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O PRAZER ESTÁ NO CAMINHO. E ISSO É VERDADE.

Ir é sempre melhor que lá chegar, se a vida nos desse, no momento em que algo é desejado, sua satisfação, ela nada valeria. 2024 se aproxima cada vez mais da satisfação imediata. Pior, as pessoas não olham mais o caminho, elas focam o alvo e se distraem durante o caminho. Desse modo, um amor só vale se o sexo vier rapidamente, o diploma só interessa se o curso terminar depressa. Deixe eu explicar: havia um prazer em se conhecer alguém, em observar os modos desse alguém, em absorver sua história. Cada passo era usufruído. O mesmo se dava em uma escola, numa amizade, até mesmo no caminho que se fazia dentro da cidade. No trajeto entre o Itaim Bibi e minha casa, oito quilômetros, eu tinha gosto em olhar meus companheiros de veículo, os bares lotados, as lojas fechando, a vida nas ruas sempre cheias de coisas e de gente. A vida era um PERCURSO e nunca um fim. ------------------ Penso tudo isso ao ver fotos de um site sobre a cidade de Santos. Algumas fotos antigas, dos anos de 1970, mostram a alegria que eu testemunhei na estrada. Engarrafamentos monstruosos em que saíamos do carro e trocávamos água, comida e cerveja com os carros vizinhos. Parar no caminho, ficar preso, era motivo de reclamação, óbvio, mas lembro que quando não havia engarrafamento sentíamos que algo havia sido perdido. -------------- Nos túneis os carros buzinavam por pura alegria e era comum se parar nas bicas de água do caminho. Ou nos restaurantes. A viagem, falo da Anchieta, era parte da diversão, o prazer começava ao se colocar a mochila dentro do carro, ao ligar o motor, ao encher o tanque. Depois vinha fila na Ponte Pêncil e São Vicente, uma hora comprando água e queijadinhas, eu sentia que meu pai descia a Serra só pra comer as queijadinhas da Ponte. ---------------- Então surgia a cidade de praia, as lojas com pranchas e cadeiras de praia, a padaria onde a gente parava sempre. Pressa nenhuma de chegar, olhos, ouvidos e a alma despertos. O cheiro de mar, o calor aumentando, o trajeto como prazer, o objetivo como consequência e não como meta ansiosamente fixada. Como humanos, não nos prendíamos ao alvo, nos abríamos à tudo ao redor. ---------------- Era lindo.

HEDONISTA

Estava escutando um disco hedonista e caiu a ficha: vivemos um dos períodos mais puritanos da história recente. Mas como Paulo? Nunca se falou tanto de sexo. Sim, é fato, mas repare que sexo hoje é ato político, é atitude, é agressão, deixou de ser simples prazer. ---------------- O Hedonismo está e sempre esteve muito ligado ao sol, é uma postura perante a vida em que voce procura o prazer físico, a sensação de prazer, deixando o cérebro desligado. É o estilo de vida típico do Mediterrâneo, Grego, Italiano. Mas voce sabe, hoje quem manda na Europa é Belgica, Alemanha, Holanda, países menos hedonistas do mundo. Eles exigem que sejamos estoicos, e o estoico não tem prazeres, ele suporta dores. ------------- Observe mais: filmes não propõe mais um simples prazer, eles tentam educar, ensinar, quando não, nos comandar. Na música POP se chora, se estupra ( o funk são dois câes cruzando, é um ato biológico, nada há da celebração do prazer ), se revolta, mas não se dá uma simples diversão. Aliás falar de música é perda de tempo, mudemos de assunto. -------------- Voce bebe vinho pensando na safra, no custo benefício, bebe como se fosse um estudo, uma ciência. Voce come preocupado com calorias, agrotóxicos, a ecologia e esquece que comer é o segundo maior prazer da vida. Esquecemos o gosto de gostar por gostar. E isso tudo começa quando criminalizaram alguns dos atos mais hedonistas do ser humano. ------------ Tomar sol e fumar um cigarro. Ser vaidoso e rir de tudo. Não é à toa que a insônia impera: um dos prazeres mais simples, parece que hoje nos sentimos culpados por dormir. A negação do Hedonismo traz uma herança lógica: a depressão, seu completo oposto. --------------- Eu recordo dos hiper hedonistas anos 70, onde tomávamos sol sem nenhum medo ( estranhamente os índices de cancer de pele eram baixos ), bebíamos vinho sem olhar o rótulo, bastava ser bom, e comíamos carne sem sequer imaginar um pobre boi morrendo assassinado. E o sexo? Era quase sagrado, o mais prazeroso dos atos, uma festa folia alegria, um ato feito de beijos longos, carícias extremas, um olhar que admirava e elogiava. Sem pressa. ------------------ Então veio a AIDS. E o mundo do sexo, gay ou hetero, foi cruelmente atacado pelos puritanos, que como aconteceu com a Covid, amaram poder posar de virtuosos. O rock começou a se tornar triste, muito triste, e mesmo bandas "alegres" e então novas, como Duran Duran ou Van Halen, eram atacadas como escapistas, tolas, sem consciência social. ------------ Elas eram hedonistas. Propunham a folia e a farra, a beleza sem vergonha, o poder ser. ------------ O disco de que falei é EMOTIONAL RESCUE, da banda mais hedonista da história, Os Stones, e eles, que desde 1973, são atacados porque não admitimos que tudo o que eles querem é....bem, voce sabe tudo o que eles querem: mulheres, festas, bebidas e sol na cara. Mais nada. ------------------- Somos bichos que sentem prazer. Talvez um cão comendo sinta prazer e não apenas necessidade, não sei, porém eu sei que existe uma diferença entre comer e apreciar, entre transar e foder. Nossa capacidade de ter prazer é tão nobre e exclusiva como é nossa razão. Mas hoje se faz questão de esquecer desse fato, o de que nascemos para ter prazer, não para ser felizes, ser feliz é espírito, é abstrato, no entanto nosso corpo busca o prazer. E ao o encontrar nos realizamos, crescemos, ficamos FISICAMENTE FORTES. Nietzsche sabia disso, DH Lawrence sabia disso. ----------------- Penso que o Hedonista é rebelde, individualista, e isso ofende o rebanho. Ele é também obvia e explicitamente feliz, e isso ofende os tristes. -------------- Eis aí a coisa: Antes a beleza era entendida como algo que copíavamos, mesmo sendo feios, para tentar ser menos feios, e isso nos fazia vivos. Assim como ver uma pessoa feliz nos recordava da ALEGRIA EM ESTAR VIVO. A possibilidade sempre presente, da alegria. Hoje beleza e alegria são ofensas, humilham. ------------- Nunca fomos tão puritanos. No século XVII era assim que se pensava: Vaidade e Alegria eram coisas do diabo. Voltamos a esse tempo. Mas usando um verniz de falsa liberdade. ---------------- Reconcilie-se com seu prazer. O genuíno. Aquele que liga o foda-se. O resto é vingança dos infelizes e dos chatos.

