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QUEM PERDE GANHA - GRAHAM GREENE...DIVERTIMENTO SOBRE PASCAL

   Por escrever com facilidade, Greene se deu ao luxo de construir duas carreiras. Uma ambiciosa, onde seus livros, pesados, falam sobre Deus e a culpa. Outra, leve, feita de livros que desejam apenas divertir. Este é curto, simples, divertido. Li em apenas um fôlego, 130 páginas curtas. Conta a história de um casal. Ele é um modesto funcionário que se casará. Ela uma menina otimista com momentos de dúvida. O chefe dele, um poderoso dono de empresa, boa vida e culto, temido, dá à ele um casamento e uma lua de mel em Monte Carlo. Mas lá, o casal se perde em meio ao jogo e à sorte. Ele fica rico, muito rico, e o patrão desaparece.
  Oh Graham Greene! Mesmo numa diversão aqui está seu tema de sempre: Deus, sorte, culpa, ingratidão. O pobre noivo constrói um sistema para vencer no cassino. Vence, mas perde a esposa e a felicidade. Como Pascal, que é citado bem de passagem no livro, ele procura febrilmente enfiar a vida e Deus dentro de um sistema. E ao fazer isso, perde o amor. Briga com Deus ( o chefe ), por achar que ele o esqueceu, o abandonou em Monte Carlo, causou todo seu mal.
  Penso que voce não vai achar este livro. É uma edição de 1960, da Civilização Brasileira. Talvez em um sebo, com sorte...Não crie um sistema para o encontrar. Essa a mensagem do livro. Não o procure. Não O procure. Se Ele te esqueceu, conforme-se com esse mistério. Talvez ganhar seja seu azar e ao perder voce ganhe algo. Ninguém sabe.
  É um delícia de livrinho!

O VERMELHO E O NEGRO DE STENDHAL, NADA MAIS A DIZER SOBRE O AMOR.

   Pascal sempre foi o enigma, o nó do pensamento francês e um de seus postulados é aquele que diz que sem Deus o tédio se torna absoluto. Stendhal é ateu, e sabe que existe uma ânsia dentro do homem que nada de físico pode preencher. O burguês foge dessa ansiedade satisfazendo todos seus desejos. O homem superior sente essa vontade e corre o perigo de perder todo o interesse pelo mundo. A melancolia e o tédio se fazem seus companheiros. Porém existe um modo não religioso de resolver esse vazio, o amor entre homem e mulher. O erotismo.
   ( Faço aqui um adendo:: Rousseau disse que a alegria plena pode ser vivida ao se conseguir transformar o dever, que nos é dado pela sociedade, em desejo individual. O dever de procriar e ter uma familia se torna um jogo erótico de desejo. Dever que se faz desejo assumido individualmente pelo homem. Hoje não acontece exatamente o oposto? O desejo não se transformou em dever? )
   Para Stendhal o amor erótico é um modo de se substituir o impulso da religião, de se alcançar o sublime. Mas, para se poder alcançar essa altura é preciso uma grande dose de amor-próprio, aquela estima a si-mesmo que faz com que o egoísmo natural a todos nós se transforme em vontade de ser reconhecido. Esse desejo de ser reconhecido, reconhecido como ser único, se direciona a pessoa amada. Ela, por ser única, deverá reconhecer o amor de quem a ela se dedica.
  Allan Bloom ama Stendhal. Como eu também penso, nenhum autor jamais soube com tanta arte falar sobre o amor para aqueles que amam. Ele jamais é meloso, seu texto é incrivelmente veloz, objetivo. As coisas acontecem com rapidez e em poucas páginas já conhecemos os personagens e por eles estamos seduzidos. Julien Sorel, em O Vermelho e o Negro ama Napoleão. Vindo de meio medíocre, ele em ódio por burgueses, que vivem acomodados na busca do prazer simples, e pela aristocracia, que não o aceita. Por vingança ele seduz a esposa de seu patrão. A conquista como Napoleão, por amor a si-mesmo. Se surpreende ao perceber que ela realmente o ama e ele se derrete no sexo cheio de erotismo dos dois. É descoberto e foge. Seduz a filha nobre de seu próximo empregador. Ela, intelectual revoltada, arma com ele um jogo de poder. Na verdade os dois disputam a liderança, quem é o escravo e quem é o senhor. Um acidente ocorre ao fim, e não irei contar o final. O que posso dizer é que Julien morrerá jovem e Stendhal tirará desse fato toda sua filosofia. O que vale é viver. O burguês vive para viver longamente, o homem superior vive intensamente, sem se preocupar com duração e sim com qualidade. Julien morre feliz, no cadafalso. porque morre conhecendo o amor, pleno de gozo e de certeza de ter vivido.
   Não conheço livro mais alegre, nobre, cômico, erótico e romantico.

