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JANACEK E STRAVINSKY, MÚSICA RELIGIOSA
Bach é considerado, com justiça, o maior mestre da música cristã. Mas, fato observável, sua música é profundamente luterana e portanto, racional. Quando ouço Bach posso sentir a presença de Deus, e isso é maravilhoso, mas não sinto o mistério inescrutável de sua existência. Talvez isso fique mais claro ao falar desses dois compositores, ambos compuseram música religiosa no século XX, ambos tocaram o abstrato. -------------- Janacek é o maior compositor da antiga Tchekoslováquia, e isso não é pouco, o país produziu vários mestres. Sua Missa Glagolítica é assombrosa. Usando coro e orquestra, Janacek penetra onde vive a imagem, ou melhor, a ideia de Deus. Não estou especulando se Ele existe ou não, o que afirmo é que Sua centralidade em nossa mente é indiscutível. Nega-Lo é também O aceitar. Não se nega aquilo que nunca existiu, e a ideia é a pedra que edifica nossa civilização. Tudo isso está na música de Janacek. Ele faz a melodia, a harmonia da Pedra, da base primordial. É primitiva, ancestral, e incrivelmente moderna. Se voce tem problemas em acessar sua mente porfunda, isto poderá lhe causar medo, mas caso contrário, o mistério que há aqui é muito sedutor. É a obra de uma alma vasta, cheia de raízes eslavas. ------------------- Stravinsky, o mais famoso compositor moderno, causou espanto quando resolveu na parte final de sua carreira fazer música religiosa. A Sinfonia dos Salmos se inspira em Bach e o reexecuta como modernidade. Percebemos o esqueleto de Bach, mas é Stravinsky 100% aqui. E é soberbo! Vemos a religião, cristã, das catacumbas. É o osso da fé. O russo retira toda a história e toda a pompa e o que fica é o rito nativo, o começo da saga. É a religião corpo, sangue, espírito, é a música mistério. -------------- Que fique bem claro: ambas as obras causam prazer. Vamos esquecer essa tolice jeca de que música erudita é uma obrigação, ou um sacrifício. É prazer, prazer todo o tempo, ou é nada. Se voce não sente prazer, esqueça. Ouvir estas duas obras é usufruir de encanto. ---------------- Janacek é regido por Rafael Kubelik, um maestro perfeito, um rei da concantração. Stravinsky é corretamente regido pelo super star Karajan. ------------- Sensacional.
ATRAVÉS DE UM ESPELHO - BERGMAN E SEU DEMÔNIO
Filme de 1961. Temos Harriet Andersson. Que não é mais a menina de Monika e o Desejo. E nem mais o monstro sensual dos anos 50. Aqui ela consegue parecer pesada, densa, terrivelmente grave. O resto do elenco tem Max Von Sydow, como um frio e ao mesmo tempo perdido professor. Gunnar Bjorstrand é o pai, e o filme é dele. Há ainda Lars Passgard, ator que não se firmou na trupe de Bergman, como o irmão de Harriet. Gunnar esteve em quase todos os filmes dos anos 50 do diretor sueco. Este filme, que começa com cello de Bach e imagens de um mar cinzento em uma ilha vazia, fala de loucura. ----------------- Desde a algum tempo nos acostumamos a ver artistas ateus ignorarem Deus. Infantis, eles negam sua existência como ideia central da nossa civilização. Crianças negam aquilo que não entendem. Acreditam que fechando os olhos para uma coisa, ela deixa de existir. Por isso estranhamos que um ateu como Bergman se ocupe tanto com Deus. Ele não crê, mas não nega sua importância. Ele, adulto que é, O discute. ------------------- Harriet acabou de sair de uma clínica. E volta a enlouquecer. Vemos momento a momento sua agonia. E ao mesmo tempo, a reação da família. O marido que tenta manter a cabeça no lugar. O pai que covardemente se afasta. E o irmão, que afunda no sofrimento do amor pela irmã. Em um quarto abandonado, ela começa a ter contato com alguma coisa. Algo que vive por detrás das paredes. ( Fosse um filme de 2021, essa entidade seria um ser de outra dimensão. Nós substituimos Deus por um ET. Tudo para parecer mais cinetífico ). Ao fim do filme ela vê essa entidade e enlouquece. Um helicóptero vem a levar embora. ---------------- Uma aranha. Deus é como uma aranha. O rosto impassível. Os olhos frios e impessoais. A vida é sua teia. Somos aqueles que cairam nela. Horror absoluto. ---------------- O filme está longe de ser perfeito. Há algumas cenas que soam artificiais, forçadas. Mas é uma obra prima. A cena dentro do barco, a barriga da Baleia de Jonas, é uma das coisas mais belas e fortes já filmadas. O desamparo de quem viu Deus. E encontrou Nele nada do que esperava. --------------- Após a partida da filha, o pai e o filho conversam junto a uma janela. Afinal, Deus existe? O pai, numa fala artificial, porém de beleza sublime, diz que o amor que sentimos é uma manifestação da existência de Deus. Que o amor é Deus afinal. O pai parte e o filho, sozinho, diz: EU FALEI COM MEU PAI. Para quem como eu, viveu uma relação de amor profundo e odio ferino com seu pai, essa é uma das mais comoventes falas de toda a história do cinema. Bergman criou todo o filme para essa fala final. A obra se trata disso: dois filhos a procura do pai que sempre se faz ausente. -------------- Desde Freud o valor da mãe tem sido hiper valorizado e nesse processo, o pai foi posto de lado. Se tornou um tipo de ator coadjuvante, um São José apagado diante de Maria. Mas, pelo menos para os meninos, a relação pai e filho é crucial para qualquer chance de alegria e saúde mental. A tragédia de nosso tempo é a ausência do pai, seja ele Deus, pai biológico ou avô. O guia, o protetor, o heroi, o aglutinador. E também o rival declarado, o excitador de vontades, o ponto a ser superado. Sem o pai há um vacuo, vazio a ser preenchido por qualquer coisa. Inclusive uma aranha. ------------------ Só alguém que chegou perto da loucura escreve algo assim. Minha teoria boba de que Bergman nunca sofreu como sua arte nos faz crer, cai por terra. Sim, ele esteve perto da aranha horror. E saiu para nos dizer que FALOU COM SEU PAI. Abraço meu travesseiro e choro sem pudor algum. Nobreza nada mais é que dizer, sozinho e sem testemunhas, perdão meu pai. Onde voce está? Que falta voce me faz. Salve-me. Salve-me. Salve-me. Este filme é uma missa solene. Por isso Bach. Harriet é o médium e seu irmão, um anjo. O marido é um homem comum. E o pai...ah o pai....é o deus que foge, que nos escapa, que se vai. Se isto não é uma obra prima elas não existem.
