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THOMAS BERNHARD
Amigos, o fato de um leitor veterano como eu ainda ter escritores tão bons para ler, escritores ainda jamais lidos por mim, é maravilhoso! Vejam este caso: hoje comecei a ler Thomas Bernhard, e não consigo parar de o ler. ---------------- Bernhard era austríaco, e assim como o alemão Sebald, morreu inesperadamente e cedo demais, em 1989. Multi premiado, foi um anarquista. Ele criticava impiedosamente o estado, a Austria e a própria vida. E quando eu falo "criticava" não pense que são frases intelectuais bonitas e lógicas, não. Mas também não pense que são palavrões ou ofensas adolescentes, não. Bernhard fala o que se DEVE falar e assim preciso agora falar de seu estilo, que é aquilo que mais me impressionou. ------------------ Ele não usa parágrafo. A página é escrita inteira, sem uma pausa. Aí voce pensa: Pronto! É mais um chato como Henry James ( eu amo James ), ou um modernista como Proust ( eu amo Proust ). Pois eu te respondo: não é. Bernhard não usa a página sem pausa como "estilo", ele simplesmente escreve como pensa e ele pensa depressa, corrido. ------------- O texto é simples e é claro. ---------------- E ele repete frases inteiras e pasmem! É hilariante! Um autor considerado "terrível", " pessimista", é profundamente engraçado. É o riso de quem se dá mal, de quem está mal, de quem se ferra o tempo todo. Raramente eu dou risos lendo, mas me peguei rindo muito com ele. E, como o riso é a coisa que mais seduz uma pessoa, Bernhard ganhou um fã. ---------------- Ele não se parece com nada que li antes. É, como Sebald, um vento de esperança e uma luz de inspiração na literatura dos últimos 50 anos. Não, não vou dizer o que estou lendo, quando acabar escrevo outro post. Thomas Bernhard....vou ler tudo dele.
ASMA E LITERATURA
Fui um menino asmático. Entre maio e agosto, toda noite era para mim o horror em estado puro. Meu peito chiava e eu não respirava. A tensão era insuportável. Pior, eu não sentia a menor segurança na ajuda dos meus pais. Era eu e o medo, eu a asma. ----------------- Há muita teoria no mundo. As pessoas precisam ganhar dinheiro e defendem seu trabalho. Assim como o caçador precisa de território, intelectuais defendem seu espaço, teórico. -------------- Minha melancolia foi explicada como complexo de Édipo, inadaptação, karma espiritual, dúvida, frustração sexual. Cada chute é um território. O óbvio: Minha melancolia é consequência da asma. Cinco da tarde, no inverno, começava o medo e as seis a sinfonia modernista dentro do peito. ------------------- Aos 12 anos tudo passou e a asma só voltou a me incomodar após os 40 anos. Os hormônios a afastaram de mim e a queda hormonal possibilitou seu retorno. Hoje tenho uma média de duas crises anuais. Escrevo isto tossindo como um velho fumante. Não, eu não fumo. ---------------------- Todo o movimento romântico é devido à tuberculose. Eles inventaram mundos, choraram o passado, eram delirantes, tudo na tentativa de escapar à certeza da morte. E logo partiam. Em tempos mais recentes, a moda gótica nasce nos anos 80 com a AIDS. O Absinto criou o expressionismo e o LSD o rock psicodélico. Doença e vícios, vícios são doenças e o alcoolismo explica muito da arte feita no século XX. Assim como a depressão explica o que se faz no XXI. --------------- Sífilis criou arte enlouquecida e a revolta era a do contaminado. -------------- Agora, asmático novamente, sinto exatamente o fascínio que a doença pode nos dar. Ler hoje quase toda literatura do século XIX passa a ter mais presença ao lado dos meus pulmões enfraquecidos. ------------ Paulo Francis dizia que jazz só fazia sentido quando ele bebia. Pois eu digo que Proust só é totalmente entendido se voce estiver com febre e não usufruiu John Keats quem nunca sentiu sufocamento. Pois que alguém escreva a história com base no histórico médico de cada autor. A dor de cabeça, um fígado destruído são imensas influências sobre qualquer autor. Bem maior que Shakespeare ou Verlaine.
A DIFICULDADE DE SER - JEAN COCTEAU, ESSE VAIDOSO.
Jean Cocteau fez dois dos filmes mais belos que já vi: A Bela e a Fera, que é uma aula de clima onírico e de pontuação de drama; e Orfeu, um dos melhores retratos do sonho em filme. Todos os dois brilhantemente fotografados. Mas Cocteau foi mais que isso! Ele foi designer, foi pintor, poeta, coreógrafo. Esteve no centro do furacão, fez obras com Stravinsky, com Satie, Picasso, Nijinski. Foi amigo de todo mundo. Picasso o adorava e não o suportava. Pois bem...
Mas eis este livrinho e para o bem e para o mal, ele é francês, muito muito francês. Cocteau se olha, se escuta, se pensa, se exilia de si mesmo para estar mais perto de sua sombra. O livro todo é Cocteau e só Cocteau. Eu detesto esse tipo de escrita masturbatória, cega, auto centrada, sofrida, estéril, pouco viril. Cocteau se apaixona pela sintaxe, se deixa seduzir pela própria voz. Fala para si mesmo e no fim do livro confessa: Fez o livrinho para que ao ser lido, por mim, ele, Cocteau, ressuscitasse. Compor um livro tão cheio de Cocteau, que ao ser lido seria como encarnar Cocteau. Ele diz clara e textualmente: Quem o ler será habitado por mim.
