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TÔNIO KROEGER - THOMAS MANN
Thomas Mann era um poço de contradições. Frio e quente, piegas e impessoal, romântico e realista, um grande escritor e às vezes um verborrágico sem metro e gosto. Um esteta. Dizem que essa sua complexidade se devia a sua origem. Pai alemão, mãe latina, brasileira. Thomas jamais viveu no Brasil, mas nunca esqueceu seu sangue meio latino e meio nórdico. Prova disso é esta novela, Tonio Kroeger. Imperfeita, mas nem por isso menos bela. ( Eu ia dizer genial, mas nunca consigo usar essa palavra para Mann. Suas obras nunca alçam voo ). Tonio é um menino rico e introvertido. O vemos sofrendo por Hans, um amigo a quem ele ama mas que não o ama em igual intensidade. Já aí ouvimos Tonio dizer repetidas vezes que Hans é belo por ser loiro, já ele, filho de uma mãe linda, sensual, morena, "de país ao sul", sente-se sempre um estrangeiro. Depois o vemos aos 16 anos, numa aula de dança, onde apaixonado pela loura Inge, sofre um desastre humilhante por sua falta de jeito. Até aí temos um retrato preciso do adolescente desajustado. Ele é triste, porém, ao mesmo tempo feliz por sentir amor. Exatamente como eu fui. O que me incomodou, muito, nestes dois capítulos, foi a pieguice de Mann. Ele não consegue escapar do sentimento de ternura e de proteção pelo pobre Tonio. Depois o encontramos como adulto, escritor famoso, em conversa com uma amiga russa. Aí vemos aquilo que Tonio se tornou, um artista que apesar de dizer ter saudade da simplicidade, da vida simples do povo comum, é também um esnobe. Ele discursa para a amiga e seu esteticismo me irrita. Por fim, ele viaja à cidade onde nasceu, e aqui temos, finalmente, páginas profundamente humanas. Nada de especial acontece, mas os sentimentos de Tonio se tornam reais, profundos, e é então que percebo que Mann conseguiu. Ele nos faz conhecer o Tonio piegas, o Tonio romântico e o Tônio esnobe, para então nos mostrar o Tônio humano. No último capítulo, ele viaja à Dinamarca, e lá reencontra, por acaso, Hans e Inge em um baile. Se esconde deles, os espiona e então manda uma curta carta à sua amiga russa. Conclui que jamais terá lugar no mundo. Que o mundo da arte jamais fará sua felicidade e que o mundo de Hans e de Inge é o único feliz, mas não é dele. Tônio tentará ser simples, ser comum, se confundir com o mundo. Ser um homem. ---------------- Li todas as 80 páginas em um só fôlego. E ao final, sim, é belo. Sozinho, no quarto onde li, não posso deixar de murumurar comigo mesmo: Que Bonito isto! ---------- Não é pouco.
THOMAS MANN E A SEGUNDA-GUERRA.
Terrível os capítulos sobre a Segunda Guerra. Thomas Mann, exilado na Califórnia, escreve texto sobre texto, divulgando suas opiniões sobre a Alemanha. Para ele, a Alemanha não merece perdão. Ele sente nojo daquele povo que NADA FEZ para tirar Hitler do poder. E que agora, vencidos, dizem estar sendo vítimas da guerra...
Os alemães não expiaram culpa, não se desculparam, apenas gemiam de dor pelas bombas jogadas pelos aliados. Tentaram adquirir a pena do mundo. Tiveram um papel lamentável e vergonhoso, do começo ao fim. De repente, em 1945, nenhum alemão era nazista. De repente todos foram mártires dos tais nazistas. Mas o que Mann perguntava era: ONDE ELES ESTAVAM EM 1940... Por que não houve resistência por parte do povo germânico ( enorme interrogação ).
Poucos autores foram tão homenageados como Mann. Impressiona a quantidade de palestras, diplomas, festas, concertos em homenagem ao autor de A Montanha Mágica. E ele usou essa popularidade para abrir os olhos do mundo ao fato de que na Alemanha tudo sempre termina em tragédia e em dor.