BACH, MÚSICA VOCAL. EM CONTATO DIRETO COM DEUS.
Amigos, eis a música vocal de Bach, tipo de música com a qual eu tinha preconceito, achava, sem a conhecer, que ela fosse antiga demais, deprimente, talvez insuportável. Mas ontem de noite eu finalmente a escutei, e agora entendo porque Bach é sempre chamado de o maior compositor da história. -------------- Uma cantata por dia durante vinte anos. Essa foi a produção do mestre. A igreja luterana precisava de uma nova canção para cada dia de missa. E as missas eram diárias. Além disso ele fazia música para batizados, casamentos, enterros, e música profana, para festas. Eu sempre conheci sua produção instrumental, que é maravilhosa porém fria, mas a vocal é milagrosa. ---------------- É a música de Deus. Ela realmente tem o poder de elevar. Ouvindo suas cantatas sentimos como se todo dia fosse natal. O mundo parece certo. Deus surge como inevitável. Há luz na noite, em meio ao nada surge luz nas janelas de uma igreja. E sons que vão nascendo em meio à tempestade. São pessoas que se uniram e se entenderam. A alma vive lá. -------------- Como arte em si ela é tão complexa que não há como a descrever em palavras. Dizem ser matemática pura. Dizem que esbanja lógica. O que ouço é que uma canção como EIN FESTE BURG IST UNSER GOTT ou ZION HORT DIE WACHTER SINGEN é atemporal. Parece antiga como uma catedral e ao mesmo tempo futurista. O cantor entoa uma melodia e o acompanhamento complementa harmonizando com outra melodia. Milagrosamente elas se completam. Eis a arte suprema de Bach. Harmonia vertical, camada sobre camada. O céu é seu alvo, e ele lá chega. PATREM OMNIPOTENTE, dois coros distintos mais vozes em solo e uma orquestra. Música absoluta. Bach não compõe pensando em palavras. É som, som ritmado, som harmônico, som matemático, som divino. Há quem fale em música das esferas, o som que os antigos geômetras diziam ser a harmonia que sustentava o universo em movimento. È mais que isso: é o som da criação. -------------- Não pense em tragédia. Bach acreditava em Deus de uma maneira confiante e alegre, de um modo que nos é hoje impossível. Sua mensagem exulta em luz. Para Bach pensar em Deus não significa sentir dor ou dúvida, é a alegria da vida, a confiança da alma, a vontade de prosseguir rumo ao bem. Em seus momentos de dor, eles ocorrem, sua música promete ressurreição. E ela não tarda. Pois a vida nova reside na própria música de Bach. -------------- Triste a cultura que se previne contra esta música, está morta e morta para sempre. ET RESURREXIT. Eis a música, a mais elevada das artes. Eis Bach, o compositor que não pode ser comparado aos outros.
HAENDEL NÃO SOFREU
Como acontece com Da Vinci e Vivaldi, dentre vários outros, Haendel é mais um artista que não reforça a teoria boboca de que a arte só pode nascer onde existe dor. Lembro que em 1984 eu carrega em meu caderno uma frase dita por Bowie em Berlin: Só existe beleza onde existe dor. Hoje sei que não há frase mais adolescente que essa. O que prova que o romantismo é como ter 16 anos para sempre. Haendel foi um gênio, basta dizer que era o artista favorito de Beethoven. E mesmo sendo um gênio, será preciso voce fazer uma força imensa para achar algo parecido com drama em sua vida. --------------- Nasceu na Alemanha, em Halle. Família de classe média, o pai queria que ele fosse advogado. Estamos em 1700. Haendel quer ser músico e o pai acaba por ceder. Aos 20 anos de idade, Haendel recebe uma encomenda de Londres, gosta da cidade e passa o resto de seu 70 anos de vida por lá. Trabalha para os reis ingleses, fazendo para eles músicas para casamentos, festas, missas, coroações. Se torna rico e famoso e ao morrer é enterrado como um heroi. Adquire a cidadania inglesa e é até hoje, para os britânicos, seu maior compositor. Drama? Talvez alguma indigestão, nada mais que isso. George Frederick Haendel teve tanta sorte que em seu tempo a casa real inglesa se tornou Hannover. O rei inglês falava alemão. ------------- Quanto a música em si, nunca houve compositor mais aristocrático que Haendel. Apesar de contemporâneo a Bach, Haendel em nada se parece com Johann Sebastian Bach. Onde um etéreo e abstrato, é Haendel prático e brilhante. Sua obra nos acalenta, nos festeja e nos ergue. É luxuosa, vasta e sempre controlada. Filha de seu tempo e de todo tempo. Se Bach almejava o divino, Haendel tinha por meta a beleza perfeita. Conseguiram.