Essa frase é bela e ecoa nela o clima dos filmes de Jean Cocteau. Mas seria melhor se ela tivesse funcionado. Mas não. O livro é apenas um choramingar sem fim. O melhor é quando ele fala de alguém interessante, por exemplo, as linhas em que ele recorda Proust. Essas respiram, são vivas. Quando ele volta a ver apenas seu rosto, o livro cai. Se fecha e asfixia.
Proust foi ainda mais fechado que Cocteau, mas a escrita de Proust é espírita, somos tomados por seu mundo e ao ler nos transformamos em Marcel Proust. Cocteau quer o mesmo dom: não o possui. E assim, não nos possui.
O molde é o de Montaigne, se examinar e contar tudo. Mas Montaigne surge em seu vício vaidoso como um sábio, Cocteau é apenas um vaidoso pretensioso. Sei que estou sendo cruel com um talento imenso como é Jean Cocteau, mas acontece que ele representa aquilo que mais odeio na literatura, a vaidade, a auto exposição sem freio, a ausência absoluta de invenção.
Talvez aos 14 anos eu amasse este livro. Mas não.
Mas eis este livrinho e para o bem e para o mal, ele é francês, muito muito francês. Cocteau se olha, se escuta, se pensa, se exilia de si mesmo para estar mais perto de sua sombra. O livro todo é Cocteau e só Cocteau. Eu detesto esse tipo de escrita masturbatória, cega, auto centrada, sofrida, estéril, pouco viril. Cocteau se apaixona pela sintaxe, se deixa seduzir pela própria voz. Fala para si mesmo e no fim do livro confessa: Fez o livrinho para que ao ser lido, por mim, ele, Cocteau, ressuscitasse. Compor um livro tão cheio de Cocteau, que ao ser lido seria como encarnar Cocteau. Ele diz clara e textualmente: Quem o ler será habitado por mim.
Essa frase é bela e ecoa nela o clima dos filmes de Jean Cocteau. Mas seria melhor se ela tivesse funcionado. Mas não. O livro é apenas um choramingar sem fim. O melhor é quando ele fala de alguém interessante, por exemplo, as linhas em que ele recorda Proust. Essas respiram, são vivas. Quando ele volta a ver apenas seu rosto, o livro cai. Se fecha e asfixia.
Proust foi ainda mais fechado que Cocteau, mas a escrita de Proust é espírita, somos tomados por seu mundo e ao ler nos transformamos em Marcel Proust. Cocteau quer o mesmo dom: não o possui. E assim, não nos possui.
O molde é o de Montaigne, se examinar e contar tudo. Mas Montaigne surge em seu vício vaidoso como um sábio, Cocteau é apenas um vaidoso pretensioso. Sei que estou sendo cruel com um talento imenso como é Jean Cocteau, mas acontece que ele representa aquilo que mais odeio na literatura, a vaidade, a auto exposição sem freio, a ausência absoluta de invenção.
Talvez aos 14 anos eu amasse este livro. Mas não.
A TAÇA DE OURO- HENRY JAMES. PSICOLOGIA ESCRITA.
Incrível como Henry James não descreve ambientes. Pouco sabemos de roupas, paredes, jardins ou condições climáticas. Seus livros, cada vez mais, são descrições de mentes falando com mentes e de mentes conversando consigo mesmas. Como Proust, James investiga o funcionamento da mente, dos sentimentos, da razão, da percepção. Ele esmiúça cada pequeno movimento mental, todo sentimento que nasce e que se vai. Quem ler superficialmente dirá que não há ação. Na verdade a ação nunca cessa, as personagens se movem dentro de sua alma, fluem, voam, param, se amortecem e explodem. Dentro de si.
Henry James planta surpresas e deixa que nós as encontremos. Enquanto os personagens pensam e sentem, as coisa vão mudando de figura ao redor. Ocupados com esse diálogo incessante, eles acabam por deixar de lado a tal "realidade". Eis um retrato da vida.
Um italiano que vive na Inglaterra, bem adaptado, sem sotaque, se casa com uma inglesa rica. Ao mesmo tempo sua ex namorada, pobre, se casa com seu pai. Como uma observadora, temos uma mulher mais velha, confidente de todos eles. Os temas de James estão presentes: o estrangeiro, a mulher como ser que move a vida, o homem como joguete do destino. Henry James nunca se casou, ele percebe a mulher como ser forte, aquele que faz as coisas, que decide.
O livro tem 600 páginas e períodos de várias páginas. Não há como desenvolver uma psicologia tão vasta em frases curtas e truncadas. O estilo aqui é sinfônico. Cada pensamento desenvolvido até o fim. Como tema musical. Como harmonia que vem e se esvai. E retorna depois.
Proust levaria esse estilo ainda mais longe unindo a sintaxe poética ao estilo.
Ler Henry James é ler um espírito.
Henry James planta surpresas e deixa que nós as encontremos. Enquanto os personagens pensam e sentem, as coisa vão mudando de figura ao redor. Ocupados com esse diálogo incessante, eles acabam por deixar de lado a tal "realidade". Eis um retrato da vida.
Um italiano que vive na Inglaterra, bem adaptado, sem sotaque, se casa com uma inglesa rica. Ao mesmo tempo sua ex namorada, pobre, se casa com seu pai. Como uma observadora, temos uma mulher mais velha, confidente de todos eles. Os temas de James estão presentes: o estrangeiro, a mulher como ser que move a vida, o homem como joguete do destino. Henry James nunca se casou, ele percebe a mulher como ser forte, aquele que faz as coisas, que decide.