O PERIGO DO ROMANTISMO E A BELEZA IMPOSSÍVEL, ECHO AND THE BUNNYMEN, OCEAN RAIN

Quando vi voce novamente...como um oceano em tempestade...meus navios ao mar...Ian McCullough e seus Bunnymen chegaram muito perto aqui da beleza mortal do romantismo clássico, aquele de 1800. E exatamente por isso, morreram após este disco. Pete de Freitas, seu baterista portugês morreria literalmente em acidente de moto em 1985, e a banda, lentamente, afundaria no oceano de palavras e seus ecos distantes. OCEAN RAIN, como poucos discos na história, é uma nota de suicídio. E por isso, em seu lançamento, 1984, foi profundamente incompreendido.-------------- A crítica de então estranhou o quarteto de violinos. O som que parecia separado, como se o instrumental pertecesse a um outro ambiente. Chmaram Ocean Rain de fiasco, de engodo, de ego trip, de vergonha. Hoje ele é considerado um dos grandes discos de todos os tempos. ------------- Lembro que diziam que a banda havia revelado aqui suas influências: Doors e Love. Dio mio!!!!! Love só por causa dos violinos? Doors pela voz clara? Não há nada de Love aqui! Nada! Ocean Rain tem algo de Astral Weeks e qualquer um percebe isso. De resto, é obra de um coração inspirado. -------------- Lloyd Cole com Rattlesnakes e Ocean Rain....os dois discos românticos de 1984 são amores que guardo desde então. Ambos foram mal recebidos, ambos permanecem após quase 40 anos. Quarenta anos! ------------------- Eu fui o cara que chorava pela menina que se deu para outro e eu andava pelas ruas, sozinho, sem saber direito o que fazer daquilo que chorava em mim. No fim de 84 vivi uma paixão ao som da última faixa deste disco e eu chorava todo dia. Eu era o marujo no meio do oceano. O amor é sempre um mar e o mar é sempre uma fuga possível. Ocean Rain tem a imagem do velho veleiro em meio as ondas mais bravas. Nada no rock é mais romântico que isto. -------------- Silver, Killing Moon, Kingdom, Seven Seas...não há faixa menos que sublime. A voz de Ian está a altura do que se canta, é um cantor brilhante. Baixo, guitarra e bateria navegam e flutuam. Há magia nesta navegada. Portugal e Inglaterra. ---------------- Fazia anos que não enfrentava esta obra prima. Doeu. Como toda beleza doi. Ocean Rain é um monumento à beleza. Amém.

VELEJANDO O BRASIL - GERALDO TOLLENS LINCK

   O veleiro sai do Rio Grande do Sul e sobe todo o litoral brasileiro. São várias paradas e a viagem aconteceu nos anos 80. Minha edição é de 1996, e vejo que até então eram 9 edições publicadas. Ora, eis um clássico nacional de aventuras!
  O texto é bom, a aventura é leve e sem grandes dramas, os perigos são não tão perigosos. Mas o livro é lindo! Lendo em 2019 vejo que as coisas mudaram muito em 30 anos. Ainda se caçavam baleias, alguns bichos estavam quase extintos, o mar era mais limpo. O trecho do litoral norte de São Paulo é mágico. A partir de Bertioga um espaço limpo, deserto, em vias de sofrer um crescimento veloz nos anos seguintes. Conheci Bertioga e onde hoje é a tal Riviera havia um pântano que nada valia. Terreno ali meu pai não quis nem quase de graça. Cem metros valiam um Fusca velho. Isso em 1986.
  Este é mais um livro que releio e garanto que vocês deveriam procurar em algum site ou sebo. Nada melhor para o verão e as férias.

