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TAMBÉM O CISNE MORRE - ALDOUS HUXLEY
Huxley esteve em Hollywood nos anos de 30 e 40. Na verdade foi morar por lá como roteirista. Deu palpites em muitos roteiros que não levam seu nome e nas horas vagas, escreveu romances. Este é de 1939, pouco antes de ADMIRÁVEL MUNDO NOVO. -------------- Aqui ele já percebe a aramdilha que fora armada para o homem do século XX ( e XXI ). A ditadura do prazer faria com que as pessoas abrissem mão de tudo: honra, liberdade, verdade, laços familiares, sentido d vida, tudo em nome do prazer, um prazer que seria sempre ilusório, pouco durável e portanto sempre em fuga. Ajoelhados perante aquele que lhes dá o prazer, prazer este puramente sensorial-físico, o ser humano seria para sempre um poço de ansiedade, espremido entre o medo de perder o prazer e a submissão a quem o proporciona. ----------------- Há um personagem aqui, um gordinho meio padre meio carpinteiro, bastante artificial pois ninguém conversa daquele modo, que é porta voz de Huxley. Ele diz que inclusive a religião e a ideologia política fazem parte desse tipo de prazer barato, ambos dando ao ansioso a ilusão de fazer parte de uma irmandade e de possuir uma missão na vida. Imenso prazer esse. ---------------------- O livro foi escrito durante a guerra civil da Espanha e Huxley condena os fascistas, lógico, mas não defende os republicanos. Ele sabe que se mantidos no poder, os republicanos fariam o mesmo que Franco e sua gangue, ou seja, prisões, assassinatos, exílios, crimes. Para ele, TODA ideologia é criminosa pois tira do homem sua única chance de felicidade, a independência. ------------------- A trama? Weeeellll...Huxley, como Orson Welles, ficou impressionado com Hearst e sua Shangrila. Então Huxley escreve sobre um bilionário americano, brega, que vive entre Vermmeers, Rafaellos e El Grecos. Coleciona objetos antigos, enche os jardins de estátuas e tem uma biblioteca de sonho. Aterrorizado pela ideia da morte, ele tem uma laboratório onde tenta se desenvolver um soro que prolongue a vida. Uma jovem é sua amante. Há ainda um inglês que vem catalogar uma nova coleção de manuscritos raros, um jovem cientista idealista e o tal pároco. --------------- Na primeira parte é uma sátira ao nível Evelyn Waugh. Huxley ri da loucura americana. Mas depois o romance se torna pregação filosófica e por fim um drama de mistério. Huxley era o tipo do cérebro que podia escrever o que quisesse, sua falha era o excesso de pregação. Se em A ILHA isso destroi a obra, aqui ela se salva. É um belo romance. -------------------- Diz-se aqui que tudo aquilo que pode ser descrito ou pensado dentro da gramática, por palavras, nada vale, pois é puramente humano. Teria Huxley lido Wittgeinstein????? Para Huxley, temos 3 níveis: o animal, que é válido e puro, mundo de instintos e de fomes, o médio, o pior, que é o humano, totalmente ligado ao tempo e ao prazer sem sentido, e o nível 3, fora do tempo, eterno e divino. Complicado? Não acho. Talvez porque eu já tenha sentido na carne cada um desses níveis. Talvez um dia eu fale sobre.
O GÊNIO E A DEUSA - ALDOUS HUXLEY
" O mal da ficção é que ela faz sentido demais. A realidade nunca faz sentido". Essa é a primeira frase deste livro, curto, de Huxley. Lançado em 1955, nos vemos no centro de um caso de amor. Amor recordado, anos mais tarde, por dois amigos que conversam. As personagens: Um gênio e sua esposa, um jovem que começa a trabalhar com o gênio ( é ele quem recorda ), a filha de 13 anos do casal e o filho de 10 anos. Huxley nos mostra a vida, acontecimentos sem porque, sem lógica, sem consequência. O gênio é um quase idiota, velho, super sexuado, brilhante em ciência e incapaz de viver só ou de cuidar de si mesmo. A esposa é a Deusa. Uma fonte de vida. Auto confiante, bela, à vontade em tudo que tem respeito à Terra. Mas ela, mesmo ela, será surpreendida pelo inesperado. O mais interessante em Huxley é que o inesperado é óbvio. Parece estranho? Aquilo que faz da vida algo sem enredo, desarrumada, vaga, é o mais comum e normal dos fatores da equação: a Morte. Alguém morre na história do livro, e então toda a vida das personagens perde sua arrumação. ---------------- Wittgenstein dizia que é impossível falar da morte porque ela não faz parte da vida e portanto não faz parte da linguagem ou do pensamento. Ninguém jamais provou a morte. Ninguém conhece a morte. Ela está radicalmente fora de tudo o que existe no universo. ----------------- Huxley faz a morte irromper e anarquizar a vida. Por fim, uma constatação: Como é bom ler esse tipo de autor! Sábio sem ser negativo, profundo e jamais obscuro, civilizado e elegante. Huxley tem muito o que falar, e fala. E eu, ansioso por saber, escuto lendo.