O livro tem 600 páginas e períodos de várias páginas. Não há como desenvolver uma psicologia tão vasta em frases curtas e truncadas. O estilo aqui é sinfônico. Cada pensamento desenvolvido até o fim. Como tema musical. Como harmonia que vem e se esvai. E retorna depois.
Proust levaria esse estilo ainda mais longe unindo a sintaxe poética ao estilo.
Ler Henry James é ler um espírito.
CAPOTE, UMA BIOGRAFIA- GERALD CLARKE, TODAS AS BIOS DEVERIAM SER ESCRITAS ASSIM.
A vida de Capote é uma das coisas mais interessantes que li. Na verdade, sua vida foi quase um milagre. Ele nasce no sul dos EUA em 1924. Naquele sul do racismo, do atraso, da violência, da falta de opções. O sul que, incrivelmente, dá também aos EUA as pessoas mais talentosas, toda a cor e inspiração do país. E dá Capote.
O pai era um malandro. Ladrão, golpista, mentiroso, folgado, vigarista. Os golpes que ele dava fazem do começo do livro uma comédia amarga. A mãe era outra golpista. Que se deu mal. Casou com o pai de Truman achando que ele fosse rico. Acabou com um vagabundo e um filho esquisito. A mãe adorava sexo. Era vulgar e promíscua. Filho único, o bebê Capote foi deixado de lado. Acabou na casa das tias solteironas. Depois voltou para a mãe. A mãe o quis não por amor, ela queria irritar o marido. Truman era deixado sózinho em hotéis. A mãe saía com seus namorados e ele ficava desesperado. O pavor do abandono sempre presente.
O jovem Truman Capote era gay, claro. A voz nunca engrossou. A pele não teve barba. Media metro e meio de altura. E usava franja. Detalhe central, Capote jamais teve qualquer problema em aceitar sua homossexualidade. Ele, desde os 10 anos, usava imensas echarpes esvoaçantes, roupas coloridas, e abusava de trejeitos e de cenas e poses. Imaginem o efeito numa pequena cidade do sul em 1934. O pai o odiava e a mãe sentia uma mistura de vergonha e de raiva. Truman lia e escrevia. E logo aprendeu a seduzir, não sexualmente, humoristicamente.
Voces devem conhecer alguns """Capotes"" de 2014. É aquele mocinho afetado, infantil, que fala como uma metralhadora, disparando frases inteligentes e engraçadas sem parar. As mulheres adoram esse homenzinho absurdo. Mimam, se abrem, riem com ele e nunca dele. Ele consegue ser alegre, agradável, confiável. Os maridos aceitam sua alegria e seu bom gosto. É a alma da festa. Conhece todo mundo que vale a pena. E, eis o milagre, todos passam a disputar a amizade de Truman Capote.
Ele começa escrevendo contos, bem curtos, para a Harpers Baazar. Truman deu sorte. Em 1940/1950 toda revista prezava sua sessão de contos. A Harpers, em meio a modelos, dicas de cosméticos, fofocas e guias de casamento, publicava contos. Contos artísticos, literários. Truman começou sua fama lá. Se tornou o queridinho dos editores e foi para New York. Muito jovem ainda, 18 anos, começou a ser famoso. Truman Capote foi famoso antes de lançar seu primeiro romance. As editoras o disputavam. Logo ele era um fenômeno. Para o povo IN, ser amigo de Capote era o máximo.
E nisso ele também teve sorte. A juventude de Capote foi aquela do último suspiro da aristocracia americana e européia. Uma delicia ler sobre eles. Gente realmente rica, gente com dinheiro para jogar fora, gente segura de sua posição, gente com gosto e berço, elegantes ao extremo. Nesse meio Truman foi rei. Dos Kennedy aos Paley, dos Agnelli na Itália a Onassis, cruzeiros, villas, festas, jantares, ilhas, castelos. Recepções onde havia um criado para cada convidado, a melhor comida, e todo um código de conduta, de educação, de bom tom. Uma nobreza delicada, discreta e muito, muito rica.
Talvez o auge de Truman, em felicidade, tenha sido Bonequinha de Luxo, Breakfast at Tiffany`s. O livro, e não o filme, traduz a vida da NY de então, dos que desejavam fazer parte daquele alto mundo, dos que quase chegavam lá e que viviam como se lá estivessem. Lançado em 1958, ele não é o melhor Truman, mas é o mais alegre, vivo, cheio de energia.
Em 1966 ele faz a festa do século em um hotel de NY. São quinhentos convidados. As quinhentas pessoas mais ricas e chiques do mundo. Do dono da Ferrari à irmã da rainha da Inglaterra, do marajá de Rachipur ao xá do Irã. Dos Kennedy a Onassis. E ainda Andy Warhol, Brando, Lauren Bacall, Sinatra. Um grande baile de máscaras, homens de preto, mulheres de branco. E Capote, sendo cortejado, adulado. É o auge de sua vida. Depois, a queda.
Ter aceitado, por dinheiro, escrever A Sangue Frio, destruiu sua escrita. Viver junto aos dois assassinos, passar quatro anos dentro daquele mundo, tudo isso fez com que o ato de escrever começasse a lhe parecer uma dor, uma pena a pagar. Depois do livro enteegue, Capote nunca mais escreveu com alegria. Álcool, drogas, exploração, sua vida virou um caos.