Ainda ontem, conversando com um professor, notei como as pessoas não têm consciência disso. De que minha, sua, nossas gerações ainda pagam o preço pelo horrível mal feito por um palhaço como Hitler. A hegemonia dos EUA, a irrelevância da Europa, a criação de Israel, a corrida armamentista, a descrença radical no homem como ser bom e honrado, a predominância da ciência sobre todo conhecimento, a não fixação na terra, o espírito nômade, tudo está presente em nosso tédio, nosso medo, nossa falta de fé. E tudo isso nasceu no romantismo alemão, no modo alemão de ver a vida e de se relacionar com a Europa. No transcendentalismo alemão nasce a aversão ao mundo, o desejo de destruição da realidade. O fim da história e a recriação do mundo a imagem desse ideal.
E sobretudo, a vaidade presunçosa do alemão.
Mann podia dizer tudo isso porque ele era assim. Ele era vaidoso, frio, e na juventude achava o alemão o povo supremo, guia do futuro do mundo. Mas ele mudou na Primeira Guerra. Passou a aceitar a Europa ( menos a França ). Thomas Mann fez um movimento espiritual que a nação alemã não fez. Sentiu na carne o que significava ser alemão.
Esta biografia, longa, detalhista, escrita por Donald Prater, inglês, não esconde os muitos defeitos de Mann ( ele surge como um supremo antipático ). Foi duro ler este livro, como é duro ler Mann. Ele nos perturba. Toca os nervos.
Devemos sempre lembrar que em 1940 o inferno esteve aqui. E que por um triz este planeta não foi transformado numa fábrica de arianos, numa máquina de correção militar, num homogênea civilização uniforme. Thomas Mann antecipou isso em 15 anos. Previu essa dor. E entendeu que a vitória tinha de vir. Meia dúzia de ingleses salvaram a civilização humanista. Mas a herança da dor matou esse legado lentamente. É nosso dever lembrar sempre.
Os alemães não expiaram culpa, não se desculparam, apenas gemiam de dor pelas bombas jogadas pelos aliados. Tentaram adquirir a pena do mundo. Tiveram um papel lamentável e vergonhoso, do começo ao fim. De repente, em 1945, nenhum alemão era nazista. De repente todos foram mártires dos tais nazistas. Mas o que Mann perguntava era: ONDE ELES ESTAVAM EM 1940... Por que não houve resistência por parte do povo germânico ( enorme interrogação ).
Poucos autores foram tão homenageados como Mann. Impressiona a quantidade de palestras, diplomas, festas, concertos em homenagem ao autor de A Montanha Mágica. E ele usou essa popularidade para abrir os olhos do mundo ao fato de que na Alemanha tudo sempre termina em tragédia e em dor.
Ainda ontem, conversando com um professor, notei como as pessoas não têm consciência disso. De que minha, sua, nossas gerações ainda pagam o preço pelo horrível mal feito por um palhaço como Hitler. A hegemonia dos EUA, a irrelevância da Europa, a criação de Israel, a corrida armamentista, a descrença radical no homem como ser bom e honrado, a predominância da ciência sobre todo conhecimento, a não fixação na terra, o espírito nômade, tudo está presente em nosso tédio, nosso medo, nossa falta de fé. E tudo isso nasceu no romantismo alemão, no modo alemão de ver a vida e de se relacionar com a Europa. No transcendentalismo alemão nasce a aversão ao mundo, o desejo de destruição da realidade. O fim da história e a recriação do mundo a imagem desse ideal.
E sobretudo, a vaidade presunçosa do alemão.
Mann podia dizer tudo isso porque ele era assim. Ele era vaidoso, frio, e na juventude achava o alemão o povo supremo, guia do futuro do mundo. Mas ele mudou na Primeira Guerra. Passou a aceitar a Europa ( menos a França ). Thomas Mann fez um movimento espiritual que a nação alemã não fez. Sentiu na carne o que significava ser alemão.
Esta biografia, longa, detalhista, escrita por Donald Prater, inglês, não esconde os muitos defeitos de Mann ( ele surge como um supremo antipático ). Foi duro ler este livro, como é duro ler Mann. Ele nos perturba. Toca os nervos.
Devemos sempre lembrar que em 1940 o inferno esteve aqui. E que por um triz este planeta não foi transformado numa fábrica de arianos, numa máquina de correção militar, num homogênea civilização uniforme. Thomas Mann antecipou isso em 15 anos. Previu essa dor. E entendeu que a vitória tinha de vir. Meia dúzia de ingleses salvaram a civilização humanista. Mas a herança da dor matou esse legado lentamente. É nosso dever lembrar sempre.
