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LE NOZZE DI FIGARO - MOZART
A suprema genialidade de Mozart incomoda a todos que a estudam. Porque, ao contrário de Haydn ou Beethoven, ele não foi um inovador. Sua arte é a do seu tempo. Não anuncia o futuro, não cria novas formas, não ousa mundos criados. Mozart aperfeiçoa, aumenta, faz melhor e maior, mas não invanta novidades. Segundo fato: ele não foi nem revolucionário e muito menos sofrido. Não há nele nada de filosófico e as tintas existenciais que dizem haver em Don Giovanni é questão de quem o escuta, não de quem o compôs. Mozart é então um gênio sem raiva, sem desejo de transcender, sem ousadia inédita. E mesmo assim trata-se de um gênio absoluto, talvez o maior. ------- Esta ópera, vibrante, viva, um de seus sucessos em vida, é de uma alegria de viver contagiante. Tudo aqui é luz, é amor, é sorriso, e mesmo nos seus momentos de drama sentimos como se Mozart piscasse um olho para nós. Ele diz o tempo todo: Veja! Isto não é lindo? --------------- Meio termo entre o mundo alemão de Beethoven e o mundo solar e italiano de Rossini, a Austria do católico Mozart era então, por volta de 1780, uma terra de misturas. Língua alemã, religião de Roma, vizinhança turca, territórios eslavos, tudo nela era sedução de contrastes. Mozart, viajando entre Viena e Praga, lutava para se afirmar nesse universo. Ele se sabia artista, mas queria luxo, queria vencer, queria poder. Le Nozze di Figaro é tudo isso. Mundo colorido que nos faz viajar longe. Acima de tudo obra de suprema beleza. --------------- Georg Solti é o homem certo para reger. Filarmonica de Londres em 1981. Kiri Te Kanawa começava seu reinado, uma voz de sonho. Feminina ao extremo, voadora, flexível, viva. Há ainda Lucia Popp, Frederica Von Stade, Samuel Ramey...quem conhece ópera ama todos eles. ----------------- É um tipo de arte morta? Bela questão. Se eu a amo e se eu a escuto morta não está. Arte morta é aquela que deixa de ser apreciada por deixar de fazer sentido. Digamos então que é uma fórmula mágica que se perdeu no vento. É isso.
MOZART, SERENATAS K 239, 388, 525. ( PENSANDO SOBRE VICO E MOZART ).
Serenatas eram aquilo que parecem ser, pequenas peças musicais para uso noturno. O objetivo era o amor. Esquecemos que música tinha e tem uma função e que no tempo de Mozart era a de elevar ou entreter. ( Não pense que me contradigo. Mesmo a música absoluta e livre de Beethoven tem uma função: expressar. A palavra função não rebaixa a música. ) . É música bela que almeja a beleza. Mozart aqui não tenta o absoluto como em seus concertos para piano. E não quebra o limite como nas óperas. Ele faz, de modo sublime, o que dele se espera. Penso que o faz com alegria. Quando falamos de Mozart nunca devemos esquecer que ele amava o amor. E não era o amor que almeja a nobreza hetérea como se dá em Chopin ou Liszt. É o amor totalmente erótico, sexual, picante. Por isso que acho Mozart o mais honesto dos gênios. Ele não pinta de dourado o que é vermelho sangue. Enquanto toca seu teclado ele olha um seio e imagina um traseiro ( tinha tara por traseiros ). Mozart cria por dom. -------------- Aplicar Vico à Mozart é muito interessante. Mozart cria sua obra. Mas saberá tudo sobre ela? Conseguirá recriar tudo que fez? -------------- Para quem não leu, Vico diz que só podemos saber a verdade sobre aquilo que fazemos. Nós fazemos a matemática, as leis, a engenharia, então podemos saber tudo sobre um cálculo, o direito ou uma ponte. Mas não sabemos tudo sobre nosso corpo ou nosso planeta pois não os criamos ou construimos, estamos neles. -------------- Então pergunto: Mozart criou o concerto 20 para piano. Ele sabia tudo sobre ele? Ou um gênio se surpreende com sua própria obra? Penso que sim, ele se surpreende. Se um gênio tivesse o segredo de sua obra em mãos, ele criaria vários Dom Giovanni e vários concertos todo dia. Bastaria querer. O gênio não o faz porque sua obra nasceu em sua mente e sua mente não é criação sua. E quando falo mente eu falo o fundo de sua alma. ------------- Paganini poderia e criou na verdade, várias obras como quis. Ele tinha domínio sobre aquilo que criava. Isso porque sua obra não o surpreendia. Ela era um molde, uma receita, algo que ele inventou e fez, e assim poderia reproduzir quando quisesse. Paganini dominava sua música. Mozart era por ela dominado. Paganini fazia algo que podemos aprender a fazer. Algo que se constroi. Mozart fazia algo que só ele mesmo poderia fazer. Não havia uma fórmula ou uma invenção racional. Ele fazia o que fazia sem saber como ou quando fazer. Sua mente, indomável e inapreensível fazia livremente. ------------ Essa a diferença entre o artesão e o artista. -------------- Vico estava certo. Nunca produziremos outro Mozart. Mas toda forma musical tem seus Paganinis. Domine a técnica e saia produzindo solos. Mas dominar a técnica não te fará compor Dom Giovanni. Pois podemos aprender a solar, é uma invenção humana, mas não podemos aprender a criar, pois a criatividade é componente daquilo que chamamos de alma e isso não foi por nós inventado.
