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BIG SUR BY HENRY MILER + ABBEY ROAD AND LET IT BLEED + UMA CONVERSA COM UM STALINISTA + RILKE
-------------------- Big Sur foi escrito por Miller nos anos 40 e não fala de sexo e nem de drogas bebida ou tudo aquilo que os leitores teen de Miller procuravam até os anos 90. Ele se mudou para o sul da cidade de San Francisco, o Big Sur, uma região selvagem e deserta então, e nos conta como é morar lá. O livro, muito bom, é um elogio da solidão, da percepção que nasce com a observação atenta da vida e das coisas. Não chega a ser ZEN, mas o que Miller diz me agrada porque eu vivi tudo aquilo que ele narra, então eu sei do que se trata. Mas não pense que seja um isolamento radical. Miller mora num barraco, feito por ele mesmo,com dois filhos, câes e tem vizinhos, vizinhos que moram longe, que também amam a solidão, mas que o encontram de vez em quando. Ele aprende a se virar, a construir uma fossa, um chuveiro, moveis, a viver sem eletricidade. Quanto aos vizinhos, o foco do livro é falar deles. ------------- São pessoas interessantes. Gente que largou tudo e foi viver por lá. Alguns são artistas, todos são diferentes, excêntricos talvez, mas jamais malucos. Miller descreve eles, relembra conversas e nos conta suas sensações ao observar o tempo, o mar, as montanhas, uma folha seca no chão. Quando não cai em seu emocionalismo, que eu odeio e por isso não leio os Trópicos, Miller escreve bem. Ele descreve, ele pensa, ele diz. Felizmente neste livro ele se perde em emoções adolescentes poucas vezes. É um adulto falando. E como tal ele conta coisas que interessam. ----------------- Miller já era cult então, por isso recebe visitas de fãs que o acham lá. Ele tenta fugir, mas não há como. Vão a procura do escritor louco cheio de sexo, encontram um quase monge solitário. Com os moradores do lugar ele é simpático. São conversas sobre o clima, sobre consertar uma porta, sobre a escrita, sobre pintura. São companheiros. ----------------- Quanto mais voce usa esse seu celular mais distante da ONDA DO MUNDO voce está. Explico. Miller crê que ninguém cria nada, que há um criador que cria através de nossa mente. Somos antenas. Para acessar essa criação é preciso alguma solidão, silêncio, quietude. Sacou? Uma geração, inclusive eu, que vive conectada não tem chance alguma de entrar nessa onda mental. Daí a pobreza vexatória de nossa arte hoje. São criações de carne e de nervos, não de alma. ------------------ Em 1977, ano em que provei a quase solidão total, ganhei os discos Let It Bleed e Abbey Road. Os escutei diariamente por meses. Como dizia Rilke, voce só entra numa obra de arte quando dorme-vive-é inteiramente dela. A somoridade cristalina de Abbey Road e sua mistura de tragicidade com alegria criativa marcaram minha alma para sempre. Assim como a rebelde sexualidade arrogante de Let It Bleed. Eu morei, sozinho, em cada sulco daquele vinil. Não foi uma experiência estética ou sensual, foi um degrau espiritual conquistado. Minha pergunta é: quem tem uma experiência musical assim no Spotify? -------------------- Rilke diz em certo momento que livros emprestados não lhe tocam como aqueles que são dele. Pois a leitura completa só se dá em livros que têm seu cheiro, suas marcas, convívio físico entre leitor e obra. É preciso que o livro faça parte de voce. -------------------- Reencontro um velho amigo. Mais um. Ele me leva à um café chique, caro, exagerado. Não nos víamos fazia mais de 10 anos, muita coisa para se dizer. Mas.... Ele começa me contando de uma amiga negra, modelo, que só consegue trabalho na Suiça, aqui não. " Porque o Brasil é racista não é?". Depois ele me fala de um amigo que transou com um travesti, e que por isso, está sofrendo a terrível culpa cristã. Então ele fala de sua esposa, que está ganhando muito menos do que merecia, porque o Brasil é machista. Nesse ponto já entendi que aquilo não era um reencontro, ele apenas queria saber meu "grau de direitismo", como eu reagia a esse quase interrogatório. Me corrigiu várias vezes, "Não diga favela, é ofensivo, não diga gay, é machismo..." Então ele pagou a conta, alta e injusta, e disse que eu sou O CARA. --------------------- Fiquei triste. Eu sabia que ele faz parte do mundo dos Liberais Chique, mas pra mim isso é só um rótulo, ele é muito mais. Ou era muito mais. ------------- Nada das conversas sobre livros e sol, nada de mulheres bonitas e saudades, nem uma frase sobre a alegria de se rever um amigo. Apenas os assuntos minúsculos, ensaiados, aprendidos em jornais podres. Ele me pareceu morto. Vazio. Um boneco que nada percebe. --------------- Minha namorada riu. Ela trabalha com moda e diz que uma negra estilosa arruma muito mais trabalho que uma loura bonita. Nascida na favela, ela ri ao dizer que todo mundo nela diz favela. Comunidade é coisa de classe média ou de negro na TV. ----------------------- Eu queria ter falado à esse amigo dos livros que li, das experiências que tive, das pessoas que conheci. Impossível. Eu me sentiria em prova todo o tempo, ele a espera da revelação de minha condição de extremista de direita. ------------------- Enquanto isso pouco me interessa se Henry Miller amava Lenine ou não. O que importa é o modo como ele vê um pássaro e o que ele fala sobre a cor. Posso dizer que ele, morto em 1980, é muito mais próximo de mim que esse amigo perdido. O tempo.... ele é relativo.
