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JAMES, SLITS, JAMES, COATI, JULIO

Lembrei porque eu era tão maluco nos anos 80.
Dá uma sacada nos videos abaixo e sente. Se voce não pular com James Chance esquece. Voce tá morto cara!
Slits é do caralho!
Thanx Julio.

Julio Barroso: Marginal conservador (trailer)



leia e escreva já!

A VIDA SEXUAL DO SELVAGEM- JULIO BARROSO

   Era 1991 e meu amigo de baladas, Percy, aquele que delirava no Satã e fazia amizades eternamente futeis com todos os trapos chiques do mundo, bem, Percy me deu este livro da editora Siciliano ( existe ainda? ). Isso foi em 1991 e em 91 eu estava já bem caseiro, posando de lord dono de terras. Imaginação é uma das realidades possíveis baby.
  Então volto agora mais um pouco, 1984. 
  Esse foi, talvez quem sabe, o ano mais admirável de minha life. Por uma montanha de motivos que talvez eu esteja com preguiça de detalhar. But...nesse ano eu me apaixonei quatro vezes, e só isso faz de qualquer ano uma coisa admirável. Mas houve mais. Descobri escritores, músicos, pintores, uma constelação. E nunca estive tão sedento de inspiração quanto então. Era uma ração de piração inspirada. Tudo de novo que rolava era meu. Eu flutuava de juventude doida. Ousava. 
  Pois foi nesse ano que Julio Barroso morreu. E nas explosões de epifanias que eu vivia, sua morte foi uma construção vulcânica. Julio caiu da janela de seu apto no Jardim América. Pó ? Vai saber...Li isso num jornal de um cara na sala de aula da Fiam. Fazia frio e era junho. Mas, o fato é, quem era Julio?
  Agora é 1981 e é sábado. Saiba que 1981 é o tempo de Gilliard e de Gretchen. E também da genial alegria de Jorge Ben, Cor do Som e do Pepeu. O Brasil, começando a se soltar, vivia o fim do sonho hippie peace and love. Viria em seguida o chic and sex. Mas... Na TV Bandeirantes Nelson Motta apresentava um programa jovem chamado Mocidade Independente. Gravado em sua boate na Faria Lima, nesse programa teve Bowie com Ashes to Ashes. Teve Arrigo Barnabé. Teve Kid Creole and The Cocoanuts. Teve Gabeira. E teve o Júlio. Com as Absurdettes, ele aparecia num cenário neon onde pintava seu rosto magro com baton. Era esquisito pacas, porque a cara dele era de raiva e o gesto de extrema suavidade. O som ao fundo era um tipo de trip dark. Me deu ansiedade. Gelada.
  Na hora não notei, mas eu já conhecia Julio. Desde um ano antes, quando ele esteve na geração de redatores finais da agonizante Revista POP. Na Abril, ela era A revista. Julio escrevia sobre reggae, funk, soul, new wave e novidades africanas em geral. Julio era desbundado. Alucinado. Exagerado. Como eram os ótimos críticos musicais da época. Como eram Zeca, Okky, Ana, Zé Emilio, Valdir. Nomes que a gente lembra até hoje. 