MOZART TINHA OS PÉS BEM FIRMES NO CHÃO
Quando voce começa a ouvir música clássica voce tende a cometer muitos erros de julgamento. A vida é assim, aquilo que voce conhece pouco é por voce mal avaliado. Quem nunca foi à praia irá achar um lago o máximo. ------------------ Mozart é o maior, isso em mim não mudou, mas com a experiência o que mudou foi o que sinto ouvindo Mozart. Para minha alegria, vejo que não estou sozinho nessa minha nova opinião. ---------------------- Novatos ouvem Mozart e falam em divino, celestial, espirtual, sobre humano. Sentem isso porque quase nunca ouvem música clássica. A harmonia e a melodia da orquestra lhes recordam o inefável. É apenas isso. Um tipo de nostalgia pela alma perdida. Mas Mozart, ah....Mozart nada tem a ver com esse sentimento. ------------------------ Divino? Não, humano ao extremo. Celestial? Não, incrivelmente agressivo. Espiritual? Não, sexual ao ponto do quase pornográfico. Mozart foi filho do século XVIII e seu tempo amava a vida como ela é, ou como se nos apresenta: carne. -------------- Mozart é reação contra o espírito em música, é anti barroco, e como tal, sua música é simples, jamais floreada. Gastador, ele amava sua caríssima mesa de bilhar, suas cartas para jogo, seus sofás de seda e veludo, suas roupas novas ( esqueça o filme de Milos Forman, Mozart nunca esteve na miséria ). Ele viveu no tempo de Casanova, jogo e sexo, aparências e fofocas. Então tente ouvir sobre esse enfoque: esqueça sofrimento e lágrimas, deixa de lado o céu e os querubins; imagine uma mulher nua, uma cama macia e uma taça de vinho. Não esqueça dos cheiros e dos sabores. Agora então voce começa a entender sua música. --------------------- Ouço dois concertos para flauta de Mozart. K 313 e K 314 ( K é o nome de quem numerou as obras, portanto eles são os tricentésimos décimos quartos feitos em seu trabalho ). O CD que ouço tem o Mozarteum de Salzburgo com o maestro Leopold Hager. O flautista, fenomenal, é Wolfgang Schulz, todos mestres em Mozart. A música, como é seu estilo habitual, se impõe logo, de modo impetuoso. Não há perda de tempo, as armas são apresentadas: eis a melodia, eis a ideia, eis a sedução. O que temos então são 45 minutos da mais prazerosa música. Mozart tem prazer em compor, nos dá prazer como ouvintes, ele é sensual. Sempre. ------------------ A flauta sola. Curvas dignas de um corpo feminino. Este é um homem que realmente amava as mulheres. O segundo movimento do segundo concerto é tão belo, tão sublime que chego a pensar ser Mozart um caso extremo: onde ele esteve ninguém mais irá poder chegar. Mas atente, ele esteve aqui. Mozart tem os pés firmes no chão. Ele jamais se perde, jamais erra, não deixa o controle escapar. Sabe o que faz. Não se exalta e não entra em transe: ri. E goza. Todo o tempo. -------------- Civilidade. Mozart nos dá aulas de civilidade. Mas não aquela dos eunucos ou dos hipócritas, é a civilidade que não nega o desejo, o cheiro, a ambição e a luxúria. Sua música é feita para se amar, comer, sorver, chupar, morder, alimentar. Rosada como um seio, sedutora e sem noção como uma bunda, naturalmente profana, e ao mesmo tempo, que coisa!, perfeitamente trabalhada. Sem erros e sem rigidez. Ela, mais que tudo, é retrato abrangente de toda uma época. Ouça.
REQUIEM - MOZART
Não fui eu quem disse primeiro: Mozart não possui religiosidade, e por isso, seu Requiem carece do sentimento trágico. Bem...não sei se Mozart não levava a religião a sério, muita gente em seu meio não levava, mas a falta do sentido trágico nesta obra não se explica por esse motivo simplório. Mozart amava a carne. Essa é uma explicação muito mais provável. ---------------------- Sempre que o ouço, seja em concertos para piano, seja em sinfonias, ele me faz crer em Deus. Mozart não precisa ser trágico para ser religioso. Essa cobrança vem de quem não entende de religião. Sua música, em vários momentos, é uma epifania. ------------------- O Requiem, que acabo de ouvir, Herbert Von Karajan e a Sinfônica de Berlin, José Van Dam fazendo milagres com sua voz, é grave, é séria, é solene, mas realmente não é trágica. Mozart é feliz e ele jamais poderia negar isso. Esta obra é o tempo todo belíssima, muitas vezes sublime, mas nunca nos faz pensar na morte como tragédia insuperável. Pensando no Requiem Mozart cria beleza. O Deus dele é o Deus que criou a música, e música é para Mozart uma felicidade. Sim, o coro e a orquestra são gravíssimos, sim, a melodia é solene como uma missa antiga, mas não nos comovem de uma forma trágica como Bach faz. Admiramos e amamos a música genial, mas não pensamos em Deus. Pensamos em Mozart. ------------------------- Porém...que coisa maravilhosa essa música! O modo como ele une vozes e instrumentos, a maneira como ele nos surpreende a cada movimento, a cadência que nos segura, o todo como uma construção perfeita. --------------------- Perfeição.
APRENDENDO A OUVIR COM MOZART
Uma das distinções entre um bom ouvinte e um ouvinte menos bom, é que para o iniciante, toda execução de, por exemplo, o concerto número 20 para piano de Mozart é válida. Um novato quando resolve conhecer esse concerto escolhe qualquer versão, pois ele pensa que todos seguem a mesma partitura e então tanto faz, o que importa é ser Mozart. Sim, my dear, todos usam a mesma partitura, mas assim como cada leitor lê Stendhal de um modo diferente, cada maestro e cada solista lê Mozart a seu modo. O Concerto 20 é desde 1988 minha peça favorita, não sei se ainda é, mas eu a amo e amarei para sempre, e já tendo a escutado mais de 80 vezes, acho que a conheço. Atè o ano passado eu tinha o LP de 1988, com a execução de Eugene List. Novato, eu imaginava ser a única possível, todas seriam iguais. Mas, neste momento de descobertas, compro o cd com a execução de Mitsuko Uchida, disco Philips dos anos 2000. CD bem vendido, Jeffrey Tate é o maestro. Imensa diferença! O andamento é mais rápido que o de List. É mais frio, mais clássico, List romantiza Mozart. Talvez a versão de Uchida seja mais fiel ao compositor. Então pego mais uma versão: Rudolf Serkin com a Orquestra de Londres sob Claudio Abbado. Pronto! Eis a melhor versão! Nem romatica e nem apressada, esta é técnica. Serkin toca melhor que List ou Uchida. O que seria tocar melhor? Ouço notas que os outros dois deixavam de lado. Ouço detalhes mais nítidos, ângulos que não se deixavam ouvir. Serkin tem o brilho que Uchida não tem e possui o rigor que List transforma em sentimento. Se voce, como eu, começa a entender algo da gravação de música clássica, compre pelo menos três versões de suas obras favoritas. Vale muito à pena. Só assim voce assimilará a música em suas várias facetas. Continuo amando as 3 versões, mas agora compreendo o que esse concerto pode ser.
A FLAUTA MÁGICA . MOZART E BERGMAN.
Nos anos 70 havia anúncio de cinema na TV. Na Globo. Lembro de ver, em 1976, este filme sendo anunciado. Parecia uma festa. Tinha algo de SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO. Não o vi na época. Vejo agora. É uma festa. É a ópera fantástica de Mozart. Há quem ache ser esta sua obra mais reveladora. Tem espírito da maçonaria. É infantil em seu aspecto mágico. E é a grande paixão de Bergman. Nos extras vemos Bergman ensaiando a obra. Ele está feliz. Ri muito. É Mozart. -------------------------------- O filme é 100% Bergman. Imensos closes nos rostos dos cantores. Pauline Kael disse que era a ópera mais íntima já feita. Ela se encantou com essa proximidade. Me encanto com a alegria dos atores-cantores. Dizem que as imagens eram suntuosas. Minha cópia não foi consertada. As cores estão esmaecidas. Pena. ---------------------------- Mesmo assim é um filme digno de Bergman. É medieval. É simbólico. E fala do medo, o sentimento mais forte do ser humano. Como em Fanny e Alexander, é uma folia feliz, mas com tons de pavor à espreita. Devo falar da música? Algumas canções são belas como...Mozart. ---------------------------- É uma obra doce. Mas que nunca nos deixa esquecer que todo doce acaba. É um sonho em meio a pesadelos. Mágico? Sim. Mozart tinha certeza que magia era cotidiana. Bergman amaria crer nela. ---------------------- O filme é uma esperança.