82 É UMA BOA IDADE PARA MORRER ( LEONARD COHEN )
Rilke disse que nós humanos não podemos ver anjos porque a visão de tanta beleza seria para nós completamente insuportável. Anjos terríveis.
A música de Leo tinha essa coisa horrível. Era fria, distante, trágica e perversa. E ao mesmo tempo era linda, porque sabíamos que quem cantava, cantava para seus anjos.
Leo agora vê seus anjos judaicos. Suzanne lhe abre as portas dos céus e Leo pode fazer suas perguntas mais uma vez. Talvez agora alguém as responda. Mas penso que não mais importa.
A vida inteira Leonard Cohen amou a morte. Não como um suicida, que a odeia tanto que se afoga em seu horror. Ele a amou como se ama uma mulher. Com fascínio, medo, respeito e desejo. Ele pensava sempre no lado de lá.
A morte, essa prostituta, levou Lou Reed e sádica, raptou Bowie de nós. Agora, entre véus, seduzida, pega Leo pela mão e o leva em valsa.
Nenhuma morte me parece tão justa.
A música de Leo tinha essa coisa horrível. Era fria, distante, trágica e perversa. E ao mesmo tempo era linda, porque sabíamos que quem cantava, cantava para seus anjos.
Leo agora vê seus anjos judaicos. Suzanne lhe abre as portas dos céus e Leo pode fazer suas perguntas mais uma vez. Talvez agora alguém as responda. Mas penso que não mais importa.
A vida inteira Leonard Cohen amou a morte. Não como um suicida, que a odeia tanto que se afoga em seu horror. Ele a amou como se ama uma mulher. Com fascínio, medo, respeito e desejo. Ele pensava sempre no lado de lá.
A morte, essa prostituta, levou Lou Reed e sádica, raptou Bowie de nós. Agora, entre véus, seduzida, pega Leo pela mão e o leva em valsa.
Nenhuma morte me parece tão justa.
OS CADERNOS DE MALTE LAURIDS BRIGGE- RAINER MARIA RILKE, A GRANDE CRISE
Escritos entre 1904 e 1911, aqui em tradução de Lya Luft, aviso você, leitor, a se preparar bastante para ler esta prosa poética de Rilke. Mergulhado numa crise espiritual, o poeta está, só e miserável, vagando por Paris. A fome e a sujeira apertam o cerco e ele delira. Memórias de um tempo em que sua família vivia em castelos e esbanjava dinheiro, lembranças que nunca são felizes.
Raros os livros tão tristes. Tudo aqui é morte e principalmente medo. Estava no ar o fedor da putrefação. Rilke, como outros tantos, teria previsto 1914...
Pesadelos e medo. Seria Rilke vítima da Síndrome do Pânico antes de que esse mal fosse moda ( interrogação ). Os medos que ele descreve, o pânico nas ruas, as súbitas tremedeiras, o horror pelo outro. Tétrico, este é um assustador livro de gótico. Tudo é mal ao redor das sombras. E as sombras estão em tudo. Ele busca Deus, ele ainda crê, mas sabe que os anjos são agora impossíveis. Santos são solitários. Ele não é um deles.
Como conseguiu Rilke ter sobrevivido...Cada página, caleidoscópio de terror, cores, quase beleza, possibilidades perdidas, descobertas, é uma dor. Menino mimado e doente, como Proust, Rilke se aferra à mãe. Mas parte rumo à miséria. E conhece esse mundo: a Paris suja, miserável, escura, e indiferente. Mulheres. Doenças. E a poesia distante. Ele escreve como cura. Sabe que vai perder sempre. O destino é torto e vago.
No começo ele diz que os homens perderam sua morte. Que antes morriam após cultivar uma morte única. Morriam em casa, ou não, em cenário escolhido, morriam a seu modo. Agora todos morrem anonimamente, em lugar indiferente. A grande dor é essa: Não somos donos de nossa morte.
