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BOCACCIO- O REGRESSO- MINELLI- TARANTINO- EVERESTE- GIGI- COLE PORTER

   OS 8 ODIADOS de Tarantino com Kurt Russell, Samuel L. Jackson e Tim Roth.
Logo no começo do filme a personagem de Jennifer Jason Leigh leva um soco na cara e cospe sangue. Imagino que Quentin tenha dado boas risadas com isso. Eu odiei. Quem me conhece sabe que estou longe de ser um "politicamente correto". Penso inclusive que o movimento merece ser gozado. Mas não assim. Tarantino tem um talento técnico imenso. Ele viu muito cinema e viu direito, com atenção. Mas ele tem um sério problema: é um homem vazio. Nada tem para contar. Assim como Fincher, Nolan ou tantos outros, Quentin cresceu na frente de uma tela e conhece quase nada da vida lá fora. Não há nele nada de vivo, tudo é uma grande piada. Quando o roteiro ajuda, como em Pulp Fiction, essa bobagem vira uma festa de esperteza e de humor; mas quando o roteiro é fraco, nada há que Quentin possa acrescentar. Este filme é bobagem teen bem filmada. Nota 3.
   O REGRESSO de Iñarritu com Leo di Caprio e Tom Hardy.
Sinto muito Leo. Não vi o filme sobre Dalton Trumbo, mas torço por Bryan no Oscar. Iñarritu tem um talento imenso, mas é uma pessoa chata. Apesar que....Será que essas estripulias de imagem e de montagem não seriam talentos do equipamento hoje disponível...e não do diretor que os utiliza....Penso no que Ophuls, Hitchcok ou Powell não fariam com câmeras tão leves e cores digitalizadas à vontade... Bom, este filme é uma bosta. Um monte de esterco fedido e bem grudento. Fezes com legendas que dizem ser "ouro". Mas é bosta mesmo. Uma câmera bêbada filmando gente suja cometendo barbaridades. Só isso. Não há invenção, criação ou imaginação. O cinema alcança assim o ponto onde as artes plásticas estiveram por volta de 1995, quando um artista italiano expôs merda enlatada num museu. Nota ZERO.
   MARAVILHOSO BOCACCIO dos Irmãos Taviani
Mais recente filme dos irmãos italianos, ele nada tem em comum com o famoso filme de Pasolini. Aqui a austeridade manda. É um Bocaccio distanciado, frio, rígido. Plasticamente é um belo filme, emocionalmente ele nada transmite. O filme começa exibindo a Peste Negra a dizimar Firenze e então vemos o grupo de jovens que foge da cidade e no campo contam histórias para passar o tempo. Creio que os Taviani estão muito mais distantes do espírito medieval que Pasolini. Eles filmam como italianos de 1650. Nota 5.
   EVERESTE de Baltasar Kormakur com Josh Brolin, Emily Watson e Jake Gyllenhaal.
Em 1996 vários grupos de turistas tentam atingir o topo do Evereste. Mas os acidentes acontecem. Finalmente chegou ao cinema o livro de Jon Krakauer. E o filme dá o que promete: emoção. Sabemos desde o começo quem vai morrer, afinal é uma história real, mas mesmo assim o filme nos faz entrar na montanha. O vento e a neve nos seduzem. Nota 6.
   O PRIMEIRO ASSALTO DE TREM de Michael Crichton com Sean Connery,  Donald Sutherland e Lesley Anne Down.
Crichton é sim o escritor. Pra quem não sabe ele dirigiu alguns filmes nos anos 70. Este, de 1978, conta um elaborado plano para se roubar um trem cheio de ouro na Inglaterra de 1860. Cenários vitorianos me seduzem e ainda há Sean Connery esbanjando charme como um ladrão seguro e criativo. Lesley foi das mais lindas atrizes britânicas e Donald faz um ajudante meio nervoso. Dá pro gasto, mas não espere muito. Nota 5.