DON GIOVANNI, FILME DE JOSEPH LOSEY
Lembro de 1979, quando o Jornal da Tarde anunciou a estreia de 3 filmes baseados em óperas. Um era Carmen, dirigido por Francesco Rosi, havia algo de Zeffirelli e o melhor era este Don Giovanni. Mozart no cinema feito de um modo cinematográfico. Joseph Losey encenou a ópera como fosse um filme. Os cantores eram os atores, os cenários eram os lugares reais, travellings e cortes, ação e edição. Um imenso clip antes que o video clip houvesse sido batizado. Finalmente, em dezembro de 2020, assisto a obra. E assisto no momento certo, após ler Casanova, após entrar no clima de Don Giovanni. ----- Ele é Casanova de fato, e o vemos no seu apogeu, que é ao mesmo tempo, seu fim. Lá está Veneza. Lá estão as roupas de seu tempo. E lá está Mozart. O melhor foi reunido. Quem rege a orquestra é Lorin Mazeel. Os cantores são os mais amados de seu tempo. A direção de fotografia é de Gerry Fisher, o mesmo de Star Wars. Figurinos da melhor equipe. E na direção, Losey. Ele, o homem que fez O MENSAGEIRO, um de meus filmes favoritos de sempre, e que dirigiu vários filmes fortes entre 1954-1970. Losey tinha coragem, tinha bom gosto, tinha tino para o exato. ----- Nada supera a música de Mozart. Ela é viva. Vital. Mesmo quando canta a dor e a morte, ela é hino de amor à vida. O segredo de Mozart, um dos muitos, é seu amor por tudo que seja vivo. Sua alma esbanja luz, esbanja talento, esbanja alegria de viver. A música se expande. Envolve. O cinema é pequeno para Mozart. Lembro bem que uma das salas que exibiu o filme foi o Cine Paramount, na Brigadeiro Luis Antonio, e acho que essa sala, imensa, deve ter dado à quem lá o assistiu, uma bela ilusão. No acanhamento de meu quarto Mozart fica confinado. Quando o ouço em disco fecho os olhos e sonho com a galáxia. Vendo-o na tela de minha TV, ele se encolhe. Mas....é o que se tem. ------ Nunca nos últimos 300 anos foi tão necessário ter contato com os grandes. Encolheu nosso mundo. É preciso lembrar o quanto fomos ilimitados. Mozart é um dos seres sem fronteira. O filme, empresa arriscada, é digno de sua obra. A alegria de uma obra tão perfeita escapa pelas bordas da tela.
AMADEUS, FILME DE MILOS FORMAN REVISTO HOJE
Biografias...há alguma que faça justiça ao retratado? As melhores são aquelas que disistem de biografar e passam a criar algo novo a partir do biografado. Não sei se deu pra entender, mas é tipo Lawrence da Arábia: já que lendo seu imenso livro, OS SETE PILARES DA SABEDORIA, nada se descobre sobre ele, e T.E.Lawrence permanece inescrutável, então que se faça uma aventura a partir de Lawrence. Lean e Robert Bolt fizeram então um filme que USA Lawrence, mas que não o BIOGRAFA.
Peter Shaffer, autor da peça de sucesso e roteirista deste filme, faz o mesmo. Este filme não mostra de verdadeiro sobre Mozart. Mas homenageia o gênio da música. Nada aqui tem relação com sua vida. Salieri nunca foi um vilão, não tramou contra Amadeus e muito menos o matou. Mozart era feliz, tinha tara por traseiros femininos e adorava falar de fezes e gases. Nisso o filme chega perto, mas ele NÃO ERA um boboca com risos de tonto. Realmente Mozart não tinha o comportamento de um gênio, mas isso por um motivo muito simples: ninguém até sua época tinha. O perfil do gênio veio na geração seguinte à dele, com Byron, Goethe e Beethoven. Antes do tempo dos românticos, gênios como Rembrandt, Leonardo ou Bach eram como Mozart: artesãos preocupados com dinheiro. Produziam. Tinham plena conciência de sua superioridade, mas não carregava nas costas a maldição de ser um gênio, essa invenção egocêntrica de romanticos magoados com o mundo real. Mozart fazia música sabendo ser excelente no que fazia. Fora isso, jogava muito, bebia e era doido pelo traseiro de sua mulher. Suas crises com a nobreza eram as mesmas de qualquer um que deles dependesse.
Eu amei este filme quando o vi pela primeira vez, nos anos 80. O visual é magnífico. Hoje jamais fariam um filme com tanto luxo e tanto detalhe. Praga faz o papel de Vienna e é fotografada, por Miroslav Ondriceck, de modo sublime. Para completar, o foco do filme é a música, não há melhor, e ainda temos Twyla Tharp coreografando tudo. Perfeição. Como todo mundo na época, eu era um esteta e o filme foi um estouro de bilheteria. Todo mundo ia ver. Filas. Revi mais duas vezes: na TV nos anos 90 e em dvd já neste século. Sempre gostei. Ontem menos, bem menos.
Milos Forman, bom diretor, estraga o filme com sua mão pesada. Salieri demais, Deus demais, século XX demais, paralelos com o partido comunista da Tchekolovakia demais. Assisti pensando: chega de Amadeus como rock star! Chega de Salieri como Dracula! Chega dos reis como líderes do PC Tcheco! Onde está o século XVIII? Não está. Nem mesmo nas cenas de ópera que são coreografadas como shows da Broadway. Tudo seria válido se assumisse sua condição de diversão, de homenagem, de pastiche. Mas não. Forman SEMPRE faz filmes com mensagens. E lá vem mais uma cena pseudo séria com Salieri. Por fim, a cereja do carnaval: Mozart dita seu Requiem para Salieri.
Ama deu.
LITTLE DEUCE COUPE - ALL SUMMER LONG - THE BEACH BOYS
Muita gente gosta de dizer que ama Pet Sounds, mas esquece que Pet Sounds veio de algum lugar, e este lugar é aqui. CD único, com belo livreto, tem dois LPS da banda: Little deuce coupe é do fim de 1963 e All summer long de 1964. Em dois anos eles gravaram cinco LPS. E que maravilha eles são!
O tema de Little deuce coupe é a estrada, não a estrada como fuga, mas sim como lugar onde se pode correr com um carro. O amor de um jovem por seu carro, esse o tema de todas as canções. Brian Wilson começava a falar de si mesmo, abandonava a praia, lugar que nunca gostou, e passava a contar coisas sobre carros, um dos seus amores. O amor maior ainda era a música.
Brian Wilson foi o Mozart de sua geração, um gênio tolo, um gênio solar, um gênio feliz. Sim, feliz até o fim de 1964, hora em que ele encontra a marca de seu tempo, a droga e a paranoia. Brian bebeu na fonte de Chuck Berry, dos grupos vocais dos anos 50, em Burt Bacharach, e, incrível!, jamais se deixou pegar por Dylan. A música dos Beach Boys é música de anjos. Há uma delicadeza em cada nota, um encontro harmônico em cada arpejo, uma sinceridade barroca em toda canção de um minuto e meio.
