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The Subversive Cinematography of Paper Moon

LUA DE PAPEL - PETER BOGDANOVICH. COMO FAZER VOCE SE APAIXONAR POR UMA PERSONAGEM

Peter Bogdanovich era apaixonado pelo cinema clássico americano, aquele feito entre 1930-1945. E dentre seus diretores mais amados, dois se destacavam: John Ford e Howard Hawks. Ele também amava, claro, o cinema europeu e apesar de seu americanismo, o estilo de Peter era muito mais próximo de Jean Renoir que de Ford ou Hawks. Isso porque não importava muito à Peter o tema, o fio da história, o climax. Seu foco era o personagem. Como em Renoir, tudo era pretexto para mostrar o caráter dos seres que viviam em seus filmes. E também como em Renoir, mesmo seus vilões eram pessoas "gostáveis". Não há gente ruim em seus filmes. Mas há maldade, uma condição que independe de quem a produza. É como se o mal acontecesse, apesar de ninguém ser realmente ruim. É um cinema risonho, mesmo quando triste. E os filmes de Bogdanovich estão sempre próximos da melancolia, mesmo quando são comédias. ------------------- Foi feito em preto e branco, uma fotografia absurdamente bela de Laszlo Kovacs, observe a profundidade das cenas, tudo em foco o tempo todo, sua vista se aprofunda nas paisagens do Kansas, planas a se perder. É visualmente, um dos mais lindos filmes dos anos 70 e um dos mais simpáticos. -------------- Ano de 1935. Na primeira cena há um big close do rosto de Tatum O'Neal. Já percebemos: visualmente é um filme perfeito. Então olhamos as primeiras cenas: o enterro da mãe da criança, o homem que vem ao enterro ( provavelmente o pai da criança, feito, muito bem, por Ryan O'Neal, pai de Tatum na vida real ). Ele terá de levar a menina à tia, em outro estado. Até então o filme parece OK, nada mais que isso. Então ele dá um golpe e obtém dinheiro que seria da menina. Ela percebe e na lanchonete diz à ele: Voce me deve 200 dólares! ------------ Pronto. Como bem nota Peter nos extras do filme, nessa fala o público é conquistado. A partir daí nos apaixonamos pelo filme porque nos apaixonamos por Tatum O'Neal. É, talvez, a mais eletrizante atuação infantil em um filme americano em todos os tempos. Não a toa ela é até a hoje a ganhadora de Oscar mais jovem da história, apenas 10 anos em 1973. -------------- Os dois passam a rodar pelas estradas aplicando golpes. Ele sempre simpático ao estilo Clark Gable, ela sempre esperta e querendo ser aceita por ele, ao estilo...Tatum O'Neal. Ele se apaixona por uma vigarista, Madeline Kahn, a menina os separa numa intriga bem feita, roubam bebida ilegal, fogem da polícia, e então chegam ao destino. O final é perfeito e não conto como é. ----------------- Paper Moon foi um grande sucesso em seu tempo e hoje não parece velho porque em 1973 ele já fora feito como peça de museu. Não é uma comédia, não é um drama, não é uma aventura. É uma observação, acurada, próxima, sobre personagens adoráveis e que jamais são bobos, melosos ou forçados. A menina não é doce e nem mesmo boazinha, mas é justa, correta, sabe o que é certo. Ele é apenas um homem tentando sobreviver. Não há uma só cena emocional entre pai e filha enjeitada. Mas sabemos que ele a ama, apesar de odiar isso. E ela...ela precisa dele. ------------- Nos vemos desejando ver qual o próximo golpe, para onde eles irão agora e ficamos tristes quando o filme termina. Queremos conviver com os dois. O que mais um filme precisa nos dar?

At Long Last Love (1975) ORIGINAL TRAILER

Well, Did You Evah- Burt Reynolds; Madeline Kahn; Cybill Shepherd [At Lo...---------------------- WONDERFUL