Se Rilke começa o livro assim, então ele é a tentativa de reaver a morte. Pois morrer era Grande e agora é pequeno.
Ele tem 28 anos e precisa aprender a ver. E a esquecer. E escreve. Cães e silêncio.
Uma alma que diz: Toda a humanidade nada aprendeu, vivemos apenas na casca das coisas.
O poeta faz a faca.
Bravo!
Raros os livros tão tristes. Tudo aqui é morte e principalmente medo. Estava no ar o fedor da putrefação. Rilke, como outros tantos, teria previsto 1914...
Pesadelos e medo. Seria Rilke vítima da Síndrome do Pânico antes de que esse mal fosse moda ( interrogação ). Os medos que ele descreve, o pânico nas ruas, as súbitas tremedeiras, o horror pelo outro. Tétrico, este é um assustador livro de gótico. Tudo é mal ao redor das sombras. E as sombras estão em tudo. Ele busca Deus, ele ainda crê, mas sabe que os anjos são agora impossíveis. Santos são solitários. Ele não é um deles.
Como conseguiu Rilke ter sobrevivido...Cada página, caleidoscópio de terror, cores, quase beleza, possibilidades perdidas, descobertas, é uma dor. Menino mimado e doente, como Proust, Rilke se aferra à mãe. Mas parte rumo à miséria. E conhece esse mundo: a Paris suja, miserável, escura, e indiferente. Mulheres. Doenças. E a poesia distante. Ele escreve como cura. Sabe que vai perder sempre. O destino é torto e vago.
No começo ele diz que os homens perderam sua morte. Que antes morriam após cultivar uma morte única. Morriam em casa, ou não, em cenário escolhido, morriam a seu modo. Agora todos morrem anonimamente, em lugar indiferente. A grande dor é essa: Não somos donos de nossa morte.
Se Rilke começa o livro assim, então ele é a tentativa de reaver a morte. Pois morrer era Grande e agora é pequeno.
Ele tem 28 anos e precisa aprender a ver. E a esquecer. E escreve. Cães e silêncio.
Uma alma que diz: Toda a humanidade nada aprendeu, vivemos apenas na casca das coisas.
O poeta faz a faca.
Bravo!
A UTILIDADE DA BELEZA É A DE DESTRUIR O CONCEITO DE UTILIDADE
E tudo começou com Beardsley. Com uma linha sinuosa, desenhada a nanquim, preto sobre o branco. Um diabinho e uma mulher nua. Era o começo do fim do século XIX, e como protesto ao automatismo da vida industrial, eles criaram a noção de que só teria valor aquilo que fosse feito manualmente. A revolução seria a revolução da beleza. Se o mundo se tornava cada vez mais feio, sujo, aglomerado, cabia ao homem, a todo homem, se individualizar. Fazer de seu ambiente, de sua vida, testemunho de sua beleza individual. ( Me parece que hoje, burramente, o protesto se dá pelo culto ao feio. Como se não fosse feio aquilo que produzimos naturalmente ).
O que seria essa beleza? Para o art nouveau inglês, o belo seria noturno, negro, curvilíneo, pecaminoso e satânico. Whistler exemplifica bem esse estilo noturno. Mas Londres não foi solitária. Barcelona, Bruxelas, Paris, Berlin e principalmente Viena logo adotaram o estilo. Beleza para todos! Não vamos esquecer nunca que eles eram socialistas, sua ambição era coletiva e socializante.
Uma contradição! Um dos lemas era: Melhor fazer um cinzeiro em dez dias que dez cinzeiros em um dia! E realmente eles levavam até mais de dez dias para fazer um cinzeiro. E essa peça seria única, cheia de criatividade, beleza. E cara...O novo estilo, JUNGSTIL, começou a ser sinal de luxo, status, exclusividade. Mobilia, quadros, roupas, objetos, um simples saleiro, tudo era Jungstil. O jovem estilo. Nada acessível às massas que continuavam em sua pobreza feia do produto anônimo. Mas havia a arquitetura, e com ela a cidade poderia mudar, e com a mudança do ambiente o povo poderia adquirir o senso da beleza! Maravilhosas fachadas em Viena, em Paris, estações de metrô, postes de luz, gares de trens, bancos, jardins, tudo art nouveau, novo lema: Arte de Hoje para o Tempo de Agora!
A música do tempo: Debussy! Ravel ! Satie! Curvas, panos, tapetes, cortinas, luzes, ferro fundido, prata, ouro, vitrais, flores, veludo. Poetas do tempo: Rilke, Stefan George, Mallarmée, Valéry. Corpos nús, sexo, oriente, Grécia. Vapores...Luxo, sempre o luxo, a calma, a volúpia. Klimt, Mucha, Otto Wagner, Victor Horta.