  AGORA SEREMOS FELIZES ( MEET ME IN SAINT LOUIS ) de Vincente Minelli
Digamos assim: este é o oposto radical de O REGRESSO. No filme de Iñarritu temos o absurdo da pornografia. O mundo como sangue e dor mostrado em lentes objetivas e com uma falta de imaginação completa. O real escapa em meio ao exagero do sensacional. Aqui temos o absurdo da delicadeza extrema. O mundo como canção onde tudo se diz e nada fica nas sombras. Tudo mostrado com lentes rosadas, onde o real escapa porque jamais foi procurado. O roteiro: em 1903 uma família de St. Louis vive sua vida comum. Namoricos, jantares, festas, pequenas dores. E é pouco mais que isso. Mas esse mais faz toda a diferença! A Metro usa um lindo Technicolor, Judy Garland canta lindas canções, os cenários são familiares e você fica querendo que a vida fosse aquilo e sabendo que não é. Mas....quem sabe um dia seja.... Well....foi o primeiro grande sucesso de Minelli e é considerado hoje um dos filmes mais alto astral já feitos. Você quer ter uma família assim. O tipo de cinema que fez os EUA ganharem o mundo. Nota 8.
   GIGI de Vincente Minelli com Leslie Caron, Louis Jourdan, Maurice Chevalier e Hermione Gingould.
Se St. Louis é o primeiro sucesso de Minelli, este é o último. GIGI ganhou penca de Oscars  e levou multidões aos cinemas num tempo em que adultos iam ao cinema. O roteiro é do gênio Alan Jay Lerner e fala de uma menina que é treinada para ser cortesã na Paris de 1900. Ao redor dela o que vemos são tias e avós que querem vende-la, em ambiente de extremo luxo. As canções são de Frederick Lowe e toda a parte visual, roupas e cenários, são da lenda Cecil Beaton. Sim, a equipe é quase a mesma que faria MY FAIR LADY cinco anos mais tarde. E as canções são maravilhosas e recitativas, como serão as do filme baseado em Shaw ( este se baseia em Colette ). Chevalier tem momentos sublimes e o filme nos dá uma sensação de alegria leve e chique que não têm preço. O filme termina e nós vamos à vida com renovado charme e boas emoções. Uma aula de savoir faire. GIGI é uma festa! Nota DEZZZZZZZZ!!!!!!!
   ALTA SOCIEDADE de Charles Walters com Bing Crosby, Grace Kelly, Frank Sinatra e Louis Armstrong.
Rever este filme mais uma vez é como encontrar numa loja aquele vinho que você bebeu em 1995 e nunca esqueceu. Uma linda lembrança que se revela verdadeira. O filme continua lindo. Nunca uma atriz foi mais bonita que Grace aqui. As canções de Cole Porter são sublimes e todo o elenco nos dá diversão. O roteiro é fofo, vazio, bobo até, mas os diálogos são espertos e a inteligência do espectador nunca é ofendida. Um souflé. Delicioso. Nota 8.

O FUTURO CHEGOU: O NOVO FILME DE IÑARRITU O INAUGURA.

   George Lucas falou que o cinema do futuro seria apenas sensação, sem emoção. Um gato sendo torturado seria filmado. A perseguição ao gato, não.
   Sensação é aquilo que um bicho sente: dor, medo, asco, desejo. Emoção é mais complicada, uma mistura de asco com curiosidade, de desejo e medo, de alegria com horror. Tudo isso em meio a inteligência, a espera, ao suspense.
   O novo filme de Iñarritu mostra que esse futuro chegou. São duas horas de sensações. E a sensação, em seu ponto extremo, se chama pornografia. O oposto radical do erotismo.
   A história é banal. Caçadores de peles são atacados por índios. Fogem, e na fuga ocorre uma traição. Vem a vingança.
   Não pense em western. O filme está longe do mundo de Hawks, Ford e mesmo de Clint e Peckimpah. Esteticamente ele bebe nos filmes russos. Mas é moderno e artístico, então o que temos são imagens que vomitam esteticismo. O diretor tem ereções com sua "esperteza". Toda imagem deveria trazer um aviso: "Cuidado! Gênio filmando"
   A câmera voa pelos cenários, flui, vai e volta. O filme não tem uma cena de câmera parada. E, se nos primeiros dez minutos, isso até impressiona, depois a gente nota que é um vicio, um maneirismo que não existe em função do FILME, mas sim em função do AUTOR. E vem, em consequência o pior....Começamos a ver tudo aquilo como um filme. O foco deixa de ser o personagem e passa a ser a técnica. O filme desaba.
   Leonardo di Caprio foi grande em vários filmes. Aqui ele tem seu papel mais simples. Ele urra, suspira e geme muito. O rosto, escondido por barba e movimentos de câmera, mal se vê. É uma atuação muito mais de atleta que de ator. Deve vencer o Oscar pelo que fez no passado.