O QUE NÓS SABEMOS É AQUILO QUE NÓS INVENTAMOS
O que nós sabemos é aquilo que inventamos. Essa a afirmação de Vico contra Descartes. Em pleno século XVIII, aquele em que a razão prometia tudo saber ou poder saber, o italiano Giambatista Vico dizia que não, Descartes errara. Penso Logo Existo é uma tolice porque nos será sempre impossível entender a nós mesmos. --------------- A base de toda filosofia de Descartes, como é toda filosofia racionalista, se dá no conhecimento da matemática. Os números seriam a prova da possibilidade de se conhecer tudo, para tanto, bastaria se reduzir a realidade à matemática. A estatística, o cálculo, a aplicação da equação certa, tudo seria possível. Vico destroi essa ilusão dizendo que " O homem pode conhecer tudo sobre a matemática porque foi o homem quem criou a matemática, mas isso não significa que tudo o mais seja matemática". -------------- O que podemos realment conhecer a fundo, é aquilo o que inventamos. Saber é criar. Tudo aquilo que não criamos está, e estará sempre, fora de nosso saber. Isso, claro, não impede que devamos tentar saber, que não iremos saber muito mais, porém, o domínio total de um tema só será possível sobre aquilo que nós mesmos inventamos. ------------- Assim, podemos saber tudo sobre o direito, pois fomos nós quem criamos leis, mas jamais saberemos tudo sobre nossa mente, pois ela não foi criada ou feita por nós. Ao estudar a mente partimos daquilo que já existe independente de nós mesmos, e pior, estamos usando a ela mesma para tentar entender ela mesma. Não sabemos porque ela existe, como ela foi criada e para que ela serve. Tudo que fazemos é tentar abstrair para "imaginar" como seria a observar "de fora". Muito poderá ser aprendido, mas saber tudo jamais. -------------- Poderemos, e de fato muitos sabem tudo sobre um carro. Sobre suas peças. Sobre o aço. Sobre o plástico. Pois é tudo criação nossa. Mas não saberemos como fabricar ferro, petróleo, ou vencer o desgaste das peças. Pois são coisas que não criamos. Inventamos o plástico e o aço, o carro e a gasolina, mas não o ferro e o petróleo. ------------- Por isso a medicina remedia mas não cura. A doença é invencível porque não criamos nosso próprio corpo. Jamais saberemos tudo sobre o corpo humano porque nascemos nele, somos condenados a viver nele, e claro, não o inventamos. Mas há fetiches modernos que se aplicados a Vico caem por terra. ------------- Não temos como vencer o clima. Ele é incriado por nós. Não temos como saber se estamos secando ou inundando, se caminhamos para uma era do gelo ou do fogo, se ao fazermos isto provocamos de fato aquilo. Usamos estatísticas e estatísticas servem para apenas isso, matemática. Sabemos tudo sobre estatísticas, nós a criamos, mas nada sobre o clima, ele nos escapa. Hoje é 24 de outubro e chove e faz frio. Uma estatística previu isso uma semana atrás. Jamais poderá saber porque. Mas faz de conta que sabe. E muito mais importante, jamais poderemos mudar o clima. Porque não o inventamos. ---------------- Bill Gates em julho, no auge de sua megalomania, disse que iria criar um escudo para controlar o clima da Terra. Preciso comentar o quanto isso é ridículo? Quem controlaria Bill Gates? E quem controlaria a ação do clima sobre o mecanismo que controlaria o clima? Eis uma ideia tão imbecil quanto a invenção de uma máquina do tempo. Gente como Bill Gates prova a validade de Vico. Gates sabe tudo sobre aquilo que ele inventou. Porém, sobre todo o resto é uma besta. Mas seu ego faz com que ele pense saber bem mais. Pobre tolo. ------------ Para Vico não há como provar que Deus exista porque não criamos Deus, assim como não há como criar vida, pois não a inventamos. ------------ Fazemos pão e sabemos tudo sobre a panificação, mas somos incapazes de entender o que seja uma semente de trigo. Podemos hoje, em 2021, modificar uma semente, mas não a criamos de algo que não seja ela mesma. O pão será sempre de trigo. O trigo da semente. E a semente de outra semente. A verdade da semente nos escapará sempre. Faremos cálculos infinitos e não iremos criar uma semente de trigo de um grão de sal ou de uma folha de feijão. Tudo o que poderemos fazer é melhorar a semente. ------------- Penso que Vico criou então uma verdade que Wittgeinstein levaria ao extremo: não conseguimos falar sobre aquilo que não foi criado por nossa língua. Falamos tudo sobre O Direito ou sobre Uma Ponte, mas não conseguimos expressar tudo sobre a DOR ou sobre o AMOR. Nesta crise atual, desconfie sempre de quem diz saber tudo sobre algo. Quem fala coisas como ESTA VACINA CURA, ou ISTO ESTÁ TOTALMENTE CERTO tenta apenas convencer a si mesmo de um fato que lhe escapa. Em crises o honesto diz que está tentando, está querendo acertar. O perverso fala com falsas certezas. O homem bom fala com bom senso. Vico está sempre certo.
A ESPLÊNDIDA COMPLEXIDADE QUE SÓ A MÚSICA PODE SE PERMITIR
Ando relendo Wittgenstein. Sei que ele amava música, um de seus irmãos foi grande pianista, e que o filósofo se divertia assobiando Schubert. Penso que somente alguém que entenda de música pode compreender Wittgenstein. Quando ele analisa de forma lógica as sentenças que emitimos, e assim descobre sua função e seus limites, é um músico que fala. A música pode expressar tudo. A nossa fala não. ---------------- Escutei ontem, pela primeira vez, o Concerto para Piano número 3, em Dó, de Prokofiev. A pobre linguagem humana não conseguirá nunca descrever essa música. Composta em 1921, durante o tempo em que o compositor viveu nos EUA, ele aqui nos oferta 30 minutos da mais esfuziante, complexa, surpreendente, viva, cristalina, viril, lógica, despudorada, jovem, criativa música. Começando com uma calma enganosa, ela logo alça voo rumo ao cosmos. O piano, como um jato invisível, enfrenta as mais arrojadas dificuldades. O pianista se vê entre cometas de notas, cascatas que ameaçam o jogar num buraco negro, explosões de super novas, infinitas paisagens. É uma obra dificílima de ser executada, um desafio para todo pianista, e aqui, Vladimir Ashkenazy se sai garbosamente bem. Chega a ser inacreditável sua velocidade e controle. -------------- De todas as formas da música, sinfonias, suítes, concertos para violinos, cellos, flauta etc, é o concerto para piano minha forma favorita. Eu adoro a harmonização, o desafio, o diálogo entre orquestra e solista. Este concerto é um dos mais lendários. Me apaixono por ele. Ouço uma segunda vez logo em seguida. A impressão é ainda maior. Há tanta música aqui, são tantos temas, melodias, motivos e andamentos que sua mente se exalta. Voce viaja entre as notas e com as notas. Épico. ----------------- André Previn rege a Orquestra de Londres numa gravação Decca de 1975. Não há como ser melhor.
PALAVRAS DIZEM O QUE?
Já viveu isso Wittgeinstein: há um momento na vida de uma pessoa em que as palavras perdem o valor. E hoje, mais ainda, neste universo cheio de textos, frases, blogs, posts, memes. As pessoas falam, escrevem, tentam comunicar-se, demais, muito, em excesso. E eu aqui, neste blog, com agora uma imensa dificuldade para escrever, postar, me convencer e te convencer.
Penso que sempre tive um radar razoável para sentir o espírito do tempo. E sinto que o silêncio é hoje o bem mais precioso. Neste ano, 2019, perdi o amor absoluto que eu sentia pela palavra. Por isso escrevo menos. Por isso escrevo pior. Não há paixão aqui. Eu não sei precisar quando, mas houve um dia em que eu senti que a frase, a sentença são falsas. Elas são apenas palavras, e palavras são brinquedos, só transmitem jogos de sentidos. Palavras mentem. Mesmo quando não queremos e não pensamos mentir, elas mentem.
Isso porque elas jamais dizem exatamente o que se deseja dizer. E, pior, a pessoa que escuta entende o que ela pode e deseja entender. Não há ouvido neutro. Não há sentença inofensiva.
Sinto algum respeito pelo amor que senti um dia, e por isso estou aqui escrevendo. Mas é passado, mundo morto, ido e partido. Minha inocência sobre a escrita se perdeu. É irrecuperável. Eu poderia escrever sobre a morte de Anna Karina. Sobre um filme qualquer. Um autor do século XX. Mas a questão que coloco é: Pode-se fazer isso sem mergulhar no labirinto da vaidade?
Talvez tudo seja uma questão de politica, e hoje no Brasil o texto parece ser monopólio da esquerda. Daí a crise. Nada mais antigo e zumbi que a esquerda, ela nada tem de novo a oferecer e nada de sincero a professar. Já a direita nada escreve que possua algo de instigante. Seu discurso é realista. Seco. Cru.
Ainda sinto algum resto de paixão pelo texto científico. Meu coração se excita com um artigo sobre física ou química. Nesse tipo de texto não há a tola pretensão de se fazer arte escrita. É apenas um pretenso fato sendo comunicado em palavras. E o autor sabe que o verbo comunica o fato de modo muito pior e falho que os números.
