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O RETRATO DE DORIAN GRAY, OSCAR WILDE
Fui muito fã de Wilde. Quando eu tinha por volta de 25 anos de idade adorava citar suas frases. Citar Wilde fazia com que eu me sentisse elegante, inteligente e chique. O mundo é assim: existem poses que voce pode assumir e assim obter um rótulo. No século XX Wilde te dava esse rótulo: um cínico superior. ---------------- Não sei se ainda se lê Wilde. Penso que não. Ele passa longe de ser politicamente correto e suas frases não pregam o bem. Quanto ao fato dele ser gay, isso nada mais significa. Para um menino gay de 2021 ele irá parecer pré histórico. ------------ Penso que Wilde sabia que sua inteligência, brilhante, seria um belo produto, um rótulo a ser usado por quem quisesse parecer brilhante. Eu o usei. Sei que funcionava. Assim como sei que Wilde tinha consciência de que suas frases eram apenas isso: frases, sons, bolhas. Às vezes eram tão bem escritas que se igualavam à poesia. Mas se analisadas com calma não fazem sentido algum. Nonsense de sala de estar. Lewis Carroll foi muito maior que Wilde. ------------- Reli Dorian pela quarta vez. Como diversão é uma maravilha. Como literatura ele falha miseravelmente. Wilde sabia disso e por isso desistiu de escrever romances. O livro não tem fôlego. Entenda, nós não cansamos de o ler, é curto, é divertido, é leve. Mas sentimos que Wilde se cansou dele. Nos frustra perceber que o autor o encurtou. Dorian poderia ser um romance genial se tivesse mais exposição, mais detalhe e mais desenvolvimento. É preguiçoso. ----------------------- Outro defeito é o fato de que ele parece ter mudado de estilo no meio da escrita. Na primeira parte é um típico texto do Wilde dramaturgo. Frases espirituosas, clima de farsa, humor, crítica às convenções da classe alta. Nada muito distante de Ernesto ou do Marido Ideal. Então, no meio do livro, ele se torna um tipo de tratado simbolista, momento em que Dorian fala de seus prazeres e da educação dos sentidos. É um Huysmans melhor escrito. Depois, ao final, se torna um romance gótico, um tipo de Allan Poe da classe alta. Se Wilde tivesse misturado os três estilos de modo equilibrado por todo o texto, teríamos algo incrivelmente belo. Mas deixando tudo dividido, como se fossem três tipos de intenções que se modificam como estações, ele perde o leitor. Não é por acaso que tanta gente se decepciona com o começo do livro. Quem nunca o leu espera encontrar clima de horror desde o início, e se espanta ao perceber ser este um romance sobre costumes. --------------- O cinema sempre fez filmes péssimos sobre este livro exatamente por isso: ele não é um livro que possa ser formatado em um estilo de cinema. O suspense mata os personagens e as falas à Wilde matam o suspense. O SOL POR TESTEMUNHA é um filme mais Dorian Gray que qualquer filme chamado Dorian Gray, entendeu? ------------------ Alain Delon era o único ator que poderia fazer Dorian Gray. Nunca o fez. É tudo. ------------ Uma pena Wilde não ter vivido até os anos de 1920 e assim poder escrever sobre os vícios e a corrupção moral da qual ele fala mas não pode falar. ---------------- De qualquer modo, Wilde é sempre interessante e o livro é danado de bom de se ler.
UM DOS PIORES LIVROS JÁ ESCRITOS. UMA ANTECIPAÇÃO DO CLICHÉ DE 2021
JK Huysmans era francês. Autor naturalista, rompe com seus pares e se torna um simblista. ÁS AVESSAS é a história de um tal Des Essenes, jovem rico, que cheio de tédio e melancolia, constroi para si mesmo um universo de solidão. Para isso ele usa tudo aquilo que o dinheiro, em 1884, podia comprar. Uma casa no campo e criados. Mas Des Esseines não quer ver nada de real, então esses criados andam escondidos e com sapatos de feltro. Numa sala ele coloca um aquário com peixes mecânicos. A água é colorida e iluminada ao sabor de seu estado de espírito. Há também um orgão onde cada nota é tocada de acordo com aquilo que ele bebe. Whisky é trompete, gim é oboe e por aí em diante. Há uma sala que imita a cabine de um navio. O ambiente tem cheiro de mar, a luz remete aos vários matizes marítimos, e existe uma corda que deve ser mordida. Tem ela o gosto de alcatrão de navios. Nessa casa se abusa de três tipos de ambientes: o assustador porém belo, o erótico solitário e orgulhoso, e a viagem emocional. Des Esseines constroi um mundo onde só existe aquilo que ele permite existir. Seus sentidos, visão, tato, olfato, audição, são entorpecidos em estímulos artificiais. E cito agora a palavra chave do livro: artifício. Des Esseines diz que a natureza JÁ TEVE SUA VEZ. O MUNDO AGORA DEVE SER ARTIFICIAL. A vida então não se faz mais no contato com o outro ou com a natureza, ela se torna um mergulho dentro de si mesmo. O que há ao redor é o que vive dentro dele mesmo. Vida que é um espelho. Só o eu e sua satisfação importa. --------------------------------------- É o mundo de 2021. Substitua artifícios mecânicos por tecnologia digital e voce terá um livro de agora. Des Esseines não precisa mais ser um milionário. Basta ter tempo livre e um smartphone. Seu palácio estará todo dentro dele, na sua mão. Voce levará ao metrô, à praia ou ao navio todo seu universo. Dentro da rede, voce é quem voce quer ser, convive com quem voce autoriza e crê que aquilo que voce filtra é tudo que vale a pena haver. Ao seu redor, fome e tiros, mas lá voce é Des Esseines. ------------------------------------ No Vale do Silício já não há lojas. Não há restaurantes. Não se precisa mais sair à rua. ---------------------------------- ah, por que o livro é tão ruim? É de uma tolice atroz. Tem todo aquele esnobismo dandy do fim do século. O tal "ódio ao vulgar", aquela vaidade enjoada, morta, fútil, sentimento de superioridade, onanista, sentimento bobo, infantil, repugnante. É livro escrito por alguém que pensa-se superior. E escrito sem nenhuma dose de humanidade. Por isso é ruim. Vazio. Um imenso engodo.