Veja uma simplicidade como 409. As vozes soam como alegria otimista, são vozes de jovens confiantes, e a instrumentação, elétrica, tem uma leveza que combina com suas asas. As melodias nunca são o "yeah yeah yeah" direto e repetido dos Beatles, são voltas e aperfeiçoamentos que sobem até a beleza sublime. Não é rock. Os Beach Boys se deram mal a partir de 1966, também porque os hippies notaram que eles estavam muito mais para música popular americana que para rock'n'roll. Burt Bacharach, mas também Johnny Mandel, Gil Evans e Cole Porter.
Quando George Lucas lançou o sublime American Graffitti, encerrou o filme com All summer long. Ele sabia que ali estava o sonho. Tudo aquilo que um jovem queria ser em dois minutos de música e letra. All summer long é ainda melhor que Little deuce coupe, e seu tema é "o cotidiano de um beach boy". Como diz Scruton, escrever sobre música...como? Escrever sobre os Beach Boys, como?
Se os Beatles são potencialmente e de fato, a maior banda de rock do mundo, os Beach Boys são potencialmente e de fato, a maior banda de música do mundo. Melhor ouvir Little Honda. Um mundo de pequenos toques musicais na mais simples das formas.
Menos é mais. Brian sempre soube disso.
O tema de Little deuce coupe é a estrada, não a estrada como fuga, mas sim como lugar onde se pode correr com um carro. O amor de um jovem por seu carro, esse o tema de todas as canções. Brian Wilson começava a falar de si mesmo, abandonava a praia, lugar que nunca gostou, e passava a contar coisas sobre carros, um dos seus amores. O amor maior ainda era a música.
Brian Wilson foi o Mozart de sua geração, um gênio tolo, um gênio solar, um gênio feliz. Sim, feliz até o fim de 1964, hora em que ele encontra a marca de seu tempo, a droga e a paranoia. Brian bebeu na fonte de Chuck Berry, dos grupos vocais dos anos 50, em Burt Bacharach, e, incrível!, jamais se deixou pegar por Dylan. A música dos Beach Boys é música de anjos. Há uma delicadeza em cada nota, um encontro harmônico em cada arpejo, uma sinceridade barroca em toda canção de um minuto e meio.
Veja uma simplicidade como 409. As vozes soam como alegria otimista, são vozes de jovens confiantes, e a instrumentação, elétrica, tem uma leveza que combina com suas asas. As melodias nunca são o "yeah yeah yeah" direto e repetido dos Beatles, são voltas e aperfeiçoamentos que sobem até a beleza sublime. Não é rock. Os Beach Boys se deram mal a partir de 1966, também porque os hippies notaram que eles estavam muito mais para música popular americana que para rock'n'roll. Burt Bacharach, mas também Johnny Mandel, Gil Evans e Cole Porter.
Quando George Lucas lançou o sublime American Graffitti, encerrou o filme com All summer long. Ele sabia que ali estava o sonho. Tudo aquilo que um jovem queria ser em dois minutos de música e letra. All summer long é ainda melhor que Little deuce coupe, e seu tema é "o cotidiano de um beach boy". Como diz Scruton, escrever sobre música...como? Escrever sobre os Beach Boys, como?
Se os Beatles são potencialmente e de fato, a maior banda de rock do mundo, os Beach Boys são potencialmente e de fato, a maior banda de música do mundo. Melhor ouvir Little Honda. Um mundo de pequenos toques musicais na mais simples das formas.
Menos é mais. Brian sempre soube disso.
O PARAÍSO À PORTA ( ENSAIO SOBRE UMA ALEGRIA QUE DESCONCERTA ) - FABRICE HADJADJ
Fechado dentro de si mesmo, o homem procura em seu interior uma luz. Nesse processo de busca, ele vence o ego.
Adorando à Deus, o crente se ajoelha e em reza se isola do mundo.
Dizendo que caminhamos para o nada absoluto, o ateu se livra da responsabilidade perante o além. Sua personalidade, mutável, encara o nada como férias eternas. Esse seu desejo.
Frequentador de ONGS do bem, ele dá grandes contribuições para as crianças da Etiópia. Mas finge não perceber que sua mãe chora no quarto.
Temente à Deus, ela troca sua obediência por um bom lugar no Céu.
Hadjadj não poupa os crentes e os ateus, os agnósticos e os gnósticos, os new age e os budistas. Ele segue uma linha clara, nítida, mas não simples, ele fala do judaísmo e do cristianismo. Mas não do que sabemos, dessa simplificação abjeta, supermercado que vende a dor como se fosse o prazer. Ele mostra que na crença judaico-cristã, nasce, pela primeira vez, a aceitação do mundo real, do mundo como ele é. E mais ainda, nasce a aceitação do tempo linear, do começo, do meio e do fim.
Para os orientais, para os deuses do Olimpo, para os egípcios, zoroastristas e new ages de hoje, o tempo é cíclico. Tudo se repete, as coisas voltam em estações e o tempo linear é uma ilusão. ( New ages adoram pensar assim porque esse modo de ver a vida promete uma segunda chance em tudo ). Com os judeus o tempo começa a correr como o conhecemos. Há um começo do mundo e haverá um fim. As coisas nascem e morrem. E com Jesus Cristo se parte a linha em uma semi-reta, o tempo recomeça, não como ciclo, como nova vida.
Hadjadj diz que encontrar Deus é encontrar o outro. A iluminação se dá no amor ao vizinho, ao filho, ao desconhecido, à amada. Deus não está neles, mas eles são obras de Deus. Nossa religião, a do ocidente, nunca nega a materialidade e a verdade das coisas. Elas são reais. Uma montanha é uma montanha e um minuto é irrecuperável. Cada pessoa é única. Nunca houve e nem haverá um outro eu. E o paraíso está no presente, neste agora e neste aqui.
Não descreverei as longas histórias sobre a Bíblia e sobre a história. Leia o livro. Ele é maravilhoso. Hadjadj nunca se exibe. Ele escreve fácil e tem humor. Mas não vulgariza. O pensamento é exigente.
Belíssimo o retrato de Mozart que ele faz. A dificuldade que temos em aceitar arte feliz feita por um gênio que foi pessoa feliz. Hadjadj defende sua ideia: o mundo tem dor e tem feiúra, mas o fundo da vida é sempre belo e alegre. Não somos infelizes com momentos de alegria. Somos alegres que se deixam levar pelo orgulho, pela vaidade e pelo medo. A vida é inesgotável, é farta, borbulhante, infinita.
A ideia de vida eterna é amplamente discutida. Ele é radical: a vida é eterna e somos nós mesmos no além. Nada da perda de memória do oriente. Nada de reencarnar. Ele vê nessas crenças um modo comodista de adiar tudo e não fazer nada. E responde aos ateus: acreditar no nada nos livra de toda responsabilidade. Mais, sem Deus nos tornamos donos de nosso corpo e de nossa vida. Nada mais mimado que pensar assim. Para muitos, nada mais assustador que pensar que após a morte há uma continuação. Voce continua tendo de aturar voce-mesmo, sua esposa, seu pai, seus inimigos. No mundo que ama a extrema liberdade de escolha, o nada absoluto se afigura muito mais tranquilo que o Céu infinito.