MOMENTO MAIS FELIZ DA VIDA

   Este texto fala sobre alguns dos momentos mais felizes de uma vida. Momentos que eram aparentemente sempre os mesmos, mas que na verdade eram completamente irrepetíveis.
   Falarei no plural, porque todo esse prazer era vivido a dois, eu e meu irmão, 3 anos mais novo que eu. Eu comecei a fazer esse "ritual" aos 11 anos. E durou, com essa intensidade, até meus 15.
   Nessa época minha família tinha uma casa na praia, e a gente descia a Serra todo fim de semana. Contando os feriados e as férias, eu passava mais ou menos 150 dias por ano na praia. Não a toa, minha pele se acha destruída pelo sol hoje, aos 50 anos de idade. Mas quer saber? Não ligo. Valeu a pena. Cada minuto passado foi mágico.
   Tudo começava na véspera, na preparação. Eu e ele ouvíamos os discos que nos remetiam à praia. Houses of The Holy, Let It Bleed, Atlantic Crossing, In Rock. A descida era ansiedade feliz, um misto de renovação  e de pressa. O carro voava. E assim que era estacionado na garagem eu e meu irmão voávamos pro mar. Mais uma vez parecia ser a primeira vez.
  A paixão é aquilo que pode matar uma pessoa. Mas é, por isso mesmo, aquilo que dá sentido à vida de uma pessoa. É uma monomania, e isso faz com que fechemos os olhos para o mundo fora da paixão. Mas dentro desse mundo, desse alvo específico, cresce um outro universo. É apenas um único desejo, mas é um desejo vasto, vasculhado, conhecido e sempre novo. O corpo brilha em vontade de ir além da paixão. E nessa emoção sem fim, eu e meu irmão nos atirávamos.
  Hoje me impressiona a profundidade em que a gente chegava. Muito além do ponto onde dava pé, a gente chegava onde apenas os surfistas de 16, 18 anos iam. E com uma alegria que beirava o absurdo, rindo e sem falar nada, nos deixávamos ir em qualquer onda que viesse. A gente não escolhia, a gente não sabia esperar, éramos pregos na verdade, mas a gente deixava se ir.
  Uma das muitas diferenças do mundo de 1977 e do mundo de 2018 é o surf. Hoje se ataca a onda, se obriga a prancha a ir contra a onda e o objetivo é quebrar a onda. Antes se fluía com a onda. A meta era se integrar à onda e se deixar harmonizar por ela. A sensação beirava a epifania, e por isso excluía todo o resto da vida. Eu poderia destacar a velocidade, a água entrando em comunhão com o corpo, a adrenalina do medo, a sensação de vitória sobre si mesmo, mas o que mais me dava loucura era o som. As vozes vindo da praia, distantes, quase inaudíveis, que eram apagadas quando a onda surgia. E então a música eterna, vinda da pré- história, do mar quebrando sobre voce.
  A gente tomava vários caldos, vacas. Engolia a imunda água salgada com detritos. Tossia. A garganta ardia. Tive vários momentos de pânico e de quase afogamento. De estar debaixo da água e não saber onde ficava o céu e onde ficava o fundo de areia. Mas a gente, com nosso um metro e meio de altura, conseguia respirar por fim. E ia, rindo, buscar a prancha onde ela estivesse. Era isso de oito da manhã até as seis da tarde. Todo dia. Com uma parada breve ao meio dia. Para suco e água, muita água.
  De noite na cama a gente comentava o dia. E sentia que a cama parecia flutuar. Parecia que a gente boiava sobre o colchão. O rosto queimado de sol, o cabelo estragado, nosso sono vinha com um sorriso. Por saber que amanhã tudo seria repetido. Igual. Mas jamais o mesmo.
  Não consigo lembrar de nada melhor que isso.

UM ANO DE VIAGENS - FRANCES MAYES, ENTRE DEUSES, FLORES E MUITA COMIDA.

