Mostrando postagens com marcador zorba o grego-nikos kazantzakis. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador zorba o grego-nikos kazantzakis. Mostrar todas as postagens
UM PORTUGUÊS CHAMADO JOÃO E ZORBA, O GREGO
João Casimiro Cristo era um português da região de Bragança. Nascido em 1908, ele, uma vez por mês, montava o burrico e saía pelas estradas de lama vendendo peixe seco. Desaparecia de casa por mais de quinze dias. Na jornada, ele visitava suas namoradas, sentia medo de bruxas, dos lobos e bêbado, deixava o burro andar por instinto em noites escuras como poço fundo. Voltava com algum dinheiro, abraçava a esposa, Helena, e sobrevivia o resto do mês com trabalhos de pedreiro. Um telhado para reformar aqui, uma janela ali. Tinha cinco filhos, quatro meninas e um menino. O rapaz, Mario, iria lutar na guerra de Moçambique e quase morrer lá, uma granada que lhe abriu a barriga. De volta à seu lugar, caiu da moto e ficou paraplégico. As filhas, uma delas minha mãe, emigraram duas para a França e duas para o Brasil. Aqui, em SP, minha mãe foi empregada doméstica de casal alemão. O que fez com que ela odiasse para sempre casais alemães ( mesquinhos ). Surgi de dentro dela. Com o sangue dos Cristos. ----------------------- Zorba, O Grego, de Nikos Kazantzakis caiu absolutamente em ostracismo. Seu heroi, Zorba, hoje seria domesticado pelo escritor e não o contrário. Pois no livro, o camponês grego, machista e impulsivo, salva o escritor de sua vida reprimida. Zorba o faz ver "que toda mulher precisa de um homem, pois todas são umas coitadinhas". ( Essa frase coloca qualquer pessoa nascida pós 1995 em estado de ódio puro ). Quando li esse livro, em 1988, ele salvou minha vida, pois vi logo que eu era o escritor e Zorba era meu avô. Foi o primeiro passo para uma dolorosa reconciliação com meu sangue. Pois eu passara a vida toda até então, eu tinha 26 anos, negando e odiando o passado de minha gente. Zorba fez nascer meu orgulho ancestral, fez com que eu percebesse tantos impulsos que vieram de meu avô ou antes dele. Meu nervosismo, o desejo de andar a esmo por aí, o caráter anti social, e ao mesmo tempo o prazer pelo papo de bar e as mulheres, o ar de brigão, a ansiedade por sair e escapar e até mesmo a intimidade com os bichos. Eu sou ele como sou meu pai, meu outro lado que é aquele que olha e se deita à espera ( meu pai era um pastor ) ----------------- Não indicarei à voce a leitura de Zorba porque é um livro tão distante de 2023 que seria melhor deixar ele preservado, escondido, e esperar um tempo menos policiado para o reabilitar. Se Zorba chama o escritor reprimdio de "empurrador de canetas", hoje somos apertadores de botões. Se as mulheres eram umas coitadinhas, hoje faz de conta que elas não precisam de ninguém. Se o dever de um homem como Zorba, era as agradar, elogiar e levar à cama, hoje o dever é as ignorar. Se Zorba ensinava ao escritor que viver era se jogar ao mundo do impulso puro e tentar ser único, hoje viver é ser solidário e fazer parte de um grupo focado em ser correto. Pois Zorba era a versão grega e iletrada do super homem de Nietzsche e nada hoje é mais fora de moda que ser um super homem ao estilo Nietzsche. O empurrador de canetas venceu. Por enquanto.