Desconfio de gente que tem orgulho em dizer "sou de humanas, não sei contar". Pode ter certeza que ele também não sabe falar. As humanidades foram sublimes enquanto artistas e filósofos sabiam matemática. Quando sentiram despeito e passaram a esnobar a ciência, as humanidades se tornaram apenas campo para preguiçosos e vaidosos. Nada hoje é mais ridículo que um filósofo.
Por isso meu pudor em escrever. Não quero fazer parte desse povo que desprezo.
Obvio que continuo amando os autores de sempre. Mas os amo em silêncio. O que eu podia dizer sobre eles já foi dito. Meu amor foi alardeado aqui. Agora sinto em silêncio.
Não me comparo à eles, mas todo autor tem seu dia. A hora em que ele sente que o texto não tem mais o que falar. E então ele passa a viver. Viver o mundo fora do texto.
Não, isto não é o fim deste blog. Acho que ainda irei publicar alguma coisa. Breve, curta, simples. A paixão virou amizade.
Penso que sempre tive um radar razoável para sentir o espírito do tempo. E sinto que o silêncio é hoje o bem mais precioso. Neste ano, 2019, perdi o amor absoluto que eu sentia pela palavra. Por isso escrevo menos. Por isso escrevo pior. Não há paixão aqui. Eu não sei precisar quando, mas houve um dia em que eu senti que a frase, a sentença são falsas. Elas são apenas palavras, e palavras são brinquedos, só transmitem jogos de sentidos. Palavras mentem. Mesmo quando não queremos e não pensamos mentir, elas mentem.
Isso porque elas jamais dizem exatamente o que se deseja dizer. E, pior, a pessoa que escuta entende o que ela pode e deseja entender. Não há ouvido neutro. Não há sentença inofensiva.
Sinto algum respeito pelo amor que senti um dia, e por isso estou aqui escrevendo. Mas é passado, mundo morto, ido e partido. Minha inocência sobre a escrita se perdeu. É irrecuperável. Eu poderia escrever sobre a morte de Anna Karina. Sobre um filme qualquer. Um autor do século XX. Mas a questão que coloco é: Pode-se fazer isso sem mergulhar no labirinto da vaidade?
Talvez tudo seja uma questão de politica, e hoje no Brasil o texto parece ser monopólio da esquerda. Daí a crise. Nada mais antigo e zumbi que a esquerda, ela nada tem de novo a oferecer e nada de sincero a professar. Já a direita nada escreve que possua algo de instigante. Seu discurso é realista. Seco. Cru.
Ainda sinto algum resto de paixão pelo texto científico. Meu coração se excita com um artigo sobre física ou química. Nesse tipo de texto não há a tola pretensão de se fazer arte escrita. É apenas um pretenso fato sendo comunicado em palavras. E o autor sabe que o verbo comunica o fato de modo muito pior e falho que os números.
Desconfio de gente que tem orgulho em dizer "sou de humanas, não sei contar". Pode ter certeza que ele também não sabe falar. As humanidades foram sublimes enquanto artistas e filósofos sabiam matemática. Quando sentiram despeito e passaram a esnobar a ciência, as humanidades se tornaram apenas campo para preguiçosos e vaidosos. Nada hoje é mais ridículo que um filósofo.
Por isso meu pudor em escrever. Não quero fazer parte desse povo que desprezo.
Obvio que continuo amando os autores de sempre. Mas os amo em silêncio. O que eu podia dizer sobre eles já foi dito. Meu amor foi alardeado aqui. Agora sinto em silêncio.
Não me comparo à eles, mas todo autor tem seu dia. A hora em que ele sente que o texto não tem mais o que falar. E então ele passa a viver. Viver o mundo fora do texto.
Não, isto não é o fim deste blog. Acho que ainda irei publicar alguma coisa. Breve, curta, simples. A paixão virou amizade.
ELEGIAS AMOROSAS - JOHN DONNE. SEXO, ESCRITA E MADRIGAIS.
Temos a ilusão de que 2017 é tempo de sexo. Que nunca se transou tanto. Bem, no mundo da NET provavelmente sim. No mundo real...
John Donne é um poeta e padre inglês do mesmo tempo que Shakespeare. Na primeira metade de sua vida ele foi um poeta que escrevia basicamente sobre sexo e sobre a beleza. Sua pena era ferina, satírica e sempre feliz. Na segunda metade de sua vida ele se fez padre católico. Não por culpa ou por revelação espiritual. Sua decisão foi apenas um modo de ganhar a vida. John Donne sempre foi crente e nessa segunda fase ele se torna um escritor de sermões. Os melhores de sua língua. Este livro que acabo de reler tem sua obra profana. E devo dizer que poucas vezes li algo tão feliz, exultante, risonho, satírico e bonito. Donne escreve com profusão de imagens. Ele pinta com palavras e todas essas pinturas são enfeitiçantes. Lemos cantando. Rindo e rangendo os dentes. Seu tema é a mulher. O amor que ele tem por elas. Amor que é sempre carnal. Ele pode começar falando da Lua, da floresta ou das flores, mas logo percebemos que é tudo introdução, pois logo ele fala dos seios, do sexo e das pernas. Ao mesmo tempo ele escarnece das mulheres feias, das ciumentas, das fofoqueiras, dos maridos cornos, das fétidas, das que possuem doenças venéreas. É o mesmo mundo de Chaucer, a Inglaterra alegre e impulsiva de antes da revolução industrial.
Para onde foi esse mundo cantante...Sobrevive claro. Está presente em estádios de futebol, em ruas cheias de cockneys, na região norte do país. Mas é reprimido. Desde mais ou menos 1800, quando a nova riqueza inglesa trouxe de sopetão a obrigação de ser "inglês". E esse novo rico inglês impôs ao mundo a imagem de um povo frio, indiferente, algo snob. Para onde foi esse mundo cantante...Ele surgia em bandas de rock sujas ( Keith Richards e Joe Strummer estariam em casa no mundo de Donne e de Ben Jonson ). Ele surgia em astros do esporte como Paul Gascoigne e George Best.
Ler os poemas de John Donne é uma alegria. E o que define a Inglaterra de 1600 é uma encantadora alegria de viver. Terra de piratas, ela vive solta em estradas ruins e tabernas escuras. E como se faz sexo!!! 99% do tempo os homens pensam em fornicar e no resto do tempo fogem de maridos cornudos. Estamos longe, muito longe do mundo romântico. Em Shelley, Keats e Wordsworth há a dor de se ter perdido o mundo de Donne. Em Donne há a alegria por ser o que se é. 200 anos que parecem 2000.
Antes de Donne andei dando mais uma olhada em Wittgenstein. Nada pode ser mais estranho. O filósofo decreta o fim da palavra viva. Donne faz partos diários de palavras risonhas e fedidas. Amo os dois, mas Donne é maior.