   É o terceiro livro de Frances que leio, e ela continua ótima. Não conheço ninguém melhor para se ler ANTES de uma viagem. Ela, com prosa elegante e nunca superficial, descreve paisagens com o dom do sabor e comida como aquarelista. Ela embaralha nossas sensações e faz de seus livros um tipo de menu sensível. Nada escrito com pressa, quando ela vê uma praia do Mediterrâneo, nos conta de deuses, de história, de casas e de gente que lá vive. É quase poesia.
  Este livro foi escrito muito após seus primeiros, e ela viaja de férias com seu marido poeta, Ed. Não é um ano de férias, na verdade são várias férias que aconteceram em anos diferentes. Frances, que vive metade do ano em San Francisco e a outra metade na Toscana, viaja para lugares onde sempre quis ir e nunca havia visitado. Ficamos sabendo de hotéis, camas, vinhos, ruelas, pessoas locais, igrejas, tradições, e muita, muita comida.
  A primeira viagem é para a Andaluzia e por 30 páginas, Mayes nos fala da paisagem árida, das igrejas que eram mesquitas. Ela se deslumbra com a beleza dos azulejos, o frescor das fontes, os touros. O clima aqui é quase místico. A cultura árabe é explicada, a beleza é aquela do oásis.
  Depois ela conhece Portugal. País que ela nunca pisara, sua primeira impressão é caótica. Mas ela logo se apaixona pelo modo de vida português. Lisboa a seduz, a comida a deixa viciada. A gentileza das pessoas, os mercados, e os arabescos das ruas. Viaja pelo interior português, e pensa em ficar para sempre no Minho. Flores, ovelhas, vinho, comida excelente, bom café, doces em toneladas. Portugal a surpreende. Uma mistura de celtas, romanos e árabes.
  Ela vai ainda ao sul da Itália, e se delicia com o humor caótico, o azul do mar, o melhor café do mundo. A presença dos deuses, do inefável em cada pedra, em cada flor.
  Vai à Inglaterra e à Escócia e lá sente o que significa CONFORTO. O campo britânico é a Terra da Paz. Tudo parece macio, calmo, pacífico, civilizado. O povo de lá, em séculos de cultura, conseguiu fazer da Terra um canteiro de rosas. Nenhum outro lugar do globo parece tão bucólico, sem perigo, sem riscos, sem aventura. No campo inglês, a vida é absoluto conforto e bem estar, sossego em suas salas com sofás floridos, vasos com rosas, almofadas com bosques e coleções de chaleiras. Jardins em círculos, rosas trepadeiras, lagos calmos e risonhos, tudo suave, delicado e parecendo sempre NATURAL. Lebres, raposas, esquilos, rouxinóis, ovelhas, e cães. Um inglês do campo se define em 3 palavras: rosas, bules de chá e cachorros.
  Ela vai á Grécia e se decepciona. Multidões barulhentas, sujas, nada pode ser visto com calma. Pressa, distância, nervosismo. Hordas de turistas. Gordos, suados, chateados, entediados.
  Mas ela vai à Creta no inverno e tem ali sua experiência mística. Os deuses do mar ainda vivem em Creta e tudo que as pessoas pensam encontrar na Grécia, na verdade mora na ilha de Creta. ( Depois escrevo mais ).
  Mântova e Capri, a mais linda ilha do mundo, os penhascos e as grutas...
  O azul e o branco do Mediterrâneo, vinho e azeitonas, sol e preguiça, queijos e frutas. O livro, imenso, é um gosto de vida. Um prazer solar. Mayes é demais de bom...

CONQUISTADORES - ROGER CROWLEY

   Este livro foi best seller nos EUA, Inglaterra e Portugal, mas não por aqui. Talvez porque ele demonstre a importância da descoberta do Brasil para a Europa de 1500: nula. Cabral fazia a rota genial que os lusos haviam descoberto. A sacada havia sido que para se passar pelo Cabo das Tormentas era mais fácil navegar para oeste, abrir o ângulo e depois descer para leste com a força da corrente marinha. Cabral abriu esse ângulo ainda mais e veio dar no Brasil. Gostou dos gentis índios, mas percebeu que esses índios eram pobres demais. Nada tinham que pudesse ser cobiçado. Então ficaram pouco tempo e continuaram rumo à Africa. O livro gasta cinco linhas com nosso país tupi. E só.
 O autor trata Portugal como o país que inventou a noção de Império Global. Ingleses, séculos depois, apenas os imitaram. O que fez com que um país tão miserável ( Veneza, França, Espanha eram muito mais ricos ) conseguisse esse feito, maior em coragem que a conquista da Lua em 1969, é para Crowley um mistério. Sem terra, pequeno, acossado pelos espanhóis, Portugal teve a ideia: aumentar o território se jogando ao mar. Em caravelas, barcos pequenos, porém velozes. E assim surgiu a linhagem de grandes marujos, homens que venceram o vazio do oceano.
 O pensamento luso era o de exploração. ( E isso foi a miséria do país, do nosso e do deles ). Eles jamais pensavam em colonizar. O desejo era o de ficar rico depressa. Os tupis e guaranis na verdade nada tinham para ser trocado ou roubado. O português não queria explorar minas, caças ou construir fazendas; ele queria a coisa pronta. E a costa africana tinha escravos, tecidos, canela e pimenta, era só pegar. Na India a coisa era ainda melhor. Tinham joias. Os lusos eram piratas. Se usarmos essa palavra entenderemos melhor sua ação. Mas eram piratas apoiados por uma nação e por um rei que acreditava ser herói do catolicismo. Portugal seria o país matador de muçulmanos. E mataram. Milhares.
 Crowley deplora a crueldade dos europeus. Portugal vence todas as batalhas com facilidade. A proporção de mortes é de 50 pra um. A Europa tem armas melhores. Os árabes têm armas ridículas. Mas Crowley jamais chama os lusos de vilões. Isso porque ele sabe que no Marrocos, na Grécia, em Bizâncio, os árabes também mataram, torturaram, humilharam. A guerra é um mal. Mas ela existe e nesse mundo todos são o que são. Guerreiros.
 Impressiona o amor de Portugal pela batalha. Eles lutam para pilhar, para roubar, e alegremente se jogam sem titubear. A falta de ordem é grande. Marujos desviam ganhos, é cada um por si. Eis a grande diferença de Portugal para aquilo que os ingleses fariam: os ingleses punem o roubo e a corrupção com mão de ferro. Marinheiros ingleses não podem pegar nada. Os lusos fingem não perceber. Todos roubam e todos se corrompem. O que um navio inglês captura é da coroa. Cada marujo recebe seu salário. Já em Portugal cada marujo mete a mão naquilo que é capturado. O que sobrar é da coroa.
 O mundo que os portugueses encontram nas costas da India é o mundo do comércio. Barcos chineses, árabes, turcos, etíopes comerciam livremente. Há toda uma etiqueta de negócios. Os portugueses chegam dando tiros, não têm a menor paciência em negociar e logo toda a costa do mar vermelho e do oceano Índico mergulha em terror.
 Não poderia durar muito. Essas viagens de dois anos, algumas duram três, eram caras, e são venezianos e genoveses que as financiam. As pessoas ficam ricas, Portugal não. Os olhos do mundo começam a mirar a rota portuguesa, espiões italianos roubam mapas, e o segredo é descoberto. Portugal perde o monopólio. Quando vier o terremoto, já no século XVIII, a decadência do reino já virou mania.
 Crowley escreve bem. Tem o gosto da aventura e a seriedade de um historiador.

