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E O PROFESSOR FALA DO SÍMBOLO.

   E não é que o professor que tanto entende de Freud, de alemão, de holandês, de dinamarquês, também se revela alguém que compreende e consegue fazer o mais materialista dos alunos entender o que seja o "símbolo" ...
   Quando uma obra de arte, seja texto ou imagem, tem um significado oculto, mas que é revelado aos poucos e para alguns escolhidos, temos uma "alegoria". O Paraíso Perdido de Milton é uma alegoria. A Divina Comédia de Dante é uma alegoria.
   Porém, quando uma obra tem uma linguagem, uma imagem, que nem mesmo seu autor consegue a explicar, essa imagem se explica por si-mesma, e acende em cada pessoa um significado particular, aí temos o "símbolo". O símbolo não pode ser explicado. Ele diz uma coisa, simples e secreta, a cada um. Digamos que ele fala aquilo que as palavras não conseguem dizer. Ele se situa além da linguagem e antes da história.
   Baudelaire fala por símbolos. Assim como Rimbaud. Você pode os traduzir, mas a sua interpretação nunca é a definitiva. O símbolo é inesgotável.
   Isso não significa que o símbolo é superior à alegoria. Milton é maior que o simbolista Verlaine. Mas Verlaine rende mais discussão. Whitman nunca é simbolista. Mas o americano é maior que Leopardi, que usa símbolos. ( Aliás, americanos têm uma enorme dificuldade de lidar com símbolos ).
  A religião é toda símbolo. Mas a igreja é alegoria. Ela tenta dar sentido único a coisas inesgotáveis como a cruz, a pomba ou o milagre. Toda a história de Jesus Cristo é um símbolo, portanto atemporal, inesgotável e particular. Não se traduz em discurso, ela é como um suspiro. A igreja a toma para sí e a traduz. Faz do símbolo uma alegoria e mata sua evolução.
  O marxismo fez o mesmo com a história, a psicanálise com o inconsciente, a crítica literária com a prosa. Pegaram o particular e o transformaram em alegoria universal.
  O símbolo é a prova de que o tempo nada é daquilo que achamos saber. Ele flui através do futuro ao passado e reflui ao presente, renasce a cada nova leitura e nega o certo e o errado. Como diz Gregory Wolfe, a arte abstrata, Kandinsky, Klee, são os verdadeiros artistas, porque eles criam aquilo que passa a existir a partir do nada. Quando Klee pinta uma "coisa" ele a cria do absoluto vazio. Ao contrário de Rembrandt ou de Vermeer que nada criavam, na verdade copiavam, genialmente, aquilo que já existia no mundo, artistas com Marc ou Miró inventam símbolos que surgem do nada e com nada anterior se parecem. São criadores de fato, como criadores foram os homens que desenharam mandalas, símbolos celtas ou intrincados labirintos hindus. Nesse sentido, que não julga mérito, julga criação, Cézanne é o primeiro criador a surgir desde o século XV. Entre Giotto e Cézanne todos foram imitadores.
  Entendeu my friend.