John Donne é um poeta e padre inglês do mesmo tempo que Shakespeare. Na primeira metade de sua vida ele foi um poeta que escrevia basicamente sobre sexo e sobre a beleza. Sua pena era ferina, satírica e sempre feliz. Na segunda metade de sua vida ele se fez padre católico. Não por culpa ou por revelação espiritual. Sua decisão foi apenas um modo de ganhar a vida. John Donne sempre foi crente e nessa segunda fase ele se torna um escritor de sermões. Os melhores de sua língua. Este livro que acabo de reler tem sua obra profana. E devo dizer que poucas vezes li algo tão feliz, exultante, risonho, satírico e bonito. Donne escreve com profusão de imagens. Ele pinta com palavras e todas essas pinturas são enfeitiçantes. Lemos cantando. Rindo e rangendo os dentes. Seu tema é a mulher. O amor que ele tem por elas. Amor que é sempre carnal. Ele pode começar falando da Lua, da floresta ou das flores, mas logo percebemos que é tudo introdução, pois logo ele fala dos seios, do sexo e das pernas. Ao mesmo tempo ele escarnece das mulheres feias, das ciumentas, das fofoqueiras, dos maridos cornos, das fétidas, das que possuem doenças venéreas. É o mesmo mundo de Chaucer, a Inglaterra alegre e impulsiva de antes da revolução industrial.
Para onde foi esse mundo cantante...Sobrevive claro. Está presente em estádios de futebol, em ruas cheias de cockneys, na região norte do país. Mas é reprimido. Desde mais ou menos 1800, quando a nova riqueza inglesa trouxe de sopetão a obrigação de ser "inglês". E esse novo rico inglês impôs ao mundo a imagem de um povo frio, indiferente, algo snob. Para onde foi esse mundo cantante...Ele surgia em bandas de rock sujas ( Keith Richards e Joe Strummer estariam em casa no mundo de Donne e de Ben Jonson ). Ele surgia em astros do esporte como Paul Gascoigne e George Best.
Ler os poemas de John Donne é uma alegria. E o que define a Inglaterra de 1600 é uma encantadora alegria de viver. Terra de piratas, ela vive solta em estradas ruins e tabernas escuras. E como se faz sexo!!! 99% do tempo os homens pensam em fornicar e no resto do tempo fogem de maridos cornudos. Estamos longe, muito longe do mundo romântico. Em Shelley, Keats e Wordsworth há a dor de se ter perdido o mundo de Donne. Em Donne há a alegria por ser o que se é. 200 anos que parecem 2000.
Antes de Donne andei dando mais uma olhada em Wittgenstein. Nada pode ser mais estranho. O filósofo decreta o fim da palavra viva. Donne faz partos diários de palavras risonhas e fedidas. Amo os dois, mas Donne é maior.
NOTAS SOBRE UMA BIOGRAFIA FICCIONAL
Wittgenstein diz que se fosse escrever sobre si, teria de descrever todo o seu corpo. Separar as partes que ele controla daquelas que ele não tem controle. Veria então que o controle não se dá sobre seu corpo e veria então que o sujeito não existe. É uma ficção.
Partindo disso, Bruce Duffy, escritor de apenas 2 livros, lançou a mais de 20 anos, esta biografia ficcional sobre o filósofo da Austria. Ele nos confunde. Nunca sabemos o que Duffy inventou e o que aconteceu de fato. Ele diz seguir a vida de Witt, mas ao mesmo tempo ele cria aquilo que poderia ou que deve ter sido. De qualquer modo, é um livro que olha a vida, talvez, como Witt a olharia. Como dúvida, como coisa inalcançável.
Wittgenstein morreu em 1951. E no último ano diz ter sido feliz. E que sua vida foi maravilhosa. Ele jogou a dúvida dentro da lógica e fez assim com que ela nunca mais fosse a mesma. A linguagem era seu ponto de apoio. Um fato: Por que a lingua pode falar frases totalmente lógicas, e mesmo assim absurdas, ou falsas... O rei da França gosta de falar. É uma frase lógica, correta. Mas absurda, pois não há rei na França. A questão é, a lingua pode ser usada para afirmar com lógica coisas absurdas e aparentemente reais. Como isso se dá e por que a lingua se presta a isso...
Ele sabia que só podemos entender uma coisa se nos colocarmos fora dessa coisa. Por isso jamais entenderemos a vida. E nunca conhecemos nosso eu. Olhamos para nós mesmos, mas olhamos com nós mesmos e de dentro de nós mesmos. Logicamente que nossa visão será falsa. E o outro, preso dentro de seu eu nada pode ver do nosso eu.
Witt gostava de desenhos Disney, musicais, faroestes, toda a bobagem da baixa cultura. E ao mesmo tempo sabia que após a guerra, as duas, a alta cultura se perdera. Nunca mais as pessoas conseguiriam amar a música como sua família a amava. Witt percebeu que a concentração das pessoas se perdera no ruído da guerra, no medo do fim. Ele também viu que a bomba atômica era uma forma de paz.
Conheceu os EUA no fim da vida e gostou do que viu. Na verdade ele odiava Cambridge. Amava as pessoas simples, a fala básica, fazer coisas com as mãos. Ou não. A marca de Witt era negar hoje tudo que fora dito ontem. O pensamento era coisa em mudança. Sempre.
Sua religiosidade o fez perder muitos seguidores. Ele via Deus como um ser irracional. Tão irracional como nós somos. Por isso a razão não pode o entender. A lingua não pode o descrever. Em nós há uma coisa que é eterna. Mas não é o eu, pois ele não existe, é construído artificialmente. Com a linguagem, seus tijolos.
Duro, Difícil. Belo.
Partindo disso, Bruce Duffy, escritor de apenas 2 livros, lançou a mais de 20 anos, esta biografia ficcional sobre o filósofo da Austria. Ele nos confunde. Nunca sabemos o que Duffy inventou e o que aconteceu de fato. Ele diz seguir a vida de Witt, mas ao mesmo tempo ele cria aquilo que poderia ou que deve ter sido. De qualquer modo, é um livro que olha a vida, talvez, como Witt a olharia. Como dúvida, como coisa inalcançável.
Wittgenstein morreu em 1951. E no último ano diz ter sido feliz. E que sua vida foi maravilhosa. Ele jogou a dúvida dentro da lógica e fez assim com que ela nunca mais fosse a mesma. A linguagem era seu ponto de apoio. Um fato: Por que a lingua pode falar frases totalmente lógicas, e mesmo assim absurdas, ou falsas... O rei da França gosta de falar. É uma frase lógica, correta. Mas absurda, pois não há rei na França. A questão é, a lingua pode ser usada para afirmar com lógica coisas absurdas e aparentemente reais. Como isso se dá e por que a lingua se presta a isso...
Ele sabia que só podemos entender uma coisa se nos colocarmos fora dessa coisa. Por isso jamais entenderemos a vida. E nunca conhecemos nosso eu. Olhamos para nós mesmos, mas olhamos com nós mesmos e de dentro de nós mesmos. Logicamente que nossa visão será falsa. E o outro, preso dentro de seu eu nada pode ver do nosso eu.