AMOR, ETERNO AMOR ( AT LONG LAST LOVE ), PETER BOGDANOVICH, COLE PORTER E A JOIE DE VIVRE

Em 1975, vindo do fracasso de Daisy Miller, Peter Bogdanovich lança este filme. Uma aposta muito arriscada! No momento mais amargo e político da história do cinema, ele apresenta um filme, musical, saudosista, que fala de amor. Críticos abominaram e o público ignorou. No momento em que os filmes da moda eram UM ESTRANHO NO NINHO, UM DIA DE CÃO, TAXI DRIVER E ROCKY, não havia espaço para uma pequena declaração de joie de vivre como é este filme. ------------------- São dois casais. Cybill Shepherd é uma mulher que recebe mesada da mãe. São os anos 30 e ela é o tipo Ginger Rogers: loira, esquentada, indecisa, e muito, muito rica. Burt Reynolds faz um tipo Gary Cooper: milionário, elegante e bobinho. Reclamaram muito de dar à Burt, na época o ator mais popular dos EUA, famoso por filmes de ação, ídolo do povo country, um papel que seria muito mais adequado à Ryan O'Neal ou Robert Redford. Seria como dar para The Rock um papel de bailarino russo. Mas esse é um dos charmes do filme, nos divertimos vendo um machão como Burt tendo de ser Fred Astaire. Ele tem de cantar e arriscar um sapateado. Tudo fica "simpático", tolinho, bobinho e muito, muito alegre. Burt se esforça, ri, faz expressões faciais divertidíssimas! É um prazer de observar. Cybill não. Ela revela aquilo que sempre atrapalhou sua carreira: parece enjoada demais. Antipática. Cybill passa do ponto. Mas surpreendentemente, ela canta bem. Aliás, para os padrões de 2023, todos cantam bem. Este filme é bem melhor, muito melhor, incomparavelmente melhor que LA LA LAND e é tão delicioso como o musical de Woody Allen, EVERYBODY SAYS I LOVE YOU, filme que bebeu sua ideia aqui. ---------------------- O outro casal tem Madeline Kahn, sempre engraçada, e Duilio Del Prete, ator italiano que faz um malandro de Veneza. Um cara que tenta enriquecer no jogo. Há ainda um muito, muito divertido casal feito pelo mordomo de Burt, John Hillerman, e Eillen Brenan, a amiga-secretária de Cybill. A história, em cenários maravilhosos ao estilo RKO anos 30, é a mais comum: Burt se apaixona por Madeline, muda de ideia e fica com Cybill, volta pra Madeline, mas talvez ame mesmo à Cybill. Quem sabe? Peter Bogdanovich era um homem que se apaixonava por suas atrizes e mergulhava no amor sem pudor algum. A mensagem do filme é: o amor muda, ame enquanto pode e mude com ele. ----------------- Todas as canções são de Cole Porter, ou seja, é a trilha sonora do Paraíso. Nunca houve ou há letrista como ele. Suas letras são hiper cultas sem jamais parecer intelectuais, são chiques sem forçar o luxo, são alegres com ironia e dançam na voz de quem as canta. Cole, que era hiper sexualizado, dormia com duques e com marinheiros, adiciona pimenta à cada frase. Sabemos que o tempo todo ele fala de uma boa trepada, mas isso é dito com beleza que brilha, com laços de seda e melodias que são um convite à viver bem e viver feliz. Não há como um filme embalado à Cole Porter ser de todo ruim, e este filme é encantador. ---------------- Joie de Vivre, bebê. Um conceito que hoje parece anacrônico. O dom de tirar da vida aquilo que ela tem de bom. Ter prazer em cada raio de sol e em poder andar na chuva também. Sorrir para a história de seu destino. Apreciar. Este filme tem tudo isso porque tanto Cole Porter como Peter Bogdanovich entendiam que a vida era um presente. Com etiqueta da Chanel.------------------------ Mas os deuses cobram seu preço. Cole Porter teve um acidente se equitação e com as pernas esmagadas, passou os últimos 20 anos de sua vida com muletas e sentindo dor. Já Peter viveu o caso Stratten, viu sua paixão ser morta por marido ciumento e segundo suas palavras, "nunca mais foi feliz". Well....deuses são ciumentos e não suportam ver humanos que se sentem divinos. ---------------------------- Eu adoro musicais, voce sabe disso, e a coisa mais adorável sobre esse estilo de filme, é que quando ele nos enfeitiça queremos asssitir à obra todo dia e toda hora. São como albuns que amamos, companheiros do dia a dia. Este filme, hoje reabilitado, é um desses voodoos. Eu amei. Um voodoo que foi feito tão certo que nos faz viver melhor.

They All Laughed (1981) Trailer

They All Laughed | Shoes | Peter Bogdanovich

THEY ALL LAUGHED - PETER BOGDANOVICH. AME OU DESPREZE.