   Há uma cena com um urso que detona as intenções de seu deslumbrado diretor. Sem nenhum suspense, o urso nos dá um susto e ataca. Então, de um modo pornográfico, vemos o urso torturando Leo. A cena, boçal, não tem a menor função narrativa. Seu único objetivo é provocar uma sensação. Asco. Isso não é arte. É o tal gato sendo torturado.
   O filme, bobíssimo, é o alongamento dessa cena ao infinito.

A MULHER DO PADEIRO/ BIRDMAN/ BILL MURRAY/ VIVEN LEIGH/ JACQUES BECKER/ CADDYSHACK /LUCY

   UM SANTO VIZINHO (ST. VINCENT ) de Theodore Meel com Bill Murray, Naomi Watts, Melissa McCarthy e Chris O`Dowd
Bem...Bill Murray concorreu ao Globo de Ouro e perdeu. Mas esta é sua melhor atuação em anos. Mesmo que ele faça mais uma vez o cara ranzinza e doidão de sempre. Ele é um cara que mora sozinho. Uma vizinha se muda para a casa ao lado. Ele acaba virando babá do filho dela. Claro que ele e o moleque vão se tornar amigos. E claro que ele tem uma vida secreta. Apesar de ser óbvio o filme até convence. O elenco é muito bom e há uma cena com verdadeira emoção ao final. Muito mais surpreendente é o fato deste filme americano mostrar católicos que não parecem doentes ou piada pronta. É um drama. Sério. Vale a pena ver. Nota 6.
   BIRDMAN de Alejandro Iñarritu com Michael Keaton, Naomi Watts, Edward Norton
Forte e febril, já li algumas pessoas o chamando de fake. Bobagem! É o velho preconceito contra filmes com várias indicações ao Oscar? Talvez seja pior que isso, temo que não tenham captado a profunda ironia do roteiro. Temo que tenham levado tudo a sério. Uma dica: todas as cenas dramáticas são piadas, todas as cenas com o Birdman é que devem ser levadas a sério. Personagens como o ator metido, a filha junkie ou a crítica não devem ser encarados como exagerados ou mal escritos, eles são patéticos de modo proposital, e assim criticam certo tipo de filme de arte muito em moda atualmente: o filme que traz um banner em todas as cena bradando: arte! Keaton está brilhante! A trilha sonora é perfeita, assim como a fotografia. Um grande filme. Nota 9.
   ( O que? Voce dá 9 para um grande filme? Sim. Ele é grande, forte, mas tem falhas, muitas. Dez é para filmes que podem não ser tão fortes, mas que são isentos de falhas. Filmes perfeitos. )
   SNATCH de Guy Ritchie com Jason Statham, Brad Pitt, Dennis Farina, Vinnie Jones
Guy Ritchie....Danny Boyle....Acho que Guy é melhor. Well....houve um tempo, muito divertido, em que a moda eram os filmes ""espertos"". Pulp Fiction vem a cabeça, mas antes dele houve O Nome do Jogo de Barry Sonnenfeld, houve Stephen Frears com The Hit. E de repente era moda fazer filmes com violência gráfica, diálogos nonsense e personagens elegantemente perversos. Deu certo. Eu adorava! Mas bastou dois ou três fracassos ( A Mexicana, O Nome do Jogo II e Jackie Brown ) para que a coisa se fosse. Uma pena. Revendo Snatch hoje, em 2015, já 15 anos passados, eu estranhei o começo, a trilha techno pareceu envelhecida, mas logo me envolvo e começo a me divertir. Muito. Snatch sobrevive. É uma sopa louca de sangue, risos e ritmo. O segredo para esse tipo de filme é um só: personagens que a gente goste. Se o roteiro consegue isso pronto, o filme vence. Aqui temos pelo menos 7 personagens excelentes. Eu os contei. O filme é muito bom. Nota 7.
   LUCY de Luc Besson com Scarlet Johansson e Morgan Freeman
O filme em si é um Bresson de segunda. Luc já fez coisa melhor. Fala de uma garota que é sequestrada por coreanos. Implantam droga, uma nova super droga, nela. Depois de várias cenas gratuitas de sangue e sofrimento, a droga se espalha no corpo dela. Isso faz com que o cérebro se expanda, ela, aos poucos chega aos 100% de uso cerebral. É isso. Freeman faz um professor que irá tentar a ajudar. Pois bem, o filme tem paralelamente a sua vulgaridade violenta,  considerações filosóficas sobre os assuntos que mais me interessam de uns quatro anos para cá. Tempo, matemática, evolução. Óbvio que se alguém tivesse 20% de seu cérebro ativado teria como primeira ação o não mais entendimento com os outros humanos. Ele seria uma outra espécie e nossos conceitos de tempo e linguagem lhe seriam alienigenas. Mas mesmo assim este filme não teme o possível ridiculo e vai fundo. Ele inspira longas conversas. Não darei nota.