O FILÓSOFO MAIS FORA DE MODA: PASCAL

Termino então Os Pensamentos de Pascal. E se na primeira parte ele pouco se ocupa explicitamente de religião, todas as 150 páginas seguintes têm a questão cristã por assunto. E em meio a elas um pensamento que me assombra ( por sua clareza exemplar ): Ateus pedem uma prova da existência de Deus. A resposta de Pascal é a mais engenhosa que já li: César ou Xerxes se mostraram em todo seu poder e magnificência. Todos então foram obrigados a submeter-se a eles: bons e maus, ricos e pobres, falsos e sinceros. Se Deus, ou melhor, se Jesus viesse a Terra e se mostrasse em todo seu poder, quem o seguiria? Todos, seduzidos por sua força, por seu poder, por sua garantia de proteção. Mas, do modo como as coisas se dão, sómente os que possuem fé, os bons, os não-egoístas, os humildes podem aceitar a existência de um Ser que só existe em seu coração. Seguir alguém que é poder visivel e é presença que obscurece nada prova, amar alguém que não se mostra e é busca no infinito, isso prova muito.
Com esse pensamento não se dá por encerrado o debate, debate que Pascal reconhece ser necessário sempre, mas se dá uma lógica perfeita, uma aposta numa possibilidade que vai além do existe porque eu creio, ou o não existe porque nunca o vi. Nas páginas em que Pascal fala sobre a necessidade da crença ( os que não creem são alegres e sempre infelizes, os crentes são tristes porém felizes ), há algo de muito claro, muito certo e ao mesmo tempo terrível. Jesus veio ao mundo para se sacrificar. É fato. E aí há algo que esquecemos: ele poderia ser um super-herói, ou um poeta bardo, ou um filósofo. Mas não, foi um pobre traído pelos amigos, solitário. Porque? Jesus simbolizaria nossa sina rumo a perfeição. As suas adversidades são as nossas mesmas e sua morte na cruz é a morte de nosso eu. Sim, pois a frase mais chocante em Pascal, e que ele repete várias vezes é de que é preciso ODIAR A SÍ-MESMO. Odiar o eu. Qual a lógica nisso? Se voce odeia seu eu voce deixa de se guiar pelo seu desejo, e se voce deixa de se guiar por seu desejo voce deixa de temer a morte, pois teme a morte quem não aceita o fim dos sentidos, dos desejos, do eu. O ego é a fonte de todo o mal do ser e do mundo. Tudo aquilo que vem do ego é sempre ódio ao outro e vaidade sem fim. O que o eu quer é ser atendido, adulado, e preservado. Jesus é o anti-ego, a submissão ao outro, a doçura e o sacrificio sem vaidade, anônimo. Para Pascal, é impossível ser feliz com amor ao eu.
Mas há mais, muito mais....
No homem existem apenas duas fomes válidas: a fome de espírito e a fome por justiça. Todas as demais sendo empobrecedoras e anti-humanas, fomes de animais. A imaginação tolhendo toda a compreensão da vida. Imaginamos o que o outro é, o que ele quer dizer, o que devemos sentir, o que somos e o que não somos, o que a vida significa, e assim jamais vemos a realidade.