Em Trieste, em 1905, Rilke e Joyce se cruzaram na cidade. E não se reconheceram, claro. Mas veja, uma cidade, média, viu dois gênios respirarem seu ar ao mesmo tempo. Um, Rilke, cultuando a negra pantera que trazia em seu movimento a beleza do sexo e da morte; o outro, Joyce, odiando tudo aquilo e querendo mostrar ao mundo o cuspe, a merda e a vulgaridade da vida real. E quem sabe, achar a beleza maior nessa verdade.
Para o Art Nouveau, a beleza era um fim em si. Para Joyce, a verdade era a beleza. Sempre a verdade.
Como todo movimento novo, ele logo ficou velho. Em dez anos, o esgotamento. E quando a primeira guerra veio, em 1914, culpou-se o Jungstil pela guerra. Falou-se que sua falta de moral, de fibra, sua preguiça seria o ambiente que levou o mundo ao Kaos! Jungstil passou a ser coisa decadente, suja, mortal...
Por 50 anos, até 1964 mais ou menos, TUDO referente a Klimt, Beardsley, Whistler, foi considerado de segunda categoria. Foi o tempo da ditadura da linha reta. Da Bauhaus, de Mondrian, aqui no nosso Brasil do chato Niemeyer. Sem ornamentos, sem enfeites, sem copiar a natureza. Linhas puras, aço e vidro, regras e réguas. A beleza substituída pela FUNCIONALIDADE. O objeto, a construção, deve cumprir sua função. Tudo o que não tenha uma utilidade é dispensável. ( Oscar Wilde: A arte e a beleza só o são quando completamente inuteis ).
Os anos 60 recuperaram a Jungstil. De repente o inutil voltou a ser cultuado. O mundo viu um renascimento do ornamento, do enfeite, do negro, do dúbio, do floral, do véu, o satânico, o exagero. A curva retomou seu posto de rainha de estilo. A vida como arte, o eu como construção consciente de beleza. Se voce quer que eu vulgarize, a música pop de Incredible String Band, Soft Machine, Gong, música floral, cheia de arabescos, surpresas, tintas e noites, discos como o Satanic dos Stones, Sgt Peppers, Forever Changes do Love. Capas, olhos árabes, vitrais art déco, música indiana, marroquina, flamenco...A beleza, a busca da beleza como única fé, a religião do BELO.
E hoje? E 2015?
Uma luta neste vale-tudo do mercado que é o mundo. Um planeta que virou um bazar de vidro e pedra. De um lado a hiper-funcionalidade. Beleza sendo conceito relativo, ou pior, futil. Estranhamente esse conceito se tornou quase religioso, pois ele no fundo nega a matéria. Se voce nega a beleza do olhar e do tato, voce está negando o mundo sensual, o mundo da matéria. Voce vive no mundo da função, do pensamento e do fazer imaterial. É quase um universo cego. O Brasil ama esse mundo. Por tradição somos ligados a cegueira. Prédios todos iguais, ruas sem ornamentos, funcionalidade que em nosso trágico caso, nunca funciona. Estamos no pior dos dois mundos.
E há a luta pela preservação da beleza. Que se transformou no culto ao prazer egoísta. Cultua-se o belo imaginando que a beleza vive no status. Na saúde. No chique. É uma tradição que inexiste no Brasil. Ou melhor, sobre- vive numa natureza que ensina a filosofia da beleza, do excesso, da curva exuberante. Mas nós odiamos essa beleza. Cuspimos nela. A sinuosidade de um riacho, canalizamos. Ele parece ser não funcional.
Para mim, beleza cura tudo. Essa a sabedoria dos gregos, dos católicos, dos românticos, dos art nouveau, dos fauve. A beleza dá sentido ao que parecia absurdo. Ela nos consola, nos guia, nos justifica. A curva pode mais que a reta. O sinuoso absurdo seduz.
John Keats, em 1810 estava certo:
a thing of beauty is a joy for ever.
O que seria essa beleza? Para o art nouveau inglês, o belo seria noturno, negro, curvilíneo, pecaminoso e satânico. Whistler exemplifica bem esse estilo noturno. Mas Londres não foi solitária. Barcelona, Bruxelas, Paris, Berlin e principalmente Viena logo adotaram o estilo. Beleza para todos! Não vamos esquecer nunca que eles eram socialistas, sua ambição era coletiva e socializante.
Uma contradição! Um dos lemas era: Melhor fazer um cinzeiro em dez dias que dez cinzeiros em um dia! E realmente eles levavam até mais de dez dias para fazer um cinzeiro. E essa peça seria única, cheia de criatividade, beleza. E cara...O novo estilo, JUNGSTIL, começou a ser sinal de luxo, status, exclusividade. Mobilia, quadros, roupas, objetos, um simples saleiro, tudo era Jungstil. O jovem estilo. Nada acessível às massas que continuavam em sua pobreza feia do produto anônimo. Mas havia a arquitetura, e com ela a cidade poderia mudar, e com a mudança do ambiente o povo poderia adquirir o senso da beleza! Maravilhosas fachadas em Viena, em Paris, estações de metrô, postes de luz, gares de trens, bancos, jardins, tudo art nouveau, novo lema: Arte de Hoje para o Tempo de Agora!