VELHOS INSTRUMENTOS
No começo dos anos de 1960 aconteceu uma revolução na música. Beatles? Também, mas não é deles que falo, embora meu assunto tenha influenciado os caras de Liverpool. O que aconteceu foi a gravação de peças clássicas com os instrumentos de seu tempo. Vendeu muito, muito mesmo, nas décadas de 60-70 e 80 ajudou a equilibrar as finanças dos departamentos de música clássica. E saiba, foram as gravações de então, versões com instrumentos de época que fizeram Beatles gravarem Yesterday e Eleanor Rigby. ------------- Até então, quando se escutava Bach, ou Vivaldi, ou Haendel, ou Corelli, o que se ouvia eram instrumentos que não existiam em 1750 tocando músicas que em 1750 deveriam soar de um modo bem diferente. Comeaçava-se a perceber que aquilo poderia ser uma traição. Música do século mais racional sendo executada de maneira romântica. À Schumann. ------- Então um grupo de jovens maestros e músicos ingleses resolveu usar instrumentos como os de 1750. Violinos com cordas feitas de tripa de animais. Flautas de madeira. Cravo no lugar do piano. Bandolin, Corne, afinações antigas. Os andamentos mais acelerados, nada de sentimento exagerado, ênfase na dança, na alegria, no ritmo incessante. Para surpresa de todos, o público comprou aos montes. A dita "Música Antiga" entrou na moda. Em 1969 ouvir Bach era chique e que coisa, era hip ! ----- Trevor Pinnock e Christopher Hogwood são dois dos grandes nomes da onda. Ouço esses dois maestros, Pinnock em Bach e Hogwood em Vivaldi. ------------------ Vivaldi com Hogwood e a Academia de Música Antiga é um compositor diferente. Ele parece muito menos doce. Vivaldi se torna mais despido, mais apimentado, o som áspero das cordas lhe dá urgência. É um som que deixa o fundo aparecer mais. Os violoncelos atacam como guerreiros, a harmonia é mais selvagem. Já escutei mais de 8 versões dessa obra, desde italianas amorosas até alemãs exatas. Após o estranhamento inicial voce começa a preferir esta. ----------------- Trevor Pinnock e o grupo The English Concert tocam os Concertos de Brandenburgo. As cordas são como fossem feitas de borracha, parecem flexíveis. É um Bach menos sangue azul e muito mais camponês. É muito menos saltitante, a complexidade harmônica se revela em nudez. --------------- Era desse modo que Bach e Vivaldi queriam ser ouvidos? Quem prefere as versões tipo século XIX diz que se eles tivessem instrumentos melhores teriam composto para eles, e que portanto seria melhor ouvir piano e violino moderno. Já os amantes destas versões dizem que cada compositor escreve para aquilo que conhece e domina, e somente respeitando isso se pode ouvir aquilo que ele desejou que fosse perpetuado. Eu penso que jamais saberemos exatamente o que eles ouviam porque não há gravação em 1750. O que nos ficou são as partituras. Então toca-las em piano ou cravo é indiferente. O que se deve respeitar é harmonia, melodia e ritmo. ----------------- São dois cds históricos.
O ROMANTISMO, ESSA COISA QUE DESTROI O MUNDO INTEIRO
Observar uma pessoa executar o trabalho para o qual ela nasceu. É uma espécie de espetáculo. A vida de uma pessoa, dessas que têm a sorte, a capacidade, a determinação, de trabalhar naquilo que desejam, é plena. Sua vida se justifica e o mais importante, ela não depende da metade de uma laranja. Nem da tampa de sua panela. Ela é, dentro daquilo que nossa vida permite, livre. ----------- Essa condição não impede que ela se case e tenha filhos. Na verdade até ajuda. Mas o tal do amor romântico não é e não será o centro de sua existência. Não sendo assim, ela é livre para ser ela mesma, única. Estou sendo radical? Ora, eu passei 40 anos vivendo dentro da adolescência. Tenho resquícios românticos que serão eternos. Ainda sou bastante infantil. Mas tenho consciência de que existe outro modo de viver. E afirmo ser ele muito, muito mais feliz. ---------- Faz 250 anos, pouco menos, que a praga romântica se instalou no mundo. Desde então, ser adolescente passou da condição de "luta contra o mundo", à "exigência do status quo". Antes, e isso até a segunda guerra mundial, ser adolescente era mal visto. Hoje, ser adolescente é a condição normal para ser aceito. Românticos enfrentavam a sociedade, hoje a sociedade pede que sejamos românticos-adolescentes para sempre. Mais importante que falar do romantismo é lembrar do classicismo. Isso porque voce sabe o que é hoje ser romântico: procurar um amor, ser dono da "sua verdade", não aceitar ordens, crer em alguma religião exotérica, lutar pela igualdade. Não é preciso analisar ou aprofundar nada disso. A ênfase romântica é no SER e nunca no ENTENDER. ----------- O classicismo é a condição