O MALDITO: ÀS AVESSAS, LIVRO DE J.K.HUYSMANS
Ciclos, todo tempo nega seu antecessor imediato. O garoto dos anos 80 odiava o doidão dos anos 70, e essa década, a de 1970, seria amada pelos anos 90. Toda arte é assim e em literatura isso é ainda mais flagrante.
Os românticos abominavam os livros do classicismo e os realistas/naturalistas negavam o romantismo. Mas em fins do século XIX vem o simbolismo recuperar o mito romântico. E nesse mundo de cores, impressões vagas e dandismo, nada é mais radical que este livro. Livro que também poderia ser chamado de DIÁRIO DE UMA NEUROSE.
O que move seu personagem, Des Esseintes, é o nojo, o desgosto e a náusea. O mundo que ele vê é um universo onde o comércio é rei. Tudo é dominado pelo lucro, pelo comum e banal, pela América de novos ricos e de vulgaridade histérica. Para lutar contra isso ( que é aliás a luta de todo simbolista. Os românticos odiavam a era industrial, os simbolistas radicalizam isso e odeiam tudo o que seja "comum" ), des Esseintes isola-se em palácio. Lá ele criará seu próprio mundo, mundo que será sua imagem, um tipo de espelho que remete a sí-mesmo. O livro, esquisito ao extremo, não tem ação, é a descrição desse palácio, desse cenário e dos sentimentos do personagem.
Salas com plantas carnívoras, salas com aquários gigantes e perfumes de areia e mar, salas londrinas e salas que são como infernos vermelhos. Des Esseintes cria ambientes, continentes, realidades virtuais. Se o mundo se tornou algo que o desgosta, ele criará seu próprio universo; e esse universo é ele-mesmo; fato de todo neurótico, ele é incapaz de sair de dentro de seu delirio, seu único interesse verdadeiro é seu próprio estado, ele ama obsessivamente seu sintoma.
Mas há mais. A virtualidade das células ilusórias de nosso mundo atual sem contatos de risco, já está antecipada aqui. Ele "viaja" a Londres comendo comida inglesa, sentindo cheiros londrinos e se cercando de um ambiente inglês. Em sua casa Londres é mais londrina que a Londres real. O livro me lembra muito certos filmes de Alain Resnais ( Marienbad principalmente ) com seu mundo fechado; é um livro "do mal", asfixiante.
Ficamos sabendo de seus gostos. Ele só admite aquilo que as massas não conhecem. Se um livro, um pintor ou um músico é um sucesso não poderá ter qualquer valor. É um fato: para todo simbolista a unaminidade é idiota. Assim, ele ama Moreau e Redon em pintura, Poe e Baudelaire em poesia, a filosofia de Schopenhauer e textos de vários escritores "malditos". Pois des Esseintes é atráido por tudo aquilo que desgosta o homem-comum, ele adora tudo o que é satânico, tudo o que é doentio, sujo, drogado, sexualmente mórbido, amoral e apodrecido. Seu extremado esnobismo é um dandismo que tende a doença e a morte, porque o homem vulgar teme acima de tudo aquilo que é podre, sifilitico, infernal. Ele provará drogas, ficará doente, terá alucinações, amores com mulheres masculinas, com mulheres doentes, com mocinhos frágeis, usará as pessoas e, terrível maldição, sentirá um tédio sem fim.
Pois nesse mundo auto-criado, o tédio é sempre o perigo. Tudo é provado por des Essientes, e tudo é jogado fora. As coisas se tornam sombras, perdem a urgência, o sabor. Chegando ao fim do livro ele se depara com a escolha : ou o revólver ou a cruz.