JULES DASSIN É DAQUELES DIRETORES QUE VOCE DEVIA ASSISTIR TUDO
Nunca aos Domingos não é o melhor filme de Dassin, mas eu o reassisti ontem e então deu vontade de falar do cara. Jules Dassin era americano, judeu, e começou fazendo filmes policiais maravilhosos. Não indico nenhum em especial porque todos se equivalem. Sua abordagem é moderna, nada glamurosa, viril, com muita sombra, muito bandido doente, mulher fatal, e uma sensação de beco sem saída asfixiante. Se voce assistir um vai querer ver todos. Tudo corria bem quando então ele foi acusado pelos senadores do MacArthismo e fugiu. Se tornou um diretor internacional e se deu muito bem. Fez filme na Inglaterra, na França, na Grécia. RI FI FI é dessa época, e em 1960 ele faz um filme grego, NUNCA AOS DOMINGOS, um grande sucesso de bilheteria e crítica. ---------------- Melina Mercouri, uma estrela grega e que seria a esposa de Dassin na vida real, faz o papel de uma prostituta que só transa com quem ela gosta. Esfuziantemente alegre, ela é uma versão feminina de Zorba, o velho solar de Nikos Kazantzakis. Não é por acaso de que o filme de Cacoyannis, com Anthony Quinn, seria feito 3 anos depois deste filme. Pois bem, ela é uma prostituta feliz, que tem como clentes seus amigos. Ela festeja a vida, eles a acompanham, no mar, nas ruas, nas danças. Mas então surge um turista americano, papel feito pelo próprio Jules Dassin, e apesar de adorar o que vê, ele fica intrigado. Esse turista, que é um filósofo, quer entender o porque da Grécia ter decaído tanto após o apogeu do trio Sócrates-Platão-Aristóteles. Ele cria uma teoria: os gregos se tornaram hedonistas, a vida para eles deixou de ser busca do saber e passou a ser busca do prazer. A prostituta conhece os trágicos, conhece literatura, mas ela não mergulha na tragédia, ela ri. Esse americano paga à prostituta para que ele a deixe ensinar arte e filosofia. Ela aprende, não se torna infeliz, mas deixa de ser prostituta e não mais sai às ruas em absurda festa. Ela se torna uma intelectual. Bem....dificil imaginar um final para este filme e o roteiro de Dassin tateia: como não condenar a razão, e ao mesmo tempo reconhecer a beleza da vida dos sentidos puros? Espertamente ele faz o que se deve: o americano toma um porre e bebe. Então dança. E se torna aquilo que o escritor do livro de Kazantzakis não consegue se tornar: um intelectual que dança, que bebe e que se tornará mais um dos amigos da prostituta. -------------- É a Grécia do folclore, de Zorba, dos Opa!, do bouzouki, dos peixes e dos homens que pulam nos bares. Mas Dassin conheceu esse mundo, passou a viver lá e isso me faz crer que pelo menos em 1960 o país ainda era assim: grego. O que Dassin advoga é que a civilização grega deixou de lado o saber porque resolveu viver, dia a dia, o fluxo da natureza. O filme é encantador.
NO PALÁCIO DO REI MINOS - NIKOS KAZANTZAKIS
Kazantzakis foi indicado 8 vezes para o Nobel. Perdeu todas. Na sua última indicação, perdeu por um voto para Albert Camus. Numa entrevista, Camus falou que Nikos era 10 mil vezes melhor que ele. Camus tinha um coração de ouro. Nikos era apenas duas vezes melhor. ( penso no hiper vaidoso Sartre...um autor que sempre transpira ressentimento e maus sentimentos ). Zorba, obra mais conhecida de Nikos, foi best seller até os anos 70, é um livro maravilhoso. Lendo-o em 1988 pela primeira vez, ele me fez aceitar minhas raízes e entender o que significa ser um Homem. Penso que em 2022 Zorba seria cancelado. Não é porque ninguém o lê. O velho Zorba prega o amor incondicional a todas as mulheres. Chama-as de coitadinhas. E transa com furor. Imagino rostos delicados franzindo o cenho e bufando rosas. -------------- Kazantzakis era um SEEKER. Como diz a canção do WHO, ele procurava a verdade. Foi leninista, budista, cristão, freudiano, flertou com Allah, foi Bergsoniano. Escreveu muito. Inclusive livros para jovens adolescentes. Este é um deles. Se passa, claro, na Creta antiga. E fala de amor e liberdade. Há um autêntico prazer em poder ler uma narrativa, uma história que conta uma saga. Temos ânsia por sentido e narrar dá sentido à tudo. Nikos escreveu tanto porque ele criava sentidos. Vou dar este livro para duas alunas que amam ler. Sei que vão gostar. E sei que Nikos adoraria saber que em 2022 alguém o lê.
TANGO SOLO, a bio de ANTHONY QUINN com DANILE PAISNER
Se tudo for verdade a vida de Quinn é a mais rica de todos os atores.
