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BLUE SKIES

A canção americana teve na primeira metade do século XX: Oscar Hammerstein, Jerome Kern, George e Ira Gershwin, Cole Porter e aquele que teve maior sucesso: Irving Berlin. Todos eles fizeram música para a Broadway, todos foram bastante aproveitados pelo cinema, todos eram sofisticados, criativos, as rimas fugiam do óbvio, descreviam um estado de espírito, uma situação de vida. Era um tipo de canção feita para pessoas que liam, que iam ao teatro, que entendiam o que era cultura. Mas tudo isso sem perder sua alma popular. Nascida da mistura da canção de opereta da Europa com o jazz americano, a canção popular dos EUA vendeu como refrigerante e assim mudou o planeta. -------------- Eu nunca vou decidir se prefiro Porter ou Gershwin, Berlin ou Kern, o que sei é que Berlin tem a maior quantidade de canções famosas. Blue Skies é uma canção que fala sobre a alegria de viver. Berlin não tem pudor algum em descrever a sensação de ser feliz. É mais uma de suas obras primas. ---------------- Blue Skies é também um filme de 1947, anunciado na época como a despedida de Fred Astaire do cinema. Nascido em 1899, ele já tinha mais de 40 anos de carreira ( começou aos 4 anos nos palcos ). Fred Astaire queria fazer o que gostava: ver corridas de cavalos, tinha um cavalo vencedor, e jogar golfe. O cinema parecia não saber mais fazer filmes para ele e seus últimos haviam sido decepcionantes. O que não sabiam é que sua aposentadoria duraria apenas dois anos... --------------- Irving Berlin teve a ideia do filme: pegar um punhado de suas músicas e fazer um filme, a história de um triângulo: um dançarino que ama uma atriz que ama um cantor dono de boates. Bing Crosby é o cantor, um tipo que seria antipático não fosse feito por ele. Para quem não sabe, Crosby foi o maior cantor do século XX. Foi ele quem acabou com o tipo de canto "arrebenta peito", operístico, de vozeirão, que dominava a canção até os anos de 1920. Crosby foi o primeiro a cantar sem esforço, sem gritos, sem forçar a voz, sem aumentar o volume. O timbre é delicioso e seu controle do fraseado e da respiração são inigualáveis. Ele canta como quem conversa e isso foi uma revolução. No cinema, seu modo de atuar é de acordo com seu canto: tranquilo, ponderado, cool. Bing Crosby tem momentos maravilhosos com as canções de Berlin, mas Fred Astaire consegue ser ainda maior. Pois além de cantar, no estilo Crosby, ele dança! Putting on The Ritz é talvez a canção mais chique da história e Fred nasceu para ela. Veja o video e observe a leveza magnífica de corpo e voz, de composição de dança, de cenário e tema. Tudo se une naturalmente e faz da apresentação um apogeu. O filme tem mais, bem mais, a obra de Berlin alimenta horas de prazer e esses dois atores são insuperáveis. ----------------- Ir ao cinema para ter prazer. Soube que no Hotel Atlântico, em Santos, havia um cassino e um cinema. Quando o tempo estava bom, o teto do cinema era retirado e o filme era visto debaixo do céu estrelado. E com brisa do mar. Se este filme foi exibido por lá, numa quente noite de sábado, nada pode ter sido mais bonito e civilizado.