THOMAS MANN
Thomas Mann mudava de ideia. No começo foi um aristocrata. Defendia a Alemanha e detestava a França. Para ele, ser alemão era amar um poder central e abominar a democracia. Mann via na influência francesa o mal do vulgar, do comum, do banal. Ele desejava a aproximação da Alemanha e da Russia. Era contra a Europa.
Depois Thomas reviu sua posição. Passou a aceitar o tempo da mudança e depois de 1918 começou lentamente a crer numa espécie de socialismo aristocrático. A Alemanha poderia ser europeia, desde que não fosse francesa. A Europa que ele aceitava era a eslava, aquela da Tchecoslováquia, da Hungria, e a Europa suíça e austríaca. Seu orgulho alemão ainda era exaltado.
Veio o nazismo e Mann cai na real. A Alemanha se torna o mal. A nação que abomina a civilização. A vida de Thomas Mann, aos 60 anos, se agiganta, ele finalmente sai de sua concha, se arrisca.
Se tivesse de definir Thomas Mann em uma palavra esta seria: vaidade. E se tivesse de usar uma segunda palavra seria egotismo. Ele não era mal, em sua vida nada há de destrutivo, mas sua visão ia apenas até o espelho. Ele era incapaz de perceber o outro. Cada ato de sua vida, que foi bem movimentada, tinha por foco apenas seu bem estar.
Nasceu em berço de ouro. Sua mãe era brasileira de Paraty. Julia Mann viveu aqui até os 11 anos. Foi uma dondoca de sociedade na Alemanha, em Lubeck. Thomas foi um jovem vaidoso e nada infeliz. Escrevia. E era homossexual. Conscientemente gay. Mas amava rapazes a distância. Nunca viveu sua homossexualidade em carne, mas a vivia em sentimento e assim se dizia feliz.
Casou e teve 6 filhos. Erika era uma atriz combativa, selvagem, lésbica. Vestia terno e se casou com o poeta gay Auden ( excelente poeta ), para poder ter a cidadania inglesa em 1935. Klaus era o filho favorito. Escritor, tentou ter o sucesso do pai. Viciado em morfina, homossexual promíscuo. Michael era violinista conhecido. Foi o único filho a brigar com o pai. Esses foram os filhos mais importantes.
Heinrich, irmão de Thomas, se tornou escritor oposto ao estilo barroco de Thomas. Escrevia rápido, falava abertamente de sexo, era hetero, politico, algo vulgar. Os dois nunca brigaram de fato, mas foi uma relação difícil. Heinrich Mann é o autor de O Anjo Azul.
Thomas Mann se tornou famoso logo com seu primeiro romance, Os Budenbrook. E desde então jamais teve dificuldades financeiras. Viveu sempre bem, com carros, empregados, viagens, férias. A Montanha Mágica virou sucesso europeu. Thomas cobrava caro por palestras, e os convites não paravam de chegar. Se quisesse ele ficaria rico só com suas aparições públicas. Sua vida teve muito do atual rock star. Excursões cercado de aplausos, fãs, puxa sacos, jornalistas, fotos.
Todos os seus grandes livros lhe tomaram anos de trabalho. Entre eles escrevia contos, novelas, artigos; trabalhos curtos para nunca sair da mente do povo. Incrível é saber que esses livros gigantescos, difíceis, áridos, vendiam tão bem. Thomas Mann, no tempo de Hitler, era o alemão mais famoso do mundo. E logo começou a fustigar o mais vil líder do mundo. Se exilou na Suíça e depois na Califórnia. Mann amava a Alemanha, mas graças ao nazismo, seu desgosto com o país foi profundo. Hitler destruiu toda a herança cultural alemã e Thomas viu nesse ato o fim irrevogável da Europa. O humanismo teria sido profanado. O mundo a partir daí seria anti-humano, negação de tudo que pudesse lembrar o homem de antes de 1930.
Thomas Mann não era fácil. Metódico, sempre vestido como um executivo, controlado, hipocondríaco, exigindo silêncio, querendo ser o centro do mundo, distraído, ávido por dinheiro, amante de adulação, se dando uma importância desmedida. Queria ser o Goethe dos novos tempos. E sabia que ninguém poderia ser mais oposto à Goethe que ele mesmo.