   AS CALÇADAS DE LONDRES de Tim Whelan com Charles Laughton, Vivien Leigh e Rex Harrison
Feito nos anos 30, suas primeiras cenas são maravilhosas. Nas ruas de Londres, em frente aos teatros, artistas de rua se apresentam e passam o chapéu. Laughton é um declamador de rua, Vivien uma malandra da sarjeta, e todas as cenas nas ruas são de uma originalidade e de um sabor boêmio soberbos. Vivien está lindíssima, fazendo uma garota ardida ela se prepara para ser a Scarlet de ...E O Vento Levou, dois anos mais tarde. Laughton dá seu show habitual. O filme é delicioso, em que pese um quase excesso de melô na parte final. Nota 7.
   JAMAIS TE ESQUECEREI de Roy Baker com Tyrone Power, Ann Blyth e Michael Rennie
Escolhendo DVDs para comprar topo com este filme do qual nunca ouvi falar. Mas o tema me intriga e o compro. Um cientista atômico é obcecado pelo século XVIII. Atingido por um raio volta no tempo. Em 1785 se decepciona. Em vez de achar a era da razão, encontra um tempo de sujeira, violência, exploração e muito preconceito. Tenta apressar o progresso e é dado como louco. Nesse meio tempo se apaixona por uma mulher da época. O filme tem um tema interessante: só aceitamos aquilo para o que estamos preparados a aceitar. Um fósforo ou um barco à vapor antes de seu tempo são inaceitáveis. O filme é de 1951, e portanto sua explicação dessa viagem no tempo é a mais racional possível. Fosse um filme de 2015 a explicação seria bem mais new age. Um filme obscuro, esquecido, apesar da presença de Tyrone no auge de sua fama superstar. Tem clima, entretém. Nota 6.
   OS AMANTES DE MONTPARNASSE de Jacques Becker com Gerard Philipe e Lili Palmer
O filme conta a bio de Modigliani, um dos mais originais pintores do começo do século XX. Bio inteligente, ela não tenta contar tudo da vida do artista, na verdade o que ela descreve são os últimos anos da vida de Modi. O filme, do grande Becker, com bela fotografia de Christian Matras, não tem muito o que dizer. Isso porque a vida de Modi se resumiu em álcool e pobreza radical. O filme deprime, nada há de belo na vida de um autodestrutivo. É um dos últimos filmes de Philipe, ele morreria jovem no fim dos anos 50. Há quem o considere até hoje o grande ator do cinema francês de sempre. Era excelente ator e muito bonito. Ele faz um Modi seco, egoísta, acabado. Um filme dificil. Nota 6.
   A MULHER DO PADEIRO de Marcel Pagnol com Raimu e Charpin
Pagnol foi um grande escritor e um grande divulgador da cultura da Provence. E que ocasionalmente fazia filmes.  Feito em 1938, este surpreende por várias coisas. Pelo extremo realismo, pela precariedade da produção e pela excelência de seus atores. Pauline Kael considerava a atuação de Raimu neste filme uma das cinco melhores de todos os tempos em qualquer lingua. A história: um novo padeiro chega à uma vila na Provence. O pão que ele faz é excelente. Gordo e velho, ele é casado com uma bela jovem. Ela foge com um pedreiro. O padeiro não aceita a fuga e fica se auto-enganando, acha que ela foi visitar a mãe, está voltando etc. Quando cai em si, vira um bêbado e deixa de fazer pão. A vila toda se une para trazer a esposa de volta. A obrigam a voltar. É isso. O filme vai do mais patético ao sublime. O padeiro, absolutamente idiota sem ser caricato, um trouxa sem nunca parecer artificial, é magnífico. Raimu não parece atuar, parece ser o cornudo. A vila zomba dele, mas ao mesmo tempo têm carinho pelo bobo. E todos os atores parecem brilhar. Mas não se engane, não é um filme fácil. As cenas são longas, se fala muito e os ambientes são muito pobres. Enquanto via o filme me peguei entediado algumas vezes, mas que estranho, hoje recordo o filme, dez dias depois, com muita admiração e simpatia. Um filme diferente de tudo que voce tenha visto.  O sotaque da verdadeira Provence todo aqui. Nota 7.