ALÉM DOS LIMITES DO OCEANO- MAURICIO OBREGÓN

   O autor, colombiano, foi diplomata e navegador. Também cruzou mundo pilotando aviões. Um desse homens que sentem a febre da ação. Sem deixar de cultivar a erudição. Um tipo de renascentista.
    Eu havia lido este seu livro em 2004 e o reli agora. Fino, cheio de mapas e desenhos, ele fala das primeiras viagens por mar. O inicio é um pouco árduo. Mauricio descreve as estrelas, os pontos celestes que ajudam a navegação em alto mar. Mas as coisas se tornam muito interessantes quando ele passa a falar dos polinésios. Em suas canoas, onde cabem até 50 remadores, eles cruzava o Pacífico. Foram os mais habeis marinheiros de todos os tempos.
   Depois Obregón segue a Argonáutica, o texto grego sobre Jasão, e refaz a saga do herói. Navega do Mediterrâneo ao mar Negro, retorna usando o Danúbio e contorna o Adriático. 
   A Odisséia lhe dá o caminho para Oeste, chega às portas do Atlântico e margeia a África do Norte. Obregón, quando digo refaz, refez mesmo, navegou seguindo as descrições de Homero.
   Por fim, as navegações dos Árabes e Vikings. As longas rotas muçulmanas, da África à Ásia. e os nórdicos, Islândia, Groenlândia e América.  Lenda verdadeira, pois provas foram encontradas.
   Pena ser um texto tão curto!

NOS CONFINS DO MUNDO- HARRY THOMPSON, UMA GRANDE AVENTURA!

   Qual o segredo de um grande best-seller? Mais que isso, qual o grande segredo de um best-seller que se revela boa leitura? Olhe este livro. Lançado em 2005, logo se tornou um campeão de vendas. E, além disso, foi indicado ao Booker Prize. O autor, jovem, infelizmente faleceu de câncer em seguida. O cara sabia contar uma boa história!
    Acompanhamos as aventuras do novato capitão FitzRoy, que no meio do século XIX, conduz seu barco, o Beagle, pelas águas terríveis do sul do Atlântico. Tempestades, fome, doenças, morte, solidão. As cenas são desenvolvidas com precisão, mas onde o autor se revela melhor é nos diálogos. Acertam a mosca. Correm. O livro cheira a mar.
   Mais para frente, o Beagle recebe a bordo um tal de Charles Darwin, e então, o que era bom fica ótimo! Thompson faz com que a gente creia na verdade de sua criação. O livro não é histórico, é romance. Dos bons!!
   Diacho! Eu queria ter esse dom para criar personagens, personagens que interessam, que nos conquistam.
   Leiam! É um prazer.

TAIPI, PARAÍSO DE CANIBAIS- HERMAN MELVILLE

   Melville foi um jovem azarado. Familia empobrecida, ele não conseguia se destacar em nada, muito pelo contrário. Fez então aquilo que todo jovem de então fazia, quando queria ter nova chance na vida, se lançava ao mar, fosse marinha mercante ou militar. Decepcionado com a rotina dura e seu comando cruel, ele foge do navio onde servia. Se embrenha nas ilhas Marquezas durante uma parada e passa a viver por um mês em meio aos canibais. De volta a América, conta sua aventura a familia e amigos. As pessoas gostam tanto que ele a escreve. Tem problemas de censura para publicar, o livro sai em Londres e é um sucesso. Começa a carreira daquele que é para muitos o maior romancista dos EUA.
   O século XIX foi pródigo em livros sobre o mar e suas aventuras. Vindo lá de Defoe, ainda no século anterior, Stevenson, Conrad, London, escrevem século adentro e irrompem até os anos de 1900 com seus relatos. Livros que li desde sempre, livros de piratas, de tempestades e ilhas desertas, de noites sem fim, de provas cruéis. Nos primeiros capítulos desta aventura há todo esse clima de mar e de mistério. Mas são poucos esses capítulos, 3/4 do volume fala da impressionante caminhada através da ilha e depois de seu convívio entre os "selvagens". O herói central e seu companheiro de fuga cruzam montanhas, cachoeiras, rios. Passam fome, se acidentam, chuvas torrenciais. E o medo constante dos canibais.
   Acabam seduzidos pela vida desses homens. A visão de Melville é radicalmente à Rousseau. Os aborígenes são felizes. Melville exalta a beleza das nativas, a nudez, o sexo livre. A preguiça, os objetos que nunca são cobiçados, o nada ter e nada querer. Risonhos e livres, Melville os contrasta não só com os europeus e americanos, como com os nativos do Hawaii, esses já decadentes, sujos, doentes pelo contato com os missionários e colonos. Melville não deixa de sentir a melancolia por saber que aquela vida, bela, é condenada.
   Como nem o paraíso pode ser perfeito, o narrador tem um grande medo em meio a tanto prazer: o canibalismo. Ele nunca presencia atos de canibalismo, mas tem medo de que sua acolhida faça parte de um tipo de preparação, de ritual. Passam-se 4 meses e ele acaba por fugir. Jamais será o mesmo.
   Melville nunca atinge aqui as alturas dificeis de Moby Dick, livro que ele escreveria seis anos mais tarde. Mas é uma delicia ler suas descrições de corpos, festas, familias, chefes e cantos. Melville já valoriza aqui, em 1844, a higiene dos nativos, a beleza da morenice, a inocência que pode haver no sexo livre, a alegria de um mundo sem dinheiro. Ele chega a testemunhar sexo a três, e causa diversão vermos hoje, em 2013, que aquilo que mais o revolta são as centenas de tatuagens tribais. E também o peixe crú.
   Divertido, documental e irado, um belo livro.