Depois Thomas reviu sua posição. Passou a aceitar o tempo da mudança e depois de 1918 começou lentamente a crer numa espécie de socialismo aristocrático. A Alemanha poderia ser europeia, desde que não fosse francesa. A Europa que ele aceitava era a eslava, aquela da Tchecoslováquia, da Hungria, e a Europa suíça e austríaca. Seu orgulho alemão ainda era exaltado.
Veio o nazismo e Mann cai na real. A Alemanha se torna o mal. A nação que abomina a civilização. A vida de Thomas Mann, aos 60 anos, se agiganta, ele finalmente sai de sua concha, se arrisca.
Se tivesse de definir Thomas Mann em uma palavra esta seria: vaidade. E se tivesse de usar uma segunda palavra seria egotismo. Ele não era mal, em sua vida nada há de destrutivo, mas sua visão ia apenas até o espelho. Ele era incapaz de perceber o outro. Cada ato de sua vida, que foi bem movimentada, tinha por foco apenas seu bem estar.
Nasceu em berço de ouro. Sua mãe era brasileira de Paraty. Julia Mann viveu aqui até os 11 anos. Foi uma dondoca de sociedade na Alemanha, em Lubeck. Thomas foi um jovem vaidoso e nada infeliz. Escrevia. E era homossexual. Conscientemente gay. Mas amava rapazes a distância. Nunca viveu sua homossexualidade em carne, mas a vivia em sentimento e assim se dizia feliz.
Casou e teve 6 filhos. Erika era uma atriz combativa, selvagem, lésbica. Vestia terno e se casou com o poeta gay Auden ( excelente poeta ), para poder ter a cidadania inglesa em 1935. Klaus era o filho favorito. Escritor, tentou ter o sucesso do pai. Viciado em morfina, homossexual promíscuo. Michael era violinista conhecido. Foi o único filho a brigar com o pai. Esses foram os filhos mais importantes.
Heinrich, irmão de Thomas, se tornou escritor oposto ao estilo barroco de Thomas. Escrevia rápido, falava abertamente de sexo, era hetero, politico, algo vulgar. Os dois nunca brigaram de fato, mas foi uma relação difícil. Heinrich Mann é o autor de O Anjo Azul.
Thomas Mann se tornou famoso logo com seu primeiro romance, Os Budenbrook. E desde então jamais teve dificuldades financeiras. Viveu sempre bem, com carros, empregados, viagens, férias. A Montanha Mágica virou sucesso europeu. Thomas cobrava caro por palestras, e os convites não paravam de chegar. Se quisesse ele ficaria rico só com suas aparições públicas. Sua vida teve muito do atual rock star. Excursões cercado de aplausos, fãs, puxa sacos, jornalistas, fotos.
Todos os seus grandes livros lhe tomaram anos de trabalho. Entre eles escrevia contos, novelas, artigos; trabalhos curtos para nunca sair da mente do povo. Incrível é saber que esses livros gigantescos, difíceis, áridos, vendiam tão bem. Thomas Mann, no tempo de Hitler, era o alemão mais famoso do mundo. E logo começou a fustigar o mais vil líder do mundo. Se exilou na Suíça e depois na Califórnia. Mann amava a Alemanha, mas graças ao nazismo, seu desgosto com o país foi profundo. Hitler destruiu toda a herança cultural alemã e Thomas viu nesse ato o fim irrevogável da Europa. O humanismo teria sido profanado. O mundo a partir daí seria anti-humano, negação de tudo que pudesse lembrar o homem de antes de 1930.
Thomas Mann não era fácil. Metódico, sempre vestido como um executivo, controlado, hipocondríaco, exigindo silêncio, querendo ser o centro do mundo, distraído, ávido por dinheiro, amante de adulação, se dando uma importância desmedida. Queria ser o Goethe dos novos tempos. E sabia que ninguém poderia ser mais oposto à Goethe que ele mesmo.