É fato, muitos simbolistas acabam se tornando católicos. Aquele tipo de católico que se veste de preto e faz preces em latim. O carola extremado, que condena todo pecado. Numa visão superficial, essa conversão pode parecer arrependimento pelos pecados passados, mas não é. No catolicismo o simbolista radical vê o mergulho definitivo no "mundo fora do planeta burguês", em terra que não faz parte de indústria/ciência e comércio, em plano simbólico que se alimenta de imaterialidade. E além de tudo, uma crença, que quando é radicalizada, se torna a mais esnobe e conservadora das fés, a crença católica, com seus bispos e cardeais, seus dogmas incompreensíveis e suas igrejas de ouro e de exorcismos. A aristocracia da fé.
Este livro, diabólico, hiperbólico, barroco, cansativo, perturbador e extremamente doentio, é uma chaga na literatura do século XIX. E de forma certeira, é uma antecipação de uma realidade que se aproxima. No pior futuro possível, todos nós seríamos des Essientes...e creia, muitos de nós já o são.
Os românticos abominavam os livros do classicismo e os realistas/naturalistas negavam o romantismo. Mas em fins do século XIX vem o simbolismo recuperar o mito romântico. E nesse mundo de cores, impressões vagas e dandismo, nada é mais radical que este livro. Livro que também poderia ser chamado de DIÁRIO DE UMA NEUROSE.
O que move seu personagem, Des Esseintes, é o nojo, o desgosto e a náusea. O mundo que ele vê é um universo onde o comércio é rei. Tudo é dominado pelo lucro, pelo comum e banal, pela América de novos ricos e de vulgaridade histérica. Para lutar contra isso ( que é aliás a luta de todo simbolista. Os românticos odiavam a era industrial, os simbolistas radicalizam isso e odeiam tudo o que seja "comum" ), des Esseintes isola-se em palácio. Lá ele criará seu próprio mundo, mundo que será sua imagem, um tipo de espelho que remete a sí-mesmo. O livro, esquisito ao extremo, não tem ação, é a descrição desse palácio, desse cenário e dos sentimentos do personagem.
Salas com plantas carnívoras, salas com aquários gigantes e perfumes de areia e mar, salas londrinas e salas que são como infernos vermelhos. Des Esseintes cria ambientes, continentes, realidades virtuais. Se o mundo se tornou algo que o desgosta, ele criará seu próprio universo; e esse universo é ele-mesmo; fato de todo neurótico, ele é incapaz de sair de dentro de seu delirio, seu único interesse verdadeiro é seu próprio estado, ele ama obsessivamente seu sintoma.
Mas há mais. A virtualidade das células ilusórias de nosso mundo atual sem contatos de risco, já está antecipada aqui. Ele "viaja" a Londres comendo comida inglesa, sentindo cheiros londrinos e se cercando de um ambiente inglês. Em sua casa Londres é mais londrina que a Londres real. O livro me lembra muito certos filmes de Alain Resnais ( Marienbad principalmente ) com seu mundo fechado; é um livro "do mal", asfixiante.
Ficamos sabendo de seus gostos. Ele só admite aquilo que as massas não conhecem. Se um livro, um pintor ou um músico é um sucesso não poderá ter qualquer valor. É um fato: para todo simbolista a unaminidade é idiota. Assim, ele ama Moreau e Redon em pintura, Poe e Baudelaire em poesia, a filosofia de Schopenhauer e textos de vários escritores "malditos". Pois des Esseintes é atráido por tudo aquilo que desgosta o homem-comum, ele adora tudo o que é satânico, tudo o que é doentio, sujo, drogado, sexualmente mórbido, amoral e apodrecido. Seu extremado esnobismo é um dandismo que tende a doença e a morte, porque o homem vulgar teme acima de tudo aquilo que é podre, sifilitico, infernal. Ele provará drogas, ficará doente, terá alucinações, amores com mulheres masculinas, com mulheres doentes, com mocinhos frágeis, usará as pessoas e, terrível maldição, sentirá um tédio sem fim.
Pois nesse mundo auto-criado, o tédio é sempre o perigo. Tudo é provado por des Essientes, e tudo é jogado fora. As coisas se tornam sombras, perdem a urgência, o sabor. Chegando ao fim do livro ele se depara com a escolha : ou o revólver ou a cruz.
É fato, muitos simbolistas acabam se tornando católicos. Aquele tipo de católico que se veste de preto e faz preces em latim. O carola extremado, que condena todo pecado. Numa visão superficial, essa conversão pode parecer arrependimento pelos pecados passados, mas não é. No catolicismo o simbolista radical vê o mergulho definitivo no "mundo fora do planeta burguês", em terra que não faz parte de indústria/ciência e comércio, em plano simbólico que se alimenta de imaterialidade. E além de tudo, uma crença, que quando é radicalizada, se torna a mais esnobe e conservadora das fés, a crença católica, com seus bispos e cardeais, seus dogmas incompreensíveis e suas igrejas de ouro e de exorcismos. A aristocracia da fé.
Este livro, diabólico, hiperbólico, barroco, cansativo, perturbador e extremamente doentio, é uma chaga na literatura do século XIX. E de forma certeira, é uma antecipação de uma realidade que se aproxima. No pior futuro possível, todos nós seríamos des Essientes...e creia, muitos de nós já o são.
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