O pai foi um emigrante irlandês que acabou no México. A mãe era mexicana e a avó materna um tipo de nobre espanhola. Na infância ele vivia numa favela imunda, chão de terra e muita fome. Viu Pancho Villa e a revolução. Estudou e queria ser arquiteto. Conheceu Frank Lloyd Wright, o maior arquiteto do século e estagiou com ele. Virou ator meio sem querer. Casou com a filha de Cecil B. de Mille, o nome mais poderoso do cinema nos anos 20 e 30. Foi amigo de John Barrymore, o mito, já em sua decadência. Depois fez parte da turma de Erroll Flynn, isso tudo antes de ser famoso.
Ao mesmo tempo era amigo de John Steinbeck, William Faulkner e de Saroyan. No cinema fazia papéis de índio e de mexicano, até que foi pro teatro. Na Broadway substituiu Marlon Brando em Um Bonde Chamado Desejo. Brando foi Kowalski por 4 meses apenas, Quinn por seis meses seguintes. Faz Viva Zapata com Marlon, ganha Oscar e vira ator respeitado.
Muito bacana sua descrição de Brando. O cara que podia fazer tudo o que desejasse. E escolhia esculhambar sempre. Assim como o retrato de Barrymore, um mito alcoólatra que vivia para criar pegadinhas e dar festas.
Depois vem Fellini, que Quinn considera o maior talento que conheceu e o sucesso de A Estrada da Vida. Vem ainda David Lean, o mais perfeccionista dos diretores, Lawrence da Arábia, uma filmagem toda desastrada. Vem sua amizade com Laurence Olivier, talvez o mais falso dos amigos, um homem que era fino e classudo no palco, mas um perfeito caipira na vida pessoal.
Zorba então. E não vou falar de Zorba.
O mais impressionante: apesar de se dizer tímido, Anthony Quinn teve incontáveis filhos com diversas mulheres. Desisti de contar, mas acho que chega a 14, os filhos. Ele viveu até mesmo um caso a quatro, uma esposa, uma amante, uma relação tórrida e ainda uma paixão surpreendente. Todas ao mesmo tempo. O cara era um Zorba!
Tudo contado em flash back enquanto ele pedala sua bike pelas colinas próximas a Roma, onde viveu seus derradeiros 40 anos. É um livro ótimo para ler descontraidamente, ao sol, crendo ou não em tudo o que esse ator, sempre intenso, sempre vaidoso, diz.
Saiu em 1995, mas é fácil de achar.
O pai foi um emigrante irlandês que acabou no México. A mãe era mexicana e a avó materna um tipo de nobre espanhola. Na infância ele vivia numa favela imunda, chão de terra e muita fome. Viu Pancho Villa e a revolução. Estudou e queria ser arquiteto. Conheceu Frank Lloyd Wright, o maior arquiteto do século e estagiou com ele. Virou ator meio sem querer. Casou com a filha de Cecil B. de Mille, o nome mais poderoso do cinema nos anos 20 e 30. Foi amigo de John Barrymore, o mito, já em sua decadência. Depois fez parte da turma de Erroll Flynn, isso tudo antes de ser famoso.
Ao mesmo tempo era amigo de John Steinbeck, William Faulkner e de Saroyan. No cinema fazia papéis de índio e de mexicano, até que foi pro teatro. Na Broadway substituiu Marlon Brando em Um Bonde Chamado Desejo. Brando foi Kowalski por 4 meses apenas, Quinn por seis meses seguintes. Faz Viva Zapata com Marlon, ganha Oscar e vira ator respeitado.
Muito bacana sua descrição de Brando. O cara que podia fazer tudo o que desejasse. E escolhia esculhambar sempre. Assim como o retrato de Barrymore, um mito alcoólatra que vivia para criar pegadinhas e dar festas.
Depois vem Fellini, que Quinn considera o maior talento que conheceu e o sucesso de A Estrada da Vida. Vem ainda David Lean, o mais perfeccionista dos diretores, Lawrence da Arábia, uma filmagem toda desastrada. Vem sua amizade com Laurence Olivier, talvez o mais falso dos amigos, um homem que era fino e classudo no palco, mas um perfeito caipira na vida pessoal.
Zorba então. E não vou falar de Zorba.