O MUNDO E SEUS HERÓIS, ULYSSES BY JAMES JOYCE. ( O BRASIL TEM ALGUM MITO )
Todas as histórias do ocidente começam em Homero. A Ilíada é fonte de nossas sagas de guerra, vingança e destruição; a Odisseia a raiz de todas as narrativas de viagens, descobertas, e principalmente do retorno. Em Homero está tudo aquilo que nos foi dado como o Herói.
Povos refizeram a seu modo essas histórias. E se identificaram como pertencentes ao mesmo lugar através desses novos heróis. A Inglaterra em Arthur, a França em Carlos Magno, a Alemanha com Siegrified, Portugal em Sebastião e depois os Lusíadas. A Espanha em El Cid e depois em Quixote. A Itália em Julio César e Roma e depois em Petrarca e Dante.
Novas sagas foram criadas. Há quem diga que a França de hoje nada mais tem de Carlos Magno, que o mito franco hoje se revela em Montaigne. Mas a função da saga de Carlos Magno já está absorvida, ela construiu a união francesa. Que perdura.
Essas histórias entram em choque. Na Espanha os catalães se percebem muito mais nos poetas dos anos 1.200 que em Quixote. Italianos do sul não se enxergam em Petrarca ou Dante.
Na América existiam as sagas de seus povos nativos. Que morreram e morrem com eles. As novas nações foram criadoras de novas sagas. Os EUA criaram Moby Dick, Huck Finn e todo o mito do oeste. E como na Europa, a fonte de tudo isso está no Homero grego. O México tenta, desde sempre, ressuscitar os mitos de seus povos primeiros, os Astecas. Na Argentina temos Martin Fierro como sua Odisseia. E no Brasil ainda esperamos nossa saga heroica.
A primeira tentativa foi vestir índios em trajes gregos. Iracema e Ubirajara. Não deu certo. E continua não dando. Várias tentativas foram feitas de criar nossa saga nacional: bandeirantes, chefes índios, até o esculacho de Macunaíma. A TV pegou esse vácuo e a Globo por uma década tentou unir nossa raça variada em um ciclo de histórias: Gabriela, Tieta, O Bem Amado. Seria essa a nossa saga: a do malandro baiano. Desmoronou quando o malandro baiano se revelou uma mentira além de toda mentira. Um boneco de papel. Um herói sem heroísmo. Veio o ciclo Rei do Gado, e esse era tão oco e falso que não causou nem marola.
Não temos heróis. O maior escritor nacional odiava heróis.
Ulysses de James Joyce cria o heróis possível ao século XX. O homem comum. Um trabalhador de Dublin, que como o Ulysses grego, vive uma saga. A saga de ter de viver um dia em sua vida. A imensa dificuldade que é existir em meio á tantas vozes, apelos, desejos, sentimentos, memórias e fragmentos que se embaralham dentro e fora de sua mente. Ele anda e passa por enterro, bordel, redação de jornal, ruas e mais ruas, bares, a casa, e principalmente ele passa por sua mente, imensa como um mar. Navega. Joyce dedica essa saga irônica não à Irlanda, mas ao ocidente. A Irlanda sempre teve um excesso de narrativas, de Cuchulain, St. Patrick, Elfos, e reside aí sua excelência em imaginação. A ambição de Joyce era maior, ele queria mostrar que todos nós somos Ulysses. Perdidos no Mediterrâneo em busca da volta ao lar.
James Joyce, todos sabem, falhou. O mito do século XX é alguma coisa entre Clark Kent e um astronauta. Um cowboy e John Kennedy. O grande cientista e Don Corleone. Joyce errou, nenhum desses mitos é um homem comum. Eles todos tentam parecer o Zé Ninguém, o cara como nós todos, mas não são. Todos são excepcionais.
Mas o livro de Joyce é em si um mito. O símbolo dos livros ambiciosos, dos livros ilegíveis, dos livros super valorizados, o livro que as pessoas amam e odeiam sem nunca ter lido. E que eu li e senti: ora, é apenas mais um grande livro! Proust é melhor, Henry James mais profundo, Thomas Mann mais ambicioso, Eliot muito mais metido e vários poetas são bem mais complicados.
Ulysses é lindo, divertido e rico. Joyce errou. Mas enquanto escrevia esse erro...foi um herói.