O NATAL POSSÍVEL, O NATAL BONITO

Escrito em vinte minutos, por Irving Berlin, às pressas, para ser inserido no filme Natal Branco, white christmas é até hoje o single mais vendido da história. Até a última contagem eram 22 milhões. Essa canção, conhecida mesmo por aqueles que não sabem quem foram Bing Crosby e Irving Berlin, é o que nos resta em termos de Natal. Pois se a festa do nascimento de Cristo foi soterrada por dois séculos de modernismo, a celebração da família e da amizade conseguiu sobreviver até recentemente. Em 2022 o Natal é apenas um saudosismo. A modernidade não suportava uma festa onde a imagem mais bonita era uma família ao redor da mesa. Acusaram-na de tudo aquilo que acusam a classe média: consumismo, hipocrisia, centro de proliferação de neuroses. Mataram a coisa. Em troca deram o que? Vazio. Completo e absoluto vazio. ----------------- No clip que posto, de um especial de TV feito em 1957 ( em 57 os EUA, ricos até dizer chega, já tinham TV em cores ), vemos Bing e Frank, vestidos a rigor, mesa posta, celebrando o Natal como dois solteiros. O cenário e as roupas remetem à um mundo perdido. Mais incrível, não há a menor chance de suspeita de ser um casal gay. Crosby, que foi ídolo de Sinatra, domina a cena. Vai à janela e canta seu maior hit. Tudo é POP e tudo é classudo, chique, atemporal. Simples como é toda sofisticação, a canção é uma prece para um Natal que sobrevivia como festa sem religião. Ou melhor, festa para todas as religiões. Para aqueles que não podiam ou não queriam celebrar Jesus Cristo, que se celebrasse Bing e Frank, tudo aquilo que os dois representavam: família, classe, savoir faire, cultura popular em alto nível. Era esse o meu natal desde sempre. Era a noite em que eu me arrumava, melhor que nenhum outro dia do ano, para comemorar a chegada do dia 24 de dezembro. A casa era enfeitada, a família renovada, os amigos elogiados e os presentes guardados. Tudo era um ritual, obrigatório, felizmente obrigatório, onde uma espécie de limpeza moral era executada. Por isso Frank e Crosby: eles eram o símbolo da festa toda. A acusação moderna de cinismo era, como sempre é, uma acusação feita por quem é cínico. O cinismo deles não os deixava notar que era na verdade o momento de se matar o cinismo. A chance de recomeçar. A noite de abrir o coração. Nascer mais uma vez. ( Observe que toda acusação raivosa traz sempre dentro de si a auto revelação ). Foi o natal a última das grandes festas ocidentais a perder seu valor e seu sentido. Talvez por ter sido a mais forte e aquela que nos fundou. De todo modo, eu tenho a obrigação espiritual de manter a chama acesa. O Natal é para mim, e será até minha morte, a data central do ano e a noite que define minha vida. PAZ NA TERRA E FELIZ NATAL. Nada é mais belo que essa mensagem e nada é mais bonito que esse clip. ------------------ PS: Natal Branco não é um natal de raça branca. A neve é branca e nada pode ser feito quanto à isso. É NECESSÁRIA ESSA EXPLICAÇÃO PARA NÃO SER CENSURADO.