Feito em 1981, este filme foi talvez o maior dos fracassos de Peter Bogdanovich. Eu o assisti por volta de 2000, em alguma emisorra à cabo e o revi ontem, em dvd. Nos extras, antes do filme, há uma bela entrevista de Peter, feita em 2006 por Wes Anderson. Wes diz que They All Laughed é o mais Jean Renoir dos filmes de Peter, isso porque, como em Renoir, todos os personagens são boas pessoas ( com excessão do marido de Stratten, que mal se vê ), todos são gente que adoraríamos ter como amigos. Além disso, o filme tem apenas um fiapo de enredo, o que importa é a interação entre as pessoas. Aqui, como em Renoir, é mostrado que na VIDA NÃO INTERESSA AQUILO QUE FAZEMOS, MAS SIM A INTERAÇÃO ENTRE EU E VOCE. -------------- O que acontece de "ação" ? Na Nova Iorque de 1981, uma cidade que no filme parece um tipo de paraíso de vida e cor, três homens, detetives, espionam duas mulheres, suspeitas de traírem seus maridos. O que assistimos são as perseguições pelas ruas dessas mulheres, depois o encontro dos detetives com elas em hoteis e bares, restaurantes e taxis, e por fim o amor que nasce entre detetive e esposa infiel. Mas, observe, nada disso importa. Não há suspense ou surpresas, o que interessa ao filme é o amor, e somente o amor. Durante todo o filme as pessoas beijam, trocam de parceiro, riem, levam tombos, correm, fumam, vão para a cama e dão a volta por cima. Se voce deseja ação tradicional, voce irá odiar este filme. Mas se voce ama ver gente adorável "vivendo", voce vai usufruir de duas horas de belo prazer. É um filme onde voce mora, não assiste. ------------- O absurdo do filme é que ele tem um final trágico na vida real. Na época, Peter estava feliz e profundamente apaixonado pela ex poster da Playboy, Dorothy Stratten, que era casada. O filme tem a estreia de Stratten como atriz e SEU MARIDO NA VIDA REAL FAZ O MARIDO CIUMENTO QUE SÓ APARECE EM DUAS CENAS AO LONGE. Pois ele a mataria num acesso de ciúmes e Peter mergulharia numa tristeza que o marcou até o fim da vida. Nunca no cinema houve nada parecido com isso. Em absoluta falta de pudor ou senso de distanciamente, Peter, o amante, faz um filme onde John Ritter, alter ego do diretor no filme, se apaixona por Stratten, que tem um marido ciumento. É absurdo! Mas há mais: o filme tem Ben Gazzara, como outro detetive que investiga a infidelidade de Audrey Hepburn. No processo os dois têm um caso e se separam, ela fica com o marido. Pois bem... na vida real, Ben e Audrey, ambos casados, estavam terminando um caso doloroso entre os dois!!!! Vendo o filme, percebemos a emoção de Audrey ao viver na tela aquilo que ela vivia na vida, e com mesmo ator que ela amava. Sim meu caro, nunca se fez um filme assim...e o mais fantástico é: tudo é feito com leveza e humor. ( Dorothy seria assassinada ao fim das filmagens, antes do lançamento do filme, crime que matou qualquer chance de sucesso da obra ). O assassinato de Stratten daria tema a outro filme, STAR 80, de Bob Fosse, de longe o pior filme de Fosse, um drama pesado que ninguém entendeu porque foi escolhido como tema por Fosse. STAR 80 matou a carreira do seu diretor. Como se não bastasse tudo isso, o filme ainda tem no elenco o filho real de Audrey fazendo um belo latino tímdio, e as filhas de Peter fazendo as filhas de Ben Gazzara. E como uma taxista que vai pra cama sorrindo com todo homem que ela simpatiza, temos Patti Hansen, ex modelo, loura e muito alta, que um ano depois seria a senhora Keith Richards, papel que ela faz até hoje. Ela quase rouba o filme. Bastante masculina e muito bonita, ela tem carisma de sobra. Pena não ter seguido carreira. ------------------- Companheiro de geração e de turma de Copolla, Scorsese, Friedkin e De Palma, Peter teve uma carreira muito mais variada e, porque não dizer?, interessante. Eu amo os riscos absurdos que ele corre, o modo como ele ignora a moda cinematográfica da época, o mundo sem ódio e sem horror que ele sempre nos dá. Este não é um grande filme e talvez nem seja mesmo um bom filme, mas eu amo esta coisa que roda na tela. Tudo que posso dizer é OBRIGADO PETER.------------------------ ps: A TRILHA SONORA É TODA DE CLÁSSICOS AMERICANOS, GERSHWIN ETC....QUE BELA SURPRESA OUVIR, EM TODA A CENA NUMA LOJA DE SAPATOS, ROBERTO CARLOS CANTANDO "AMIGO!!!!!!! A MÚSICA INTEIRA ROLA ENQUENTO COLLEEN CAMP COMPRA SAPATOS. QUE LINDO!