adulta da vida. E o planeta internet favorece apenas o lado romântico da alma. A internet pede que sejamos todos pseudo Goethes. Pessoas que saibam um pouco de tudo, que estejam a caça do amor, afirmem seu ego de forma intensa, e principalmente, sejam originais. Cada um com sua obra: um blog, um canal, uma galeria de fotos, contos ou poemas, aventuras. Okay....mas Goethe não nasce em linha de montagem e o alemão era mais clássico que romântico. O que TODOS acabam sendo são adolescentes eternos. Uma alma em construção indefinida, sem prazo para acabar. Obras precisam de material, um adolescente consome. ------------- No classicismo, o mundo que perdeu sua preponderãncia por volta de 1810, ser adulto é a condição natural da pessoa. Antes de Rousseau, o perfeito imbecil, decretar que toda criança é perfeita e de certa forma angelical, tudo na vida era desejo de ser adulto. O menino de 10 anos era um pequeno adulto e a menina idem. Hoje um homem de 50 é um adolescente velho, ou pior, uma criança grotesca. Eu acho que perdemos nesse processo. -------------- Crianças sempre dependem de alguém que tome conta delas. Seja um adulto, seja o estado. E adolescentes nunca sabem quem são e o que desejam. Eis o nosso tecido social. Se tudo hoje parece precário ou fluido, a culpa se deve ao nosso desejo tolo de viver num eterno começo. Ele nos pede apenas uma coisa: "Siga seu coração. Afirme sua verdade pessoal. Procure o amor". Tudo que não seja isso deverá ser inimigo. Sobre esse tipo de vida tenho apenas um cometário: É o inferno! ----------- Adolescentes não conseguem ser pais. Não conseguem seguir ordens. Não sabem onde se situar. Têm uma vaga noção daquilo que desejam e por isso afirmam sempre o que não querem. Acima de tudo não querem responsabilidades. ------------ No mundo clássico o mais importante era crescer. Voce vivia para se fazer sábio. Não sábio no modo indefinido exotérico, mas sábio em termos de know how. O clássico lidava com o mundo sólido, material. Estoico, ele acreditava naquilo que se via, provava, experimentava. Seu desejo era ser adulto o mais rápido possível. Para assim poder saber. Mesmo quando esse ser se envolvia com magia ou bruxaria, o objetivo era entender um mistério. O ser humano de 1750 foi o mais perto do ser adulto que chegamos. Imperfeito, óbvio, mas foi o menos infantil. O amor era para ele um jogo, desejo sexual disfarçado em comvenção social. O casamento era uma forma de ter e criar filhos. Por isso estranhamos quando lemos poesia pré romantica. Há pouca, ou nenhuma ênfase no amor. A vida tem outros interesses maiores, o principal sendo "a sociedade". Não há a afirmação do EU contra TODOS. A coisa é EU em meio ao TODO. Não há enfrentamento e recusa, há JOGO e VITÓRIA. Ou uma terrível derrota. ----------------------- A atual pandemia está sendo enfrentada como pavor infantil. É uma das heranças românticas. Não quero encarar a verdade. Não quero aceitar a natureza. Que se cuide de mim!!!!! Romantismo que virou filme da Disney. Médicos super sábios de série de TV. --------------- Pensei tudo isso ao escutar suítes de Bach. Na interpretação de Sir Neville. Não há como escutarmos Bach do modo certo. Sempre o veremos como "um artista", e artista é para nós um "romântico", um tipo de ser especial. Bach era um trabalhador que trabalhava muito. Estudava seu ofício e tinha filhos. Bach precisava de dinheiro. Bach ganhava dinheiro. Suas músicas eram encomendas. " Bach, preciso de uma missa para o dia de São José", "Bach, preciso de uma suíte para um jantar que darei dia 30", "Bach, faça uma peça para que eu treine meus dedos ao piano". E Bach fazia. Ele não está expressando seu EU, ele está trabalhando. Ironia das ironias, faz 150 anos que ele é considerado o número um. Bach acima de todos. Depois Mozart e Beethoven. Haydn e Brahms. O resto varia. O sexto já foi Wagner. Já foi Schubert. Hoje é Mahler. ------------------------ Como Bach reagiria ao ser chamado de o maior? Provável que beberia vinho e pensaria: Obrigado Deus pelo dom do trabalho bem feito. ---------------- Mozart se soubesse ser um dos cinco maiores iria rir e dizer: eu agradeço! Mas....voce poderia me arrumar umas 2000 peças de ouro?.--------- Beethoven falaria: Eu sempre soube que era o maior. E eis aí o começo do romantismo. -------------- Para encerrar, tudo o que disse acima não se aplica ao povo mais pobre. Assim como eles nunca foram clássicos, não têm adolescência típica. Sonham em ter, mas ela é podada. A tragédia dos pobres é que hoje são dirigidos por uma elite infantilizada. Gente que crê no ideário romântico. "O que importa é minha verdade", lembram? ------ Crianças não dão bons pais.