O mais impressionante: apesar de se dizer tímido, Anthony Quinn teve incontáveis filhos com diversas mulheres. Desisti de contar, mas acho que chega a 14, os filhos. Ele viveu até mesmo um caso a quatro, uma esposa, uma amante, uma relação tórrida e ainda uma paixão surpreendente. Todas ao mesmo tempo. O cara era um Zorba!
Tudo contado em flash back enquanto ele pedala sua bike pelas colinas próximas a Roma, onde viveu seus derradeiros 40 anos. É um livro ótimo para ler descontraidamente, ao sol, crendo ou não em tudo o que esse ator, sempre intenso, sempre vaidoso, diz.
Saiu em 1995, mas é fácil de achar.
A SERPENTE DE ESTRELAS de JEAN GIONO. ZORBA, VENTO E UM DEUS
Era fim de tarde. Era março, 1993. Mesa a calçada, cervejas sobre a mesa, todos os amigos já haviam partido. Ficamos eu e Fabio. Ele bêbado, eu estava alegre. Foi quando o espirito baixou em mim. Minhas mãos viraram pássaros e minha mente um mar cheio de peixes. As ideias nadavam. Eu falava sobre o sabor da vida e sobre as mulheres. Mulheres como fêmeas da espécie, como frutas doces. Lobas que podiam matar. O maior enigma da natureza. Para quem leu e se apaixonou pelo livro ( na minha vida ele não é um romance, é um manual de sobrevivência ), já notou que eu acabara de reler Zorba, de Kazantzakis, mais uma vez. Ao sol sob pinheiros, na cama com meus cachorros, Zorba fora relido em dezembro de 1992. Com Fabio, um cara sempre apaixonado, sem friezas e firulas, meu espirito neto de camponês, espirito de inumeráveis gerações de gente feita de pedra, terra, chuva e vento, com cheiro de estrume, de couves, de azeite e de vinho, companheiras de cabras e de porcos, esse meu espirito aquietado podia se expandir. Meus olhos viam a mulher de fogo dançando nua a minha frente. A Mulher.
Jean Giono viveu no mesmo tempo que Kazantzakis. Lutou na Primeira Guerra. E viu tanto horror que se fez pacifista radical e anti-dogmas. Natural da Provence, aos 25 anos resolveu aprender a ser escritor. Leu tudo durante cinco anos e então escreveu. Fez imenso sucesso nos anos 30/40, mas após a segunda guerra, com a moda dos comprometidos, dos politicos de esquerda, dos existencialistas, ele começou a ser visto como direitista. Mentira! Ele sempre foi mais que politico. Um democrata no sentido puro e um cristão primitivo. Os anos 60 e 70 o reabilitaram. Giono é hoje um tesouro da França. Neste livro, curto, ele narra a descoberta da vida entre pastores. Estamos na Provence de 1930. Aqui tudo são pedras, vento, ovelhas e silêncio. A filosofia de Giono é a de Zorba: O homem é um bicho. E quanto mais distante da natureza mais distante de TODAS as verdades. Toda alegria é do reino animal. Nas coisas naturais, além do mal e do bem, amorais, vivem deuses. Incontáveis deuses. Jesus é uma estrela pequena na noite de estrelas sem fim. O homem se perde quando se acha diferente dos bichos, diferente da Terra, diferente das estrelas.
Mas voce, homem biológico, não se engane! Há alma em pedras, em mares, em terra e no vento. O pastor sabe disso. Ao romper essa comunhão o homem rompe sua verdade. Deixa de ouvir, perde o dom de compreender e foge da alegria. Único bicho a ter rompido essa união, o homem sente a solidão da árvore sem raiz.
Ao final do livro os pastores encenam um auto na noite de São João. Nessa peça, a Terra fala com o Rio, o Mar, o Vento...
Por séculos meus tataravôs conversaram com ovelhas, cabritos, cães. Passaram semanas cantando para videiras, rosas e pessegueiros. Lavavam a pele com azeite e bebiam água gelada das pedras. Sem tempo, o ano tinha quatro momentos: plantar, fazer a poda, colher e guardar. O dia era dividido em três grandes horas: acordar, almoçar e retornar. A noite era dos lobos, das bruxas e da coruja. O pai era enterrado pelo filho, a mãe era chorada na praça e cada filho tinha o nome de um morto. O sino era a lembrança.
Quando nasci ainda senti um gosto desse mundo. Agora ele vive longe, mas dentro do centro de mim.