Povos refizeram a seu modo essas histórias. E se identificaram como pertencentes ao mesmo lugar através desses novos heróis. A Inglaterra em Arthur, a França em Carlos Magno, a Alemanha com Siegrified, Portugal em Sebastião e depois os Lusíadas. A Espanha em El Cid e depois em Quixote. A Itália em Julio César e Roma e depois em Petrarca e Dante.
Novas sagas foram criadas. Há quem diga que a França de hoje nada mais tem de Carlos Magno, que o mito franco hoje se revela em Montaigne. Mas a função da saga de Carlos Magno já está absorvida, ela construiu a união francesa. Que perdura.
Essas histórias entram em choque. Na Espanha os catalães se percebem muito mais nos poetas dos anos 1.200 que em Quixote. Italianos do sul não se enxergam em Petrarca ou Dante.
Na América existiam as sagas de seus povos nativos. Que morreram e morrem com eles. As novas nações foram criadoras de novas sagas. Os EUA criaram Moby Dick, Huck Finn e todo o mito do oeste. E como na Europa, a fonte de tudo isso está no Homero grego. O México tenta, desde sempre, ressuscitar os mitos de seus povos primeiros, os Astecas. Na Argentina temos Martin Fierro como sua Odisseia. E no Brasil ainda esperamos nossa saga heroica.
A primeira tentativa foi vestir índios em trajes gregos. Iracema e Ubirajara. Não deu certo. E continua não dando. Várias tentativas foram feitas de criar nossa saga nacional: bandeirantes, chefes índios, até o esculacho de Macunaíma. A TV pegou esse vácuo e a Globo por uma década tentou unir nossa raça variada em um ciclo de histórias: Gabriela, Tieta, O Bem Amado. Seria essa a nossa saga: a do malandro baiano. Desmoronou quando o malandro baiano se revelou uma mentira além de toda mentira. Um boneco de papel. Um herói sem heroísmo. Veio o ciclo Rei do Gado, e esse era tão oco e falso que não causou nem marola.
Não temos heróis. O maior escritor nacional odiava heróis.
Ulysses de James Joyce cria o heróis possível ao século XX. O homem comum. Um trabalhador de Dublin, que como o Ulysses grego, vive uma saga. A saga de ter de viver um dia em sua vida. A imensa dificuldade que é existir em meio á tantas vozes, apelos, desejos, sentimentos, memórias e fragmentos que se embaralham dentro e fora de sua mente. Ele anda e passa por enterro, bordel, redação de jornal, ruas e mais ruas, bares, a casa, e principalmente ele passa por sua mente, imensa como um mar. Navega. Joyce dedica essa saga irônica não à Irlanda, mas ao ocidente. A Irlanda sempre teve um excesso de narrativas, de Cuchulain, St. Patrick, Elfos, e reside aí sua excelência em imaginação. A ambição de Joyce era maior, ele queria mostrar que todos nós somos Ulysses. Perdidos no Mediterrâneo em busca da volta ao lar.
James Joyce, todos sabem, falhou. O mito do século XX é alguma coisa entre Clark Kent e um astronauta. Um cowboy e John Kennedy. O grande cientista e Don Corleone. Joyce errou, nenhum desses mitos é um homem comum. Eles todos tentam parecer o Zé Ninguém, o cara como nós todos, mas não são. Todos são excepcionais.
Mas o livro de Joyce é em si um mito. O símbolo dos livros ambiciosos, dos livros ilegíveis, dos livros super valorizados, o livro que as pessoas amam e odeiam sem nunca ter lido. E que eu li e senti: ora, é apenas mais um grande livro! Proust é melhor, Henry James mais profundo, Thomas Mann mais ambicioso, Eliot muito mais metido e vários poetas são bem mais complicados.
Ulysses é lindo, divertido e rico. Joyce errou. Mas enquanto escrevia esse erro...foi um herói.
A MONTANHA MÁGICA- THOMAS MANN
Hans Castorp. Esse nome será sempre especial para voce após ler as 900 páginas desta obra-prima de Thomas Mann. Hans é um jovem, mimado, que por volta de 1910 vai visitar seu primo, Joachim, numa clínica nos Alpes da Suiça. O primo, que deseja ser militar, se recupera de uma tuberculose. Lá, Hans conhece os vários doentes, participa da rotina do lugar e acaba por se apaixonar por uma russa, Clawdia. Estranho é que Hans acaba por desejar ser um doente, vê na doença uma condição "superior", especial. E adoece. A febre surge e nesse estado constante, acompanhamos seu desenvolvimento como homem.