A música do tempo: Debussy! Ravel ! Satie! Curvas, panos, tapetes, cortinas, luzes, ferro fundido, prata, ouro, vitrais, flores, veludo. Poetas do tempo: Rilke, Stefan George, Mallarmée, Valéry. Corpos nús, sexo, oriente, Grécia. Vapores...Luxo, sempre o luxo, a calma, a volúpia. Klimt, Mucha, Otto Wagner, Victor Horta.
Em Trieste, em 1905, Rilke e Joyce se cruzaram na cidade. E não se reconheceram, claro. Mas veja, uma cidade, média, viu dois gênios respirarem seu ar ao mesmo tempo. Um, Rilke, cultuando a negra pantera que trazia em seu movimento a beleza do sexo e da morte; o outro, Joyce, odiando tudo aquilo e querendo mostrar ao mundo o cuspe, a merda e a vulgaridade da vida real. E quem sabe, achar a beleza maior nessa verdade.
Para o Art Nouveau, a beleza era um fim em si. Para Joyce, a verdade era a beleza. Sempre a verdade.
Como todo movimento novo, ele logo ficou velho. Em dez anos, o esgotamento. E quando a primeira guerra veio, em 1914, culpou-se o Jungstil pela guerra. Falou-se que sua falta de moral, de fibra, sua preguiça seria o ambiente que levou o mundo ao Kaos! Jungstil passou a ser coisa decadente, suja, mortal...
Por 50 anos, até 1964 mais ou menos, TUDO referente a Klimt, Beardsley, Whistler, foi considerado de segunda categoria. Foi o tempo da ditadura da linha reta. Da Bauhaus, de Mondrian, aqui no nosso Brasil do chato Niemeyer. Sem ornamentos, sem enfeites, sem copiar a natureza. Linhas puras, aço e vidro, regras e réguas. A beleza substituída pela FUNCIONALIDADE. O objeto, a construção, deve cumprir sua função. Tudo o que não tenha uma utilidade é dispensável. ( Oscar Wilde: A arte e a beleza só o são quando completamente inuteis ).
Os anos 60 recuperaram a Jungstil. De repente o inutil voltou a ser cultuado. O mundo viu um renascimento do ornamento, do enfeite, do negro, do dúbio, do floral, do véu, o satânico, o exagero. A curva retomou seu posto de rainha de estilo. A vida como arte, o eu como construção consciente de beleza. Se voce quer que eu vulgarize, a música pop de Incredible String Band, Soft Machine, Gong, música floral, cheia de arabescos, surpresas, tintas e noites, discos como o Satanic dos Stones, Sgt Peppers, Forever Changes do Love. Capas, olhos árabes, vitrais art déco, música indiana, marroquina, flamenco...A beleza, a busca da beleza como única fé, a religião do BELO.
E hoje? E 2015?
Uma luta neste vale-tudo do mercado que é o mundo. Um planeta que virou um bazar de vidro e pedra. De um lado a hiper-funcionalidade. Beleza sendo conceito relativo, ou pior, futil. Estranhamente esse conceito se tornou quase religioso, pois ele no fundo nega a matéria. Se voce nega a beleza do olhar e do tato, voce está negando o mundo sensual, o mundo da matéria. Voce vive no mundo da função, do pensamento e do fazer imaterial. É quase um universo cego. O Brasil ama esse mundo. Por tradição somos ligados a cegueira. Prédios todos iguais, ruas sem ornamentos, funcionalidade que em nosso trágico caso, nunca funciona. Estamos no pior dos dois mundos.
E há a luta pela preservação da beleza. Que se transformou no culto ao prazer egoísta. Cultua-se o belo imaginando que a beleza vive no status. Na saúde. No chique. É uma tradição que inexiste no Brasil. Ou melhor, sobre- vive numa natureza que ensina a filosofia da beleza, do excesso, da curva exuberante. Mas nós odiamos essa beleza. Cuspimos nela. A sinuosidade de um riacho, canalizamos. Ele parece ser não funcional.
Para mim, beleza cura tudo. Essa a sabedoria dos gregos, dos católicos, dos românticos, dos art nouveau, dos fauve. A beleza dá sentido ao que parecia absurdo. Ela nos consola, nos guia, nos justifica. A curva pode mais que a reta. O sinuoso absurdo seduz.
John Keats, em 1810 estava certo:
a thing of beauty is a joy for ever.