   CLUBE DOS PILANTRAS ( CADDYSHACK ) de Harold Ramis com Chevy Chase, Bill Murray, Rodney Dangerfield e Ted Knight
Ri muito! O filme é de 1980, e não sendo por menos, mostra como eram os teens de então. Kinght faz de forma brilhante o dono do campo de golfe, Rodney é um milionário brega e que sabe viver, Murray um doidão que é o zelador do campo e Chevy é um hilário golfista zen. Todos estão maravilhosos! Cenas como a da piscina, a chuva no campo ou o final com o torneio são de antologia. E que humorista brilhante era esse Rodney!!!! Eis a grande geração do humor americano, que tinha ainda nesse tempo Steve Martin, Dan Akroyd, Andy Kauffman, Robin Willians e Martin Short. Ah e um tal de Eddie Murphy! Nada mal. O filme é muito bom! Nota 8.
   ZONA DE PERIGO de Rowdy Herrington com Bruce Willis, Sarah Jessica Parker e Dennis Farina
Um dos pontos mais baixos da carreira de Bruce. O roteiro tem vários furos, o assassino é fraquíssimo e o suspense banal. Para piorar tudo tem uma trilha sonora mediocre. Bruce parece desinteressado. Nota 3.
  

BIRDMAN, UMA SURPRESA

   Desde o inicio o cinema tem sofrido de esquizofrenia. Nasceu como circo, curiosidade de feiras, e logo passou a aspirar ser arte. Buster Keaton e Douglas Fairbanks conviviam com Murnau e Pabst. Hoje sabemos que Buster Keaton era melhor que Pabst, e que as aventuras de Fairbanks parecem melhores que 90% dos filmes de arte. Mas essa divisão perdurou para sempre. Os filmes de Tarzan ou Jean Renoir, faroestes ou o neo-realismo italiano, James Bond ou a Nouvelle Vague, Herzog ou Spielberg, Bergman ou os Irmãos Marx. Eu amo todos esses nomes e por isso os citei, e sei que aqueles que amam filmes amam todos eles. John Ford, Hitchcock conseguiram unir os dois campos, mas são raros. É disso que este filme fala.
   Já aviso que se voce o assistir numa sala de cinema irá acompanhar vários corpos se movendo no escuro. Ele tem tudo para chatear e irritar muitos espectadores desavisados. Porque é um filme labiríntico. Estamos dentro de um teatro. Nos seus corredores, camarins, palco, porões se passa quase todo o filme. Um ator-celebridade produz, escreve e atua em uma peça. Com essa peça ele tenta renovar sua carreira e principalmente ser reconhecido como um ator de verdade. Ao seu redor vemos um outro ator, um tipo do ""método"", metido a artista, a cool, a realista. Há ainda uma atriz insegura, a ex-esposa que o visita, a filha junkie, uma crítica num bar. E a visita do Birdman, o personagem que fez desse ator um astro. Tudo isso é mostrado com câmera na mão, muitos travellings e um ambiente escuro, sujo, frio, sem glamour. Muito mais importante é o que se fala. E se fala tudo sobre o cinema de 2015. Birdman é o epitáfio do cinema de hoje. Ou não.
   Filmes de quadrinhos, comédias infames, atores mimados que dão prêmios para outros atores mimados, filmes vazios, draminhas bobocas, sobre todos os assuntos o roteiro, muito irado, mete a mão e o pé. E o personagem de Keaton, ansioso para conseguir prestigio, representa todos esses atores que se perderam ( e alguns ele cita explicitamente ), atores que se venderam por uma capa, por uma fortuna que será gasta em um fim de semana. Fassbender, Renner, Downey Jr., todos citados....""até neles botaram uma capa?""
   O filme é um labirinto, mas também tem uma beleza que chega ao sublime. Quando ele tem de cruzar a rua de cuecas, um vôo sobre a avenida, e o final, inesquecível. Voce pode até se chatear, mas não vai esquecer deste filme. Porque ele tem aquilo que muito poucos filmes têm hoje, ele é sincero. Iñarritu ama os filmes e passa uma enorme verdade neste filme. Por mais ridiculo que Keaton pareça às vezes, por mais idiota que Norton possa ser, eles são atores, e Iñarritu ama esses atores. Assim como ama o cinema, mesmo que seja um filme bobo do Birdman.