FRED ASTAIRE- TOM CRUISE- GEORGE CUKOR- DORIS DAY- PETER CUSHING

   DUAS SEMANAS DE PRAZER ( HOLIDAY INN ) de Mark Sandrich com Bing Crosby, Fred Astaire e Marjorie Reynolds.
Um triângulo amoroso entre um cantor, um dançarino e uma novata. O cantor larga a vida na cidade e monta uma pousada no campo. Essa pousada vira um hotel-show. E o amigo vai se apresentar lá e disputar sua garota. O filme é uma delicia. Todas as canções são de Irving Berlin e cada uma fala de um feriado. Fred Astaire está ótimo como um dançarino meio safo. Tem três números espetaculares. Mas o filme se sustenta graças a direção do mestre Sandrich, diretor dos melhores filmes da dupla Astaire-Rogers e que morreria nesse mesmo ano. Bing Crosby transpira calma. Um paizão. Poucos anos depois este filme seria refeito com pequenas mudanças...e com resultado bem mais pálido. Nota 8.
   ROMANCE INACABADO de Stuart Heisler com Bing Crosby e Fred Astaire.
Usando as mesmas canções de Irving Berlin, os produtores refazem Holiday Inn. As mudanças são poucas: o ambiente é todo de cidade e Bing é um cara que vive mudando de endereço. Fred disputa uma mulher com ele... Há o Puttin on The Ritz de Fred, e isso sempre nos faz sorrir de satisfação. Mas é um filme de segunda. Nota 5.
   UM PIJAMA PARA DOIS ( THE PAJAMA GAME ) de Stanley Donen com Doris Day, John Raitt e Carol Haney.
Um sucesso na Broadway, este musical trata de um tema incomum: uma greve. O ambiente é todo de fábrica e de gente "comum". O filme foi um fracasso em 1959. Já se sentia o fim do mundo dos musicais. É um filme estranho...as músicas são excelentes, algumas danças são boas ( duas são ótimas ), mas ele não funciona. Simplesmente desistimos dele. A coreografia é de Bob Fosse, o gênio, e em duas cenas percebemos o futuro monstro que ele seria. Os corpos voam, as mãos falam, é o modo único de Bob Fosse fazer dança. Mas o filme...Donen, um dos meus diretores favoritos, dirige sem paixão. Pena...Nota 3.
   A MALDIÇÃO DE FRANKENSTEIN de Terence Fisher com Peter Cushing e Christopher Lee.
O primeiro filme da Hammer. Uma produtora inglesa, barata, que em 1957 resolveu fazer filmes de terror de bom nível. Pegou o ciclo dos anos 30 da Universal e os refilmou de outro jeito. Mais explícitos e coloridos. Este foi o primeiro e como vendeu bem, abriu o caminho para o filão que duraria quase vinte anos. Os atores estão maravilhosos e confesso que senti um certo incômodo vendo o filme. É doentio. Nota 5.
   MISSÃO IMPOSSÍVEL de Christopher McQuarrie com Tom Cruise, Jeremy Renner, Simon Pegg e Rebecca Ferguson.
Apesar da história ser completamente inverossímil, é um filme de ação muito bom. Todas as cenas têm o ponto certo, nunca parecem longas, nunca são velozes demais. Você consegue ver gente em meio ao fogo e às explosões. Tom nasceu para esse filme, está perfeito. O vilão é terrível no ponto exato e a heroína é bonita e convence. Tipo de diversão que vale cada centavo gasto. Nota 7.
   O CAVALO CAMPEÃO de Anthony Pelissier com John Mills, John Howard Davies e Valerie Hobson
Um filme muuuuuito estranho. Numa família de classe média, o pai gasta muito dinheiro no jogo, a mãe é consumista ao extremo e o único filho desmorona vendo o desastre que se aproxima. Mas eles têm um jardineiro que lhe apresenta o jockey club e o menino aposta e começa a ganhar... Poucos filmes demonstram com mais distanciamento o desastre de uma criança. Pais que dão ao filho toda a tensão do lar. O filme é esquisito, árido, simples e muito duro. Hoje é considerado uma pequena jóia do cinema inglês.
   NASCE UMA ESTRELA de George Cukor com James Mason e Judy Garland.
Um filme maldito. Cukor fez um filme de 4 horas. A Warner cortou para duas e meia. E, apesar das indicações ao Oscar, foi um fracasso. Aqui temos ele refeito em 3 horas e pouco. Visualmente é um primor. O colorido brilha em tons de azul e preto, ângulos de câmera ousados e movimentos súbitos. Mas a história é difícil de acompanhar. Talvez por sabermos toda a história do ator bêbado que descobre cantora genial e a lança ao estrelato. O filme é pesado, triste, mórbido até. Judy perdeu o Oscar para Grace Kelly e jamais se recuperou. James Mason está bem, mas nunca emociona. Um grande erro. Dos poucos de Cukor.
   PAPAI PERNILONGO de Jean Negulesco com Fred Astaire e Leslie Caron.
Sempre que Astaire se afasta do tipo continental, o cara da cidade, meio safo, esperto e vaporoso, o filme parece se ressentir disso. Aqui nada convence. Ele é um ricaço que adota uma francesa pobre de 18 anos....Aff...Ela não pode saber e depois de anos ele se aproxima dela sem que ela saiba que ele é o benfeitor que pagou tudo para ela. Sim, é uma bobagem xaroposa. Fuja!