POEMAS DE RAINER MARIA RILKE
Nascido em Praga, Rilke foi durante os anos 40 e 50 o mais amado poeta do mundo. Mas na radicalização politica da década de 60 ele não só perdeu seu posto como se tornou um tipo de simbolo do "poeta hiper-valorizado". Rilke nunca foi o maior poeta do século, mas está longe de ser hiper-valorizado. Sua obra tem beleza que é só dela e melhor ainda, tem uma filosofia musical, uma espiritualidade vaga que lhe dá permanência. Rilke sobreviveu aos anos 60 e 70. O século XXI sabe o compreender.
Criado pela mãe como se fosse uma filha, ele tinha tudo para ser um poço de complexos. Não foi. Rilke passou pela vida sendo muito amado, mimado, valorizado. Claro que ele via a vida com olhos de poeta, beleza e melancolia se casavam em sua vida, mas foi uma vida plena, realizada e curta. Rilke morreu aos 51 anos vitimado por uma leucemia.
Viveu como um poeta "antigo". Escrevia sob forte inspiração e era sustentado por ricos mecenas. Cercado de mulheres que o amavam, em tudo ele confirma a imagem chavão do Poeta. Escrevia cartas aos milhares e se isolava em castelos para escrever. Viajou, amou, escreveu... Escreveu o que?
Rilke criou algumas das mais belas imagens da poesia moderna. Sim, foi um moderno. Pois mesmo vivendo como um romântico e odiando profundamente tudo o que fosse "ciêntifico", Rilke escreve sem metro, solto, ao sabor do desejo. Escreve sobre a alma, anjos, morte e a fugacidade das coisas.
"Todo anjo é terrível"
Sua poesia é gnóstica. Ele busca conhecer as coisas e topa constantemente com uma imagem: o anjo. O anjo como ser tão imenso que aterroriza. O coração deixa de bater, assustado, ao vê-lo. Para Rilke, um dia pudemos ver os anjos porque suportávamos sua imagem e até mesmo ríamos com ela. Perdemos essa possibilidade, hoje tudo o que sentimos é medo.
"Oh! Quer a transformação!"
Gnose. Ele tem a consciência de que tudo é transformação e ao mesmo tempo é um ponto vazio. A alma, como a pantera de seu mais famoso poema, anda aprisionada em sua jaula e ansia pela liberdade que virá.
Rilke fala de coisa interessante: o homem deve merecer a sua morte. Cada um deve ter sua morte, construída em sua vida. Ele tinha horror a morte anônima dos hospitais, dos súbitos acidentes. O homem deve morrer a morte criativa, a morte que lhe cabe de acordo com o que viveu. Jamais pense ser isso convite a suicidio; é a morte em casa, em ação cotidiana, a morte que se insere naquilo que foi sua vida.
Para um homem que amou e foi amado da forma como ele foi, há em sua poesia uma surpreendente ausência de sexo e de musas. E falo isso como um elogio. Rilke não usava sua vida como objeto de exposição, ele a usava como suporte a sua obra. Escrevia sobre o espirito e somente sobre o espirito. Tudo me sua obra é ritmo em busca do absoluto. Caça à epifania.
Termino citando três filmes que sempre me vêem a lembrança ao ler Rilke.
Asas do Desejo, Morangos Silvestres e Viver!
Wenders, Bergman e Kurosawa. Todo o idealismo alemão, idealismo tão forte em Rilke se faz explicito na obra-prima de Wenders. Não são anjos terríveis os do filme, mas a vida desses anjos é. No filme de Bergman, o filme que mais cresce em meu conceito a cada vez que o revejo, há a busca por sentido e o encontro com a morte merecida. E temos Viver!, o mais doído dos filmes, de uma tristeza insuportável e ao mesmo tempo de terrível beleza. O velho que parte da vida, vivendo numa intensidade como jamais antes teve a coragem de tentar, é toda a demonstração do objetivo da poesia de Rilke. O velho que canta e se balança na neve é imagem de terrível e quase assassina beleza.
Meus poetas favoritos tomam conta de lados daquilo que sou.
Keats é meu sonho. Stevens meu intelecto. Pessoa meu exterior e Yeats minha alma. Rilke é meu medo.
O livro é traduzido por José Paulo Paes. Perfeito.
Criado pela mãe como se fosse uma filha, ele tinha tudo para ser um poço de complexos. Não foi. Rilke passou pela vida sendo muito amado, mimado, valorizado. Claro que ele via a vida com olhos de poeta, beleza e melancolia se casavam em sua vida, mas foi uma vida plena, realizada e curta. Rilke morreu aos 51 anos vitimado por uma leucemia.
Viveu como um poeta "antigo". Escrevia sob forte inspiração e era sustentado por ricos mecenas. Cercado de mulheres que o amavam, em tudo ele confirma a imagem chavão do Poeta. Escrevia cartas aos milhares e se isolava em castelos para escrever. Viajou, amou, escreveu... Escreveu o que?