O enredo é apenas esse. E Mann corre todos os riscos. Ele repete a rotina da clínica, descreve detalhadamente a doença de Hans e de todos os outros. Assistimos as mortes, várias, a dor, a sujeira e a calma aceitação de todos os doentes de sua condição fatal. Menos de um, o italiano rebelde Settembrini, que é a ovelha negra dentre os doentes.
O livro nos deprime. Mas ao mesmo tempo nos hipnotiza. Queremos acompanhar o que lá acontece. Queremos acompanhar porque Mann consegue criar gente de verdade. Todos os doentes, e são vários e variados, são vivos, interessantes, pulsam. E Hans, que muitas vezes nos irrita, principalmente em seu amor tolo por Clawdia, cresce lentamente, de erro em erro. Sua primeira conclusão é terrível ! Analisando a vida em termos quimicos ele chega a conclusão de que a vida nada mais é que a doença da matéria morta. A condição normal da matéria seria a não-vida, e o milagre da vida é como uma febre que ataca o não-animado. Vida é convulsão, estado doentio, a realidade é a rocha, a estrela explodindo, o espaço morto.
Febre. Toda a visão de Hans é febril. Na febre constante tudo se excita. Ele pensa e sente nesses constantes 38 graus. E acha que a vida verdadeira só pode existir nesse estado febril. Fora da febre, fora da doença só há a ilusão da saúde.
O livro foi escrito entre as duas grandes guerras. A clínica é uma imagem da Europa que fez a primeira guerra ( assim como ele escreveria bem mais tarde Dr Fausto, uma saga sobre a mente que produziu a segunda guerra ). Todos na clínica aceitam tudo, são passivos em seu tratamento, e doentes, se acham superiores. Desprezam a vida. Desprezam a saúde. Se distraem em longos jantares, em jogos rotineiros, fofocas e risos bobos. Caminham alegremente para a morte. São comidos vivos pela tuberculose. E Thomas Mann descreve tudo com detalhes escatológicos.
O livro deixa febril quem o lê. Fiquei perturbado em sua leitura. Mudou meus dias, me tocou fundo, me fez sofrer. E mesmo assim foi um estranho prazer. É um dos cinco grandes livros do século XX. E o fato de ser um livro tão cruel diz muito sobre o que foi esse século.
O enredo é apenas esse. E Mann corre todos os riscos. Ele repete a rotina da clínica, descreve detalhadamente a doença de Hans e de todos os outros. Assistimos as mortes, várias, a dor, a sujeira e a calma aceitação de todos os doentes de sua condição fatal. Menos de um, o italiano rebelde Settembrini, que é a ovelha negra dentre os doentes.
O livro nos deprime. Mas ao mesmo tempo nos hipnotiza. Queremos acompanhar o que lá acontece. Queremos acompanhar porque Mann consegue criar gente de verdade. Todos os doentes, e são vários e variados, são vivos, interessantes, pulsam. E Hans, que muitas vezes nos irrita, principalmente em seu amor tolo por Clawdia, cresce lentamente, de erro em erro. Sua primeira conclusão é terrível ! Analisando a vida em termos quimicos ele chega a conclusão de que a vida nada mais é que a doença da matéria morta. A condição normal da matéria seria a não-vida, e o milagre da vida é como uma febre que ataca o não-animado. Vida é convulsão, estado doentio, a realidade é a rocha, a estrela explodindo, o espaço morto.
Febre. Toda a visão de Hans é febril. Na febre constante tudo se excita. Ele pensa e sente nesses constantes 38 graus. E acha que a vida verdadeira só pode existir nesse estado febril. Fora da febre, fora da doença só há a ilusão da saúde.
O livro foi escrito entre as duas grandes guerras. A clínica é uma imagem da Europa que fez a primeira guerra ( assim como ele escreveria bem mais tarde Dr Fausto, uma saga sobre a mente que produziu a segunda guerra ). Todos na clínica aceitam tudo, são passivos em seu tratamento, e doentes, se acham superiores. Desprezam a vida. Desprezam a saúde. Se distraem em longos jantares, em jogos rotineiros, fofocas e risos bobos. Caminham alegremente para a morte. São comidos vivos pela tuberculose. E Thomas Mann descreve tudo com detalhes escatológicos.