PETER SELLERS/ COELHOS/ ANA MARIA BAHIANA/ ASTAIRE/ MILESTONE/ JOHN GARFIELD

   ROMANCE INACABADO de Stuart Heisler com Bing Crosby e Fred Astaire
Astaire, em seu tempo de vacas magras, serve de escada para o sempre bonachão Crosby. O filme tem um score com um monte de canções de Irving Berlin, ou seja, apesar de ser produção de rotina, tem momentos de alto nível. Fred Astaire canta Puttin' on The Ritz...precisa de mais o que? São alguns minutos de técnica, alegria, classe e leveza. Como é bom poder ver esse gênio na tela! Nota 7.
   EXPERIMENT IN TERROR de Blake Edwards com Lee Remick e Glenn Ford
Acabou de sair em dvd. A música, climática, classuda, bem conhecida, é de Henry Mancini. O filme tem a fama de ser um dos favoritos de David Lynch. Tem o clima doente de seus filmes. A história fala de um maníaco asmático, que persegue e aterroriza pacata mocinha. Edwards estava aqui em seu apogeu. Acabara de fazer uma das melhores comédias do cinema e iria dominar a década com seu humor ácido. Aqui, nada de humor. É suspense esquisito, pouco hitchcockiano. Nota 6.
   2 COELHOS
Filme trailer. Me peguei esperando que ele finalmente começasse. Não começa. O diretor é daquela escola que pensa assim:"Se os trailers são tão bons, porque não fazer um filme que seja um trailer de hora e meia?" Nos anos 70 reclamavam que os filmes começavam a se parecer com TV, muito close e muito corte, nos anos 80 reclamavam que eles se pareciam com comerciais de TV, imagem fake e personagens rasos, nos 90 era o clip, muito efeito e excesso de cortes, pois veio depois o filme trailer, simples flashs de pedaços de ação com letreiros e apresentação de personagens que nunca termina. O futuro será o filme facebook, perfis de personagens e ações irrelevantes... Nota 1. pela boa produção.
   O PRISIONEIRO DE ZENDA de Richard Quine com Peter Sellers
O ponto baixo desse gênio chamado Sellers. Trata da velha trama da troca de um rei à perigo por um sósia simplório. Sellers dá um show como os dois. Um snob e afrescalhado principe da Europa central e um inglês pobre, pacato e de sotaque cockney. Há um filme de Tv com Geoffrey Rush que mostra quem foi Peter Sellers. Um homem sem personalidade, que só existia em seus papéis. Sellers foi meu primeiro ator-ídolo. Morreu do coração em 1979, com 50 anos apenas. A jovem geração perdeu a chance de conhecer esse ator incomparável. Poderia estar vivo ainda...uma pena. O outro filme que fez nesse mesmo ano ( 1978 ) com Hal Ashby, Being There, é talvez, o mais influente filme a servir de modelo a nosso tempo. André Forastieri disse isso, o cinema fofo e moderno de Wes Anderson, Juno e que tais é 100% Hal Ashby. Mas este tal de Zenda leva Nota 5.
   OS BRAVOS MORREM DE PÉ de Lewis Milestone com Gregory Peck
No inicio de sua carreira, Milestone fez o melhor filme de guerra do cinema ( Nada de Novo no Front ). No final dessa inconstante trajetória ele fez este outro histórico filme de guerra. Aqui, Peck é o comandante de um pelotão que deve tomar posse de uma montanha na Coreia. Eles a tomam, mas a que preço? O filme mostra o absurdo da situação: a batalha é inutil, os superiores mentem aos soldados, a ajuda nunca vem, o terror domina a todos. Nada há de heróico, eles apenas tentam sobreviver. O filme é forte, soberbo, tem cenários inesquecíveis. Peck transmite sua autoridade de homem íntegro. Consegue parecer assustado e sob pressão sem perder a altura. Funciona. O filme é quase uma obra-prima. Nota 8.