O livro de Giono é maior que a lingua.
Jean Giono viveu no mesmo tempo que Kazantzakis. Lutou na Primeira Guerra. E viu tanto horror que se fez pacifista radical e anti-dogmas. Natural da Provence, aos 25 anos resolveu aprender a ser escritor. Leu tudo durante cinco anos e então escreveu. Fez imenso sucesso nos anos 30/40, mas após a segunda guerra, com a moda dos comprometidos, dos politicos de esquerda, dos existencialistas, ele começou a ser visto como direitista. Mentira! Ele sempre foi mais que politico. Um democrata no sentido puro e um cristão primitivo. Os anos 60 e 70 o reabilitaram. Giono é hoje um tesouro da França. Neste livro, curto, ele narra a descoberta da vida entre pastores. Estamos na Provence de 1930. Aqui tudo são pedras, vento, ovelhas e silêncio. A filosofia de Giono é a de Zorba: O homem é um bicho. E quanto mais distante da natureza mais distante de TODAS as verdades. Toda alegria é do reino animal. Nas coisas naturais, além do mal e do bem, amorais, vivem deuses. Incontáveis deuses. Jesus é uma estrela pequena na noite de estrelas sem fim. O homem se perde quando se acha diferente dos bichos, diferente da Terra, diferente das estrelas.
Mas voce, homem biológico, não se engane! Há alma em pedras, em mares, em terra e no vento. O pastor sabe disso. Ao romper essa comunhão o homem rompe sua verdade. Deixa de ouvir, perde o dom de compreender e foge da alegria. Único bicho a ter rompido essa união, o homem sente a solidão da árvore sem raiz.
Ao final do livro os pastores encenam um auto na noite de São João. Nessa peça, a Terra fala com o Rio, o Mar, o Vento...
Por séculos meus tataravôs conversaram com ovelhas, cabritos, cães. Passaram semanas cantando para videiras, rosas e pessegueiros. Lavavam a pele com azeite e bebiam água gelada das pedras. Sem tempo, o ano tinha quatro momentos: plantar, fazer a poda, colher e guardar. O dia era dividido em três grandes horas: acordar, almoçar e retornar. A noite era dos lobos, das bruxas e da coruja. O pai era enterrado pelo filho, a mãe era chorada na praça e cada filho tinha o nome de um morto. O sino era a lembrança.
Quando nasci ainda senti um gosto desse mundo. Agora ele vive longe, mas dentro do centro de mim.
O livro de Giono é maior que a lingua.
DIVAGANDO, ANDANDO, COMPRANDO, LENDO
Cheguei então aos 2.500 dvds. Todos devidamente divididos em gêneros. Está dificil comprar novos títulos. Vários que já tenho são relançados e as caixas que eu tanto gostava não são mais produzidas. Olho e olho as novidades e não há nada....
Estou na livraria. Ouço um cara falar que finalmente terminou "EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO". E uma mulher, bonita, pergunta por "A NOITE DE SÃO LOURENÇO" dos irmãos Taviani. Um menino olha um livro sobre Billy Wilder e um barbudo leva tudo de Buster Keaton.
Alguém escreveu que o cinema ( adulto ), é hoje um tipo de "teatro". Meia dúzia de adoradores que estão sempre discutindo e revendo os Beckett/ Pinter e Brecht de sempre. Uma espécie de igreja pagã. Acho que todos os fiéis estavam hoje na livraria. Uma menina comprou um filme silencioso de Griffith.
Madonna dirigiu um filme e o roteirista diz que ela é louca por Jean-Luc Godard. Madonna não é baladeira, fica em casa vendo filmes. Já viu "tudo" e adora a nouvelle-vague. Tenho saudades de quando comprei meus dvds de nouvelle-vague. Redescobrir a NV é uma experiência deliciosa. Dá a sensação de que dá pra se fazer tudo em cinema. Voce se sente livre. Tem um monte de diretores de quarenta anos que endeusam BANDE A PART ou WEEK-END. É a sedução da liberdade.