Sexualmente Capote sempre foi regrado. Teve três namoros importantes e alguns casos sexuais. Mas depois do 40 anos se deixou explorar por um namorado ambicioso. Mais surpreendente, era um homem comum, feio, pobre e inculto. Esse foi o sintoma do começo de seu fim.
Em 1975 Truman Capote comete o maior erro de sua vida. Lança um livro onde escancara os podres dos muito ricos. Como consequência, ele perde TODOS seus amigos. Dolorosamente, sua amiga, Babe, a mulher mais fina, elegante e bela do mundo, lhe vira a cara. Nunca mais eles reatarão. Slim, outra grande amiga, ex-esposa de Howard Hawks e do milionário Leland Hayward, o ataca. Truman se torna um pária. Uma piada. Um morto vivo.
Ele sonha em ser o Proust americano, em, como Marcel Proust, registrar a agonia de uma elite, mostrar de forma bela, ácida e poética, o final de um mundo, o fim de um sonho de beleza. Claro que ele nunca conseguiu, e esse plano, essa ideia de fazer o Em Busca do Tempo Perdido da América ( plano que outros acalentam em 2014 ), lhe destruiu todo o desejo de escrever. Figurinha fácil em programas de entrevistas na TV, frequentador do Studio 54, grande consumidor de cocaína e de bolinhas, Capote foi se tornando uma piada. Morre em 1984. Nos braços de uma de suas últimas amigas.
O livro conta tudo isso e muito mais. E como toda boa biografia, as últimas 100 páginas são muito tristes e dolorosas. Os últimos vinte anos de Truman foram um desastre. E mesmo a festa do século parece agora uma despedida.
Truman deveria escrever mais e viver menos. Calar mais e falar nada. Mas assim não seria Truman. Ele amava o sol, as viagens, as amigas, os livros. Não era muito culto, mas foi aprendendo com os amigos. Era engraçado. Conseguiu superar um começo de vida de pesadelo. Mentia muito. Exagerava tudo. Mas o autor publica apenas o comprovado, e mesmo assim é uma vida quase inacreditável.
No final ele voltou ao inicio. Só, falido e desacreditado. Com apenas 50 anos ele já parecia um ser de outro século. E ele era. E sabia disso.
PS: Em 1984 um disco dos Smiths saiu com Truman Capote na capa. Faz todo o sentido. Morrissey deve ter entendido muito bem a morte do pequeno elfo americano.
O pai era um malandro. Ladrão, golpista, mentiroso, folgado, vigarista. Os golpes que ele dava fazem do começo do livro uma comédia amarga. A mãe era outra golpista. Que se deu mal. Casou com o pai de Truman achando que ele fosse rico. Acabou com um vagabundo e um filho esquisito. A mãe adorava sexo. Era vulgar e promíscua. Filho único, o bebê Capote foi deixado de lado. Acabou na casa das tias solteironas. Depois voltou para a mãe. A mãe o quis não por amor, ela queria irritar o marido. Truman era deixado sózinho em hotéis. A mãe saía com seus namorados e ele ficava desesperado. O pavor do abandono sempre presente.
O jovem Truman Capote era gay, claro. A voz nunca engrossou. A pele não teve barba. Media metro e meio de altura. E usava franja. Detalhe central, Capote jamais teve qualquer problema em aceitar sua homossexualidade. Ele, desde os 10 anos, usava imensas echarpes esvoaçantes, roupas coloridas, e abusava de trejeitos e de cenas e poses. Imaginem o efeito numa pequena cidade do sul em 1934. O pai o odiava e a mãe sentia uma mistura de vergonha e de raiva. Truman lia e escrevia. E logo aprendeu a seduzir, não sexualmente, humoristicamente.
Voces devem conhecer alguns """Capotes"" de 2014. É aquele mocinho afetado, infantil, que fala como uma metralhadora, disparando frases inteligentes e engraçadas sem parar. As mulheres adoram esse homenzinho absurdo. Mimam, se abrem, riem com ele e nunca dele. Ele consegue ser alegre, agradável, confiável. Os maridos aceitam sua alegria e seu bom gosto. É a alma da festa. Conhece todo mundo que vale a pena. E, eis o milagre, todos passam a disputar a amizade de Truman Capote.
Ele começa escrevendo contos, bem curtos, para a Harpers Baazar. Truman deu sorte. Em 1940/1950 toda revista prezava sua sessão de contos. A Harpers, em meio a modelos, dicas de cosméticos, fofocas e guias de casamento, publicava contos. Contos artísticos, literários. Truman começou sua fama lá. Se tornou o queridinho dos editores e foi para New York. Muito jovem ainda, 18 anos, começou a ser famoso. Truman Capote foi famoso antes de lançar seu primeiro romance. As editoras o disputavam. Logo ele era um fenômeno. Para o povo IN, ser amigo de Capote era o máximo.
E nisso ele também teve sorte. A juventude de Capote foi aquela do último suspiro da aristocracia americana e européia. Uma delicia ler sobre eles. Gente realmente rica, gente com dinheiro para jogar fora, gente segura de sua posição, gente com gosto e berço, elegantes ao extremo. Nesse meio Truman foi rei. Dos Kennedy aos Paley, dos Agnelli na Itália a Onassis, cruzeiros, villas, festas, jantares, ilhas, castelos. Recepções onde havia um criado para cada convidado, a melhor comida, e todo um código de conduta, de educação, de bom tom. Uma nobreza delicada, discreta e muito, muito rica.