   SUGATA SANSHIRO de Akira Kurosawa
É o primeiro filme do mestre. Fala de um jovem que tenta ser um mestre do judô. O tema de Kurosawa já se expõe: vontade sob dor, teimosia que leva a vitória, prêmio que nunca compensa o sofrimento. Mas a vida se justifica nessa luta. Ela, a vida, vence, e nós somos parte dela e nunca seus senhores. A imagem do filme está estragada, muito escura. Se o achar em alguma loja, fuja. Não posso dar nota.
   O EGÍPCIO de Michael Curtiz com Edmund Purdom, Jean Simmons, Victor Mature e Gene Tierney
Fim da carreira de Curtiz. Fim digno em produção "épica" sobre um egípcio que se torna médico e se envolve com mulher fatal. O elenco é problemático. Purdom não vingou, Mature foi o simbolo do canastrão, Gene Tierney, que foi a mais bela das atrizes, já está irreconhecível. Teria logo uma doença nervosa que a isolaria da vida. E Jean Simmons, que faz o papel da mocinha boazinha que ajuda o herói, tinha sua carreira prejudicada por Zanuck, o poderoso produtor, por não ceder a suas cantadas. Jean era inglesa e foi a mais bela das Ofélias no Hamlet de Olivier. Este filme é enorme, pesado, melodramático, sem noção, tolíssimo e apesar disso tudo, deixa-se ver com facilidade. Nota 5.
   VINGANÇA DO DESTINO de Jean Negulesco com John Garfield e Micheline Presle
Garfield é um jockey americano. Ele vende corridas, faz "marmeladas". Foge para a França, mas o destino o persegue na forma de um mafioso que ele traiu. O filme tinha tudo para ser bom. Um ator excelente ( Garfield, foragido de MacCarthy, logo morreria na amargura. Seu tipo feio, sujo, antipático fez dele o primeiro ator a parecer "gente de verdade" ), um tema ousado e uma Paris pós-segunda guerra ainda existencialista. O filme é cheio de jovens barbudos, clubes de jazz e ruas imundas. Fascinante Paris que desapareceria nos anos 60 com seu boom de crescimento. Mas com tudo isso o filme é chato. Cai em excessos de melô na figura do filho de Garfield, um menino enjoado, choroso e bonzinho demais. O filme é frustrante então. Nota 3.
   1972 de Ana Maria Bahiana e José Emilio Rondeau com Dandara Guerra, Rafael Rocha e Tony Tornado
Foi um fracasso de bilheteria esta produção cara que foi a estréia de Ana na direção. Ana foi critica de rock e o filme tem algo de autobiográfico na figura da mocinha que tenta ser repórter de rock em 1972. Há algo de Quase Famosos aqui, mas o filme, que é bom, nunca emociona. O que mais o prejudica são os dois atores centrais. O mocinho do subúrbio é interpretado de modo completamente amador. Já a repórter é um pouco menos ruim, mas Dandara, que é impressionantemente linda, tem problemas de dicção. O melhor é ver Big Boy sendo homenageado e sentir o amor ao rock que há em todo o roteiro. O filme é sobre rock na época em que gostar de rock ainda era coisa de bandido. Nesse ponto ele acerta na mosca. Era coisa de não- bandidos, jovens ingênuos, idealistas, sonhadores e que se uniam na grande irmandade dos cabeludos. O chato é que esse filme podia ser tão mais..... Nota 6.