   Eu amo o cinema dos anos 30 e sinto tristeza por não termos mais roteiros como aqueles. Em 1930 o cinema era jovem, hoje ele é um senhor cínico e esse tempo de novidades jamais voltará. Mas mesmo assim, ainda me pego ocasionalmente vibrando com os X Men, adorando Os Guardiões da Galáxia e querendo rever a Vida de Pi. Se o filme de arte virou apenas jornalismo ( todo filme de arte hoje parece uma denúncia de jornal das oito ), o cinema popular ainda pode nos encantar. Este filme nada tem de cinema popular, mas ele encanta. E no final, inesperadamente nos faz sonhar.
   Durante a exibição eu pensei em Fellini, em Ophuls e em Carné. Mas pensei por pensar, este filme não cita ninguém, ele é original. E transborda talento. Iñarritu faz aqui seu melhor filme e Michael Keaton, sempre um ator subestimado, tem seu papel. Teatro, atores, sucesso, arte, familia, vida, morte, cinema. Ele cita tudo, entra dentro do espirito de tudo e sai com este filme. 
   Eu fiquei admirado. Surpreendido. E agradecido. É o filme do ano.
   

RIDLEY SCOTT/ JEFF BRIDGES/ JORDAN/ TOMMY LEE/ SARAH POLLEY

ROBIN HOOD de Ridley Scott com Russel Crowe, Cate Blanchett e Max Von Sydow
Quanto deve ter sido estranho para Max estar aqui. Em 1956 ele visitava a idade média em O Sétimo Selo, e agora é a única figura real neste tolo e muito chato pastiche. Cate está terrivelmente chata e Crowe, ator excelente, não tem um personagem definido para atuar. O filme, longo demais, não emociona, não interessa, é um nada. Nota 2. Pelos cenários.
HOMEM DE FERRO 2 de Jon Favreau com Robert Downey, Gwyneth Paltrow, Mickey Rourke, Scarlett Johansson
Após me acostumar com a arte refinada das cenas de ação dos filmes orientais, fica dificil aturar cenas de ação tão óbvias. Todas as lutas deste filme são cliché. Lá vai o bonequinho ( desculpem, mas é um desenhinho bem chinfrim ) voando, tiros e explosões, ele quase sifu, ele reage, explosão, ele sai voando.... caraca!!! Quem ainda aguenta esses filmes de hq???? Downey mostra porque nunca se tornou um ator classe A : aqui aparece sua enorme antipatia. Seria lindo ver Mickey dar uma surra nele ! Falha do filme : Mickey é muito mais interessante. Não dá pra torcer pelo mala do Stark. O filme é chato pra cacete !!!! Nota 2 pelo Ac/Dc na trilha.
UM ANO DE CÃO de Daniel Von Akon com Jeff Bridges
Um escritor em crise se isola da familia com seu cão-problema. Para quem ama cães é um prato fino. Jeff faz o personagem com muita preguiça e mal-humor. Gran Torino versão canina. A Rolling Stone reconheceu que Jeff em O Grande Lebowski tem uma das maiores atuações da história. Demorou ! Jeff Bridges é o cara ! Nota 5.
ONDINE de Neil Jordan com Colin Farrel e Aljcia Bacheda
Atenção: Colin sabe ser ator. Mas só quando o filme fala de sua terra, Irlanda. Aqui ele é um pescador que ao encontrar moça em rede quer crer ser ela uma sereia. A moça, Aljcia, é lindissima, mas muito má atriz. É uma delicia o sotaque da ilha, mas o filme não tem nada dentro de si. Quando vem a verdade ele desaba de vez. Pobre de idéias, pobre de coragem. Neil Jordan fez este filme para que? Nota 4.
THE RUNAWAYS de Flora Sigismondi com Kristen Stewart, Dakotta Fanning e Michael Shannon
Para quem gosta de rock é obrigatório. Nada alegre, nada levinho. Um drama sério e muito bem interpretado ( mesmo pela crepuscular Kristen ). A música das Runaways era de uma pobreza óbvia, mas o filme é tão bom que faz com que elas pareçam melhor ( ou será porque hoje o som delas é cult ? ). Meninos creiam, o mundo em 1976 era daquele jeito, e era muuuito divertido ! Depois vem o bode das drogas, mas o filme consegue não ser moralista demais. Nota 7.