ESPELHO DO MAR- JOSEPH CONRAD

   Conrad é sempre vasto. O texto é caudaloso, tempestuoso e filosófico. Ele navega entre vagalhões, desce, afunda, sobe, flui e se joga. Como pode um polonês ter tal dominio sobre o inglês? 
   Conrad foi marinheiro. Começa a escrever só aos 36 anos. Por vinte anos foi homem do mar. Saído da terra natal, fez-se súdito da marinha mercante inglesa. Conheceu o mundo: Àfrica, India, Taiti, Hawaii, EUA, Chile, Austrália. Mais que tudo, viu o mar.
   Ao fim da vida ele escreve este livro. Autobiografia que se recusa a falar de si-mesmo. Aqui ele conta o mar. Cada parte é um aspecto da vida marinheira: portos, estaleiros, velas, barcos novos, tempestades, âncoras, cordas, correntes, neblina, carga. Descreve. O livro é quase uma enciclopédia da vida ao mar. Termos técnicos, ele ensina. E pouco diz de si. 
   Na introdução ele conta: O livro é uma homenagem aos homens e aos barcos que ele conheceu no mar. Barcos a vela, nervosos, barcos que seguem o vento.
   Joseph Conrad define o que é arte: "Atividade em que não sabemos para onde vamos e se lá iremos chegar." Portanto, navegar a vela é arte, o navio a vapor não. O vapor segue horário, rota, rotina, ele é indústria e ciência exata. A vela é arte: improvisa, se arrisca, nunca sabe o que vai dar.
   Enigma Conrad. Um autor de livros de aventura que são tão complexos quanto Henry James e tão filosóficos quanto Thomas Mann. Para muitos é o maior escritor que a Inglaterra já teve. Polonês. Eslavo.
   Para quem ama o mar eis um livro obrigatório.