Pois o Céu é uma atividade. Uma entrega ao movimento. Um descobrir sem fim. Um agora que se eterniza em usufruto e um aqui que se estende numa observação sem final. Podemos provar um pouco desse mel em nossos raros momentos de êxtase, em que sentimos nossa infinita alegria. A vida e o mundo como possibilidades que não param de se renovar.
Para Fabrice Hadjadj, todos somos filhos de Deus e portanto todos temos nosso começo Nele. Olhar para uma pessoa é olhar para esse começo. Amar uma pessoa é amar esse começo. Esse é o mistério.
( PS: Faz séculos que a Bíblia é lida, relida, interpretada e reinterpretada...lendo este livro começo a entender o porque...o assunto é eterno... )
Adorando à Deus, o crente se ajoelha e em reza se isola do mundo.
Dizendo que caminhamos para o nada absoluto, o ateu se livra da responsabilidade perante o além. Sua personalidade, mutável, encara o nada como férias eternas. Esse seu desejo.
Frequentador de ONGS do bem, ele dá grandes contribuições para as crianças da Etiópia. Mas finge não perceber que sua mãe chora no quarto.
Temente à Deus, ela troca sua obediência por um bom lugar no Céu.
Hadjadj não poupa os crentes e os ateus, os agnósticos e os gnósticos, os new age e os budistas. Ele segue uma linha clara, nítida, mas não simples, ele fala do judaísmo e do cristianismo. Mas não do que sabemos, dessa simplificação abjeta, supermercado que vende a dor como se fosse o prazer. Ele mostra que na crença judaico-cristã, nasce, pela primeira vez, a aceitação do mundo real, do mundo como ele é. E mais ainda, nasce a aceitação do tempo linear, do começo, do meio e do fim.
Para os orientais, para os deuses do Olimpo, para os egípcios, zoroastristas e new ages de hoje, o tempo é cíclico. Tudo se repete, as coisas voltam em estações e o tempo linear é uma ilusão. ( New ages adoram pensar assim porque esse modo de ver a vida promete uma segunda chance em tudo ). Com os judeus o tempo começa a correr como o conhecemos. Há um começo do mundo e haverá um fim. As coisas nascem e morrem. E com Jesus Cristo se parte a linha em uma semi-reta, o tempo recomeça, não como ciclo, como nova vida.
Hadjadj diz que encontrar Deus é encontrar o outro. A iluminação se dá no amor ao vizinho, ao filho, ao desconhecido, à amada. Deus não está neles, mas eles são obras de Deus. Nossa religião, a do ocidente, nunca nega a materialidade e a verdade das coisas. Elas são reais. Uma montanha é uma montanha e um minuto é irrecuperável. Cada pessoa é única. Nunca houve e nem haverá um outro eu. E o paraíso está no presente, neste agora e neste aqui.
Não descreverei as longas histórias sobre a Bíblia e sobre a história. Leia o livro. Ele é maravilhoso. Hadjadj nunca se exibe. Ele escreve fácil e tem humor. Mas não vulgariza. O pensamento é exigente.
Belíssimo o retrato de Mozart que ele faz. A dificuldade que temos em aceitar arte feliz feita por um gênio que foi pessoa feliz. Hadjadj defende sua ideia: o mundo tem dor e tem feiúra, mas o fundo da vida é sempre belo e alegre. Não somos infelizes com momentos de alegria. Somos alegres que se deixam levar pelo orgulho, pela vaidade e pelo medo. A vida é inesgotável, é farta, borbulhante, infinita.
A ideia de vida eterna é amplamente discutida. Ele é radical: a vida é eterna e somos nós mesmos no além. Nada da perda de memória do oriente. Nada de reencarnar. Ele vê nessas crenças um modo comodista de adiar tudo e não fazer nada. E responde aos ateus: acreditar no nada nos livra de toda responsabilidade. Mais, sem Deus nos tornamos donos de nosso corpo e de nossa vida. Nada mais mimado que pensar assim. Para muitos, nada mais assustador que pensar que após a morte há uma continuação. Voce continua tendo de aturar voce-mesmo, sua esposa, seu pai, seus inimigos. No mundo que ama a extrema liberdade de escolha, o nada absoluto se afigura muito mais tranquilo que o Céu infinito.
Pois o Céu é uma atividade. Uma entrega ao movimento. Um descobrir sem fim. Um agora que se eterniza em usufruto e um aqui que se estende numa observação sem final. Podemos provar um pouco desse mel em nossos raros momentos de êxtase, em que sentimos nossa infinita alegria. A vida e o mundo como possibilidades que não param de se renovar.
Para Fabrice Hadjadj, todos somos filhos de Deus e portanto todos temos nosso começo Nele. Olhar para uma pessoa é olhar para esse começo. Amar uma pessoa é amar esse começo. Esse é o mistério.
( PS: Faz séculos que a Bíblia é lida, relida, interpretada e reinterpretada...lendo este livro começo a entender o porque...o assunto é eterno... )
NONA SINFONIA, A OBRA PRIMA DE BEETHOVEN E O MUNDO NA ÉPOCA DE SUA CRIAÇÃO - HARVEY SACHS.
Este admirável livro começa pela biografia de Beethoven. Por ser conhecida por todos, é a parte menos fascinante. Muito melhor é quando o autor, Harvey Sachs, discorre sobre o ano de 1824, tema central deste pequeno livro de apenas 220 páginas.
Para o autor, o romantismo é uma reação para a decepção. O fim das guerras napoleônicas podem ter sido um alivio, mas trouxeram como consequência imediata, o começo de uma época de censura e de repressão. A alma artística, ansiando por liberdade, se refugia dentro de si mesma e cria o mundo romântico, mundo que dura até hoje.
1824 é o ano da estreia da Nona Sinfonia de Beethoven, em Viena, maio. Sachs analisa os grandes artistas em atividade plena durante esse ano: Stendhal, Byron, Delacroix, Schubert, Pushkin, Heinrich Heine. Claro que havia muito mais, Shelley, Balzac, Goethe, Leopardi eram dessa época, mas os artistas destacados são aqueles que em espírito têm mais afinidade com a Nona Sinfonia. Sachs mostra como e porquê.
Na terceira parte ele descreve em palavras, momento a momento da imensa sinfonia. Sachs sabe música, mas escreve para leigos, e assim, luta para descrever música em palavras e não em notas e harmonias. É fascinante e também insatisfatório.
Depois ele nos mostra as opiniões de Berlioz, Wagner, Verdi, Schumann e Donizetti sobre a Nona. E então vem a coda, o final do livro. Eu o recomendo como leitura ótima para quem começa a ouvir música séria.