Witt gostava de desenhos Disney, musicais, faroestes, toda a bobagem da baixa cultura. E ao mesmo tempo sabia que após a guerra, as duas, a alta cultura se perdera. Nunca mais as pessoas conseguiriam amar a música como sua família a amava. Witt percebeu que a concentração das pessoas se perdera no ruído da guerra, no medo do fim. Ele também viu que a bomba atômica era uma forma de paz.
Conheceu os EUA no fim da vida e gostou do que viu. Na verdade ele odiava Cambridge. Amava as pessoas simples, a fala básica, fazer coisas com as mãos. Ou não. A marca de Witt era negar hoje tudo que fora dito ontem. O pensamento era coisa em mudança. Sempre.
Sua religiosidade o fez perder muitos seguidores. Ele via Deus como um ser irracional. Tão irracional como nós somos. Por isso a razão não pode o entender. A lingua não pode o descrever. Em nós há uma coisa que é eterna. Mas não é o eu, pois ele não existe, é construído artificialmente. Com a linguagem, seus tijolos.
Duro, Difícil. Belo.
A GUERRA DE WITTGENSTEIN - BRUCE DUFFY
Enormes zeppelins cruzam o mar do norte a noite. Voam tão alto que os pilotos usam oxigênio. Frio. Como baleias voadoras, suas sombras surgem em cidades inglesas. E então eles vomitam bombas. É 1916. É a primeira vez que uma cidade é bombardeada dos ares.
Os alemães quebraram regras. O Kaiser quebrou códigos. 1939 seria a continuação de 1914. Nas trincheiras os austríacos lutavam contra os russos. O inferno completo. As palavras são fracas para descrever o horror absoluto. Não apenas a crueldade das bombas e dos tiros. A sujeira da lama, da bosta, dos ratos, das pulgas. O medo, a covardia, soldados que se exploram, os amotinados.
Pedaços de gente que insistem em não morrer. Atolados, com fome, com frio, com dor, com desespero.
Não era fácil ser Wittgenstein. Nasceu numa das mais ricas famílias da Europa. Em Viena. O pai teve vários filhos e filhas. Os dois mais velhos se suicidaram. Todos tinham talento musical. Nenhum dos herdeiros queria ser um empreendedor. O pai era vaidoso, exibido, forte, autoritário. E culto. Amava a música. Entrava em êxtase. Ludwig Wittgenstein nasceu com a crença de ser diferente. E isso o isolou do mundo. Estudou em casa, sempre tenso, veemente, agressivo, duro. E muito, muito rico. Estudou em Cambridge com Bertrand Russel e GH Moore. Os dois cobras da lógica em 1910. Lá, Ludi logo começa a se mostrar brilhante, confuso, cáustico, produtivo. E combativo. Ele desafia seus mestres, homens famosos, estrelas da filosofia europeia de então. Mas Ludi quer mais. Ou, menos.
Mora no norte da Noruega. Totalmente só. Constrói coisas com as mãos: cabanas, banheiro, barracas, móveis. Fica 3 anos por lá.
É sargento na Primeira Guerra. Está nas trincheiras. Sofre. Mata. Vê morrer milhares.
Abre mão da herança. Vira professor de crianças no lugar mais pobre da Austria falida. Se dá mal. Briga com os pais ignorantes. Perde 5 anos por lá.
Volta a Cambridge, consegue o doutorado e vira professor de filosofia na universidade. Agora já com sua homossexualidade assumida ( para si mesmo, ele foi assexuado até depois dos 30 anos ). Sofre por não ser pai, sofre por ser judeu, sofre por não confiar nas palavras, sofre por sua família esquisita, sofre por crer em Deus. Briga com seus antigos mestres, chama-os de ultrapassados, conquista seguidores em Cambridge, mas nunca é feliz.
Sim, é um belo personagem. Mas Duffy fala muito mais de Bertrand Russel e de Moore. Sua intenção é exibir Wittgenstein por contraste. Mas Russel é tão odiável!
Para quem não sabe, Bertrand Russel foi o filósofo mais famoso do mundo entre 1900-1960, e mesmo quando Sartre vira estrela, ele continua sendo um nome mundial, uma estrela da mídia. No começo ele foi o Papa da Lógica, o ateu furioso, o homem que ia unir a razão da filosofia à razão da matemática. Mas, com Wittgenstein seu tempo como pensador passou e então Bertrand Russel, gênio da comunicação, passa a ser o Rei do pacifismo, da educação ultra liberal, do Paz e Amor, do sexo livre. Russel viveu 99 anos, filho de condes, morreu só em 1972, e nos anos 60 ainda participava de passeatas hippies. Mas, com tudo isso, ele era um chato. Vaidoso, conquistador de mocinhas tolas, obcecado com a aparência, materialista extremado, ele era um personagem muito menos interessante que o austríaco. E o livro, de suas 650 páginas, gasta mais da metade com ele.
Quanto a Moore, um pacato filósofo lógico, também famoso, pacato pai de família, tímido, são gastas tantas páginas quanto com Ludi. Pena.
Wittgenstein nos deixou cerca de 300 páginas escritas por si mesmo. Muito pouco. Uma pena. Ele percebeu que a linguagem guarda o segredo da alma. Percebeu que a razão é uma criação artificial de filósofos iluministas. Que o homem não é racional. Que a linguagem não é racional. Que Deus não é razão.
A lingua não fala e não consegue falar daquilo que é mais importante´: ética, Deus, infinito, tempo, misticismo. Por isso o jogo. Palavras são peças de um jogo. Jogamos com regras fixas e assim procuramos nomear e comunicar tudo. E acabamos por não comunicar nada. Por isso ele se isolava. Por isso escreveu pouco. Ele sabia que as palavras nada podiam dizer. Que a verdade é silêncio.
Um exemplo simples: Eu tenho dor de dentes.
Primeiro: eu na verdade não tenho a dor. Segundo: posso estar mentindo. Terceiro: minha experiência de dor, aquilo que chamo de dor, pode ser absolutamente diferente da sua. Quarto: o que dói pode não ser o dente. Pode ser o nervo do dente, a gengiva, a coroa, ou até mesmo uma dor mental. Quinto: toda essa frase nada diz, é portanto, não lógica.
Como então expressar essa dor...se nem mesmo a dor é minha, ela se dá.
Talvez: A dor que parece ser em meus dentes surgiu em mim.
Depois de conhecer Wittgenstein voce nunca mais lerá como sempre esteve lendo.
Os alemães quebraram regras. O Kaiser quebrou códigos. 1939 seria a continuação de 1914. Nas trincheiras os austríacos lutavam contra os russos. O inferno completo. As palavras são fracas para descrever o horror absoluto. Não apenas a crueldade das bombas e dos tiros. A sujeira da lama, da bosta, dos ratos, das pulgas. O medo, a covardia, soldados que se exploram, os amotinados.
Pedaços de gente que insistem em não morrer. Atolados, com fome, com frio, com dor, com desespero.
