Mostrando postagens com marcador grécia. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador grécia. Mostrar todas as postagens

Poesía lírica griega cantada: poema amoroso fragmentario de Anacreonte

O MUNDO DE HOMERO - PIERRE VIDAL-NAQUET

Não fazemos a menor ideia de como os gregos eram e muito menos Homero. E isso é frustrante porque Ilíada e Odisséia são não apenas as obra fundadoras da nossa literatura como estão presentes, como paradigma, em toda grande obra. Na Ilíada há desde o drama familiar até a guerra como condição de vida. E na Odisséia vemos a aventura, a viagem, a alucinação e a vingança. Vidal acredita que o autor de uma das obras não é o mesmo da outra, mas não há como provar isso. Homero é um nome símbolo que pode ser usado de toda maneira. Voce pode dizer que era um gênio, pode dizer que eram duas pessoas, pode dizer que era um grupo jogral que criou a obra. Única unaminidade é que as duas obras nasceram como arte vocal e não escrita. Elas eram cantadas. ---------------- Eu tomei contato com a Ilíada aos 15 anos e não consegui passar dos primeiros 50 versos. Não entendi nada. Eu esperava a história da guerra contra Troia e o cavelo de pau. O que eu via era uma coonfusão de deuses e de herois, a ira como motor da ação. Foi só aos 50 anos que tentei ler outra vez e o texto fluiu como....música! A Ilíada deve ser lida como fosse um rap ou um coro de ópera. Os versos devem voar dentro de nossa mente. Na Odisseia eu já percebo um texto mais próximo do romance, da escrita no papel, mas a Ilíada não, é musical. ----------------- A Odisseia possui mais humanidade e por isso parece mais próxima de nós. Ela tem momentos de humor mais o que a caracteriza é a melancolia da volta ao lar. Já a Ilíada, que é superior, nos exibe um mundo remoto onde as emoções e os sentimentos possuem uma violência pura. É o poema da vingança, da crueldade, do sangue, da honra e da virilidade. Não há pausa, é um festival de mortes e de capturas. Os deuses, cheios de ira, brincam com as vidas dos homens. O Hades está sempre presente. ------------------- Ler a Ilíada é um prazer e é uma transformação. É uma espécie de Bíblia grega, de marco do nascimento da literatura ocidental. Para ser plenamente aproveitada é preciso que voce esteja com a cabeça limpa, tempo disponível e concentração. Se voce entrar no texto, pronto!, a música se faz e os versos voam diante de sua mente. Tente.

JULES DASSIN É DAQUELES DIRETORES QUE VOCE DEVIA ASSISTIR TUDO

Nunca aos Domingos não é o melhor filme de Dassin, mas eu o reassisti ontem e então deu vontade de falar do cara. Jules Dassin era americano, judeu, e começou fazendo filmes policiais maravilhosos. Não indico nenhum em especial porque todos se equivalem. Sua abordagem é moderna, nada glamurosa, viril, com muita sombra, muito bandido doente, mulher fatal, e uma sensação de beco sem saída asfixiante. Se voce assistir um vai querer ver todos. Tudo corria bem quando então ele foi acusado pelos senadores do MacArthismo e fugiu. Se tornou um diretor internacional e se deu muito bem. Fez filme na Inglaterra, na França, na Grécia. RI FI FI é dessa época, e em 1960 ele faz um filme grego, NUNCA AOS DOMINGOS, um grande sucesso de bilheteria e crítica. ---------------- Melina Mercouri, uma estrela grega e que seria a esposa de Dassin na vida real, faz o papel de uma prostituta que só transa com quem ela gosta. Esfuziantemente alegre, ela é uma versão feminina de Zorba, o velho solar de Nikos Kazantzakis. Não é por acaso de que o filme de Cacoyannis, com Anthony Quinn, seria feito 3 anos depois deste filme. Pois bem, ela é uma prostituta feliz, que tem como clentes seus amigos. Ela festeja a vida, eles a acompanham, no mar, nas ruas, nas danças. Mas então surge um turista americano, papel feito pelo próprio Jules Dassin, e apesar de adorar o que vê, ele fica intrigado. Esse turista, que é um filósofo, quer entender o porque da Grécia ter decaído tanto após o apogeu do trio Sócrates-Platão-Aristóteles. Ele cria uma teoria: os gregos se tornaram hedonistas, a vida para eles deixou de ser busca do saber e passou a ser busca do prazer. A prostituta conhece os trágicos, conhece literatura, mas ela não mergulha na tragédia, ela ri. Esse americano paga à prostituta para que ele a deixe ensinar arte e filosofia. Ela aprende, não se torna infeliz, mas deixa de ser prostituta e não mais sai às ruas em absurda festa. Ela se torna uma intelectual. Bem....dificil imaginar um final para este filme e o roteiro de Dassin tateia: como não condenar a razão, e ao mesmo tempo reconhecer a beleza da vida dos sentidos puros? Espertamente ele faz o que se deve: o americano toma um porre e bebe. Então dança. E se torna aquilo que o escritor do livro de Kazantzakis não consegue se tornar: um intelectual que dança, que bebe e que se tornará mais um dos amigos da prostituta. -------------- É a Grécia do folclore, de Zorba, dos Opa!, do bouzouki, dos peixes e dos homens que pulam nos bares. Mas Dassin conheceu esse mundo, passou a viver lá e isso me faz crer que pelo menos em 1960 o país ainda era assim: grego. O que Dassin advoga é que a civilização grega deixou de lado o saber porque resolveu viver, dia a dia, o fluxo da natureza. O filme é encantador.