Beethoven foi o primeiro artista, seja na música ou na literatura, a se ver como um homem que trabalha para o futuro. Nem Bach e nem Mozart escreviam para a posteridade. Bach dialogava com Deus, e pensava fazer música funcional, para a glória dos céus. Mozart sabia de seu valor, mas achava que sua arte seria descartada, esquecida. Nenhum deles sequer sonhava em ser lembrado vinte anos após sua morte, quanto mais dois séculos. Beethoven não. Ele ousou se considerar mais memorável que os reis de seu tempo. Foi o modelo e o inventor do que chamamos de gênio. ( Michelangelo sabia ser genial, mas o modo como ele se via era totalmente diferente do que hoje entendemos ser um gênio. O italiano estaria mais próximo do herói. Beethoven é o artista genial como hoje o entendemos ).
Vivemos agora, em 2017, um repúdio ao grande homem. A classe midiática luta contra aquele que se destaca. Ela defende a massa, o movimento de grupo, o modesto participante de um todo, o anônimo. Tudo tolice! O mundo sem grandes homens e grandes mulheres e grandes gays é um mundo a mercê do medíocre.
Para o autor, o romantismo é uma reação para a decepção. O fim das guerras napoleônicas podem ter sido um alivio, mas trouxeram como consequência imediata, o começo de uma época de censura e de repressão. A alma artística, ansiando por liberdade, se refugia dentro de si mesma e cria o mundo romântico, mundo que dura até hoje.
1824 é o ano da estreia da Nona Sinfonia de Beethoven, em Viena, maio. Sachs analisa os grandes artistas em atividade plena durante esse ano: Stendhal, Byron, Delacroix, Schubert, Pushkin, Heinrich Heine. Claro que havia muito mais, Shelley, Balzac, Goethe, Leopardi eram dessa época, mas os artistas destacados são aqueles que em espírito têm mais afinidade com a Nona Sinfonia. Sachs mostra como e porquê.
Na terceira parte ele descreve em palavras, momento a momento da imensa sinfonia. Sachs sabe música, mas escreve para leigos, e assim, luta para descrever música em palavras e não em notas e harmonias. É fascinante e também insatisfatório.
Depois ele nos mostra as opiniões de Berlioz, Wagner, Verdi, Schumann e Donizetti sobre a Nona. E então vem a coda, o final do livro. Eu o recomendo como leitura ótima para quem começa a ouvir música séria.
Beethoven foi o primeiro artista, seja na música ou na literatura, a se ver como um homem que trabalha para o futuro. Nem Bach e nem Mozart escreviam para a posteridade. Bach dialogava com Deus, e pensava fazer música funcional, para a glória dos céus. Mozart sabia de seu valor, mas achava que sua arte seria descartada, esquecida. Nenhum deles sequer sonhava em ser lembrado vinte anos após sua morte, quanto mais dois séculos. Beethoven não. Ele ousou se considerar mais memorável que os reis de seu tempo. Foi o modelo e o inventor do que chamamos de gênio. ( Michelangelo sabia ser genial, mas o modo como ele se via era totalmente diferente do que hoje entendemos ser um gênio. O italiano estaria mais próximo do herói. Beethoven é o artista genial como hoje o entendemos ).
Vivemos agora, em 2017, um repúdio ao grande homem. A classe midiática luta contra aquele que se destaca. Ela defende a massa, o movimento de grupo, o modesto participante de um todo, o anônimo. Tudo tolice! O mundo sem grandes homens e grandes mulheres e grandes gays é um mundo a mercê do medíocre.
3 MOMENTOS DA MÚSICA E DA MENTE.
Esta postagem é feita apenas de suposições. Li algumas coisas sobre música, conheço a história da ciência e da filosofia, mas não sei tocar instrumento algum. Pior, não leio música...
Me parece que podemos brincar e usar os 3 vídeos que postei abaixo para entender as mudanças de mentalidade que aconteceram no mundo ocidental nos últimos 250 anos. Meu professor de psicologia diz que o homem de 1800 nada tem a ver com o homem de 2017. Penso que ele usa esse pensamento para poder dizer que a religião é obsoleta. O que tenho certeza é que a mente racional muda, o costume muda, mas nossas necessidades vitais e nossos medos são os mesmos. Seja em 2020 seja em 200 AC.
Começo por Haydn, mas antes devo dizer que o século luminoso começa com Bach. Ele escreveu para a igreja luterana, para Deus, e se via como um simples funcionário. Mas Bach cria a afinação que conhecemos, inventa a arte da fuga e a harmonia moderna. Ele vivia como um homem do século XVII, mas sua arte, pura invenção, pura fórmula, é do século XVIII. E Haydn é, com Mozart e Haendel, o gênio do século.
Se eu tivesse que explicar a mente do século XVIII diria que é a inteligência racional à procura da beleza. E belo era aquilo que iluminava. Ou seja, é um tempo que ama a clareza. Podemos colocar aí o amor pelo espelho, o ouro, as fontes, os lagos, o sol e as cores claras. Mas devemos destacar acima de tudo a ARTE DA CONVERSA. Dizer com clareza aquilo que se pensa e expor com brilho o que se sente. É o tempo do nascimento do romance, é o tempo da luz. A música de Haydn é toda esse mundo. Ela é clara, leve, limpa, correta. Se desenvolve racionalmente, sem exagero na emoção, em busca da beleza. E a beleza se chama perfeição. A união da inspiração com a técnica.
Em fins do século, com Goethe, Napoleão e Beethoven, se anuncia a mudança. A beleza será sublime e o sublime significa o exagero. A emoção deve ser exagerada, amplificada, esticada e ampliada. A música se torna grande, oceânica, vasta. É tempo que ama a sombra, o inverno, a lua, o oceano e o veludo negro. A beleza se confunde com a expressão do coração. O compositor escreve para si mesmo. Seu desejo é mostrar sua alma ao mundo.
Coloco Schonberg como o homem do século XX. A beleza ainda existe, mas ela vem dentro da angústia. O belo agoniza no âmago da alma e a alma está dilacerada. A busca não é mais pelo belo, é pela verdade. A Verdade se torna o fetiche. O artista busca expressar a verdade total. E por não poder compreender a vida, expressa a incompreensão. A música se torna a busca de uma verdade final. Tudo é tentado porque essa verdade pode estar inclusive no ruído, ou no silêncio absoluto. É um tempo que pensa ser corajoso, verdadeiro, profundo. Mas talvez seja apenas assustado. Desamparado.
Me parece que podemos brincar e usar os 3 vídeos que postei abaixo para entender as mudanças de mentalidade que aconteceram no mundo ocidental nos últimos 250 anos. Meu professor de psicologia diz que o homem de 1800 nada tem a ver com o homem de 2017. Penso que ele usa esse pensamento para poder dizer que a religião é obsoleta. O que tenho certeza é que a mente racional muda, o costume muda, mas nossas necessidades vitais e nossos medos são os mesmos. Seja em 2020 seja em 200 AC.
Começo por Haydn, mas antes devo dizer que o século luminoso começa com Bach. Ele escreveu para a igreja luterana, para Deus, e se via como um simples funcionário. Mas Bach cria a afinação que conhecemos, inventa a arte da fuga e a harmonia moderna. Ele vivia como um homem do século XVII, mas sua arte, pura invenção, pura fórmula, é do século XVIII. E Haydn é, com Mozart e Haendel, o gênio do século.