GLENN GOULD....AS VARIAÇÕES GOLDBERG
Foi em 1955 que a CBS lançou um LP de um jovem pianista canadense chamado Glenn Gould. Sucesso histórico de vendas, Gould propunha uma nova abordagem sobre a música de Bach. Para ele, o velho mestre alemão fazia música pura, quase matemática, abstrata. Bach escrevia música lógica, não intuitiva, cada nota seguindo uma corrente logicamente alinhada. Música que não existia para expressar, mas sim e acima de tudo para ser música. Um som, vários sons, uma execução. Para demonstrar isso, Gould possuía o requisito básico: uma monstruosa habilidade. Sua execução chocou por ser o contrário daquilo que gente como Horowitz ou Rubinstein faziam em seus pianos, Gould não procurava a emoção, ele queria a precisão total. Sua leitura de Bach era seca e sua velocidade bem mais acelerada. Nada de notas tocadas lentamente, como a exigir sentimento, Gould toca o que lê na partitura. Bach pareceu então chocantemente moderno. Não parecia haver em Gould a religiosidade e a antiguidade barroca que era o modo como todos viam Bach. A sensação era de que o canadense trazia Bach para 1955. Hoje sabemos que Bach era provavelmente aquilo que Gould propunha. O que em 55 parecia heresia modernista de um jovem pianista, hoje é aceito como modo correto de entender a música não romântica, a música de Bach. Se voce escutar o LP, perceberá que nada ali te emocionará por seu "sentimento de alma", mas sim pela absurda genialidade rigorosa de Glenn Gould. Repare na mão esquerda dele e fique estarrecido. Sua velocidade é espantosa. Gould não foi e não é o melhor pianista da história. Mas ele é, e será sempre, o mais original. -------------------- Bach escreveu as Variações Goldberg para serem ouvidas por um nobre insone. O tal Goldberg não conseguia dormir, e Bach compôs por encomenda estas peças, música para acompanhar uma noite em claro. Prosaico? Muito. Veja bem, é um mundo que não reconhece o coração como centro do universo. A música é música. Não é confissão ou projeto social. Em nossos dias Brian Eno tenta fazer retornar esse modo de ver a música em toda sua obra: música que nada expresse,que seja apenas aquilo que ela é: som. -------------- Claro que Gould era esquisito. Tocava numa postura completamente errada. Tinha várias manias. E odiava tocar ao vivo. Após 1962, se dedicou apenas a gravar. Para ele, apenas o estúdio lhe dava a perfeição sonora total. Morreu me 1982, aos 50 anos, do coração. Sua morte foi bastante noticiada então. Gould foi uma estrela que fugia do mundo em sociedade. Era um pianista. Apenas isso e mais nada. E por ser 100% isso, atingiu o cume da montanha. Um ser único.
MATADOURO CINCO
Voce ama ou odeia. MATADOURO CINCO é um filme que impressiona de cara: uma máquina de escrever datilografa a história de um homem que está preso numa viagem pelo tempo. E voce estará preso em um filme que viaja pelo dentro de fora, pelo real e pelo imaginário, pelo futuro e pelo passado.
Pilgrim é um bobo. Calado, não muito esperto, ele é preso do acaso. É um soldado na segunda guerra. É preso pelos alemães. Vê uma nave no céu. Cresce na América dos anos 40-50-60. Casa com uma mulher que não ama. É raptado e enviado para o futuro. Descobre o sexo já na maturidade. Vê a destruição de Dresden pelos aliados.
George Roy Hill dirigiu este filme em 1972. Após seu sucesso em Butch Cassidy, ele faz um filme de "arte". Usa o livro de Kurt Vonnegut Jr. Usa a fotografia belíssima de Miroslav Ondrieck ( tcheco dos filmes de Milos Forman ). Usa a música de Bach tocada por Glenn Gould. E tudo isso junto faz deste filme uma coisa deliciosa, engraçada e trágica, muito trágica e muito engraçada.
As cenas se sucedem em cortes. Cenas muito curtas, algumas muito longas. Aquelas no planeta alienígena são as mais difíceis, o que é aquilo afinal? Seria esta Terra vista sob outro foco? O limite como prazer? Ou Vonnegut brinca com a física quântica? E há a beleza inenarrável de Dresden. Vemos o paraíso possível, humano, ser destruído inutilmente pelo homem, que se cria o céu cria o inferno também. Dresden foi tão destruída quanto Nagasaki. A cidade inteira foi arrasada em uma noite. Toneladas de bombas incendiárias jogadas sobre uma cidade que não tinha tropas e nem fábricas. Uma simples vingança. O filme não faz draminha: tudo é mostrado de forma seca. É de uma aterradora beleza. É o centro da vida de Pilgrim, um Forrest Gump sem doce simpatia spielberguiana.
Este filme foi um grande fracasso. Hoje parece obra de gênio. Ele prova o quão miserável é nosso cinema atual.
Em sequência George Roy Hill ganharia o Oscar com Golpe de Mestre.
Pilgrim é um bobo. Calado, não muito esperto, ele é preso do acaso. É um soldado na segunda guerra. É preso pelos alemães. Vê uma nave no céu. Cresce na América dos anos 40-50-60. Casa com uma mulher que não ama. É raptado e enviado para o futuro. Descobre o sexo já na maturidade. Vê a destruição de Dresden pelos aliados.
George Roy Hill dirigiu este filme em 1972. Após seu sucesso em Butch Cassidy, ele faz um filme de "arte". Usa o livro de Kurt Vonnegut Jr. Usa a fotografia belíssima de Miroslav Ondrieck ( tcheco dos filmes de Milos Forman ). Usa a música de Bach tocada por Glenn Gould. E tudo isso junto faz deste filme uma coisa deliciosa, engraçada e trágica, muito trágica e muito engraçada.
As cenas se sucedem em cortes. Cenas muito curtas, algumas muito longas. Aquelas no planeta alienígena são as mais difíceis, o que é aquilo afinal? Seria esta Terra vista sob outro foco? O limite como prazer? Ou Vonnegut brinca com a física quântica? E há a beleza inenarrável de Dresden. Vemos o paraíso possível, humano, ser destruído inutilmente pelo homem, que se cria o céu cria o inferno também. Dresden foi tão destruída quanto Nagasaki. A cidade inteira foi arrasada em uma noite. Toneladas de bombas incendiárias jogadas sobre uma cidade que não tinha tropas e nem fábricas. Uma simples vingança. O filme não faz draminha: tudo é mostrado de forma seca. É de uma aterradora beleza. É o centro da vida de Pilgrim, um Forrest Gump sem doce simpatia spielberguiana.
