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SOLAR, DE IAN McEWAN. MAIS UM GRANDE LIVRO.

   Me lembrou Saul Bellow. O clima desesperado e niilista, o "herói" falho, desagradável. Mas Bellow tem mais humor, McEwan é mais lírico. O lirismo dos que secaram. O livro, divertido, ágil, criativo, maravilhoso, acompanha a saga de Michael Beard, um físico mulherengo, feio, de meia idade, egoísta, vaidoso, assassino, ladrão, tolo, infantil. Ele "cria" um modo de produzir energia limpa e barata. Ganhador do Nobel, ele viaja ao Novo México, ao Polo Norte, bebe demais, come como um urso. O autor consegue conduzir esse caos com elegância, leveza, charme e jamais tomando partido explicitamente. Não é um livro panfletário, longe disso, Ian McEwan consegue dar explicações claras sobre física, química, sobre a diferença entre ciência e humanidades. Sua descrição do politicamente correto é hilária, uma crítica exata.
 Ian McEwan é o autor que deveria ter ganho o Nobel, mas suas posições politicas pouco claras o impedem de vencer. O mundo de hoje não entende e não tem a capacidade de entender a sutileza, a imparcialidade. É um tempo de branco ou preto. McEwan tem todas as cores.

SÁBADO- IAN MCEWAN

   A ideia dominante na escrita atual: se você escrever detalhadamente TUDO o que você faz, sente e pensa; você automaticamente terá escrito um grande romance. Uma bobagem pensar assim. Primeiro: Essa afirmação dá a falsa certeza de que escrever é mais uma questão de paciência que de criação. Segundo: O caminho para entediar o leitor fica aberto. Terceiro: A verdade, a realidade é impossível de ser capturada. Principalmente por meios verbais.
  Ian McEwan conta um dia na vida de um neurocirurgião. Um sábado em que esse médico, rico, bem sucedido, quarentão, casado, pai de dois filhos, acorda de madrugada e vê um avião cair em Londres. Na sequência ele sofre um leve acidente de trânsito, joga squash, faz um jantar e recebe o sogro, poeta famoso, para jantar. Nessas 24 horas de agitam, dentro desse homem, lembranças, medos, desejos, pensamentos comuns, dúvidas, ansiedade. Well....eis a receita de mais um livro chato. De mais um dos milhares de sub-Ulysses. A saga do homem moderno. Mas, que sorte!, aqui há uma ressalva: Ian tem talento e sua escrita, fluida, sinuosa, simples sem ser fácil, salva o romance. Ele é lido com prazer. O médico, um homem racional, objetivo, científico, nunca parece caricato. Sem ser uma personagem "encantadora", muito menos um herói, nós o acompanhamos com interesse. E dentre seus charmes está o dom que ele tem de explicar tudo através da geografia do cérebro. Ele conhece o órgão, seus segredos, sua massa, desconhece muito, quase tudo, da vida. As coisas o surpreendem e sua saga é essa, descobrir que as consequências de seus atos são incompreensíveis.
  Nunca tão genial como em Reparação, este livro é uma linda escolha. Leia.

REPARAÇÃO, UMA OBRA DE IAN McEWAN

Crianças, como disse Chesterton, não mentem. Elas são absolutamente fiéis ao que percebem. Sabem, ainda, olhar a vida. Pouco distraídas pelas coisas que os adultos pensam, livres para sentir e observar, elas reagem sem filtros. Por isso a mentira de Briony é dúbia. Ela fala exatamente o que viu. Seu testemunho é descrição de um ato. Nada para ela é mentira. 
Em minhas aulas de literatura se enfatiza o quanto é dificil escrever sob mais de um ponto de vista. É uma arte refinada que se tem perdido, a arte de criar várias visões concomitantes sobre o mesmo ato. Ian McEwan faz isso com naturalidade e por isso é um mestre. Como Henry James, com quem muito se parece não em tema, mas no modo de escrever, ele nos confunde ao descrever várias verdades. Ela sabe que a verdade depende de se querer crer nela. E que toda verdade depende de se saber olhar. Nunca de se saber pensar. Briony diz a sua verdade. E destrói duas vidas. Ela é inocente. 
Escrever uma frase que seja original. Descrever uma rua ou um clima de um modo novo. Essa a marca de um grande autor. Assisti um filme com Clive Owen onde um professor de literatura, feito com garbo por Owen, recita o final de Rabbit Run de John Updike. Li esse livro em 2009 e só uma vez. Pois bem, a escrita é tão forte que imediatamente identifiquei o livro. A frase, belíssima, estava guardada numa folha especial em minha memória. E eu nem sabia disso. Mas lá estava. Ian McEwan é do tamanho de Updike. Talvez tão grande quanto Bellow. Com certeza é o maior autor vivo da lingua inglesa. E nunca vai ser nobelizado.
Há um momento no livro em que os dois amantes se encontram na rua. E ambos se sentem constrangidos. Por anos eles se amaram via correio e agora temem se ver e se intimidar pela emoção. Esse encontro, coisa de 4 páginas, é descrito de um modo tão delicado, tão verdadeiro e com tanto amor pelos dois que ao ler eu senti estar diante de um quase milagre. Isso é coisa de imenso talento. O livro, e várias outras cenas provam isso, é uma obra-prima e viverá enquanto alguém souber ler. O final, em que percebemos que o que lemos foi contado por Briony anciã e prestes a perder a memória, é outro momento de brilho gigantesco. Briony gostaria de ter salvado dos dois amantes. Mas ela não pode. 
Foi feito um filme sobre este livro. Joe Wright o fez. Adorei. Mas, claro, o livro vai muito mais longe. O filme é um trailer do livro. Um lindo trailer. 
O filme de Owen termina com o professor lendo um belo trecho de Ian McEwan ( pois é, que coincidência não? ). Ian fala do que seja a arte. A arte é a fala de homens imperfeitos que tentam alcançar a perfeição. E que nesse processo, fadado ao fracasso, nós, leitores, somos erguidos e ao ler tomamos contato com aquilo que temos de MELHOR. 
Ian McEwan é um nobre portanto. A arte, mesmo a mais realista e pessimista, existe para nos aperfeiçoar. Para nos tirar de um mundo incompreensível e nos levar a tomar contato com o melhor. Veja, para nos erguer, não para erguer o mundo. Para nos transformar, não para nos fazer entender a vida.
Este livro, triste, belo, cruel, feio, sempre perfeito, é uma obra-prima.
Vale!