  Dou um salto para agora, novembro de 2014. Aqui está o livro de Julio. Livro que não via desde muito tempo. Estava no fundo de um baú. Protegido. E meio esquecido. Vou desfolhar com voces. Let`s go...
  O livro é em P/B e tem desenhos, meio africanos, um tipo de graffitti, em todas as páginas. O formato é big, retangular. Amigos de Julio escrevem textos sobre ele. O que mais falam é de sua energia, alegria e do monte de ideias que brotavam de sua cabeça. Julio era carioca, e morara em NY, no Caribe e rodara Europa. Fotos que mostram o luxo irrecuperável de 1980. Tem algumas, de Vania Toledo, com Julio, May East, Gigante, Alice, andando em alguma rua madruguenta dos Jardins, que são o fino do extra-cool. Saudades de Teddy Paez....
  Textos escritos por Julio. Me surpreendo. Eu escrevo como Julio. O cara me influenciou pra caramba! Julio-Zeca-Francis, tento, sei que longe deles, tento...Os textos de Julio falam de novidades de então. Música africana, reggae, soul de vanguarda, new wave, jazz experimental, novas bandas made in Brazil. Tem alguns poemas de Julio, letras de músicas, ideias. Ele queria montar um escritório que vendesse ideias. Para quem não as tivesse. Ele adoraria viver a época da intenet. Hoje teria 60 anos.
  Em 1980 Julio formou a Gang 90. Na boate do Nelson Motta, na Faria Lima. Entre aquele monte de peles de tigre fake que lá havia. Julio era DJ lá.
  Aliás o livro tem uma foto do convite da Noite Brasileira de Julio em NY. Em 1979 ele foi DJ por lá. No convite tem Cassiano, Lady Zu, Gerson Combo, coisa fina, todos lá.
  Voltando. A Gang se apresentou num festival de MPB da Globo. E foi vaiada. Isso em 80. Em 83 eles fariam parte da trilha sonora de uma novela da mesma Globo e estourariam. Em 84 Julio partiria. O disco da Gang, o único, que eu comprei na época e ainda tenho, é uma mistura de tudo aquilo que ele ouvia. De Blondie a tribal africano. Reggae a pré-rap. É bom mas tem um grande problema: tem a sonoridade dos discos de MPB da época. A bateria fraca, a guitarra suavizada e todo o foque em cima da voz e dos teclados. Parece fake. Fraco fake. Soft demais...but i like it ! 
  Temos daquela geração os piores. Lulu, Herbert, Roger, Lobão....os melhores se calaram ou se perderam: Ritchie, Marina....Cazuza, Cássia, Renato....e Julio. Nada foi mais trágico que o destino dessa geração. Os medíocres restaram.
  Julio, assim como meu amigo Percy, sempre vai me recordar os Jardins. É o som de um mundo que não mais existe. Então ainda era cheio de silêncio, de escuridão, de sombras e de deslumbramento chique. Percy vive em Curitiba agora, e lá é DJ. Julio foi pra onde vão os poetas eternamente jovens. E eu tou aqui. Apertando teclas e tentando manter vivo o sonho e a luz...
  Postarei alguns clips do sons que Julio amava. Enjoy it. 
  A lição de Julio e de sua geração foi e é: Seja curioso, furioso, chique, sempre!
  