Vejo numa revista que Hilda Hist morava isolada com 90 cães. Ela leu um livro de Niko Kazantzakis que dizia que a solidão é primordial ao criador. Então ela largou amores e badalações e se isolou pra criar. E conseguiu. Eu conheço esse livro do Kazantzakis. É TESTAMENTO PARA EL GRECO, um livro que todo mundo devia ler. Nele, Niko está em crise. Deixa de ser cristão e vira budista. Mas descobre que Cristo, Buda, Maomé são todos o mesmo. Ele se isola, e tenta conciliar com esse isolamento seu interesse pelo mundo. Ele segue Lenine, ele se interessa pela história, conhece a guerra. O livro exibe esse conflito. Uma alma que deseja a solidão para encontrar a criação e o Criador. E um homem que deseja a vida ativa, o mundo, os seres. Preciso reler. Li esse livro em 1989. Nunca o reli.
Walter Carvalho fala que toda a criatividade de um cara se faz entre o fim da infância e o inicio da adolescência. Entre os 11 e os 13 anos. É verdade. É a genuína verdade.
Compro A NOVIÇA REBELDE. Nunca vi esse filme. É aquele que bateu o recorde de bilheteria de E O VENTO LEVOU, em 1965. Nunca tive vontade de ver. Mas ele está sendo reavaliado e estou curioso. Julie Andrews é adorável. E compro também o DIVÓRCIO À ITALIANA, que saiu finalmente em dvd e que aconselho a todo mundo. É uma obra-prima da comédia humanista italiana. E tem um dos três maiores desempenhos de Mastroianni. Ele faz um conquistador de cidade pequena, super vaidoso, machista, tolo. É uma coisa de impressionar. Marcello foi um rei dos reis. O bigode que ele usa já vale o filme.
Lançaram as bios de Pedro Nava. São milhares de páginas com as lembranças de Pedro. Ele escreve à Proust. Lerei um dia.
Tudo sempre passa por Marcel Proust. Nosso mundo é um círculo em que as coisas retornam e se desfazem. Para depois serem retomadas. E reinterpretadas. É como se tudo fosse sempre agora.
Tem um Henry Fielding em capa dura e ilustrado que muito me interessa. Fielding de luxo no Brasil....É um país estranho pacas.
Terminei de ler MINHA VIDA DE MENINA, de Helena Morley.
Helena era filha de ingleses. Escreveu entre os 12 e os 13 anos um diário. O livro, extraordinário, é esse diário. É hoje um clássico, traduzido entre outros por Elizabeth Bishop para o inglês. Morley mostra o que era o interior de Minas em 1895. Muita igreja, muita fruta roubada no pé, pescarias e uma familia imensa.
Os filhos eram criados por mãe, pai, tia, avó, primos, vizinhos, padres e professores. Hoje quem os cria? Na época do livro ficar só no quarto era uma coisa de gente louca. Comer sózinho era impensável. São conversas longas à noite, idas às festas, casamentos e enterros. E os negros.
As pessoas pegavam negrinhos pra criar em casa. A escravidão não existia mais, mas os negros estavam sem posição, meio perdidos. Então a gente lê sobre montes de negros, alguns morando nas casas grandes, fazendo bicos, e tendo filhos que os brancos recolhem.
É um mundo longe de nós. Tudo o que as meninas querem é comida. Doces e brincadeiras são toda a felicidade da vida. E a figura paterna, sempre distante. Livro bonito.
Estou na livraria. Ouço um cara falar que finalmente terminou "EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO". E uma mulher, bonita, pergunta por "A NOITE DE SÃO LOURENÇO" dos irmãos Taviani. Um menino olha um livro sobre Billy Wilder e um barbudo leva tudo de Buster Keaton.
Alguém escreveu que o cinema ( adulto ), é hoje um tipo de "teatro". Meia dúzia de adoradores que estão sempre discutindo e revendo os Beckett/ Pinter e Brecht de sempre. Uma espécie de igreja pagã. Acho que todos os fiéis estavam hoje na livraria. Uma menina comprou um filme silencioso de Griffith.
Madonna dirigiu um filme e o roteirista diz que ela é louca por Jean-Luc Godard. Madonna não é baladeira, fica em casa vendo filmes. Já viu "tudo" e adora a nouvelle-vague. Tenho saudades de quando comprei meus dvds de nouvelle-vague. Redescobrir a NV é uma experiência deliciosa. Dá a sensação de que dá pra se fazer tudo em cinema. Voce se sente livre. Tem um monte de diretores de quarenta anos que endeusam BANDE A PART ou WEEK-END. É a sedução da liberdade.