Talvez o auge de Truman, em felicidade, tenha sido Bonequinha de Luxo, Breakfast at Tiffany`s. O livro, e não o filme, traduz a vida da NY de então, dos que desejavam fazer parte daquele alto mundo, dos que quase chegavam lá e que viviam como se lá estivessem. Lançado em 1958, ele não é o melhor Truman, mas é o mais alegre, vivo, cheio de energia.
Em 1966 ele faz a festa do século em um hotel de NY. São quinhentos convidados. As quinhentas pessoas mais ricas e chiques do mundo. Do dono da Ferrari à irmã da rainha da Inglaterra, do marajá de Rachipur ao xá do Irã. Dos Kennedy a Onassis. E ainda Andy Warhol, Brando, Lauren Bacall, Sinatra. Um grande baile de máscaras, homens de preto, mulheres de branco. E Capote, sendo cortejado, adulado. É o auge de sua vida. Depois, a queda.
Ter aceitado, por dinheiro, escrever A Sangue Frio, destruiu sua escrita. Viver junto aos dois assassinos, passar quatro anos dentro daquele mundo, tudo isso fez com que o ato de escrever começasse a lhe parecer uma dor, uma pena a pagar. Depois do livro enteegue, Capote nunca mais escreveu com alegria. Álcool, drogas, exploração, sua vida virou um caos.
Sexualmente Capote sempre foi regrado. Teve três namoros importantes e alguns casos sexuais. Mas depois do 40 anos se deixou explorar por um namorado ambicioso. Mais surpreendente, era um homem comum, feio, pobre e inculto. Esse foi o sintoma do começo de seu fim.
Em 1975 Truman Capote comete o maior erro de sua vida. Lança um livro onde escancara os podres dos muito ricos. Como consequência, ele perde TODOS seus amigos. Dolorosamente, sua amiga, Babe, a mulher mais fina, elegante e bela do mundo, lhe vira a cara. Nunca mais eles reatarão. Slim, outra grande amiga, ex-esposa de Howard Hawks e do milionário Leland Hayward, o ataca. Truman se torna um pária. Uma piada. Um morto vivo.
Ele sonha em ser o Proust americano, em, como Marcel Proust, registrar a agonia de uma elite, mostrar de forma bela, ácida e poética, o final de um mundo, o fim de um sonho de beleza. Claro que ele nunca conseguiu, e esse plano, essa ideia de fazer o Em Busca do Tempo Perdido da América ( plano que outros acalentam em 2014 ), lhe destruiu todo o desejo de escrever. Figurinha fácil em programas de entrevistas na TV, frequentador do Studio 54, grande consumidor de cocaína e de bolinhas, Capote foi se tornando uma piada. Morre em 1984. Nos braços de uma de suas últimas amigas.
O livro conta tudo isso e muito mais. E como toda boa biografia, as últimas 100 páginas são muito tristes e dolorosas. Os últimos vinte anos de Truman foram um desastre. E mesmo a festa do século parece agora uma despedida.
Truman deveria escrever mais e viver menos. Calar mais e falar nada. Mas assim não seria Truman. Ele amava o sol, as viagens, as amigas, os livros. Não era muito culto, mas foi aprendendo com os amigos. Era engraçado. Conseguiu superar um começo de vida de pesadelo. Mentia muito. Exagerava tudo. Mas o autor publica apenas o comprovado, e mesmo assim é uma vida quase inacreditável.
No final ele voltou ao inicio. Só, falido e desacreditado. Com apenas 50 anos ele já parecia um ser de outro século. E ele era. E sabia disso.
PS: Em 1984 um disco dos Smiths saiu com Truman Capote na capa. Faz todo o sentido. Morrissey deve ter entendido muito bem a morte do pequeno elfo americano.
O MUNDO DE HOJE? É DE PROUST E EU NÃO SABIA! ou SOMOS TODOS UNS MARCEIS.
Aula de Teoria Literária ministrada por uma leve professora alemã. Uma das melhores coisas em voltar a estudar é quando voce pode desenvolver, em classe, em grupo, aquilo que voce absorveu sozinho ao longo da vida. Nesta manhã falamos de Benjamin, de Bergson, de Adorno e de Proust. Primeiro fato que nunca eu havia percebido: A valorização da memória é um fato moderno. Na poesia e na prosa de antes inexiste fascinação pela memória. O romance do século XVIII caminha sempre adiante. É no fim do século XIX e principalmente por todo o século XX, e cada vez mais, que se instaura a adoração do passado, a valorização da memória, da lembrança individual, daquilo que só voce viveu, viu e sentiu. Freud é apenas um sintoma desse novo sentimento. O mergulhar dentro de si e fora do mundo para achar sua memória.
Antes não era assim. A memória era coletiva e pouco importava a memória de cada um. Mesmo obras confessionais, como as de Montaigne ou de Rousseau, falam do tempo avante, a lembrança sendo apenas um rápido apoio para o passo à frente. A memória se instalava na igreja, nas festas profanas ou religiosas, nos contos populares e no culto aos heróis. A memória compartilhada, de todos, a memória, mesmo que familiar, sempre inserida no conjunto de outras histórias. Teia de fatos que dizem respeito a todos.