RISCO DUPLO de Bruce Beresford com Ashley Judd e Tommy Lee Jones
Em época de Angelina, Nicole, Scarlett e Charlize, ninguém é mais bonita que Ashley. Certos closes chegam a fazer doer de tão bonita. E melhor, ela parece de verdade, real. É uma mulher. Bem... misture isso com a presença carismática de Lee Jones e temos um belo passatempo. É verdade: o filme é uma delicia tola ! O enredo, que tenta ser Hitchcock, é cheio de furos, mas Beresford é bom diretor, sabe levar a coisa no ritmo certo. E tem New Orleans, muito bem fotografada. Profissionalismo pop, e saiba, isso é muito raro. Nota 7.
AMORES PERROS de Alejandro Iñarritu
Uma poderosa obra-prima. De um niilismo cruel, ele jamais apela para o melodramático. A primeira parte é suja, dura, dificil de assistir. É a parte "classe baixa" com seus bebês jogados ao léu, sua violência latente, a ausência de pais e de paz. Na segunda parte vem a asfixia classe-média. A tentativa de ter amor, a falência desse amor, o desespero e o vazio absoluto. A última parte é um quase western e é nela que finalmente surge o herói. Que é um assassino. Um filme que permanecerá cravado na história do cinema. Nota DEZ !!!!!!!!!!!
LONGE DELA de Sarah Polley com Julie Christie e Gordon Pinsent
Nesta história de mulher com alzheimer que passa a não conhecer mais o próprio marido, vemos uma das situações mais tristes imagináveis. O marido, profundamente apaixonado por ela, é obrigado a testemunhar a transformação de seu amor em coisa desconhecida. Ele é agora um novo amigo. A dor no rosto desse admirável Gordon Pinsent é jóia inesquecível. Ele sofre calado, e é constante. Julie venceu dúzias de prêmios, perdeu apenas o Oscar para Piaf e Cotillard. Ainda bela, ela consegue mostrar essa transformação sem jamais sair do tom. Polley é uma das melhores direções do cinema atual. Não canso de dizer : enquanto voces prestam atenção apenas em Fincher, Nolan, Van Sant e Croenemberg, há uma dúzia de bons diretores sendo ignorados. O futuro irá os redimir ( como sempre faz ). Nota 8.
JUMPER de Doug Liman
E o roteirista de Clube da Luta ( Jim Ulhs ) nos dá esta insuportável mixórdia. É um dos piores filmes da década. Nota Zero.
US MARSHALS de Stuart Baird com Tommy Lee Jones, Wesley Snipes, Robert Downey Jr
Não é grande coisa. Os atores estão excelentes ( e esqueci de escrever que ainda tem Irene Jacob, linda de doer demais ), mas o roteiro só esquenta na meia hora final ( que é bem legal ). É fácil adivinhar quem é o bandidão e isso estraga tudo pois Lee Jones fica parecendo tapado por não perceber. Nota 4.
A CÂMARA 36 DE SHAOLIN de Lau Kar Leung com Gordon Liu, Wong You, Loh Lieh
Um grande clássico do cinema de aventura chinês. É o filme que transformou Liu em mito ( o Cahiers du Cinéma o considera o maior ator de kung fu da história ). Ver Gordon lutar é testemunhar uma arte milenar em seu estado mais puro. Coloca Jet Li e Bruce Lee pra correr. O filme, imenso sucesso, conta a saga real do primeiro homem a tirar o kung fu do meio budista e levá-lo para os leigos. Com isso esse herói ( San Ta ) tentava livrar a China do dominio de Cantão. A forma como os chineses vêem o cinema é diferente da ocidental: para eles a arte está na ação, todo o resto é secundário. Gordon Liu foi homenageado por Tarantino em Kill Bill. É ele o mestre que ensina Uma Thurman. Eu me apaixonei pelo filme. Ele faz com que nos tornemos muito mais exigentes. Bonequinhos virtuais voando perdem toda a graça então. Nota DEZ.