NA TRILHA DE ADÃO- THOR HEYERDAHL, MEMÓRIAS DE UM FILÓSOFO DA AVENTURA

   Thor foi feliz. Claro, ele foi humano, viveu alguns momentos ruins. Mas foi feliz, sempre feliz.
   Nasceu na Noruega, no começo do século XX e faleceu no começo do XXI. Filho único de uma familia da classe média alta, aprendeu a ser só e passou a infância entre a super-proteção dos pais e as escapadas para o mato. Logo uma ideia se formou na mente de Thor: Tornar-se um homem. Colocar-se a prova e vencer. E então, desde cedo, ele escapava. Escalava montanhas, acampava de noite nas piores tempestades de neve, observava os bichos. Mas atenção! Estamos falando de 1925, 1930, esportes radicais não existiam. Acampar no mato, sózinho, em um iglú, era um ato muito excêntrico.
   Mulheres só na faculdade. Thor cursa zoologia. Mas estuda também geografia, antropologia, história. Sua vida foi uma luta contra o saber acadêmico, o saber muito sobre muito pouco. Casou-se três vezes, o primeiro foi com Liv, a moça que foi com ele viver na Polinésia.
   Não havia um só europeu na Polinésia de então. Ele e a esposa viveram nús, comendo cocos e peixe, sem comunicação com o mundo, sem remédios, sem rádio. Sair da ilha só era possível uma vez ao ano. O paraíso? Não, claro que não. Insetos e muita chuva. Se nunca foi um paraíso, o que Thor buscava lá?
   Ele jamais duvida: Deus está de seu lado. É impressionante como Thor tem sempre a certeza de que tudo vai dar certo e de que o paraíso vive dentro de cada um de nós. Junto com o inferno. Thor vai á Polinésia porque sua voz interior manda que vá. Ele abomina tudo que é falso, que cheira a não-vida, vai viajar como quem busca a vida. E vive. Muito. E feliz.
   Mesmo ao passar fome. No kaos da segunda-guerra ele e a segunda esposa estão em New York, loucos de fome, sem amigos e sem trabalho. Esse um momento de dor, mas nunca de dúvida. Assim como na Noruega, quando ele luta contra os nazis ou no Canadá, quando ele trabalha em fábrica quimica e conhece a destruição do progresso.
   Thor se torna famoso em 1947, com sua viagem, o Kon-Tiki. Mas para sua surpresa é terrivelmente atacado. A comunidade científica não aceita o que ele fez. Dizem que a viagem foi uma farsa, dizem que ela nada prova, o chamam de "simples marinheiro". Thor fica surpreso e logo percebe a cegueira da comunidade científica. Eles são incapazes de aceitar algo vindo de fora de seu meio. Thor nunca foi um marinheiro, era um cientista, um estudioso, seu "pecado" era o de ir para fora, botar a mão na massa. Marinheiro nunca foi. Nada sabia de mar, aliás, nem nadar sabia.
   Aos poucos ele dobra as resistências e empreende outros projetos. Viaja da África a Tenerife em barco de papiro, visita a Amazônia, não pára de dar conferências. Seus livros vendem muito, seu documentário ganha um Oscar. Casa-se pela terceira vez.
   Este livro não é seu relato sobre o Kon-Tiki. É uma coleção de lembranças escritas na década de 90. Ele recorda seu cão Kazan, com o qual ele arriscava a vida em expedições a geleiras e montanhas no inverno. A mãe, uma atéia que amava a verdade e lhe deu o senso de honestidade. O pai, religioso e sensível, que lhe dava a liberdade de se ir, de tentar, de prosseguir sempre. E ele como criança, um menino calado, que não conseguia ficar entre muros, que via o sagrado em cada grão de poeira e que desde sempre indagava o que era o tempo, a vida, o homem, a história. Ele foi sempre feliz porque conseguiu conciliar dentro de si a fé em Deus, Adão, no Dilúvio, e ao mesmo tempo a crença em Darwin, na razão e na paz como alvo possível. Ele não via um fato como algo que exclui outro fato, ele via todo fato como possível confirmação de um outro fato. Interligava conhecimentos, nada jogava fora. Dessa forma ele abria ouvidos para toda narrativa ancestral e abria os olhos para os textos eruditos também. Tudo lhe interessava e tudo era parte da verdade. Foi um sábio a moda antiga, nunca um dogmático especialista, antes um homem que pesquisa tudo e nada descarta. Daí sua felicidade.
   Thor nunca teve uma casa. Ele acampava em hotéis, em cabanas, em casas também. Sua alegria era a de não precisar de nada. E de ter tudo.
   Thor foi um dos últimos heróis possíveis.

The Kon-Tiki expedition-color film



leia e escreva já!

New Kon Tiki Trailer 2012



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EXPEDIÇÃO KON-TIKI, FILME DE RONNING E SANDBERG

   Chuck Yeager é um dos meus heróis. E ele foi tema de uma obra-prima do cinema: Os Eleitos de Philip Kauffman. Sam Shepard interpretou Yeager. Agora meu outro grande herói, Thor Heyerdahl, ganha um filme, candidato ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2013. EXPEDIÇÃO KON TIKI é um belíssimo filme da Noruega. Simples, emocionante, discreto, como Thor.
   Em 2005 li em duas semanas dois livros de Heyerdahl: NA TRILHA DE ADÃO e A EXPEDIÇÃO KON TIKI. Digo sem medo de errar, que são dois dos livros que li com mais prazer em minha vida. Cheios de fotos, texto maravilhoso, eles conseguem fazer com que fiquemos plenos de alegria, de fé na vida e principalmente curiosos. Viver é ser curioso, ser inteligente é ter curiosidade, querer conhecer aquilo que não se conhece. Thor é um desses e por isso eu o venero.
   O filme conta a história sem enfeites. Heyerdahl estuda antropologia e lança a teoria ( ridicularizada ) de que os nativos da Polinésia tiveram sua origem não na Asia, mas sim na América do Sul. Ora, diziam todos, como os peruanos poderiam ter povoado as ilhas? Eles não sabiam fazer barcos, só jangadas, e uma jangada jamais poderia cruzar 8000 km no Pacifico. Heyerdahl insiste na ideia, junta uma equipe e parte. Sim, parte! Quase sem recursos vai ao Perú e lá constrói uma jangada, usando os mesmos materiais que os peruanos de 1500 anos atrás teriam a disposição. E parte.
   Detalhe importante: Thor Heyerdahl nada sabia de navegação, e pasmem, não sabia nadar! Forma uma equipe onde um é vendedor de geladeiras, outro é herói de guerra ( é 1947 ) e dos sete homens apenas um já esteve no mar. Fazem a jangada : troncos de madeira, cordas e uma cabana de folhas. Uma vela e nada de leme ou de remos. As correntes do mar irão os guiar, soltos, do Perú até a Polinésia. Essa é a certeza de Thor. E eles se jogam.
   O mar neste filme á mais belo que em PI. Não tem enfeites. E quando eles chegam a ilha, após 101 dias, voce chora com o riso de Thor Heyerdahl. Ele tinha apenas uma certeza, baseada apenas numa fé, sem qualquer evidência, e chegou. Nada pode ser comparado a bela aventura desse não-aventureiro. Nada se compara a alegre jornada desse grupo. Isso se chama heroísmo: um homem e sua certeza se dirige a seu destino sem ajuda de nada mais que sua fé. Obstinadamente ele prova sua verdade e jamais deixa de acreditar naquilo que o move. Se para mais alguém crer naquilo que ele crê era preciso refazer a viagem, ele a refez.
   O filme termina falando do destino da tripulação, e é com alegria que vejo que todos morreram velhinhos, se aventurando em outras paragens.
   Tenho neste momento em minhas mãos os dois livros. Preciso reler. Preciso novamente estar nesse mar. O filme, feito apenas de momentos claros, apenas daquilo que importa, sem firulas e sem exibições, é delicioso. Provávelmente jamais será exibido por aqui. Corram atrás! Voces irão adorar!