Hoje todos somos Proust. E se todos somos Proust, então a memória hiper-particular de Marcel se tornou a memória compartilhada por todos. Afinal, o francês sensível e nervoso influenciou mesmo aqueles que nunca o leram. Sim? Mais ou menos. Vamos ressaltar que Proust parte de si-mesmo e tem por alvo o mais si-mesmo possível. Se somos proustianos é porque vivemos a mesma ansia que atingiu Marcel e não porque temos as mesmas lembranças que ele. Proust intuiu aquilo que o mundo se tornaria, o mundo da rua negando e violando a matéria e nossa alma correndo para casa a fim de sobreviver.
Somos pessoas que dividem fotos de nossa infância com estranhos. Homens que produzem memórias sem parar. Olhamos e fotografamos incessantemente nosso rosto, observando as mudanças do tempo, analisando o que ele é. Nossa arte produz citações de citações, olha e reflete sem parar sobre tudo o que foi feito e parte dessa memória na tentativa de anular a memória. Colecionamos cacos de lixo na esperança de recordar algo. Damos valor a brinquedos sujos, livros rasgados, casas úmidas, mobilia riscada, esperando que esses objetos nos dêem uma narrativa, que eles nos contem uma história que fomos incapazes de viver.
Procuramos em sites, lojas, museus, nossas madeleines. Um objeto que nos desperte. Que nos tire da surdez, da cegueira. Viajamos não para encontrar algo de completamente novo, mas viajamos para recordar alguma coisa que nunca vivemos. Ansiamos por histórias, por memórias, por tempo. Olhamos o Partenon como se ele fosse parte de nós. Não é. O Partenon, assim como New York ou Londres ou Tokyo ou Vienna nos recorda coisas que vimos de terceira mão. Não são memórias nossas, são madeleines que jamais nos cantarão um segredo. Paris irá nos lembrar a Paris de um filme, de um livro, de um sonho de outro.
Nossa memória nos obceca, mas ao mesmo tempo a tememos. Sentimos que nela perderemos algo. Perderemos a vida. Estranha condição pós-Proust. O francês aceitou o mergulho sem medo, nós nos paralisamos em medo. Memórias pela metade, lembranças fingidas, recordações compradas.
A menina bonita usa um cabelo Chanel com saudades dos anos 20. Ela nasceu em 1995. O carro é anos 70. Quem o dirige nasceu em 1990. No rádio uma balada tipo 1966. Tudo lembra algo que não foi vivido, tudo faz esquecer, lembrando, a verdadeira lembrança, individual. Porque mesmo que se lembre e se reviva maio de 68, esse aparente coletivo não é coletivo, pois cada um ali vive um sonho particular em meio a uma massa sem rumo. A estranheza é tanta que já há no Brasil ou no Niger quem tenha saudades e memórias dos tempos celtas dos druidas e bruxos.
Nunca a infância foi tão adorada. As lembranças se espalham por desenhos, roupas, e pelas salas de terapia. Mas ao mesmo tempo, nunca se lembrou tão pouco da verdadeira infância. A vontade é de reviver e recordar como Proust, mas o que recebemos são apenas lembranças vagamente coletivas, redutoras, pobres. Queremos adentrar outra vez as portas do quarto de brincar e poder sentir, mesmo que por um segundo, a pureza dos dias e das palavras livres. Mas o que compramos é apenas um brinquedo enferrujado que balbucia uma frase gasta e sem valor.
O tempo só vale quando tem durée, valor, quando não pode ser medido. É isso o que queremos. É isso o que respira no ciclo da natureza, na semente e na colheita. É isso que respira nas festas. No nascimento e no enterro. Isso é dramatizado na missa, no canto ao redor da fogueira, no mito. É isso o que tentamos resgatar, é isso que Proust resgatou. Para si. Só para si. E para mais ninguém.
O tempo, domado, contado, estudado, comprado, planejado, morto, é nossa obsessão. Olhamos para nosso passado na esperança de o salvar. Esquecemos o que Proust diz logo no começo de sua obra: Esse reencontro é acidental. Casual. Ele é pura sorte. Ir atrás dele é matar sua chance.
Toda foto tirada com a intenção de servir como memória de um momento, está fadada a nada significar no futuro. O momento será capturado no acaso. Ou melhor, na Arte. Capturar o tempo sem o assassinar. Eis a tensão da arte moderna.
Cèst Tout.
Antes não era assim. A memória era coletiva e pouco importava a memória de cada um. Mesmo obras confessionais, como as de Montaigne ou de Rousseau, falam do tempo avante, a lembrança sendo apenas um rápido apoio para o passo à frente. A memória se instalava na igreja, nas festas profanas ou religiosas, nos contos populares e no culto aos heróis. A memória compartilhada, de todos, a memória, mesmo que familiar, sempre inserida no conjunto de outras histórias. Teia de fatos que dizem respeito a todos.
Hoje todos somos Proust. E se todos somos Proust, então a memória hiper-particular de Marcel se tornou a memória compartilhada por todos. Afinal, o francês sensível e nervoso influenciou mesmo aqueles que nunca o leram. Sim? Mais ou menos. Vamos ressaltar que Proust parte de si-mesmo e tem por alvo o mais si-mesmo possível. Se somos proustianos é porque vivemos a mesma ansia que atingiu Marcel e não porque temos as mesmas lembranças que ele. Proust intuiu aquilo que o mundo se tornaria, o mundo da rua negando e violando a matéria e nossa alma correndo para casa a fim de sobreviver.