Pascal, filho de seu tempo, tem um pensamento que me é detestável. O de que por não falarem e não criarem alternativas de comportamento, os animais são máquinas que comem e dormem, seres sem sentimentos, sem alma. Descartes dizia o mesmo. O excesso de racionalismo leva sempre a isso, por não serem racionais os animais seriam objetos que se movem. Felizmente esse é um pensamento cada dia mais morto ( o que prova por outro lado que pensamentos menos racionais e mais abstratos nos dominam agora ).
No homem haveria uma luta sem fim entre paixão e razão. Jamais se deve optar por uma das duas, deve-se fazê-las escravas de si. Ser o senhor da razão e o dono da paixão, pois razão sem freio torna-se egoismo e paixão se faz vicio.
Pascal usa um belo argumento para ilustrar a crise do homem ( sim, se fala da crise do homem desde essa era, aliás essa crise nasce na geração de Pascal e Espinosa ): o cego que um dia viu o mundo tem saudade da visão, um paralítico que um dia correu sente falta de andar, mas alguém que já nasceu cego ou entrevado não pode ter saudade do que nunca conheceu. Pois bem, se o homem sofre dessa nostalgia de tempos melhores, se ele sente que sua vida poderia ser maior e melhor, é porque um dia ele assim o foi. Não inventamos essa saudade do nada, ela é recordação verdadeira, nostalgia de algo de real que foi perdido. Saudade de uma felicidade que houve e foi quase esquecida. Saudade da fé verdadeira, fé sem dúvida, sem crise, sem pudor. Saudade de Deus.
Tudo em nós tende para nós mesmos, queremos ser amados. Isso é injusto. Devemos tender para fora, amar. Nascemos portanto maus e depravados. Eis outro pensamento pouco "simpático" de Pascal. E é maravilhoso ver o pensamento de um homem que nunca se preocupou em ser simpático ou róseo, um homem da religião verdadeira, e não da igreja auto-ajuda-veja-como-somos-todos-inocentes. Pascal pede que nos ajoelhemos, que joguemos a vaidade ao lixo, que amemos a Deus mesmo não tendo garantia nenhuma de sua existência, que sejamos para fora de nós e nunca dentro do eu.
Mais ao fim, Pascal faz uma leitura da religião judaica que deve irritar muito aos judeus. Ele não a condena, mas diz que o judaísmo teve como única missão a de ser o berço do cristianismo. Que tudo no velho testamento é anúncio de Jesus, preparação para sua vinda, e que os atos dos judeus tinham de ser como foram no teatro da vida humana. Anunciar o Cristo, não crer que Jesus fosse esse Cristo, condená-lo, ignorá-lo e crucificá-lo. Esse o caminho a ser refeito por todo cristão, de hoje para todo o sempre. Se Jesus viesse como rei ( que era o que os judeus esperavam, um novo Davi ), ele seria um usurpador, um exemplo impossível de ser seguido, um ditador.
Pascal..... será que passei quase meio século enganado?
Aliás, em mundo de eus inflados e exibidos, de desejos atendidos, de sorrisos infelizes, existe filósofo mais fora de moda e mais necessário?