SEGREDOS SUBMERSOS DO ATLÂNTICO- EDUARDO MEURER

   O melhor neste livro é o bom-humor com que tudo é descrito. Problemas com tubarões, cabos que se partem, tempestades, motores quebrados, nada tira a graça do texto de Eduardo Meurer. Ele enche as páginas de piadas, palavrões, rimas, causos e remembranças que dão sabor e cheiro ao livro. O único senão é que às vezes ele se torna didático demais. Os termos náuticos não precisavam ser tão "traduzidos".
   É um grupo de amigos, dentre eles Lawrence Wahba, que partem de Santos rumo à Cabo Verde. Acompanhamos a captação de patrocínio, a formação da equipe, a manutenção do barco ( uma escuna ), e por fim a expedição. Eduardo conta a história dos fortes mal conservados, dos faróis, dos naufrágios. Mas o objetivo é mergulhar, e então peixes, moluscos e seres misteriosos são as estrelas do livro. E pássaros também.
   Ao contrário da narração de Geraldo Linck, que dá mais ênfase ao sul e sudeste do Brasil, aqui o nordeste é descrito mais detalhadamente. É uma região de águas claras, de peixes coloridos. Muito rock rola naquele barco, e a amizade entre os caras é o que permanece na memória após a leitura.
   Eles alcançam o Cabo Verde, isso após aportarem em várias ilhas do alto oceano. É uma chegada bonita, alegre, exultante. Como é todo este agradabilíssimo texto de Eduardo Meurer.

VELEJANDO O BRASIL- GERALDO TOLLENS LINCK

   Estrangeiros quando conhecem o Brasil, principalmente australianos e americanos, estranham o fato de como os brasileiros ignoram o mar. Não estou falando da praia, falo do mar. O brasileiro adora ficar sobre a areia, torrando ao sol, jogando bola ou bebendo, mas ele não faz nada com o mar. Esses turistas se surpreendem. O brasileiro, e 3/4 de nós moramos à beira-mar ( até 100 km de distãncia é beira-mar ), não mergulha, não surfa, não faz esqui e não navega. Franceses, americanos, australianos, alemães e suecos têm o mar como amigo, irmão e o usam como o melhor dos playgrounds. O brasileiro, que tem mar que não acaba mais, o ignora. Prefere o asfalto.
´ É como se o mar não fosse nosso. Como se o Brasil terminasse na beira da areia e as águas fossem terra estrangeira. Se temos a tendência histórica de ver a terra brasileira como algo fora de nossa posse, o mar é então um continente "do outro", dele não queremos saber. Dessa forma, todo navegador de águas brasileiras logo percebe que 90% dos veleiros e iates que ele cruza são de navegantes estrangeiros. Europeus deslumbrados, australianos aventureiros e americanos livres. Brasileiros ficam na areia.
  Lojas náuticas, iates clubes e clubes de mergulho ainda são vistos como coisa de imigrante rico. Não há país no planeta que ignore de forma mais estúpida aquilo que ele tem de mais precioso, o mar. Pessoas que deveriam estar adquirindo saúde, experiências e independência no mar, preferem gastar tempo e dinheiro em bares de cidades grandes e academias de malhação fechadas. Burrice.
  Linck sai do Rio Grande do Sul e margeia a costa até o Oiapoque. Leva um ano no percurso. É um livro escrito em 1977, e dá dor no coração ler a descrição que ele faz do mais belo litoral do mundo : Aquele que liga Bertioga a Angra dos Reis. O trecho antes de São Sebastião é descrito como "virgem", sem dono, um paraíso de praias desertas, de rios de cristal e cachoeiras magníficas. Pescadores e aventureiros vivendo à beira mar. Linck diz que nada é mais belo que esse trecho de mar, que atinge seu apogeu na Ilha Grande e em Angra. No caminho ele vai falando de piratas que lá viveram, de descobertas e dos peixes e pássaros. O barco é descrito em seu cotidiano, nas noites de estrelas, nas manhãs quentes e nas tempestades sem fim. Voce se sente dentro do barco, navegando, indo história adentro, vendo os fortes dos holandeses em Pernambuco, os areais do nordeste, a foz do Amazonas, os sons das ondas e as dicas sobre navegação. 
  Indios ainda havia no nosso litoral, e jangadas, assim como ermitões alemães e franceses. Linck prevê que se o homem for sábio, lá por 2007 não se usará mais petróleo no mundo...Mal ele poderia adivinhar que em termos de energia não mudamos nada desde 1977.
  Um delicioso livro ideal para o verão. E que além de dar prazer, nos faz pensar naquilo que podemos viver e não percebemos. Na liberdade que podemos ter e ignoramos. No que de melhor possuimos e esquecemos. Rumo ao mar, Brasil !