TOP HAT, WHITE TIE AND TAILS- fred astaire



leia e escreva já!

THE IRVING BERLIN SONGBOOK- FRED ASTAIRE E OSCAR PETERSON, LIÇÃO DE ALEGRIA REGADA A CHAMPAGNE

   Para encerrar o ano com chave de diamante, nada pode ser melhor, feito a sós, que escutar Fred Astaire. Aqui, acompanhado por grupo de jazz comandado pelo piano de Oscar Peterson. Ou seja, nada de violinos. Bateria, baixo, guitarra e sax...uma delicia!
   Berlin, nascido na Russia, faz parte do big five da canção americana ( ele e mais Cole Porter, Gershwin, Jerome Kern e Richard Rodgers ). Não sei, e acho que ninguém se arrisca a dizer, quem era o maior. Como letrista, provávelmente Porter, como arranjador, Gershwin, mas e Berlin? Ele é o de maior sucesso popular e suas canções podem ser tão harmoniosas quanto as de Gershwin e tão espertas e maliciosas como as de Cole.
   Dificil saber também qual seria o melhor momento deste disco. Tem "Cheek to Cheek", e nessa canção, quando ouvimos Fred dizer : "Heaven...I'm in heaven...", bem, nós estamos in heaven too! É uma das raras canções felizes que faz com que toda a nossa felicidade se presentifique. Mais que uma música, é um dom compartilhado. Mas o disco tem também "Puttin' on the Ritz", e com essa voce se sente Gary Cooper... Dá vontade de beber champagne, de arrumar a gravata, de sair pra rua e olhar a vida rolar. Ouvi-la é se sentir very special.
   Seriam essas as duas melhores? Mas aí vem "Isn't this a lovely day" e ela é um amor que é feliz. Amor feliz, amor onde não se chora, não se lamenta, amor que é apreciado. Essa canção dá vontade de amar. Amar sorrindo, amar como um homem deve amar uma mulher. E vem "Change partners", outra que é sobre um amor, mas amor já triste, triste porém classudo, sem escândalos please. Linda melodia...
   Não seria a melhor "Top Hat" ? Essa eu poderia ficar escutando a vida inteira. Voce deseja saber o que é classe? Tá tudo aqui. E é impressionante como a voz de Astaire soa moderna. Ele canta pequeno, curto, e sem jamais perder a afinação. Modula o timbre, pronuncia claro ( os cantores como ele são facílimos de entender, pronunciam um inglês perfeito ), e acima de tudo ele tem ritmo, tem jazz. O estilo de Fred se casa com os músicos negros e o que sai é brilhante, exultante, esfuziante.
  "Steppin' Out" pode ser a mais perfeita... Ah, desisto! Como saber qual o mais perfeito pôr do sol? Qual o diamante que brilha mais?
  Uma historinha...
  Quando eu tinha 11 anos e começava minha coleção de discos de rock, meu pai, que nasceu em 1926, ficou muito surpreso. Ele me dizia: " Mas porque voce compra esses discos? Voce não vê que todos são "música caipira? Música de analfabetos?"
  Meu pai ouvia música de orquestras e Sinatra. Eu achava aquilo nojento e ria de meu pai achar que Beatles, Elton John e Bowie fossem caipiras. Mas agora eu entendo. O rock é filho do blues rural e do country.  Para quem tem familiaridade com a música verdadeiramente, e desde sempre, urbana, o rock sempre terá um jeito de cowboy, de jeans e violão. Urbanidade é Duke Ellington ou Thelonious Monk, lá nada há de rural. A ancestralidade caipira de todos nós está tão distante que nada nessas músicas lembra poeira ou cabanas de madeira. Nesse tipo de canção, mesmo quando o cara vai pro mato, ele leva rádio, cadeiras e talheres de prata. Para meu pai, cada acorde da guitarra de Harrison era uma lembrança de uma viola caipira, cada frase de Elton tinha o sotaque de um inglês querendo soar como se fosse do Kentucky e mesmo a sofisticação de Bowie lhe parecia um simples trejeito de adolescente suburbano.
   Eu sou um caipira e tenho orgulho disso. Mas eu adoro essa urbanidade "Quinta Avenida anos 40" de Astaire e do jazz. Vivo nessa confusão de tensões, que pode por outro lado ser chamada de visão abrangente. Mas o que eu sei é: Nada é mais Feliz que Fred Astaire cantando Top Hat....