Não era fácil ser Wittgenstein. Nasceu numa das mais ricas famílias da Europa. Em Viena. O pai teve vários filhos e filhas. Os dois mais velhos se suicidaram. Todos tinham talento musical. Nenhum dos herdeiros queria ser um empreendedor. O pai era vaidoso, exibido, forte, autoritário. E culto. Amava a música. Entrava em êxtase. Ludwig Wittgenstein nasceu com a crença de ser diferente. E isso o isolou do mundo. Estudou em casa, sempre tenso, veemente, agressivo, duro. E muito, muito rico. Estudou em Cambridge com Bertrand Russel e GH Moore. Os dois cobras da lógica em 1910. Lá, Ludi logo começa a se mostrar brilhante, confuso, cáustico, produtivo. E combativo. Ele desafia seus mestres, homens famosos, estrelas da filosofia europeia de então. Mas Ludi quer mais. Ou, menos.
Mora no norte da Noruega. Totalmente só. Constrói coisas com as mãos: cabanas, banheiro, barracas, móveis. Fica 3 anos por lá.
É sargento na Primeira Guerra. Está nas trincheiras. Sofre. Mata. Vê morrer milhares.
Abre mão da herança. Vira professor de crianças no lugar mais pobre da Austria falida. Se dá mal. Briga com os pais ignorantes. Perde 5 anos por lá.
Volta a Cambridge, consegue o doutorado e vira professor de filosofia na universidade. Agora já com sua homossexualidade assumida ( para si mesmo, ele foi assexuado até depois dos 30 anos ). Sofre por não ser pai, sofre por ser judeu, sofre por não confiar nas palavras, sofre por sua família esquisita, sofre por crer em Deus. Briga com seus antigos mestres, chama-os de ultrapassados, conquista seguidores em Cambridge, mas nunca é feliz.
Sim, é um belo personagem. Mas Duffy fala muito mais de Bertrand Russel e de Moore. Sua intenção é exibir Wittgenstein por contraste. Mas Russel é tão odiável!
Para quem não sabe, Bertrand Russel foi o filósofo mais famoso do mundo entre 1900-1960, e mesmo quando Sartre vira estrela, ele continua sendo um nome mundial, uma estrela da mídia. No começo ele foi o Papa da Lógica, o ateu furioso, o homem que ia unir a razão da filosofia à razão da matemática. Mas, com Wittgenstein seu tempo como pensador passou e então Bertrand Russel, gênio da comunicação, passa a ser o Rei do pacifismo, da educação ultra liberal, do Paz e Amor, do sexo livre. Russel viveu 99 anos, filho de condes, morreu só em 1972, e nos anos 60 ainda participava de passeatas hippies. Mas, com tudo isso, ele era um chato. Vaidoso, conquistador de mocinhas tolas, obcecado com a aparência, materialista extremado, ele era um personagem muito menos interessante que o austríaco. E o livro, de suas 650 páginas, gasta mais da metade com ele.
Quanto a Moore, um pacato filósofo lógico, também famoso, pacato pai de família, tímido, são gastas tantas páginas quanto com Ludi. Pena.
Wittgenstein nos deixou cerca de 300 páginas escritas por si mesmo. Muito pouco. Uma pena. Ele percebeu que a linguagem guarda o segredo da alma. Percebeu que a razão é uma criação artificial de filósofos iluministas. Que o homem não é racional. Que a linguagem não é racional. Que Deus não é razão.
A lingua não fala e não consegue falar daquilo que é mais importante´: ética, Deus, infinito, tempo, misticismo. Por isso o jogo. Palavras são peças de um jogo. Jogamos com regras fixas e assim procuramos nomear e comunicar tudo. E acabamos por não comunicar nada. Por isso ele se isolava. Por isso escreveu pouco. Ele sabia que as palavras nada podiam dizer. Que a verdade é silêncio.
Um exemplo simples: Eu tenho dor de dentes.
Primeiro: eu na verdade não tenho a dor. Segundo: posso estar mentindo. Terceiro: minha experiência de dor, aquilo que chamo de dor, pode ser absolutamente diferente da sua. Quarto: o que dói pode não ser o dente. Pode ser o nervo do dente, a gengiva, a coroa, ou até mesmo uma dor mental. Quinto: toda essa frase nada diz, é portanto, não lógica.
Como então expressar essa dor...se nem mesmo a dor é minha, ela se dá.
Talvez: A dor que parece ser em meus dentes surgiu em mim.
Depois de conhecer Wittgenstein voce nunca mais lerá como sempre esteve lendo.
UM HERÓI DA FILOSOFIA
A familia de Wittgeinstein era a mais rica da Áustria. Pai industrial. Em casa, eles recebiam Klimt, Mahler, Loos, Rilke. Eram mecenas. Pois bem, o pai temia que sua fortuna se perdesse após sua morte, e apesar de seu amor pela arte, forçava prussianamente os filhos a serem bons homens de negócio. Nunca saberemos o motivo, mas 3 irmãos de Wittgeinstein se mataram. E uma das irmãs foi paciente de Freud. Paul foi pianista, um grande pianista, mas perdeu a mão direita na primeira guerra mundial. Ravel escreveu um concerto, A Mão Esquerda, para esse irmão. E houve Ludwig, o nosso Wittgeinstein. Um herói do pensamento.
Ele se formou em engenharia para agradar o pai. Depois fez matemática, por prazer. Fez cursos em Manchester, Berlim, Viena. Em Berlim seu ídolo, Frege, indicou Manchester para ele. Lá ele foi aluno de Bertrand Russell. Aprofundou-se na lógica. E passou a usar a lógica para a linguística.
Ele procurou criar a linguagem lógica, um modo de entender o mundo onde a linguagem fosse sempre válida, clara, objetiva. Isso o levou ao Tractatus.
De um lado há a lingua. De outro o mundo. O mundo é o que ocorre. A língua é o espelho do mundo. Logicamente ele foi decompondo o mundo e a lingua. Chegou a menor partícula do mundo e da lingua. E lançou seu aforismo número 7 : Deve-se calar sobre aquilo que a língua não pode falar.
Para ele, a lingua é científica, empírica, e assim, ela só serve para coisas da ciência. A linguagem pode explicar o mundo do modo como fazem os cientistas. É como se nossa língua tivesse se desenvolvido para isso e somente para isso. Descrever fatos sólidos, as coisas que podem ser verdadeiras ou falsas, nunca a dualidade. Desse modo, ética, estética, religião, arte e filosofia estão fora da linguagem lógica. Não há na língua um modo lógico de se falar sobre esses assuntos. Isso porque eles não podem ser verificáveis. Dependem sempre da opinião de cada um, de sua história pessoal. Não existe certo ou errado, verdade ou falsidade nesses campos não científicos.
O que fez Wittgeinstein? Ora, se nossa forma de linguagem não permite a clara escrita ou o claro pensamento sobre ética, arte etc, e se esses eram os campos que ele mais amava, Wittgeinstein resolveu nunca mais escrever. Por honestidade ele se calou. Talvez apenas Pascal e Montaigne foram tão honestos. Wittgeinstein abriu mão de sua herança e foi dar aulas em cidades pobres do interior da Áustria. Para crianças de 7 anos. Ficou seis anos nessa profissão.
Nesse tempo seu livro se tornou um sucesso entre intelectuais. O círculo de Viena o colocou como herói da causa. Foram ao encontro desse novo gurú. Afinal, ele dizia que a língua é da ciência!!!! Wittgeinstein logo disse que eles leram tudo errado! Nada entenderam!
