calam, de ordens que são obedecidas sem que se saiba o porque. Outra característica do mundo moderno é dar ordens desde sempre. As crianças são treinadas a ser um membro atento que dará valor ao valor já estabelecido, a ciência será um tipo de circo do maravilhoso ( e esse maravilhoso raramente se ocupa daquilo que o cidadão simples quer: viver melhor e viver bem ), e o que se chama igreja fará o papel de bobo da corte, fingirá ser religiosa perante gente que finge crer.
Tolstoi diz que é um mundo vazio de sentido, vitima de tédio e de crueldade. Sem sentido e sem esperança.
Irrompem então os espertalhões, aqueles que percebem o estado podre da sociedade e gritam a plenos pulmões que o homem sempre foi esse traste sem porque e que a vida sempre foi sem sentido. Tolstoi diz que esse tipo de artista, de filósofo, é o mais nocivo corvo de todos, é o aproveitador, o propagador da falta de talento, o homem vil que comemora o fato do mundo ter atingido a sua insignificância. Esse arauto do desespero não ergue a vida, não ajuda, ele comemora sua vingança: eis que a vida me faz justiça! Ressentidos contra a vida.
O livro tem dois textos terríveis! Em um deles Tolstoi descreve os horrores de um matadouro. E diz ser tipico dos tempos que as pessoas criem bichos de estimação, detestem ver a morte de um animal, mas se banqueteiem com quilos de vitela. De Olhos vendados, elas se alimentam sem pensar e sem nunca discordar. Em outro capitulo ele descreve o trabalho numa mina e faz o contraste com o passeio dos donos dessa mina no campo. Tolstoi foi um socialista, mas sempre radicalmente contra a violência. Cristo era seu guia. O amor sua única lei.
Cartas trocadas entre Tolstoi e Gandhi, entre Tolstoi e Shaw também estão presentes ( os 3 eram as pessoas mais discutidas de 1910 ). E há um longo texto onde Tolstoi chama Shakespeare de autor mediocre. Sua tese é a de que Shakespeare foi escolhido como autor mais importante do mundo, por exibir em suas peças toda a violência e amoralidade da nova classe dominante e não por valor estético. Provávelmente isso é verdade, mas WS não é ruim...
Bem, Tolstoi pensa como eu penso em 99% dos casos. Penso nas guerras, na igreja sem sentido, no mundo do espetáculo, no sexo como distração, na nossa aceitação passiva da violência. Penso que a resistência pacífica nunca foi usada por palestinos, por exemplo, e que olho por olho dente por dente nunca deu certo. Sim, a ciência nunca pensa na moralidade do que faz e muito menos no bem das pessoas ( só as vezes a medicina ). E que chegamos a um ponto em que nem sequer conseguimos imaginar que possa haver outro modo de viver.
O livro é triste, pessimista, irado, e infelizmente, verdadeiro.
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