Este filme foi um grande fracasso. Hoje parece obra de gênio. Ele prova o quão miserável é nosso cinema atual.
Em sequência George Roy Hill ganharia o Oscar com Golpe de Mestre.
NONA SINFONIA, A OBRA PRIMA DE BEETHOVEN E O MUNDO NA ÉPOCA DE SUA CRIAÇÃO - HARVEY SACHS.
Este admirável livro começa pela biografia de Beethoven. Por ser conhecida por todos, é a parte menos fascinante. Muito melhor é quando o autor, Harvey Sachs, discorre sobre o ano de 1824, tema central deste pequeno livro de apenas 220 páginas.
Para o autor, o romantismo é uma reação para a decepção. O fim das guerras napoleônicas podem ter sido um alivio, mas trouxeram como consequência imediata, o começo de uma época de censura e de repressão. A alma artística, ansiando por liberdade, se refugia dentro de si mesma e cria o mundo romântico, mundo que dura até hoje.
1824 é o ano da estreia da Nona Sinfonia de Beethoven, em Viena, maio. Sachs analisa os grandes artistas em atividade plena durante esse ano: Stendhal, Byron, Delacroix, Schubert, Pushkin, Heinrich Heine. Claro que havia muito mais, Shelley, Balzac, Goethe, Leopardi eram dessa época, mas os artistas destacados são aqueles que em espírito têm mais afinidade com a Nona Sinfonia. Sachs mostra como e porquê.
Na terceira parte ele descreve em palavras, momento a momento da imensa sinfonia. Sachs sabe música, mas escreve para leigos, e assim, luta para descrever música em palavras e não em notas e harmonias. É fascinante e também insatisfatório.
Depois ele nos mostra as opiniões de Berlioz, Wagner, Verdi, Schumann e Donizetti sobre a Nona. E então vem a coda, o final do livro. Eu o recomendo como leitura ótima para quem começa a ouvir música séria.
Beethoven foi o primeiro artista, seja na música ou na literatura, a se ver como um homem que trabalha para o futuro. Nem Bach e nem Mozart escreviam para a posteridade. Bach dialogava com Deus, e pensava fazer música funcional, para a glória dos céus. Mozart sabia de seu valor, mas achava que sua arte seria descartada, esquecida. Nenhum deles sequer sonhava em ser lembrado vinte anos após sua morte, quanto mais dois séculos. Beethoven não. Ele ousou se considerar mais memorável que os reis de seu tempo. Foi o modelo e o inventor do que chamamos de gênio. ( Michelangelo sabia ser genial, mas o modo como ele se via era totalmente diferente do que hoje entendemos ser um gênio. O italiano estaria mais próximo do herói. Beethoven é o artista genial como hoje o entendemos ).
Vivemos agora, em 2017, um repúdio ao grande homem. A classe midiática luta contra aquele que se destaca. Ela defende a massa, o movimento de grupo, o modesto participante de um todo, o anônimo. Tudo tolice! O mundo sem grandes homens e grandes mulheres e grandes gays é um mundo a mercê do medíocre.
Para o autor, o romantismo é uma reação para a decepção. O fim das guerras napoleônicas podem ter sido um alivio, mas trouxeram como consequência imediata, o começo de uma época de censura e de repressão. A alma artística, ansiando por liberdade, se refugia dentro de si mesma e cria o mundo romântico, mundo que dura até hoje.
1824 é o ano da estreia da Nona Sinfonia de Beethoven, em Viena, maio. Sachs analisa os grandes artistas em atividade plena durante esse ano: Stendhal, Byron, Delacroix, Schubert, Pushkin, Heinrich Heine. Claro que havia muito mais, Shelley, Balzac, Goethe, Leopardi eram dessa época, mas os artistas destacados são aqueles que em espírito têm mais afinidade com a Nona Sinfonia. Sachs mostra como e porquê.
Na terceira parte ele descreve em palavras, momento a momento da imensa sinfonia. Sachs sabe música, mas escreve para leigos, e assim, luta para descrever música em palavras e não em notas e harmonias. É fascinante e também insatisfatório.
Depois ele nos mostra as opiniões de Berlioz, Wagner, Verdi, Schumann e Donizetti sobre a Nona. E então vem a coda, o final do livro. Eu o recomendo como leitura ótima para quem começa a ouvir música séria.
Beethoven foi o primeiro artista, seja na música ou na literatura, a se ver como um homem que trabalha para o futuro. Nem Bach e nem Mozart escreviam para a posteridade. Bach dialogava com Deus, e pensava fazer música funcional, para a glória dos céus. Mozart sabia de seu valor, mas achava que sua arte seria descartada, esquecida. Nenhum deles sequer sonhava em ser lembrado vinte anos após sua morte, quanto mais dois séculos. Beethoven não. Ele ousou se considerar mais memorável que os reis de seu tempo. Foi o modelo e o inventor do que chamamos de gênio. ( Michelangelo sabia ser genial, mas o modo como ele se via era totalmente diferente do que hoje entendemos ser um gênio. O italiano estaria mais próximo do herói. Beethoven é o artista genial como hoje o entendemos ).