Se eu tivesse que explicar a mente do século XVIII diria que é a inteligência racional à procura da beleza. E belo era aquilo que iluminava. Ou seja, é um tempo que ama a clareza. Podemos colocar aí o amor pelo espelho, o ouro, as fontes, os lagos, o sol e as cores claras. Mas devemos destacar acima de tudo a ARTE DA CONVERSA. Dizer com clareza aquilo que se pensa e expor com brilho o que se sente. É o tempo do nascimento do romance, é o tempo da luz. A música de Haydn é toda esse mundo. Ela é clara, leve, limpa, correta. Se desenvolve racionalmente, sem exagero na emoção, em busca da beleza. E a beleza se chama perfeição. A união da inspiração com a técnica.
Em fins do século, com Goethe, Napoleão e Beethoven, se anuncia a mudança. A beleza será sublime e o sublime significa o exagero. A emoção deve ser exagerada, amplificada, esticada e ampliada. A música se torna grande, oceânica, vasta. É tempo que ama a sombra, o inverno, a lua, o oceano e o veludo negro. A beleza se confunde com a expressão do coração. O compositor escreve para si mesmo. Seu desejo é mostrar sua alma ao mundo.
Coloco Schonberg como o homem do século XX. A beleza ainda existe, mas ela vem dentro da angústia. O belo agoniza no âmago da alma e a alma está dilacerada. A busca não é mais pelo belo, é pela verdade. A Verdade se torna o fetiche. O artista busca expressar a verdade total. E por não poder compreender a vida, expressa a incompreensão. A música se torna a busca de uma verdade final. Tudo é tentado porque essa verdade pode estar inclusive no ruído, ou no silêncio absoluto. É um tempo que pensa ser corajoso, verdadeiro, profundo. Mas talvez seja apenas assustado. Desamparado.
MOZART E O SEGREDO DA MÚSICA.
Quando Mozart compôs suas músicas ele não tinha em mente imagens como carruagens, perucas, espadas. Nem mesmo o teatro de Vienna ele tinha em mente. Wolfgang tinha em mente a música. Tão somente a escrita musical. E ao compor, ele pensava a música e a escrevia. Claro que sob algum sentimento, mas como todo gênio, ele transcendia esse sentimento ocasional, do momento, e compunha sua obra sob a emoção de sua vida. Não sob o fugaz, mas sob a vida em geral. Sua vida.
Por isso, quando voce ouve a Sinfonia Jupiter, se voce começa a pensar em teatros europeus, roupas com babados ou amor romântico, sinto dizer, voce não ouviu a música, voce a usou como fundo de suas imagens pré concebidas. Voce fez cliché.
Vamos falar de outro ponto. Se tudo o que existe é da natureza, então a música, assim como a matemática pura, são coisas naturais, fazem parte da evolução e da seleção natural. Possuem uma função para a manutenção da vida. Ok. Penso que uma canção pode atrair uma fêmea para a procriação. Estão aí o soul, o rock e o funk que provam isso. A valsa e certas canções ditas clássicas. Mas não vejo onde a Nona de Beethoven ou mesmo a Jupiter de Mozart entram nisso. Eles teriam mais fêmeas se compusessem chorosas canções de piano. Ou fáceis melodias ao violino. O mesmo com a matemática. Entender as leis do empuxo ou da gravidade nos fazem viver mais. Mas as abstrações de mundos múltiplos ou equações não verificáveis em nada garantem vida mais longa ou mais filhos fortes e espertos. Voltemos à música de Mozart.
Como bem sabe todo compositor de talento, música sem vocal é música e apenas música. "Apenas". E em minha modesta opinião de leigo, a música não faz parte da natureza. Ela vem de outro plano e voce pode dar a esse outro mundo o nome que preferir. Ao ouvir Mozart o que escutamos é o mistério da abstração pura. Não há nela nada de útil e nenhuma narrativa escondida. Não há uma filosofia, uma proposta. É música. E ela fala de música. E o que nos toca é essa abstração, o poder que ela tem de nos levar ao mundo onde ela vive.
Estamos perdendo esse dom. A música popular, que eu adoro, nos tornou ouvintes objetivos e realistas. Ouvimos e queremos encontrar uma história, o porque daqueles sons. Ansiamos pelos momentos sublimes, pelo refrão, pela mensagem. Não saímos do reino do romance, do livro, do personagem que nos conta alguma coisa. A música não é assim. Ela não tem o personagem. E nem uma história a contar. Ela é feita de momentos soltos que se harmonizam. E tem um tempo que ela mesma cria, o tempo de sua própria existência. Ao adentrarmos a Júpiter estamos entre notas, harmonias, cadências e acordes. E eles nada dizem, não são visíveis. São música.
Precisamos, eu preciso, reaprender a escutar a música. Dar tempo à música. Dar espaço interno à Mozart. Abstrair.
Por isso, quando voce ouve a Sinfonia Jupiter, se voce começa a pensar em teatros europeus, roupas com babados ou amor romântico, sinto dizer, voce não ouviu a música, voce a usou como fundo de suas imagens pré concebidas. Voce fez cliché.
Vamos falar de outro ponto. Se tudo o que existe é da natureza, então a música, assim como a matemática pura, são coisas naturais, fazem parte da evolução e da seleção natural. Possuem uma função para a manutenção da vida. Ok. Penso que uma canção pode atrair uma fêmea para a procriação. Estão aí o soul, o rock e o funk que provam isso. A valsa e certas canções ditas clássicas. Mas não vejo onde a Nona de Beethoven ou mesmo a Jupiter de Mozart entram nisso. Eles teriam mais fêmeas se compusessem chorosas canções de piano. Ou fáceis melodias ao violino. O mesmo com a matemática. Entender as leis do empuxo ou da gravidade nos fazem viver mais. Mas as abstrações de mundos múltiplos ou equações não verificáveis em nada garantem vida mais longa ou mais filhos fortes e espertos. Voltemos à música de Mozart.
Como bem sabe todo compositor de talento, música sem vocal é música e apenas música. "Apenas". E em minha modesta opinião de leigo, a música não faz parte da natureza. Ela vem de outro plano e voce pode dar a esse outro mundo o nome que preferir. Ao ouvir Mozart o que escutamos é o mistério da abstração pura. Não há nela nada de útil e nenhuma narrativa escondida. Não há uma filosofia, uma proposta. É música. E ela fala de música. E o que nos toca é essa abstração, o poder que ela tem de nos levar ao mundo onde ela vive.
Estamos perdendo esse dom. A música popular, que eu adoro, nos tornou ouvintes objetivos e realistas. Ouvimos e queremos encontrar uma história, o porque daqueles sons. Ansiamos pelos momentos sublimes, pelo refrão, pela mensagem. Não saímos do reino do romance, do livro, do personagem que nos conta alguma coisa. A música não é assim. Ela não tem o personagem. E nem uma história a contar. Ela é feita de momentos soltos que se harmonizam. E tem um tempo que ela mesma cria, o tempo de sua própria existência. Ao adentrarmos a Júpiter estamos entre notas, harmonias, cadências e acordes. E eles nada dizem, não são visíveis. São música.