O livro deixa febril quem o lê. Fiquei perturbado em sua leitura. Mudou meus dias, me tocou fundo, me fez sofrer. E mesmo assim foi um estranho prazer. É um dos cinco grandes livros do século XX. E o fato de ser um livro tão cruel diz muito sobre o que foi esse século.
ELEGIAS DE FRIEDRICH HOLDERLIN, ALEMANHA, FRANÇA E INGLATERRA
È perigoso ler Holderlin. Ele nos carrega de volta pra Terra. Suavemente. Seus versos fazem esse trabalho por prazer. A Terra surge em sua obra como a Deusa que sempre tem sido e que insistimos em negar. Holderlin refaz o laço de vida. Ele via. Para nosso mundo, ele via demais pois via além.
Holderlin, Hegel e Schelling foram amigos de escola. Adultos foram os teóricos do romantismo. Cada um a seu modo. Holderlin seguiu ao campo e lá encontrou seus deuses. Ele não usava deuses, ele não acreditava em deuses, ele não se inspirava nesses deuses. Ele os via. Holderlin via a Grécia clássica na Alemanha. Stuttgart era Atenas. O Olimpo fora banido da Grécia, por ingratidão, e agora Zeus era alemão.
Essa a maldição do poeta. Os nazistas usaram Holderlin para dar aval a Alemanha Império do Mundo. Crianças decoravam trechos de seus poemas nas escolas. Ele era citado por Goebbels. Trechos, porque se o divulgassem por inteiro veriam que seu germanismo era bárbaro, individualista e libertário. Nietzsche que era fã de Holderlin sofreu o mesmo destino. Mal lido e mal usado pelos nazis.
O panteísmo de Nietzsche é influência de Holderlin. Os deuse vivem na vida. A vida é Zeus, é Afrodite e é Atena. E o sol, o vinho e a mata é vida.
Triste coincidência! Como Holderlin, Nietzsche também terminou sua vida louco. Não há como saber que tipo de doideira tinha Holderlin. Talvez hoje ele não fosse considerado um louco. Ou sim. Essa loucura foi outra maldição de Holderlin. Após sua morte sua obra passou a ser evitada. Era como se a super racional Europa de 1860 não pudesse suportar a lembrança de Holderlin. Assim como essa mesma Europa pensa nos deuses como apenas estátuas quebradas, ou personagens de HQ. Holderlin, e Nietzsche viam algo mais, recordavam e sentiam. Eles estão ao redor.
No começo do século XX reabilitaram Holderlin e hoje ele é o segundo grande nome da poesia em alemão. No país que tem Schiller, Heine e Rilke, Holderlin só perde para Goethe. Se Goethe incomoda a Alemanha por lembrar aquilo que poderia ter sido e nunca foi, Holderlin incomoda por sua alegria petulante e sua confiança desafiadora.
Sua voz á alta e seu tom é sempre o do caminhante. Ele não prega, ele nunca nos convida a ir junto, ele vai só. Com os deuses e com sua alma.
Pessoas mal informadas tendem a pensar que a França é romântica e que a Alemanha seja a terra da razão. Pois bem! Tudo na França é razão, começando por sua gramática. A França é marcada por Descartes, pelo jansenismo e logo pelo positivismo. Pensadores franceses pensam em termos de ação, de compromisso politico. Não a Alemanha. Com Lutero a nação se volta para um tipo de religião particular: todos podem falar com Deus e cada casa é uma igreja. Assim como Holderlin fala com Apolo ou com Dionisio, Mann irá atrás da beleza platônica, Hesse atrás de Buda e Freud procurará os fantasmas que vivem invisíveis na mente. Seja expressionismo ou romantismo, a arte alemã está sempre procurando o oculto, o segredo, aquilo que ninguém quer ver. Bruxas, vampiros, deuses ou medos, alemães não se contentam com o comum ou o óbvio. Em oposição aos franceses, que só querem perceber o que pode ser medido, ou dos ingleses, que só dão valor ao util, os alemães cultuam símbolos, traços secretos de passados ainda vivos. Anjos de Rilke ou demônios nazistas, tudo é bruma.
Esse o universo de Holderlin.
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