Somos pessoas que dividem fotos de nossa infância com estranhos. Homens que produzem memórias sem parar. Olhamos e fotografamos incessantemente nosso rosto, observando as mudanças do tempo, analisando o que ele é. Nossa arte produz citações de citações, olha e reflete sem parar sobre tudo o que foi feito e parte dessa memória na tentativa de anular a memória. Colecionamos cacos de lixo na esperança de recordar algo. Damos valor a brinquedos sujos, livros rasgados, casas úmidas, mobilia riscada, esperando que esses objetos nos dêem uma narrativa, que eles nos contem uma história que fomos incapazes de viver.
Procuramos em sites, lojas, museus, nossas madeleines. Um objeto que nos desperte. Que nos tire da surdez, da cegueira. Viajamos não para encontrar algo de completamente novo, mas viajamos para recordar alguma coisa que nunca vivemos. Ansiamos por histórias, por memórias, por tempo. Olhamos o Partenon como se ele fosse parte de nós. Não é. O Partenon, assim como New York ou Londres ou Tokyo ou Vienna nos recorda coisas que vimos de terceira mão. Não são memórias nossas, são madeleines que jamais nos cantarão um segredo. Paris irá nos lembrar a Paris de um filme, de um livro, de um sonho de outro.
Nossa memória nos obceca, mas ao mesmo tempo a tememos. Sentimos que nela perderemos algo. Perderemos a vida. Estranha condição pós-Proust. O francês aceitou o mergulho sem medo, nós nos paralisamos em medo. Memórias pela metade, lembranças fingidas, recordações compradas.
A menina bonita usa um cabelo Chanel com saudades dos anos 20. Ela nasceu em 1995. O carro é anos 70. Quem o dirige nasceu em 1990. No rádio uma balada tipo 1966. Tudo lembra algo que não foi vivido, tudo faz esquecer, lembrando, a verdadeira lembrança, individual. Porque mesmo que se lembre e se reviva maio de 68, esse aparente coletivo não é coletivo, pois cada um ali vive um sonho particular em meio a uma massa sem rumo. A estranheza é tanta que já há no Brasil ou no Niger quem tenha saudades e memórias dos tempos celtas dos druidas e bruxos.
Nunca a infância foi tão adorada. As lembranças se espalham por desenhos, roupas, e pelas salas de terapia. Mas ao mesmo tempo, nunca se lembrou tão pouco da verdadeira infância. A vontade é de reviver e recordar como Proust, mas o que recebemos são apenas lembranças vagamente coletivas, redutoras, pobres. Queremos adentrar outra vez as portas do quarto de brincar e poder sentir, mesmo que por um segundo, a pureza dos dias e das palavras livres. Mas o que compramos é apenas um brinquedo enferrujado que balbucia uma frase gasta e sem valor.
O tempo só vale quando tem durée, valor, quando não pode ser medido. É isso o que queremos. É isso o que respira no ciclo da natureza, na semente e na colheita. É isso que respira nas festas. No nascimento e no enterro. Isso é dramatizado na missa, no canto ao redor da fogueira, no mito. É isso o que tentamos resgatar, é isso que Proust resgatou. Para si. Só para si. E para mais ninguém.
O tempo, domado, contado, estudado, comprado, planejado, morto, é nossa obsessão. Olhamos para nosso passado na esperança de o salvar. Esquecemos o que Proust diz logo no começo de sua obra: Esse reencontro é acidental. Casual. Ele é pura sorte. Ir atrás dele é matar sua chance.
Toda foto tirada com a intenção de servir como memória de um momento, está fadada a nada significar no futuro. O momento será capturado no acaso. Ou melhor, na Arte. Capturar o tempo sem o assassinar. Eis a tensão da arte moderna.
Cèst Tout.
O TEMPO REDESCOBERTO, PROUST EM FILME DE RAOUL RUIZ
Proust cura. As palavras em vertigens e as páginas que se embaralham fazem com que percebamos, sem perceber não é ? , que tudo permanece em lugar sempre vivo chamado memória. Cada dia e toda pessoas está para sempre aqui e em lugar nenhum, portanto em todo lugar. O que se vive é decisivo. Como filmar isso?
Schlondorff filmou em 1988 e fez um dos piores filmes de sempre. Confundiu Proust com esnobismo mórbido e destruiu o que era um monumento. Visconti acalentou a ideia de o filmar, mas morreu sem achar o momento certo dentro de seu tempo. Renoir, Ophuls, Resnais, todos poderiam ter levado o gênio de Marcel para as telas. E então assisto as seis da manhã de um sábado a versão de Raoul Ruiz, o diretor chileno que tanto insistiu que virou francês. É Proust ? Não, não é Proust, e essa é a vitória de Ruiz. Não é mas poderia ter sido se Marcel fosse menor. O rastro da tinta e da ansiedade de Proust está no filme, ( que é de uma beleza plástica tão extremada que poderia enjoar. Não enjoa. ), Ruiz optou por misturar as cartas e joga-las todas de uma vez sobre a mesa que é nossa mente. Não tente seguir a história, se deixe ir nas sensações impressionistas que flutuam frente nossos olhos como se fossem sonhos nossos.
Quem disse que grandes filmes são como sonhos? Que lembramos deles como se tivéssemos sonhado aquele filme? Eis um filme que é todo sonho. As festas e as roupas, as casas e as taças, não podem ser reais. Mais que presentes elas vivem dentro de nós. Como Proust sabia, aquilo que vive dentro nunca perece pois não obedece a ordem do que mora fora.
John Malkovich beira o milagre. Charlus como Charlus foi imaginado. Mas todo o elenco faz milagres. A fotografia de Ricardo Aronovich também.