Vejo numa revista que Hilda Hist morava isolada com 90 cães. Ela leu um livro de Niko Kazantzakis que dizia que a solidão é primordial ao criador. Então ela largou amores e badalações e se isolou pra criar. E conseguiu. Eu conheço esse livro do Kazantzakis. É TESTAMENTO PARA EL GRECO, um livro que todo mundo devia ler. Nele, Niko está em crise. Deixa de ser cristão e vira budista. Mas descobre que Cristo, Buda, Maomé são todos o mesmo. Ele se isola, e tenta conciliar com esse isolamento seu interesse pelo mundo. Ele segue Lenine, ele se interessa pela história, conhece a guerra. O livro exibe esse conflito. Uma alma que deseja a solidão para encontrar a criação e o Criador. E um homem que deseja a vida ativa, o mundo, os seres. Preciso reler. Li esse livro em 1989. Nunca o reli.
Walter Carvalho fala que toda a criatividade de um cara se faz entre o fim da infância e o inicio da adolescência. Entre os 11 e os 13 anos. É verdade. É a genuína verdade.
Compro A NOVIÇA REBELDE. Nunca vi esse filme. É aquele que bateu o recorde de bilheteria de E O VENTO LEVOU, em 1965. Nunca tive vontade de ver. Mas ele está sendo reavaliado e estou curioso. Julie Andrews é adorável. E compro também o DIVÓRCIO À ITALIANA, que saiu finalmente em dvd e que aconselho a todo mundo. É uma obra-prima da comédia humanista italiana. E tem um dos três maiores desempenhos de Mastroianni. Ele faz um conquistador de cidade pequena, super vaidoso, machista, tolo. É uma coisa de impressionar. Marcello foi um rei dos reis. O bigode que ele usa já vale o filme.
Lançaram as bios de Pedro Nava. São milhares de páginas com as lembranças de Pedro. Ele escreve à Proust. Lerei um dia.
Tudo sempre passa por Marcel Proust. Nosso mundo é um círculo em que as coisas retornam e se desfazem. Para depois serem retomadas. E reinterpretadas. É como se tudo fosse sempre agora.
Tem um Henry Fielding em capa dura e ilustrado que muito me interessa. Fielding de luxo no Brasil....É um país estranho pacas.
Terminei de ler MINHA VIDA DE MENINA, de Helena Morley.
Helena era filha de ingleses. Escreveu entre os 12 e os 13 anos um diário. O livro, extraordinário, é esse diário. É hoje um clássico, traduzido entre outros por Elizabeth Bishop para o inglês. Morley mostra o que era o interior de Minas em 1895. Muita igreja, muita fruta roubada no pé, pescarias e uma familia imensa.
Os filhos eram criados por mãe, pai, tia, avó, primos, vizinhos, padres e professores. Hoje quem os cria? Na época do livro ficar só no quarto era uma coisa de gente louca. Comer sózinho era impensável. São conversas longas à noite, idas às festas, casamentos e enterros. E os negros.
As pessoas pegavam negrinhos pra criar em casa. A escravidão não existia mais, mas os negros estavam sem posição, meio perdidos. Então a gente lê sobre montes de negros, alguns morando nas casas grandes, fazendo bicos, e tendo filhos que os brancos recolhem.
É um mundo longe de nós. Tudo o que as meninas querem é comida. Doces e brincadeiras são toda a felicidade da vida. E a figura paterna, sempre distante. Livro bonito.
ZORBA,O GREGO-NIKOS KAZANTZAKIS, NADA COMO O SOL
Foi um tempo de deserto, o tempo em que li Zorba pela primeira vez. O sol me fazia suar muito e eu conhecia Zorba do jeito certo, debaixo do sol. Era um tempo em que minha caixa de proteção havia se quebrado e medo + dúvida me seguiam sem trégua. Mas eu conheci esse grego antigo como a vida e passei a sentir a existência como alguma dádiva. Nunca mais fui o mesmo.
Um intelectual inglês viaja à Grécia. Lá ele irá administrar uma mina que herdou. No barco que cruza o mar ele conhece Alexis Zorba, um grego sem cultura. Um grego que lutou em guerras, que matou, que chorou, um homem que viveu. Zorba é o homem antes da cultura, antes da separação ( traumática ) entre homem e natureza. Zorba não questiona o que a vida é ou pode ser, Zorba aceita e deseja.