Rilke criou algumas das mais belas imagens da poesia moderna. Sim, foi um moderno. Pois mesmo vivendo como um romântico e odiando profundamente tudo o que fosse "ciêntifico", Rilke escreve sem metro, solto, ao sabor do desejo. Escreve sobre a alma, anjos, morte e a fugacidade das coisas.
"Todo anjo é terrível"
Sua poesia é gnóstica. Ele busca conhecer as coisas e topa constantemente com uma imagem: o anjo. O anjo como ser tão imenso que aterroriza. O coração deixa de bater, assustado, ao vê-lo. Para Rilke, um dia pudemos ver os anjos porque suportávamos sua imagem e até mesmo ríamos com ela. Perdemos essa possibilidade, hoje tudo o que sentimos é medo.
"Oh! Quer a transformação!"
Gnose. Ele tem a consciência de que tudo é transformação e ao mesmo tempo é um ponto vazio. A alma, como a pantera de seu mais famoso poema, anda aprisionada em sua jaula e ansia pela liberdade que virá.
Rilke fala de coisa interessante: o homem deve merecer a sua morte. Cada um deve ter sua morte, construída em sua vida. Ele tinha horror a morte anônima dos hospitais, dos súbitos acidentes. O homem deve morrer a morte criativa, a morte que lhe cabe de acordo com o que viveu. Jamais pense ser isso convite a suicidio; é a morte em casa, em ação cotidiana, a morte que se insere naquilo que foi sua vida.
Para um homem que amou e foi amado da forma como ele foi, há em sua poesia uma surpreendente ausência de sexo e de musas. E falo isso como um elogio. Rilke não usava sua vida como objeto de exposição, ele a usava como suporte a sua obra. Escrevia sobre o espirito e somente sobre o espirito. Tudo me sua obra é ritmo em busca do absoluto. Caça à epifania.
Termino citando três filmes que sempre me vêem a lembrança ao ler Rilke.
Asas do Desejo, Morangos Silvestres e Viver!
Wenders, Bergman e Kurosawa. Todo o idealismo alemão, idealismo tão forte em Rilke se faz explicito na obra-prima de Wenders. Não são anjos terríveis os do filme, mas a vida desses anjos é. No filme de Bergman, o filme que mais cresce em meu conceito a cada vez que o revejo, há a busca por sentido e o encontro com a morte merecida. E temos Viver!, o mais doído dos filmes, de uma tristeza insuportável e ao mesmo tempo de terrível beleza. O velho que parte da vida, vivendo numa intensidade como jamais antes teve a coragem de tentar, é toda a demonstração do objetivo da poesia de Rilke. O velho que canta e se balança na neve é imagem de terrível e quase assassina beleza.
Meus poetas favoritos tomam conta de lados daquilo que sou.
Keats é meu sonho. Stevens meu intelecto. Pessoa meu exterior e Yeats minha alma. Rilke é meu medo.
O livro é traduzido por José Paulo Paes. Perfeito.
RILKE, POEMAS SELECIONADOS EM TRADUÇÃO DE JOSÉ PAULO PAES
Mulheres amaram Rilke. Baronesas, intelectuais, condessas e prostitutas. Ele amou a todas, não se prendeu a nenhuma. Talvez a fascinante Lou Salomé tenha sido a dor maior. Mas Rainer-Maria Rilke logo percebeu o que era a vida.
Dois sentimentos norteiam a poesia do alemão nascido em Praga. O mais importante é a sensação de que nunca nos abrimos. Ele notou que por toda nossa vida estamos sempre detrás de nossos pensamentos. O homem não se integra a vida. Jamais nos é dado o prazer de simplesmente estar-aqui-agora. Nosso cérebro nos coloca sempre no além-depois-antes. Talvez tenhamos um vislumbre desse estar aberto no primeiro momento do amor. Quando descobrimos o estar-aqui com o amor. Mas esse momento se perde em minutos, quando nasce o medo e a posse. Os animais, para Rilke, por desconhecerem o tempo e a finitude, vivem nesse eterno agora. Conhecem e são abertos à vida. Nós, além de racionais, mamíferos, ainda vivemos a sensação de nascer como expulsão, ser tirado do útero/paraíso. Sensação que é desconhecida das aves, que nascem sem expulsão, antes como libertação. Se ser parido é ato de saída, sair do ovo é nascer e permanecer na mãe, o fora-exterior.
O segundo pensamento que permeia a obra de Rilke é a finitude. Viver é perder. A vida é eterno movimento, e esse movimento nos leva a constantes e inevitáveis finais. Viver bem é saber se separar, ir embora, desapegar-se. É por isso que Rilke, apesar de amado, cultiva uma solidão olímpica. Estar só é a condição real da vida. Todo o resto é passageiro. Somos reais apenas na solidão e é nela que podemos ser realmente felizes, pois nessa condição independemos do tempo.