O contato com as crianças modificou o modo como o filósofo pensava. Ele, após mais de dez anos, voltou a escrever. Refinou suas teses.
Wittgeinstein vivia o que filosofava. Tinha uma cabana na Noruega onde ficava isolado para escrever. Andava a pé pela Irlanda. Deu aulas em Cambridge por 3 anos. Foi enfermeiro. Porteiro. Queria a simplicidade absoluta. Uma vida lógica, ética. Cristalina.
Morreu aos 62 anos, de câncer, em 1951. Sem medo, dizem que suas últimas palavras foram: "Tive a vida que eu quis".
Ele se formou em engenharia para agradar o pai. Depois fez matemática, por prazer. Fez cursos em Manchester, Berlim, Viena. Em Berlim seu ídolo, Frege, indicou Manchester para ele. Lá ele foi aluno de Bertrand Russell. Aprofundou-se na lógica. E passou a usar a lógica para a linguística.
Ele procurou criar a linguagem lógica, um modo de entender o mundo onde a linguagem fosse sempre válida, clara, objetiva. Isso o levou ao Tractatus.
De um lado há a lingua. De outro o mundo. O mundo é o que ocorre. A língua é o espelho do mundo. Logicamente ele foi decompondo o mundo e a lingua. Chegou a menor partícula do mundo e da lingua. E lançou seu aforismo número 7 : Deve-se calar sobre aquilo que a língua não pode falar.
Para ele, a lingua é científica, empírica, e assim, ela só serve para coisas da ciência. A linguagem pode explicar o mundo do modo como fazem os cientistas. É como se nossa língua tivesse se desenvolvido para isso e somente para isso. Descrever fatos sólidos, as coisas que podem ser verdadeiras ou falsas, nunca a dualidade. Desse modo, ética, estética, religião, arte e filosofia estão fora da linguagem lógica. Não há na língua um modo lógico de se falar sobre esses assuntos. Isso porque eles não podem ser verificáveis. Dependem sempre da opinião de cada um, de sua história pessoal. Não existe certo ou errado, verdade ou falsidade nesses campos não científicos.
O que fez Wittgeinstein? Ora, se nossa forma de linguagem não permite a clara escrita ou o claro pensamento sobre ética, arte etc, e se esses eram os campos que ele mais amava, Wittgeinstein resolveu nunca mais escrever. Por honestidade ele se calou. Talvez apenas Pascal e Montaigne foram tão honestos. Wittgeinstein abriu mão de sua herança e foi dar aulas em cidades pobres do interior da Áustria. Para crianças de 7 anos. Ficou seis anos nessa profissão.
Nesse tempo seu livro se tornou um sucesso entre intelectuais. O círculo de Viena o colocou como herói da causa. Foram ao encontro desse novo gurú. Afinal, ele dizia que a língua é da ciência!!!! Wittgeinstein logo disse que eles leram tudo errado! Nada entenderam!
O contato com as crianças modificou o modo como o filósofo pensava. Ele, após mais de dez anos, voltou a escrever. Refinou suas teses.
Wittgeinstein vivia o que filosofava. Tinha uma cabana na Noruega onde ficava isolado para escrever. Andava a pé pela Irlanda. Deu aulas em Cambridge por 3 anos. Foi enfermeiro. Porteiro. Queria a simplicidade absoluta. Uma vida lógica, ética. Cristalina.
Morreu aos 62 anos, de câncer, em 1951. Sem medo, dizem que suas últimas palavras foram: "Tive a vida que eu quis".
VIVE, LOUIS, LUDWIG, MIA, KANDINSKY
VIVE LA FÊTE tocou em SP. Tenho um amigo que criou uma boa definição sobre 99% das bandas de 2012: Compõe bons covers. O VIVE abusa da chupação sobre o sublime VISAGE. Bom, pelo menos eles têm bom gosto em suas cópias. A maioria plagia lixo.
Mia Couto transbordou simpatia no Roda Viva. Pena os entrevistadores variarem entre uma bobissima atitude blásé, tipo "Somos de um país maior" ( E há quem ainda pense que só a América tem arrogância ), e algumas tietes vazias. Mas o gajo tirou de letra. Esperavam discurso contra Portugal, não veio; esperavam traumas sobre a raça, nada a declarar. Couto é doce, sóbrio, poético e falou uma coisa lapidar: "Comecei a desistir da biologia ao perceber que explicava a vida pela poesia e não pela biologia". Ah sim, ele é biólogo. Que belo sotaque!
Louis Malle tem justa homenagem em SP. Malle é melhor que Godard e Truffaut? Posso dizer que Malle não fez nenhuma obra-prima, mas também percebo que seus filmes são mais profissionais, mais atemporais, caem mais no gosto daqueles que esperam do cinema algo de "bem feito". Malle sobrevive melhor que os mais radicais. Mas atenção! Os filmes de Malle nada têm de careta ou de banais. Ele filmou em 1971 o incesto sem culpa, em 1977 a pedofilia sem discurso. Ele não tem obras-primas mas tem uma grande quantidade de filmes excelentes. E nenhum filme ruim. Mesmo Black Moon tem seu charme doido.
Ando estudando pintura e começo citando uma frase de Wittgenstein que sintetiza toda a arte feita de 1910 em diante: "Sobre aquilo que não se pode falar, deve-se calar." Wittgenstein começou como um tipo de linguista e terminou descobrindo que a lingua é apenas um código que nos é imposto. Ela não revela a vida, a vida é que foi compactada para caber na linguagem.
Pois eu não sabia o que era o abstracionismo. Rothko, Mondrian, Malevich, toda a pintura abstrata é uma tentativa de se capturar aquilo que está além do concreto, da linguagem da imagem, a pintura sentida como religião. Kandinsky e uma frase de Wittgenstein, outra vez ele: " O mundo é tudo o que é o caso". Caso: natureza e sociedade, as estruturas da religião, da arte e da ciência. Todos os atos, todo pensamento, toda emoção e toda imaginação. A pintura abstrata se apropria do todo, do caso. Olhar uma tela e ver nela aquilo que ela te faz sentir. Experimentar.
Mas o mundo agora não é abstrato. Muito menos é impressionista ou surrealista. A cidade acostumou-se a guerra. Entramos nela suavemente. Toques de recolher não nos ofendem, aceitamos. A arte que criou este mundo está toda no expressionismo.
Mia Couto transbordou simpatia no Roda Viva. Pena os entrevistadores variarem entre uma bobissima atitude blásé, tipo "Somos de um país maior" ( E há quem ainda pense que só a América tem arrogância ), e algumas tietes vazias. Mas o gajo tirou de letra. Esperavam discurso contra Portugal, não veio; esperavam traumas sobre a raça, nada a declarar. Couto é doce, sóbrio, poético e falou uma coisa lapidar: "Comecei a desistir da biologia ao perceber que explicava a vida pela poesia e não pela biologia". Ah sim, ele é biólogo. Que belo sotaque!