Claro, o filme explicita a politica que Proust sugere e nunca escancara. E encolhe as delicadezas da infância sagrada. Cadê Swann que não o encontro?
Eu reli Proust a cerca de quatro anos e ele é um dos livros que me consolou pela perda de um pai. O tempo mora onde? No fluxo infinito de rostos e de frases a gente se perde e percebe que tudo está. E tudo pode ser. Indo. A hipnose se opera para quem se deixa ir e fico rodopiando entre as linhas negras e a corrente desse rio que fala. E canta.
O filme termina em mar.
Pra sempre.
Se voce é poeta sabe.
Schlondorff filmou em 1988 e fez um dos piores filmes de sempre. Confundiu Proust com esnobismo mórbido e destruiu o que era um monumento. Visconti acalentou a ideia de o filmar, mas morreu sem achar o momento certo dentro de seu tempo. Renoir, Ophuls, Resnais, todos poderiam ter levado o gênio de Marcel para as telas. E então assisto as seis da manhã de um sábado a versão de Raoul Ruiz, o diretor chileno que tanto insistiu que virou francês. É Proust ? Não, não é Proust, e essa é a vitória de Ruiz. Não é mas poderia ter sido se Marcel fosse menor. O rastro da tinta e da ansiedade de Proust está no filme, ( que é de uma beleza plástica tão extremada que poderia enjoar. Não enjoa. ), Ruiz optou por misturar as cartas e joga-las todas de uma vez sobre a mesa que é nossa mente. Não tente seguir a história, se deixe ir nas sensações impressionistas que flutuam frente nossos olhos como se fossem sonhos nossos.
Quem disse que grandes filmes são como sonhos? Que lembramos deles como se tivéssemos sonhado aquele filme? Eis um filme que é todo sonho. As festas e as roupas, as casas e as taças, não podem ser reais. Mais que presentes elas vivem dentro de nós. Como Proust sabia, aquilo que vive dentro nunca perece pois não obedece a ordem do que mora fora.
John Malkovich beira o milagre. Charlus como Charlus foi imaginado. Mas todo o elenco faz milagres. A fotografia de Ricardo Aronovich também.
Claro, o filme explicita a politica que Proust sugere e nunca escancara. E encolhe as delicadezas da infância sagrada. Cadê Swann que não o encontro?
Eu reli Proust a cerca de quatro anos e ele é um dos livros que me consolou pela perda de um pai. O tempo mora onde? No fluxo infinito de rostos e de frases a gente se perde e percebe que tudo está. E tudo pode ser. Indo. A hipnose se opera para quem se deixa ir e fico rodopiando entre as linhas negras e a corrente desse rio que fala. E canta.
O filme termina em mar.
Pra sempre.
Se voce é poeta sabe.
LER É PRAZER, SEMPRE
Tem muita gente que se esquece que ler é um prazer. Claro que existe a leitura de estudo, de trabalho, essas muitas vezes não são um prazer, mas ler tem de ser um prazer, sempre. Não pense que amo um autor dito dificil como Proust por esnobismo. Nunca li Proust ou Henry James por dever de currículo. É puro prazer. Lê-los é ouvir música. Tem ritmo, harmonia, dom de fazer sonhar e muito prazer. São belos. Uma beleza que não exclui a dor, a melancolia, mas é arte que dá sentido e beleza à dor e a melancolia. É por isso que não consigo ler autores que sei serem grandes, como Dostoievski ou Kafka, eles não me dão prazer. Os admiro, muito, reconheço sua genialidade, mas me guio pelo prazer. O meu prazer. E se Stendhal e Tolstoi me dão prazer, porque não preferir ler seus livros que ainda não li?
No cinema me guio pelo prazer a anos. Se um filme, mesmo dito "bom", não me der algum tipo de prazer adeus! Não tenho tempo a perder com "obrigações morais". Foi-se o tempo em que via Resnais ou Rosselini por dever erudito. Blá! Não troco todo o Rivette por um Hawks. E creia, se elogio Bergman ou Ozu é porque sinto muito prazer em ver quase tudo o que eles fizeram ( mas não tudo ). Prazer não forçado, prazer sensorial, poético, prazer estético.
Escrevo tudo isso para dizer que o verão voltou, e que no calor e nesse sol lindo, essa minha tendência se reafirma ainda mais. Livros e filmes que são festa, luz, alegria, calor. Prazer em ver, ouvir, ler e falar. Dolce far niente, joie de vivre. Nestes meses voces lerão sobre livros prazerosos, filmes que dão vontade de amar, cores, brilhos que nunca excluem a vida real, antes a amplificam.
Porque o prazer aumenta a vida, a exagera, torna tudo extravagante. E o anti-prazer encolhe, diminui, apequena, deixa tudo mesquinho. A luta entre a força e o fraco.
"Um Amigo Romano", escrito por um cara chamado Luca Spaguetti é o antipasti deste verão. O livro não é grande coisa. Mas tenho um fraco por tudo que fala de Itália. Ler esse livro é como conhecer um romano meio bobo. Fã da Lazio, de James Taylor e dos EUA. E de comida, claro. O cara tem prazer em quase tudo! Ah sim, ele é personagem de Comer,Rezar e Amar, aquele livro que virou filme. Como ninguém acreditava que ele fosse real, escreveu seu próprio livro. Romano até a medula, é legal saber que moleques romanos jogam peladas em São Pedro ou junto a Michelangelo. E o amor abismal que eles têm, ainda, pela América.
Livrinho pra abrir o verão, lido entre malas, mudanças e correria. Vale.
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