DA MELANCOLIA

   A vida de um artista, digamos Rembrandt, digamos Dante, podia ser cheia de dramas, de tragédias até. Dor, desespero, lágrimas. Mas por volta de 1850 começa a surgir um novo sentimento entre artistas. Ele não tem a força tempestuosa da tragédia, e nem a teatralidade do drama derramado. É pequeno, quase mudo, discreto e por ser assim, persistente. Melancolia é seu nome.
  Pelo que sabemos, artistas não eram melancólicos. Mulheres podiam ser. Idosos provavelmente. Pensar num Goethe melancólico é quase impossível. Mas a partir do meio do século XIX, desse século vagabundo que insiste em nunca terminar, melancolia passou a quase ser sinonimo de artista. Porque? 
  Nesta excelente aula, com textos de Adorno, Benjamin, Oehler e Bergson, alguns dos quais discordo, e ainda com testemunhos de Baudelaire e Proust, analisamos o que seria essa tal melancolia, se ela ainda existe, e o que a fez nascer. 
  Vários motivos são listados. Um dos mais sedutores é o que a relaciona com a falência da revolução. É em 1848 que a ideia de revolução vai a falência ( será revivida em 1917, por pouco tempo ). Como consequência, temos gerações de revolucionários obrigados a conviver com ""o fim do sonho"", a salvação apenas no individualismo, e a auto-censura em relação ao sonho. Se misturarmos tudo damos com o melancólico, um ser que descrê do sonho, teme as ideias compartilhadas e vive preso em si mesmo. 
  Será?
  Me convence mais a ideia do "" novo mundo"", tão clara em Baudelaire, o primeiro homem moderno e não `a toa, o primeiro melancólico. Baudelaire em 1850 faz algo que para nós é infelizmente banal, mas para ele era novidade: anda pelas avenidas de Paris. Anda não como um turista, um trabalhador ou um cidadão, anda como um flanêur. Jogando fora suas defesas, desfilando vafarosamente, sem pressa e sem objetivo, Baudelaire percebe o que nos outros e em nós passa anestesiadamente. A anti-humanidade da vida em cidade. Ele anda em meio a gente que não conhece. Vê pessoas que são estranhas e que lhe serão estranhas para sempre. Vive na beira da possibilidade: aquela mulher que passa poderia ser um grande amor, ela olha seus olhos, ele olha os olhos dela, mas se vão...Obrigados pela cidade, nunca mais irão se ver. Baudelaire percebe que tudo na cidade NÃO remete ao novo, ao encontro, mas sim ao velho e à despedida. Tudo o que vemos, mesmo e principalmente o recém inaugurado, vive na beira da destruição. É um adeus sem fim: adeus voce que passa, adeus rua que muda, adeus casa demolida, adeus amigo que some no fluxo da avenida, adeus, adeus, adeus....Nada permanece, nada consegue se tornar familiar. O homem no bonde é um estranho. PELA PRIMEIRA VEZ convivemos intimamente com pessoas que nos são completamente desconhecidas. Pior, pessoas que desprezamos. Viver me metrópoles é ser obrigado a exercitar o desprezo. Daí a melancolia, se o DESPREZO não for aprendido, a MELANCOLIA torna-se constante. Viver dizendo adeus e lutar contra esse adeus, eis o artista. Eis o melancólico.
  Para mim essa formulação é inquestionável por espelhar o meu sentimento perante a vida. E outra conclusão baudelairiana é a de que a melancolia se torna uma resistência invencível. O melancólico é aquele que desafia, que desanda a marcha, que vê o não-natural naquilo que parece certo. É preciso falar do choque.
  A cidade nos dá constantes choques. Ruídos, cores, riscos, medos, possibilidades, surpresas. Nossa mente não aceita choques facilmente. Choques são sempre ameaças. Algumas boas ameaças, mas sempre um choque. Na multidão, na super excitação, somos obrigados a viver como anestesiados. Ignorar os choques, mal percebe-los. O melancólico, que estranho, que parece o mais ausente dentre todos, é exatamente aquele que mais os sente. E que, falho em suas defesas, não consegue ignorar. Ele sente o ruído. Vê as ameaças. E como reação, defende o antídoto. 
  Sentirei falta dessas aulas...

O DESEJO DE PINTAR - CHARLES BAUDELAIRE

   Mario Vale, pintor e desenhista, executa belas imagens e ainda traduz o poeta francês, primeiro homem de nosso tempo, neste livreto bonito e puro. São textos em prosa com alma de poesia, ou poemas não acabados. Vale pega-os, verte-os e pinta-os. Nós os lemos. E se os lermos com vagar, entramos na coisa.
   Baudelaire foi o primeiro flanêur. Como costumo fazer em meus dias tontos, ele andava pelas ruas de Paris, aterrado, abismado e maravilhado. Em meio a podre febre moderna, recolhia fragmentos de beleza, e eternizava essa beleza secreta e morta em textos que propunham o spleen. Duende. Doente.
   Chineses usam gatos como relógios. Percebem as horas nas pupilas brancas dos felinos quietos. Porque o tempo é uma pupila de gato chinês: sempre o mesmo e só usa o relógio-nosso quem é escravo do tempo.
   E o amor faz de nós, enfim, livres do senhor das horas.
   Um anjo-poeta perde a sua aura. Rico poema prosado, em que há reflexos da atual teoria Benjaminiana da perda da aura da arte e ainda dos anjos de Asas do Desejo, o mais Baudelaire dos filmes, feito estranhamente pelo hiper-alemão Wenders. O anjo perde a aura e contente vive a sujeira do mundo real.
   Baudelaire tinha medo e asco do pó e da velocidade. Era um dandy. Cáspite!!! O homem era um dandy, um poeta sem asas e um flanêur!!!! Ele era o nobre possível em tempos que abominam tudo o que é especial.
   Vê paisagens em janelas fechadas e ama a morte. Foi Baudelaire a base de Freud para o impulso da morte. Para o poeta, a morte é amor, amor é desejo de morrer sob o olhar de quem amamos. Todo apaixonado é um suicida. Crer em psicanálise é acreditar em Baudelaire.
   Para ele, voce cria a verdade ao criar a fantasia. Fantasia que é muito mais real que aquilo que vive fora de nós. Porque na verdade o fora não vive. Quem pode provar a verdade de qualquer coisa que não seja nossa?
   Então ele anda pela vida recolhendo imaginações e vendo a si-mesmo em tudo. Sua poesia é desejo de provar a vida. Impossível. Quem nunca desejou pintar....viveu?