Vivemos agora, em 2017, um repúdio ao grande homem. A classe midiática luta contra aquele que se destaca. Ela defende a massa, o movimento de grupo, o modesto participante de um todo, o anônimo. Tudo tolice! O mundo sem grandes homens e grandes mulheres e grandes gays é um mundo a mercê do medíocre.
BACH HOJE.
Bach faz aniversário hoje. Ele é tão antigo que agora parece um ET.
Certas características do homem Bach nos são incompreensíveis. Podemos nos esforçar e as aceitar. Podemos, eu sou desses, as admirar. Mas seu modo de ver e de viver nos é tão distante como seria a vida de um plutoniano.
Ele não vivia para os homens. Não pensava em seu tempo. E não fazia arte.
Sua música era um trabalho. Ele tinha de justificar sua vida e sua vida era trabalho. Tinha uma habilidade, a de compor, e por isso compunha. Uma nova partitura por dia. Ele se via como um bom sapateiro.
Seu tempo era a eternidade. Lhe era natural saber que sua vida começara antes e que sua morte não seria seu fim. Qualquer outro modo de pensar seria impossível para ele. Desse modo, "perder" um dia ou "ganhar o dia" era-lhe indiferente. Ser jovem ou velho, viver ou desperdiçar a vida, nada disso lhe era conhecido. O tédio não havia sido inventado.
Por fim, em vista da eternidade, ele compunha para Deus e só para Deus. Isso o mais difícil de entendermos. Podemos experimentar a criação para Deus como vaidade ou como sarcasmo, mas a humilde oferenda nos é estranha.
Todo artista vaidoso cria para a eternidade. Bach criava para Deus. É um universo diferente. Ele cria e dá, quem faz não é ele, é o dom dado por Deus. Quando Bach compõe ele devolve a Deus o que é Dele.
A música de Bach, às vezes estranhamente fria, abstrata, foi criada nesse mundo.
Nunca poderemos a compreender. Mas somos livres para a amar.
Certas características do homem Bach nos são incompreensíveis. Podemos nos esforçar e as aceitar. Podemos, eu sou desses, as admirar. Mas seu modo de ver e de viver nos é tão distante como seria a vida de um plutoniano.
Ele não vivia para os homens. Não pensava em seu tempo. E não fazia arte.
Sua música era um trabalho. Ele tinha de justificar sua vida e sua vida era trabalho. Tinha uma habilidade, a de compor, e por isso compunha. Uma nova partitura por dia. Ele se via como um bom sapateiro.
Seu tempo era a eternidade. Lhe era natural saber que sua vida começara antes e que sua morte não seria seu fim. Qualquer outro modo de pensar seria impossível para ele. Desse modo, "perder" um dia ou "ganhar o dia" era-lhe indiferente. Ser jovem ou velho, viver ou desperdiçar a vida, nada disso lhe era conhecido. O tédio não havia sido inventado.
Por fim, em vista da eternidade, ele compunha para Deus e só para Deus. Isso o mais difícil de entendermos. Podemos experimentar a criação para Deus como vaidade ou como sarcasmo, mas a humilde oferenda nos é estranha.
Todo artista vaidoso cria para a eternidade. Bach criava para Deus. É um universo diferente. Ele cria e dá, quem faz não é ele, é o dom dado por Deus. Quando Bach compõe ele devolve a Deus o que é Dele.
A música de Bach, às vezes estranhamente fria, abstrata, foi criada nesse mundo.
Nunca poderemos a compreender. Mas somos livres para a amar.
O FIM DO PALCO. A VIDA DE GLENN GOULD.
Vejo na TV O Legado de Glenn Gould, um fantástico documentário sobre o gênio canadense. Se você não sabe quem ele é...
Glenn nasceu em 1932 e explodiu nos anos 50 como o jovem revolucionário que tocava Bach como ninguém jamais tocara antes. Sua filosofia era: Não faz sentido tocar como todos tocam. A música ao ser executada deve ser recriada, revivida, renovada. Mas isso, claro, dentro da partitura. Deve-se ler a obra e reler a obra. Glenn Gould trouxe à música aquilo que a literatura crítica usava desde os anos 20, A Leitura Criativa. O leitor como co-autor da obra. No caso, o músico como co-autor da obra musical.
Seu sucesso em salas de concerto foi avassalador. As pessoas iam para ver aquele jovem pianista "pirar". Gould logo sentiu que aquilo não fazia sentido. E daí nasceu seu segundo ato criativo ( que na época causou raiva em outros pianistas ): Glenn Gould defendia que a gravação em estúdio tinha MUITO mais valor que a apresentação ao vivo. Por dois motivos:
No estúdio o artista tinha controle sobre a obra. E ao mesmo tempo podia interagir com engenheiro de som e produtor. Podia incorporar o acaso, o acidental. Podia criar enquanto interpretava.
E, segundo, no estúdio o TEMPO era vencido. A gravação se eternizava, ela vencia o efêmero, ela podia respirar em novas audições.
Críticos começaram a atacar Gould. Ele mexia em dois pontos sagrados: A primazia do show ao vivo, e o respeito à interpretação consagrada. O Bach de Gould era o Bach de Gould, ou melhor, o Gould de Bach, pois seus fãs diziam que Gould ressuscitava Bach e o fazia escrever para Gould. ( Bach era o Deus de Gould. )
Antes de qualquer artista POP, Glenn Gould percebeu que o estúdio libertava o músico, lhe dava asas, era um brinquedo. As Variações Goldberg se tornaram um hit de vendas nos anos 50, mas algo não ia bem com Glenn, e este bravo documentário mostra o que.