Os dois se tornam amigos e o velho grego lhe ensina a comer, beber, brigar e principalmente a amar. A vida se dá para o "empurrador de canetas". Ele passa a entender que o vinho é um milagre, que a morte é para ser odiada, que toda mulher deve ser amada.
Zorba diz que tudo o que não pode ser dito deve ser dançado. Ele dançou a dor quando seu filho morreu. Ele dança a alegria de ser seu amigo. Zorba está além e antes da palavra.
A mina se torna um fiasco maravilhoso e os dois se separam. O inglês nunca se tornará Zorba, ele surgiu tarde demais em sua vida. O grego o convidará para ver "uma pedra", mas o empurrador de canetas ( hoje seria um apertador de botões ) não vai. Na versão de cinema tudo termina com a maravilhosa dança de Anthony Quinn, ator que se tornaria desde então Zorba para sempre.
Mas quando li o livro pensei todo o tempo em meu avô como Zorba. Um homem de pedras e de sol na cara, em lombo de burrico, com vinho e azeitonas. Sólido como o para sempre.
Releio Zorba a cada sete, oito anos. Esqueço às vezes o quanto ele me fez bem. Mais que isso, deu valor a minha hombridade, salvou-me de uma aridez snob. Fertilizou minha cabeça dura.
Porque ele me fez amar a mulher que tem sabor, que goza em despudor, que ri alto e chora berrando. Me fez saber o que o sol é: o rei dentre os reis e mágico incenso da mente. Me fez aceitar minha cara mediterrânea, meu peito cabeludo, meus dentes afiados e minhas mãos que são patas. Deu sabor de sol à minha vida.
Dei a mão ao velho Zorba e não mais a larguei.
Kazantzakis, solitário caçador de sentido, angustiado indagador, criou/encontrou Zorba e deu a si-mesmo e ao mundo um Homem.
Meu melhor é Zorba. O resto nada vale.
Um intelectual inglês viaja à Grécia. Lá ele irá administrar uma mina que herdou. No barco que cruza o mar ele conhece Alexis Zorba, um grego sem cultura. Um grego que lutou em guerras, que matou, que chorou, um homem que viveu. Zorba é o homem antes da cultura, antes da separação ( traumática ) entre homem e natureza. Zorba não questiona o que a vida é ou pode ser, Zorba aceita e deseja.
Os dois se tornam amigos e o velho grego lhe ensina a comer, beber, brigar e principalmente a amar. A vida se dá para o "empurrador de canetas". Ele passa a entender que o vinho é um milagre, que a morte é para ser odiada, que toda mulher deve ser amada.
Zorba diz que tudo o que não pode ser dito deve ser dançado. Ele dançou a dor quando seu filho morreu. Ele dança a alegria de ser seu amigo. Zorba está além e antes da palavra.
A mina se torna um fiasco maravilhoso e os dois se separam. O inglês nunca se tornará Zorba, ele surgiu tarde demais em sua vida. O grego o convidará para ver "uma pedra", mas o empurrador de canetas ( hoje seria um apertador de botões ) não vai. Na versão de cinema tudo termina com a maravilhosa dança de Anthony Quinn, ator que se tornaria desde então Zorba para sempre.
Mas quando li o livro pensei todo o tempo em meu avô como Zorba. Um homem de pedras e de sol na cara, em lombo de burrico, com vinho e azeitonas. Sólido como o para sempre.
Releio Zorba a cada sete, oito anos. Esqueço às vezes o quanto ele me fez bem. Mais que isso, deu valor a minha hombridade, salvou-me de uma aridez snob. Fertilizou minha cabeça dura.
Porque ele me fez amar a mulher que tem sabor, que goza em despudor, que ri alto e chora berrando. Me fez saber o que o sol é: o rei dentre os reis e mágico incenso da mente. Me fez aceitar minha cara mediterrânea, meu peito cabeludo, meus dentes afiados e minhas mãos que são patas. Deu sabor de sol à minha vida.
Dei a mão ao velho Zorba e não mais a larguei.
Kazantzakis, solitário caçador de sentido, angustiado indagador, criou/encontrou Zorba e deu a si-mesmo e ao mundo um Homem.
Meu melhor é Zorba. O resto nada vale.
Assinar:
Postagens (Atom)