  

CAIO FERNANDO et JULIO BARROSO

Os caras adoravam Caio Fernando Abreu. Todos liam e adoravam ele. Eu não. Nunca gostei dos livros daquela época. De repente, qualquer Zé tava lendo Bukowski, Ginsberg, Kerouac e John Fante. Foi um desbunde pós-repressão. Aldous Huxley era lido aos galões, junto com Jean Genet e Margueritte Yourcenar. Nesse tempo eu lia Homem Aranha, Asterix e Mad.
Entrei numa faculdade reaça. Mas que tinha umas pessoas beeeem interessantes:
Roberto editava um zine em casa. Era um zine que pregava o fim de tudo. Ensinava como mentir, como enganar, modos de roubar, jeitos de ser odiado e de odiar. Coerentemente, Roberto, que vivia com o nariz escorrendo e era muito pálido, passou a odiar seu próprio trabalho e destruiu o zine.
Romeu pegava onda e odiava surfistas. Tocava bateria e tinha enjôo com músicos. Fumava erva e tinha bode de maconheiros. Romeu adorava mulher e tinha um modo muito direto de as abordar. Costumava levar tapas e pontapés. Voltava sangrando pra casa.
Patty nunca repetiu uma roupa. Durante um ano, nunca usou nada mais de uma vez. E todas eram da mesma cor : roxo. Tons de roxo em roupas que jamais se repetiam. E não tirava os óculos escuros.
Bill envenenava carros. Matava de medo quem andasse com ele. Tinha uma casa no meio do mato onde criava dois macacos. Bill discutia toda aula com os professores. Ele era um ogro. Velejava na ilha.
Frank pintava móveis destruídos. Comprava móveis novos, detonava tudo com martelo e machado e depois os pintava com cuidado. Chamava isso de arte. Frank tinha tudo : era inteligente, bonito e tinha muita grana. Mas, na noite, ele andava solitário pelas ruas, a pé, e namorava ( por uma noite apenas ) as mulheres mais feias que ele pudesse encontrar. Desejava o feio. Transava em hotéis fedidos. E passava meses no Georges V, em Paris.
Ricardo andava de tuxedo. Levava no carro uma garrafa de champagne, " para manter a sanidade" e pensava que seria lindo se atirar do Empire State. Seu riso, constante, era como o de um faraó do vale do Nilo e frequentava concertos de orgão em igrejas do centro.
Andrea pegava onda onde ninguém ia. E acampava sózinha, cantando a noite toda para as estrelas. Todos achavam que ela era louca e ela fazia pulseiras de pele de cobra. Desenhava em pedras brancas com tinta preta.
Roberval se picava de noite e criava um filho de dia. Tocava guitarra em botecos de punks chics e tinha um dom para escrever bem e viver mal. Roberval amava para sempre a mãe de seu filho e se irritava comigo.
Mauricio foi ser instrutor de snow no Colorado. Antes foi skatista quase-pro. E antes ainda teve um zine sobre quadrinhos violentos e garotas gostosas. Fazia vídeos anti-arte e músicas anti-música. Mauricio tinha um amigo.
Flavia posava para pinturas eróticas. E escrevia poemas sobre os novos tempos. Usava as mais curtas saias da escola e lia Rimbaud ouvindo James Brown ( pra ela tinha tudo a ver ). Flavia bebia vodka com soda e ficava dançando toda a noite de frente ao espelho.
Marcos enchia o hamburger de catchup e depois lambia o prato sobre o balcão. Adormecia em todo cinema e roncava em peças de vanguarda. Marcos lia Heminguay e amava Thomas Mann e batia fotos das ruas e queria ser Goddard. Cavava um buraco na areia do Tombo e dormia toda a tarde.
Gigi se vestia de preto. Sempre alinhada, cheirosa, brilhando. Ria da cara de todo mundo e ria de mim. Andávamos de braços dados pelas ruas muito mal iluminadas e falávamos da cafonice do universo. Ela era a musa Roxy e eu era o cantor de seu roxysmo. Gigi usava ligas.
Eu pegava onda mal sabendo nadar. Num tempo em que ir à Ubatuba era uma aventura. Fazia peças sem assistir teatro, quando o que importava era subir no palco. Ligava a câmera e filmava qualquer coisa. Bom era apontar, focar e gravar. Cantava numa banda e nunca soube cantar. Gritava e pulava e isso era bom demais. Estava sempre apaixonado, e jamais soube amar.
Me perdia em bares onde se conversava sobre politica, onde moças gritavam e jogavam gim em nossa cara e bandas barulhentas desistiam de tocar ao se entediarem. Às vezes adormecí no Madame Satã. Acordava dia alto, e ia andando rumo a Paulista, vendo o sol machucar. Wilson me dava vodka para acordar e contava sua vida de ex-seminarista.
E em minha faculdade reaça...
Soube que Julio Barroso havia morrido. E disfarcei. Fiquei mal pra caramba. Ele escrevia tudo o que eu queria falar. E me deu uma dica do que ouvir. Morreu naquele ano. Mas alguns outros ficaram vivos, um pouco mais vivos. Um monte de Rimbauds, um monte de poetas, pretensos poetas, que queriam sentir tudo, queriam viver tudo, se consumir. Pretensiosos, enjoados, chatos, vivos. Beeeeem vivos.
Um mundo mais sujo. Mais cheio de sombras. Muito mais triste. E mais feliz.