BLAISE PASCAL, TUDO É IMAGINAÇÃO

O século XVII é considerado o século da grande revolução espiritual. O racionalismo se torna centro da mente humana. A partir de então, para se saber algo sobre qualquer coisa, são necessárias duas operações da razão: dividir a coisa a ser conhecida em partes mensuráveis, e estabelecer um método ordenável para a explicar. Todo o universo passa a ser então uma questão de peso, tamanho e distância, toda a experiência uma questão de método e o que não se enquadrar nesses requisitos básicos será ignorado.
Blaise Pascal nasce nesse ambiente. Mais que isso, ele nasce na França, em familia de posses, único filho homem de pai erudito. E é esse pai que logo percebe a precocidade do filho. Aos 7 anos ele já resolve problemas de matemática e lê a obra de Euclides. ( Voce já notou que é a partir desses anos 1600 que a matemática passa a ser a rainha do conhecimento ). Pascal se torna geômetra, e cria a primeira máquina de calcular da história. É ele o homem que primeiro caminhou na direção do que seria o computador. Pois bem. A partir dos 30 anos a vida de Pascal dá uma guinada. Ele se torna jansenista. Se voce já viu algum filme de Bresson sabe um pouco do que seja o jansenismo. Não? Direi.
O jansenismo é uma corrente cristã francesa que prega o absoluto despojamento. Não é como o franciscanismo, nada há de mendicante. O que se faz nele é um rigor absoluto, a certeza inabalável de que tudo o que vem do corpo é impuro e que todo o prazer deve ser evitado. Assim, qualquer espécie de experiência prazerosa precisa ser purgada. O catolicismo romano logo passou a perseguir os jansenistas que viam no catolicismo vaidade e luxo.
Mas não se assuste, a filosofia de Pascal não é pregação. Falarei aqui do inicio de seu mais lido livro, Os Pensamentos. Para Pascal, vivemos em ilusão. Tudo o que pensamos, falamos, sentimos é tingido pela fantasia. O homem é incapaz de viver na realidade. Jamais falamos o que pensamos, na verdade mal sabemos o que pensamos. Nossa mente funciona sempre na apreensão do futuro e nas certezas do passado. O presente nos é desconhecido. Futuro que não existe e nunca será como pensado, e passado que é valorizado de forma fantasiosa. Para Pascal, a vida é movimento, jamais somos o mesmo dois dias seguidos. Nossos amigos mudam, as coisas mudam. Nada é igual a nada, não existem dois dias iguais, não existem dois seres iguais. Mas somos incapazes de apreender essa transformação incessante, não conseguimos ver a exuberância da vida e então ignoramos as coisas. Cremos que todo bago de uva é igual a seu vizinho, queremos crer que todo cão é como outro cão, sentimos segurança crendo que todo homem é igual. Mas nosso coração intui que não é assim.
Pascal no inicio fala também sobre as distrações. O homem é incapaz de ficar quieto em seu quarto. Vem daí toda a dor de viver. Porque? Porque precisamos de distrações, não suportamos viver em nós-mesmos, olhar para dentro e saber que tudo é abismo. Nossa vida tem apenas uma certeza, a morte. As distrações nos livram, futilmente, dessa certeza. É por isso que trabalhamos, jogamos, flertamos, viajamos. Pascal diz: dê à um jogador o prêmio do jogo e voce verá um homem infeliz. Dê uma lebre ao caçador de lebres e voce verá um caçador entediado. O homem é infeliz por "sonhar com o repouso e só poder viver em movimento". Toda sociedade que endeusa as distrações é infeliz. A distração é a medida da dor.
E a vaidade é parte desse todo. Vaidade é tudo. Filosofamos para que alguém nos admire, amamos no intuito de sermos admirados e invejados por vivermos nosso amor. Exibimos nossas dores como um tipo de troféu de nobreza. E cometemos a maior das vaidades: posamos de corajoso e realista ao bradar que a vida é dura e que a morte é certa. Não há maior vaidade que a de se dizer que Deus não existe e que tudo é um nada. A vaidade da pseudo-coragem. ( Bergman? Nietzsche? ). Mas esse mesmo realista que se gaba de sua coragem isenta de consolos, é o mesmo ser assustado que necessita de jogos, bebidas e sexo para se distrair. Estar em solidão consigo mesmo lhe é insuportável.
Animais vivem o aqui e agora, na realidade do movimento, do presente. A razão do homem lhe impede qualquer contato com o agora e o repouso vazio.
Pensador que escreve bem, Pascal tem suas diferenças com Montaigne ( Pascal o considera um vaidoso que fala apenas de si-mesmo e é incapaz de parar e pensar sózinho ) e com Descartes ( que seria um ordenador racional assustado ). Nada há de místico em Pascal, ele pensa em ordem e não em maravilhamento, mas critica a cegueira e o medo no homem.
Esse é o começo de seu admirável e canônico livro. Já é um dos meus favoritos.