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La femme du boulanger - Maillefer a quelque chose à dire

A MULHER DO PADEIRO, FILME DE MARCEL PAGNOL E O ROMANCE DE UM TRAPACEIRO, DE SACHA GUITRY. UM TEMPO IRRECUPERÁVEL.

Houve um tempo, 2002, 2010... em que podíamos assistir toda a história do cinema em casa. Os DVDs estavam lançando sem parar filmes que eram impossíveis de se assistir até então. Mais fantástico, podíamos ser "donos" de um filme. A obra era nossa, tínhamos parte dela. Colecionamos. Hoje, além da absurda moda de se dublar tudo, os serviços digitais nos apresentam um cardápio miserável. Somente o óbvio. É como se toda a literatura mundial fosse reduzida a Tolstoi, Dostoievski e Shakespeare. E mesmo assim, apenas com quatro ou cinco obras de cada um. A hsitória do cinema, que renascera no começo deste século, foi encerrada por volta de 2015. Quem comprou, comprou. Quem viu, viu. Não verá nunca mais. ----------------- Houve um tempo em que a Provence não era um playground de turistas que querem sentir o gosto da "França real". A região era pobre, os parisienses a odiavam, e a língua lá falada era um francês com um sotaque quase incompreensível. A França oficial, chique, ficava entre Paris e Lyon, Bordeaux e Biarritz. Todo o sul era terra esquecida. Pedregosa, cheia de ventos terríveis: O Mistral, lugar de gente atrasada e tosca. Estes dois filmes mostram essa Provence antiga. Peter Mayle em seus deliciosos livros tenta nos fazer crer que ela ainda existe. Não existe não. Ela morreu junto com cigarros fedorentos e o Pernod com água da fonte. Marcel Pagnol e Jean Giono são dois dos escritores centrais da Provence. Pagnol, além de fazer livros e peças, dirigia filmes. São obras que hoje parecerão pré históricas. Ele pouco se importa com edição, ritmo, suspense, são histórias contadas ao ritmo de uma conversa preguiçosa em um bar de Marselha. Pauline Kael dizia que em A MULHER DO PADEIRO, o ator Raimu, um mito para os franceses, tinha talvez a maior atuação masculina da hsitória do cinema. Em qualquer língua. Gordo, meio bronco, sujo, ele faz o papel de um novo padeiro, que chega à uma vila. Seus pães são maravilhosos e as pessoas logo ficam encantadas. Mas, sua jovem esposa foge com um pastor de cabras e o padeiro para de fazer pães. A vila se organiza e traz a mulher de volta. É só isso. Mas que filme vasto!!!!!! O foco de Pagnol, que além de dirigir o escreveu com Jean Giono, é o povo. O filme é um desfile de tipos inesquecíveis e, creiam, muito reais! Minha origem é parecida com a do filme e aquela gente existia até mais ou menos 1950. Temos o "marquês", o homem rico do lugar, velho elegante de fala culta, que vive com 3 "sobrinhas". O padre, um chato jovem e vaidoso que discute com o professor, um janota ateu. Há ainda o baixinho fofoqueiro, o gordão bêbado e briguento, a velha virgem, o pescador que só fala se o deixam falar à vontade ( meu pai era assim, só se animava a falar se pudesse falar meia hora sem interrupção ). Mais que "tipos", essas pessoas, todas reais, críveis, são fosseis de um tempo que a quem tem menos de 30 anos parecerá incompreensível. Mas falemos de Raimu...o filme é inteiro dele e focado nele. O sofrimento, patético, de seus "cornos" são de uma maestria sem paralelo. Ele "sola", é como um piano cercado por orquestra, tem falas laonguíssimas, sem cortes, varia do "ela foi apenas visitar a mãe", até o " eu quero morrer", jamais parecendo caricato. O padeiro é ingênuo, ridículo, e quando perdoa sua esposa, que retorna capturada pela vila, não há como não sentirmos piedade por uma pessoa tão desprotegida. Percebemos que eles, o padeiro e sua esposa, jamais fizeram sexo, apesar de casados, e o filme, ele é bastante picante, tem falas de duplo sentido o tempo todo, mostra que a esposa, sensual, teve dias de intenso sexo com o pastor ( um tipo espanhol: rude e apaixonado ). Pois o padeiro a aceita como se nada tivesse ocorrido e assim a vida continua. Para quem, quase todos nós, já foi abandonado, é um dos momentos mais pungentes do cinema. É um filme que nos acompanha. Pra sempre. ----------------------- Já o ROMANCE DO TRAPACEIRO é dirigido, escrito e estrelado por Sacha Guitry. Quem? Sacha Guitry foi, até mais ou menos 1960, um dos franceses mais famosos do mundo. Homem multi midia, ele estava presente em todo canto da vida da nação. Sempre fino, elegante, malicioso, ele era chamado de a versão francesa pop de Noel Coward. Bobagem! Sacha era ele mesmo! O começo deste filme, os primeiros dez minutos, é das coisas mais deliciosas já filmadas. Mas atenção! Assim como Pagnol, Guitry faz um tipo de filme que é só dele. A hsitória não tem diálogos, a história da vida do narrador é toda narrada pelo homem de 54 anos, Guitry, que a escreve. Voce passará hora e meia ouvindo a voz de Sacha Guitry narrando a ação que acontece na tela. E que ação!!!! Há desde um quase atentado político à romance cínico, roubos e Monte Carlo, Paris e a Provence. O filme é sofisticado, chique, leve, muito bem humorado, exatamente a cara de Guitry. Mas não é para todos! Se voce estiver embrutecido por nossos costumes apressados e objetivos ao extremos, não suportará as firulas e a vaidade deste malandro boa gente. Mais que cinema, aqui temos literatura com ação. Escrevendo isto ainda ouço a voz de Guitry e isso é bastante agradável. Eu daria um braço para escrever e falar daquele modo. -------------------- Estes dois filmes, feitos no fim dos anos de 1930, são marcas de um tempo passado e irrecuperável. Assistir aos dois é como visitar um outro planeta. Um planeta que adoraríamos visitar. ( Talvez voce não...uma pena ).