Precisamos, eu preciso, reaprender a escutar a música. Dar tempo à música. Dar espaço interno à Mozart. Abstrair.
A TRILHA SONORA DA SUA VIDA.
Leio no Face e me permito não dizer quem escreveu isto: " Escutar tanto uma obra musical até a decorar. E assim, sem mais perceber, carregar essa obra dentro de si. Fazer com que ela seja então parte de sua alma. "
Bela frase e bela ideia. E verdade verdadeira.
Passo pela vida, como vocês, com melodias dos Stones, do Led ou do Elton John nos lábios. JJ Cale é minha trilha das ruas, The Band é o som da amizade e o Roxy Music dá o tom de todos os meus romances. Mas.....Não é disso que ele fala! Ele fala da música que se entranha dentro de voce e passa a ser o som do seu batimento cardíaco, a trilha sonora dos seus sonhos, a música que embala TODA A SUA VIDA. É o som que revela o seu EU mais profundo, secreto. Ele vive latente, pulsante todo o tempo, independente do que voce sente, vive ou pensa naquela momento. Está além da alegria ou da dor. É voce-mesmo. ( Self ).
O Concerto para piano número 20 de Mozart é minha alma em forma de som. E como creio que a alma é um som, ele é eu. Cada fragmento sonoro sou eu aos 12, 20, 30, 90 anos. E é eu depois de ido desta vida. Decorei todos os seus minutos, cada movimento. O movimento lento é como sinto e sei do amor. Os primeiro acordes, trágicos, são meus traços faciais e minhas rugas mentais. Está além de qualquer palavra. É alma.
O mesmo pode ser dito da Sinfonia Sexta de Beethoven. Não a carrego nos lábios. Nem mesmo na memória. Ela está em meus genes.
Termino com o resto da frase citada acima: " Decore sua sinfonia, sua peça musical. Ouça-a até que ela faça parte de voce. Deixe-a ser sua. Esse é um dos maiores tesouros da vida. Ela será sua identidade."
Bela frase e bela ideia. E verdade verdadeira.
Passo pela vida, como vocês, com melodias dos Stones, do Led ou do Elton John nos lábios. JJ Cale é minha trilha das ruas, The Band é o som da amizade e o Roxy Music dá o tom de todos os meus romances. Mas.....Não é disso que ele fala! Ele fala da música que se entranha dentro de voce e passa a ser o som do seu batimento cardíaco, a trilha sonora dos seus sonhos, a música que embala TODA A SUA VIDA. É o som que revela o seu EU mais profundo, secreto. Ele vive latente, pulsante todo o tempo, independente do que voce sente, vive ou pensa naquela momento. Está além da alegria ou da dor. É voce-mesmo. ( Self ).
O Concerto para piano número 20 de Mozart é minha alma em forma de som. E como creio que a alma é um som, ele é eu. Cada fragmento sonoro sou eu aos 12, 20, 30, 90 anos. E é eu depois de ido desta vida. Decorei todos os seus minutos, cada movimento. O movimento lento é como sinto e sei do amor. Os primeiro acordes, trágicos, são meus traços faciais e minhas rugas mentais. Está além de qualquer palavra. É alma.
O mesmo pode ser dito da Sinfonia Sexta de Beethoven. Não a carrego nos lábios. Nem mesmo na memória. Ela está em meus genes.
Termino com o resto da frase citada acima: " Decore sua sinfonia, sua peça musical. Ouça-a até que ela faça parte de voce. Deixe-a ser sua. Esse é um dos maiores tesouros da vida. Ela será sua identidade."
MOZART, BREVE BIOGRAFIA, PETER GAY
Uma breve biografia de Mozart escrita por um bom escritor. Ele evita todo romantismo. Mozart foi um gênio inexplicável. Peter Gay nunca tenta explicar a genialidade. Ela existe. É um dom. E por ser um dom é inexplicável. Mozart assim não é visto como vitima, como um infeliz e muito menos como uma criança grande. O filme famoso de Milos Forman é bonito mas falso. Salieri era quase amigo. Mozart sabia que era um gênio. Gastava demais em roupas, viagens e no jogo. Tinha crises de melancolia. Que logo eram superadas pelo trabalho. Adorava sexo. E não suportava gente pobre.
Mozart compunha aos 4 anos. Uma sinfonia aos 8. Uma ópera aos onze anos. Famoso quando criança, excursionava com o pai. Era recebido por reis. Quando a infância acabou, a fama se foi. Mas não a memória. Mozart sabia ser digno de reis. Mas a música em seu tempo ainda não comportava personalidades imensas como Wagner ou Beethoven. Ele era um serviçal. Como um preceptor ou um camareiro. Dependia de favores, de mesadas, do bom humor de um mecenas. Isso o exasperava.
O pai era seu rival. O pai queria obediência absoluta, Mozart o amava, mas o pai o oprimia. Essa a questão central de sua vida. Lidar com a inveja que o pai, músico, sentia do filho, genial.
Peter Gay diz que quando Mozart morreu, aos trinta e cinco, de febre reumática, foi lamentado. Haydn sabia reconhecer seu gênio, outros também. Em vida ele teve êxito, apenas menor que seu talento merecia. O século seguinte o valorizou e o século XX o consagrou.
Mozart é, com Bach e Beethoven, o supremo deus musical. Dos três é meu favorito. Descobri seu concerto para piano número vinte em 1988, e desde então considero esse o melhor trabalho musical da história. Seja sinfonia, jazz, música popular, rock, nada se compara aos trinta minutos desse concerto. Do primeiro acorde, grave, baixo, soturno, ao último, alto, alegre, vivo, tudo é um milagre de beleza.
Mozart é inexplicável? Mais que isso, inesgotável.
Mozart compunha aos 4 anos. Uma sinfonia aos 8. Uma ópera aos onze anos. Famoso quando criança, excursionava com o pai. Era recebido por reis. Quando a infância acabou, a fama se foi. Mas não a memória. Mozart sabia ser digno de reis. Mas a música em seu tempo ainda não comportava personalidades imensas como Wagner ou Beethoven. Ele era um serviçal. Como um preceptor ou um camareiro. Dependia de favores, de mesadas, do bom humor de um mecenas. Isso o exasperava.
O pai era seu rival. O pai queria obediência absoluta, Mozart o amava, mas o pai o oprimia. Essa a questão central de sua vida. Lidar com a inveja que o pai, músico, sentia do filho, genial.
Peter Gay diz que quando Mozart morreu, aos trinta e cinco, de febre reumática, foi lamentado. Haydn sabia reconhecer seu gênio, outros também. Em vida ele teve êxito, apenas menor que seu talento merecia. O século seguinte o valorizou e o século XX o consagrou.
Mozart é, com Bach e Beethoven, o supremo deus musical. Dos três é meu favorito. Descobri seu concerto para piano número vinte em 1988, e desde então considero esse o melhor trabalho musical da história. Seja sinfonia, jazz, música popular, rock, nada se compara aos trinta minutos desse concerto. Do primeiro acorde, grave, baixo, soturno, ao último, alto, alegre, vivo, tudo é um milagre de beleza.
Mozart é inexplicável? Mais que isso, inesgotável.
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