CREPÚSCULO de Catherine Hardwicke com Kristen Stewart e um menino
Creiam, eu devo já ter visto uns 5000 filmes. E já vi muito lixo. De Mazzaropis a gozações de terror, de westerns italianos a ficções pobres, já vi muito filme brega. E de alguns eu gostei. Muito. Mas jamais vi nada tão ruim. Deve ser uma gozação, não é possivel ter sido feito a sério. Os atores fazem caretas o tempo todo. Ela parece estar com dor de barriga e ele tem expressão de quem perdeu sua caixa de maquiagem no metrô. Eles não param de mexer a sobrancelha, fazer bico, balançar a cabeça... o que é isso ? Amor ? Não me faça rir !!! Nada há de vampiresco aqui ( perto disto os filmes de Christopher Lee parecem eróticos ), nada há de emocionante. Provávelmente é a pior coisa que já assisti ( mas toda semana descubro algo pior ainda ). O que me faz não entender nada é : Isto foi mesmo um sucesso ? Década miserável.... Sem Nota.

AMORES PERROS - ALEJANDRO GONZÁLEZ IÑARRITU

Concordo com Houllebecq. O mundo não está em decadência, ele já decaiu. Ontem, vendo as nevascas em NY, me veio um insight : tudo nos prepara para o fim. Abandonaremos o mundo e viveremos em buracos. Toda a nossa tecnologia nos prepara para essa vida em buracos isolados. E no futuro eles dirão : "Pobres humanos de 2010! Sabia que eles viviam ao ar livre ? Imagine que inferno ! Eles tinham contato com o sol e a chuva !"
O homem só pode viver sem nenhum tipo de repressão se for nobre como tigre na selva. Se tiver seu espaço de ação preservado e usufruir da liberdade de ser essa fera. Tendo de viver como homens em sociedade, sem politica, arte ou igreja, é o absoluto vazio. Kaos.
A vida real é esta. Não me venha com frescuras. Mundo sem a figura do pai. Irmão mata irmão, a mãe é apenas um objeto lamuriento. E a fantasia de que um tesão vulgar é o tal do amor.
E a violência vem. O grande tema destes dias não é o facebook. Ele é apenas para aqueles que já desistiram e vivem no buraco. O tema é o sangue.
Mas existe o cão.
Alguém percebeu ? Fazemos do cão aquilo que desejamos sem saber que ele nos paga pelo que desejamos.
Se voce o treina para a violencia, ela virá em paga. E se voce o fragiliza como um fru fru ele será vítima de um buraco absurdo. ( A prisão da não-reação ).
O cão é sua alma baby...
O filme, o filme que abriu Hollywood para os latinos, o verdadeiro grande filme latino- americano dos anos 2000 ( é mais verdadeiro que Cidade de Deus ) é devastador. Chega perto do insuportável, mas o que o redime é que ele jamais nega sua raiz. É do México de Octavio Paz, terra que cometeu o maior genocidio da história e que convive com isso até hoje. Terra onde não há paz.
Tal qual os filmes de Paul Thomas Anderson, há aqui um cristianismo sem igreja, um cristianismo puro. Os dois percebem a vida como purgação, como via crucis, sofrimento que só tem sentido se for aprendizado. Alejandro nos faz desejar a chuva de sapos que nos redima. Ela vem de outro modo.
Vem na figura do tigre que criou seu espaço. Naquele que se afastou do kaos criando seu reino particular. Do único personagem que observa, pensa, está à parte de tudo.
E do único que sabe lidar com seu cão ( que são vários e vivem livres para cachorrar ).
Esse tipo de anjo vingador coloca irmão de frente a irmão. Lida com a podridão sem perder sua integridade ( mesmo sendo um assassino ), ainda tem o amor ( amor a filha e aos cães ) como norte.
Na cena final, tendo reencontrado sua alma verdadeira ( na figura do cão que assassina cães, um sobrevivente como ele é ), como John Wayne em Rastros de Òdio, ele parte rumo a vastidão. O único possível herói é ainda Perceval e também um cowboy.
Demorei dez anos para ter a coragem de ver este filme. Temia as cenas de crueldade com os cães ( não há ). Vendo-o agora, sob a perspectiva da década que felizmente termina, constato que ele é central, poderoso, influente e muito corajoso. Alfonso Arau é um diretor mexicano melhor. Mas ninguém pode negar que este é um imorredouro clássico. Clássico que tem dúzias de cenas grandiosas, que não teme a patetice do amor "feio" entre garota idiota e garoto imbecilizado, filme que tem atuações de magnitude infinita ( a cena da dor com a descoberta do massacre dos cães é de antologia ). Que exibe mundo abandonado, vazio, onde a violência é futil.
Perturbador.