Incrível a massa gigantesca de fotos, entrevistas, documentários e depoimentos que existem de Glenn Gould. Ele foi um superstar por toda a vida. Mas sua alma era a mais retraída possível. Ele conta que odeia a plateia, não cada um deles, mas o todo. A plateia existe como massa que presencia a intimidade do artista. Ela é invasiva. Ela quer sangue, suor, dor. E Glenn queria tão somente TOCAR. Quando ele toca o que vemos é uma profunda relação entre ele e o piano. O público fica excluído disso, não existe. E é essa indiferença que fascina o público desprezado. Ele tem a vã esperança de poder penetrar dentro do mundo de Glenn Gould. Impossível !
Glenn conta que não acredita na morte. Que isso lhe foi sempre natural, não foi algo que ele procurou. Filosofias do Aqui e Agora lhe eram repugnantes. A vida não ocorre aqui e muito menos agora. A vida é em outro ponto. Sua atitude diante da vida, hiper individualista, alheia, distante, revela sua crença. Crença que ele conta ser impossível de descrever.
Lembro que em 1982 eu comprava todos os números da Rolling Stone. Foi a leitura dessa revista, com um dicionário ao lado, que me deu a facilidade em ler o inglês. Numa última página inteira eu li a data: Glenn Gould, 1932-1982. Ele morria cercado de mistério. Afastado dos shows, solitário, se ia aos 50 anos. Cedo.
Para ele não fazia sentido tocar duas vezes a mesma obra do mesmo jeito. Se até mesmo no POP temos dificuldade em aceitar novas interpretações no palco, imagine no meio erudito... ( Esqueça o jazz. Gould não tem ligações jazzísticas. Suas releituras são dentro da partitura, como eu já disse ).
Esse documentário é brilhante! passou no canal Curta! Procure ver.
Glenn nasceu em 1932 e explodiu nos anos 50 como o jovem revolucionário que tocava Bach como ninguém jamais tocara antes. Sua filosofia era: Não faz sentido tocar como todos tocam. A música ao ser executada deve ser recriada, revivida, renovada. Mas isso, claro, dentro da partitura. Deve-se ler a obra e reler a obra. Glenn Gould trouxe à música aquilo que a literatura crítica usava desde os anos 20, A Leitura Criativa. O leitor como co-autor da obra. No caso, o músico como co-autor da obra musical.
Seu sucesso em salas de concerto foi avassalador. As pessoas iam para ver aquele jovem pianista "pirar". Gould logo sentiu que aquilo não fazia sentido. E daí nasceu seu segundo ato criativo ( que na época causou raiva em outros pianistas ): Glenn Gould defendia que a gravação em estúdio tinha MUITO mais valor que a apresentação ao vivo. Por dois motivos:
No estúdio o artista tinha controle sobre a obra. E ao mesmo tempo podia interagir com engenheiro de som e produtor. Podia incorporar o acaso, o acidental. Podia criar enquanto interpretava.
E, segundo, no estúdio o TEMPO era vencido. A gravação se eternizava, ela vencia o efêmero, ela podia respirar em novas audições.
Críticos começaram a atacar Gould. Ele mexia em dois pontos sagrados: A primazia do show ao vivo, e o respeito à interpretação consagrada. O Bach de Gould era o Bach de Gould, ou melhor, o Gould de Bach, pois seus fãs diziam que Gould ressuscitava Bach e o fazia escrever para Gould. ( Bach era o Deus de Gould. )
Antes de qualquer artista POP, Glenn Gould percebeu que o estúdio libertava o músico, lhe dava asas, era um brinquedo. As Variações Goldberg se tornaram um hit de vendas nos anos 50, mas algo não ia bem com Glenn, e este bravo documentário mostra o que.
Incrível a massa gigantesca de fotos, entrevistas, documentários e depoimentos que existem de Glenn Gould. Ele foi um superstar por toda a vida. Mas sua alma era a mais retraída possível. Ele conta que odeia a plateia, não cada um deles, mas o todo. A plateia existe como massa que presencia a intimidade do artista. Ela é invasiva. Ela quer sangue, suor, dor. E Glenn queria tão somente TOCAR. Quando ele toca o que vemos é uma profunda relação entre ele e o piano. O público fica excluído disso, não existe. E é essa indiferença que fascina o público desprezado. Ele tem a vã esperança de poder penetrar dentro do mundo de Glenn Gould. Impossível !
Glenn conta que não acredita na morte. Que isso lhe foi sempre natural, não foi algo que ele procurou. Filosofias do Aqui e Agora lhe eram repugnantes. A vida não ocorre aqui e muito menos agora. A vida é em outro ponto. Sua atitude diante da vida, hiper individualista, alheia, distante, revela sua crença. Crença que ele conta ser impossível de descrever.
Lembro que em 1982 eu comprava todos os números da Rolling Stone. Foi a leitura dessa revista, com um dicionário ao lado, que me deu a facilidade em ler o inglês. Numa última página inteira eu li a data: Glenn Gould, 1932-1982. Ele morria cercado de mistério. Afastado dos shows, solitário, se ia aos 50 anos. Cedo.
Para ele não fazia sentido tocar duas vezes a mesma obra do mesmo jeito. Se até mesmo no POP temos dificuldade em aceitar novas interpretações no palco, imagine no meio erudito... ( Esqueça o jazz. Gould não tem ligações jazzísticas. Suas releituras são dentro da partitura, como eu já disse ).
Esse documentário é brilhante! passou no canal Curta! Procure ver.
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