Rilke.
Foi o primeiro poeta que lí na vida. Numa má tradução ( esta de agora é brilhante. Tem ritmo, leveza, cor ). Odiei Rilke. Achei-o triste, mórbido, fraco. Adolescente, ainda tinha plena fé na ilusão do eterno. Não sabia que a única coisa imutável da vida é a própria mutabilidade.
Hoje ele continua me dando melancolia. Mas a esse cinza se uniu o colorido de sua beleza assustadora. Pois agora compreendo seus anjos terríveis. E sei que viver é dizer adeus. Pai, amores vários, amigos às pencas, cães, lugares, casas, crenças, ídolos... todos partem, é inevitável. Eu mesmo escapo de mim-mesmo.
Amei muito. e creio que tenha sido amado. Irei amar mais e continuo sendo procurado. Mas, estranhamente, apesar de momentos de absoluta alegria, de completa satisfação que vivi com esses amores, sou obrigado a dizer que os momentos mais plenos de minha vida foram vividos em completa solidão. Um tipo de entrega ao agora, de total imersão na vida-fora-de mim, que é impossível a dois.
Rilke viveu a procura dessa entrega. O grande amor de sua vida foi a vida exterior. O tentar olhar sem julgar, sentir sem pesar, andar sem planejar. Ele foi um caçador de epifanias, de momentos de duende, de anjos.
Em nosso mundo, blindado e cada vez mais planejado, entender Rilke é tentativa de sanidade. Sua terrível beleza é sopro de aniquilação em nossa consciência.
Dois sentimentos norteiam a poesia do alemão nascido em Praga. O mais importante é a sensação de que nunca nos abrimos. Ele notou que por toda nossa vida estamos sempre detrás de nossos pensamentos. O homem não se integra a vida. Jamais nos é dado o prazer de simplesmente estar-aqui-agora. Nosso cérebro nos coloca sempre no além-depois-antes. Talvez tenhamos um vislumbre desse estar aberto no primeiro momento do amor. Quando descobrimos o estar-aqui com o amor. Mas esse momento se perde em minutos, quando nasce o medo e a posse. Os animais, para Rilke, por desconhecerem o tempo e a finitude, vivem nesse eterno agora. Conhecem e são abertos à vida. Nós, além de racionais, mamíferos, ainda vivemos a sensação de nascer como expulsão, ser tirado do útero/paraíso. Sensação que é desconhecida das aves, que nascem sem expulsão, antes como libertação. Se ser parido é ato de saída, sair do ovo é nascer e permanecer na mãe, o fora-exterior.
O segundo pensamento que permeia a obra de Rilke é a finitude. Viver é perder. A vida é eterno movimento, e esse movimento nos leva a constantes e inevitáveis finais. Viver bem é saber se separar, ir embora, desapegar-se. É por isso que Rilke, apesar de amado, cultiva uma solidão olímpica. Estar só é a condição real da vida. Todo o resto é passageiro. Somos reais apenas na solidão e é nela que podemos ser realmente felizes, pois nessa condição independemos do tempo.
Rilke.
Foi o primeiro poeta que lí na vida. Numa má tradução ( esta de agora é brilhante. Tem ritmo, leveza, cor ). Odiei Rilke. Achei-o triste, mórbido, fraco. Adolescente, ainda tinha plena fé na ilusão do eterno. Não sabia que a única coisa imutável da vida é a própria mutabilidade.
Hoje ele continua me dando melancolia. Mas a esse cinza se uniu o colorido de sua beleza assustadora. Pois agora compreendo seus anjos terríveis. E sei que viver é dizer adeus. Pai, amores vários, amigos às pencas, cães, lugares, casas, crenças, ídolos... todos partem, é inevitável. Eu mesmo escapo de mim-mesmo.
Amei muito. e creio que tenha sido amado. Irei amar mais e continuo sendo procurado. Mas, estranhamente, apesar de momentos de absoluta alegria, de completa satisfação que vivi com esses amores, sou obrigado a dizer que os momentos mais plenos de minha vida foram vividos em completa solidão. Um tipo de entrega ao agora, de total imersão na vida-fora-de mim, que é impossível a dois.
Rilke viveu a procura dessa entrega. O grande amor de sua vida foi a vida exterior. O tentar olhar sem julgar, sentir sem pesar, andar sem planejar. Ele foi um caçador de epifanias, de momentos de duende, de anjos.
Em nosso mundo, blindado e cada vez mais planejado, entender Rilke é tentativa de sanidade. Sua terrível beleza é sopro de aniquilação em nossa consciência.
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