Louis Malle tem justa homenagem em SP. Malle é melhor que Godard e Truffaut? Posso dizer que Malle não fez nenhuma obra-prima, mas também percebo que seus filmes são mais profissionais, mais atemporais, caem mais no gosto daqueles que esperam do cinema algo de "bem feito". Malle sobrevive melhor que os mais radicais. Mas atenção! Os filmes de Malle nada têm de careta ou de banais. Ele filmou em 1971 o incesto sem culpa, em 1977 a pedofilia sem discurso. Ele não tem obras-primas mas tem uma grande quantidade de filmes excelentes. E nenhum filme ruim. Mesmo Black Moon tem seu charme doido.
Ando estudando pintura e começo citando uma frase de Wittgenstein que sintetiza toda a arte feita de 1910 em diante: "Sobre aquilo que não se pode falar, deve-se calar." Wittgenstein começou como um tipo de linguista e terminou descobrindo que a lingua é apenas um código que nos é imposto. Ela não revela a vida, a vida é que foi compactada para caber na linguagem.
Pois eu não sabia o que era o abstracionismo. Rothko, Mondrian, Malevich, toda a pintura abstrata é uma tentativa de se capturar aquilo que está além do concreto, da linguagem da imagem, a pintura sentida como religião. Kandinsky e uma frase de Wittgenstein, outra vez ele: " O mundo é tudo o que é o caso". Caso: natureza e sociedade, as estruturas da religião, da arte e da ciência. Todos os atos, todo pensamento, toda emoção e toda imaginação. A pintura abstrata se apropria do todo, do caso. Olhar uma tela e ver nela aquilo que ela te faz sentir. Experimentar.
Mas o mundo agora não é abstrato. Muito menos é impressionista ou surrealista. A cidade acostumou-se a guerra. Entramos nela suavemente. Toques de recolher não nos ofendem, aceitamos. A arte que criou este mundo está toda no expressionismo.
WITTGENSTEIN, O FIM DA FILOSOFIA
Quando Bertrand Russel conheceu Wittgenstein pensou que ele fosse um louco. Russel, maior lógico do século XX, não percebeu de primeira mão o alcance do pensamento de Ludwig. E nem o perigo que havia naquela mente. Pois em Witt ( me permitam o chamar assim ) morava o fim da filosofia. Pouco depois desse primeiro encontro, Russel reconheceria que em Wittgenstein havia um gênio. O inglês se maravilhava com a clareza do pensamento do austríaco.
Ludwig herda uma fortuna então. Vai para uma floresta na Noruega e lá constrói uma cabana. É nessa cabana de madeira que ele escreve seu "Tratado..."
Vem a primeira guerra e ele combate. É feito prisioneiro. Após a guerra, em 1920, lê Tolstoi, que o deixa profundamente tocado. Influenciado pelo gênio russo, estuda os evangelhos e distribui sua fortuna aos parentes.
Torna-se um professor primário na Austria e desenha para sua irmã a primeira casa modernista do país. Conhece o círculo de Viena, círculo que o endeusa. Em 1929 está em Cambridge, onde se torna professor. Na Inglaterra, pobre, rompe definitivamente com Russel. Com Russel, renega todo racionalismo.
Vai à Irlanda onde escreve as "Pesquisas Filosóficas". Converte-se ao catolicismo. Naturaliza-se inglês em 1938. Falece de câncer em 1951.
Seu pensamento permeia todo o pensamento do século. Vai da linguística ao racionalismo matemático, depois vai da lógica ao intuitivo. Mais que tudo, ele VIVEU o que pensou.
Critica a filosofia tradicional.
A filosofia desconhece o símbolo. E, portanto, não sabe usar a linguagem. Wittgenstein, nesse primeiro momento, tenta criar uma linguagem perfeita, lógica.
Mas, o que há de comum entre a linguagem e o ser não pode ser dito, mas apenas mostrado. Pois tudo o que pode ser dito participa da estrutura da linguagem, que é artificial.
A maior parte das questões e proposições filosóficas não é própriamente falsa, mas desprovida de sentido. Não podemos responder tais questões, mas apenas afirmar sua falta de sentido.
As proposições filosóficas são apenas má gramática. Uma discussão filosófica é sempre um erro.
A FILOSOFIA NÃO É UMA TEORIA, É UMA ATIVIDADE, DEVE ESCLARECER A LINGUAGEM.
É impossível dizer o que quer que seja em relação ao mundo enquanto totalidade, e tudo o que se diz e se pode dizer se refere a partes do mundo, pois não se está fora, mas dentro dele.
O QUE NÃO PODE SER PENSADO NÃO PODE SER DITO. TUDO É INEXPRIMÍVEL E O INEXPRIMÍVEL COMPREENDE A TOTALIDADE DA LÓGICA E DA FILOSOFIA.
Esse um resumo dos resumos do pensamento de Witt.
Depois disso, dizer mais o que?
Ludwig herda uma fortuna então. Vai para uma floresta na Noruega e lá constrói uma cabana. É nessa cabana de madeira que ele escreve seu "Tratado..."
Vem a primeira guerra e ele combate. É feito prisioneiro. Após a guerra, em 1920, lê Tolstoi, que o deixa profundamente tocado. Influenciado pelo gênio russo, estuda os evangelhos e distribui sua fortuna aos parentes.
Torna-se um professor primário na Austria e desenha para sua irmã a primeira casa modernista do país. Conhece o círculo de Viena, círculo que o endeusa. Em 1929 está em Cambridge, onde se torna professor. Na Inglaterra, pobre, rompe definitivamente com Russel. Com Russel, renega todo racionalismo.
Vai à Irlanda onde escreve as "Pesquisas Filosóficas". Converte-se ao catolicismo. Naturaliza-se inglês em 1938. Falece de câncer em 1951.
Seu pensamento permeia todo o pensamento do século. Vai da linguística ao racionalismo matemático, depois vai da lógica ao intuitivo. Mais que tudo, ele VIVEU o que pensou.
Critica a filosofia tradicional.
A filosofia desconhece o símbolo. E, portanto, não sabe usar a linguagem. Wittgenstein, nesse primeiro momento, tenta criar uma linguagem perfeita, lógica.
Mas, o que há de comum entre a linguagem e o ser não pode ser dito, mas apenas mostrado. Pois tudo o que pode ser dito participa da estrutura da linguagem, que é artificial.
A maior parte das questões e proposições filosóficas não é própriamente falsa, mas desprovida de sentido. Não podemos responder tais questões, mas apenas afirmar sua falta de sentido.
As proposições filosóficas são apenas má gramática. Uma discussão filosófica é sempre um erro.
A FILOSOFIA NÃO É UMA TEORIA, É UMA ATIVIDADE, DEVE ESCLARECER A LINGUAGEM.
É impossível dizer o que quer que seja em relação ao mundo enquanto totalidade, e tudo o que se diz e se pode dizer se refere a partes do mundo, pois não se está fora, mas dentro dele.
O QUE NÃO PODE SER PENSADO NÃO PODE SER DITO. TUDO É INEXPRIMÍVEL E O INEXPRIMÍVEL COMPREENDE A TOTALIDADE DA LÓGICA E DA FILOSOFIA.
Esse um resumo dos resumos do pensamento de Witt.
Depois disso, dizer mais o que?
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