TEMPO E ESPAÇO: A TEOGONIA - HESÍODO

Cada deus que nasce é pai antes de nascer e filho antes de seu pai nascer. Confuso? Ler a Teogonia nos dá uma estranha sensação, em alguns versos voce tem o vislumbre de que o tempo lhe foge, se desvanece, mostra-se o que é: vão. Porque o tempo em que Hesíodo viveu desconhecia a contagem do tempo. Entenda-me, o tempo é uma criação da igreja medieval. Sua função era a de marcar as horas das obrigações cristãs. Por mais ateu que tu sejas, creia, sua vida diária é regida pela igreja ( mas não pela religião, que é atemporal ). Dezembro do Natal, e depois páscoa, corpus-christi, finados, e todos os santos, cada um com seu dia. Hora da primeira oração, da segunda, da terceira. Hora da Ave Maria. Dia de São Pedro, São João, São Lucas e Santa Genoveva. O capitalismo pegou o calendário já criado ( pelo papa ), nós vivemos enredados nessa invenção, tão artificial quanto uma catedral.
Porque no universo não se conta o tempo. As coisas acontecem cada uma em seu ritmo único. E se voce olhar à certa distãncia, todas acontecem ininterruptamente: é tudo agora e sempre agora. Hesíodo sabia disso. Homero sabia disso. Cada deus era dono de seu tempo. E cada vez em que era cantado tornava a nascer e procriar. O homem que eu sou é filho de meu pai e pai de meu filho desde que nasci. Ao nascer, meu filho nascia comigo, e quando meu pai nasceu eu nascia com ele. A morte de meu pai vive ao lado de sua vida que já era sua morte. E eu morri e nasci com ele. Meus descendentes moram comigo desde sempre. E mais: o momento em que estou é meu. Se estou nascendo, morrendo, crescendo ou decaindo independe de uma contagem. É meu mundo. O que fui aos 12 anos está presente e o que fui aos 35 pode estar distante. Então não é o que fui, sim o que é. Voce como uma acumulação de afirmações. OS DEUSES COMO A VONTADE DE SER. Zeus e Cronos querem ser, eles são.
O poema conta o nascimento dos deuses. Seres fecundando seres. Deuses nascendo. Idade do ouro, idade em que trabalho e morte não existem. Idade de Prometeu, aquele que logrou enganar Zeus. Ladrão do fogo, condenado a suportar a dor, a mulher ( fonte de dores ) e a insatisfação eterna. A criação do Hades, o nascimento de Zeus, o pênis do pai arrancado e de seu sêmem nascendo Afrodite, o amor. Guerra de Titãs, guerras e astúcias. Filhos castrando pais, pais comendo filhos. Hesíodo previu nossa era: era do ferro, tempo de ferrugem. Prata e bronze deixadas atrás, o ferro é a época de suor, esforço, velhice. Do trabalho sem fim. Era sem deuses.
O poema, escrito 2.700 anos atrás é forte, é selvagem, é vontade de poder ser. Ele é. Sempre é. O mais viril dos poemas, os mais astutos versos, vontade de nascer sempre.
A Grécia arcaica é a eterna juventude.

ZORBA,O GREGO-NIKOS KAZANTZAKIS, NADA COMO O SOL

Foi um tempo de deserto, o tempo em que li Zorba pela primeira vez. O sol me fazia suar muito e eu conhecia Zorba do jeito certo, debaixo do sol. Era um tempo em que minha caixa de proteção havia se quebrado e medo + dúvida me seguiam sem trégua. Mas eu conheci esse grego antigo como a vida e passei a sentir a existência como alguma dádiva. Nunca mais fui o mesmo.
Um intelectual inglês viaja à Grécia. Lá ele irá administrar uma mina que herdou. No barco que cruza o mar ele conhece Alexis Zorba, um grego sem cultura. Um grego que lutou em guerras, que matou, que chorou, um homem que viveu. Zorba é o homem antes da cultura, antes da separação ( traumática ) entre homem e natureza. Zorba não questiona o que a vida é ou pode ser, Zorba aceita e deseja.
Os dois se tornam amigos e o velho grego lhe ensina a comer, beber, brigar e principalmente a amar. A vida se dá para o "empurrador de canetas". Ele passa a entender que o vinho é um milagre, que a morte é para ser odiada, que toda mulher deve ser amada.
Zorba diz que tudo o que não pode ser dito deve ser dançado. Ele dançou a dor quando seu filho morreu. Ele dança a alegria de ser seu amigo. Zorba está além e antes da palavra.
A mina se torna um fiasco maravilhoso e os dois se separam. O inglês nunca se tornará Zorba, ele surgiu tarde demais em sua vida. O grego o convidará para ver "uma pedra", mas o empurrador de canetas ( hoje seria um apertador de botões ) não vai. Na versão de cinema tudo termina com a maravilhosa dança de Anthony Quinn, ator que se tornaria desde então Zorba para sempre.
Mas quando li o livro pensei todo o tempo em meu avô como Zorba. Um homem de pedras e de sol na cara, em lombo de burrico, com vinho e azeitonas. Sólido como o para sempre.
Releio Zorba a cada sete, oito anos. Esqueço às vezes o quanto ele me fez bem. Mais que isso, deu valor a minha hombridade, salvou-me de uma aridez snob. Fertilizou minha cabeça dura.
Porque ele me fez amar a mulher que tem sabor, que goza em despudor, que ri alto e chora berrando. Me fez saber o que o sol é: o rei dentre os reis e mágico incenso da mente. Me fez aceitar minha cara mediterrânea, meu peito cabeludo, meus dentes afiados e minhas mãos que são patas. Deu sabor de sol à minha vida.
Dei a mão ao velho Zorba e não mais a larguei.
Kazantzakis, solitário caçador de sentido, angustiado indagador, criou/encontrou Zorba e deu a si-mesmo e ao mundo um Homem.
Meu melhor é Zorba. O resto nada vale.