TUMBLEWEED CONNECTION, ELTON JOHN. O MAIS BELO FILHO DE MUSIC FROM BIG PINK.

Primeira coisa que voce vai estranhar neste disco: não há nenhum hit. Todos os discos de Elton têm ao menos um hit, mesmo aqueles gravados em suas fases ruins. Alguns possuem até mesmo 5 ou 6 hits. Afinal, ele é, depois de Elvis Presley, o maior hitmaker solo da história. Mas não aqui. Em 1970 Elton lançou 3 albuns, sim, 3 fucking albuns, e este é o mais pessoal, o mais complexo e por que não?, o melhor. O clima do disco já começa pela capa, ela retrata em sépia a frente de um cinema de cidade pequena do sul dos USA. Feito antes de A ÚLTIMA SESSÃO DE CINEMA, o filme marco de Peter Bogdanovich, este album tem o espírito do filme melancólico e derrotista de Peter. É um disco feito por dois ingleses, Elton e Bernie Taupin, mais americano que existe. Bernie, o letrista que ama os USA, escreveu letras sobre western, sobre o sul, sobre amigos e solidão, sobre despedidas e sobre rock, tudo após ouvir o disco MUSIC FROM BIG PINK, de The Band ( há disco na história que tenha dado mais grandes filhos que este? O primeiro album de The Band é o progenitor de duzias de grandes sons ). Elton pega essas letras e as casa com melodias que remetem ao disco dos canadenses sem jamais deixar de parecer um disco de Elton John. São músicas plenas de sabedoria ( e pensar que Elton tinha apenas 23 anos ), cheias de beleza antiga, eterna, sólida, indestrutível. Não há uma só faixa que não brilhe como ouro e não há momento menos que sublime. Sim, é um disco perfeito. ------------------- Elton e Bernie sempre retornariam ao tema de Big Pink, o western, o cowboy, a estrada vazia, mas nunca mais de modo tão inteiro como aqui. Pode-se dizer que este é o único disco temático de Elton. E o tema é o maior: a vida.

Daisy Miller (1974) Trailer #1 | Movieclips Classic Trailers

DAISY MILLER. QUANDO PETER E CYBILL ERAM FELIZES

Nos extras deste dvd, o diretor, Peter Bogdanovich diz que em 1974, época de lançamento do filme, Cary Grant lhe disse para parar de falar em entrevistas que ele era feliz. Lhe disse Cary que as pessoas odeiam quem é feliz e pior ainda, odeiam a beleza. Peter Bogdanovich havia largado sua esposa para se casar com CybilL Shepherd. Ou seja, era um casal belo, rico e feliz. Que alardeava isso para todos. Cary Grant percebeu que um só erro de Peter e de Cybil iria destruir sua carreira. O erro foi DAISY MILLER. Filme feito por ele para ela. --------------- Na geração que estourou no começo dos anos 70, creia, Peter Bogdanovich era até 1974 o mais bem sucedido. Coppolla havia feito os dois Chefões, mas A Conversação seria um flop nas bilheterias e sua fama de egocêntrico intratável já se firmara. Scorsese só se tornaria importante com Taxi Driver, em 1976. De Palma era marginal, condição que ele manteve por quase toda sua carreira. Friedkin era sucesso imenso, mas já estava perdido em cocaína. Hal Ashby nunca foi um nome grande. Bogdanovich era o único que permanecia invicto: grandes filmes e grandes bilheterias. Além do que, era careta e amado pelos diretores veteranos. Mas veio o divórcio e Cybil. DAISY MILLER foi feito para provar que ela era uma grande atriz. Foi massacrado pelos críticos e passou em branco nos cinemas. Peter começou a afundar. Apesar de ter filmes maravilhosos feitos após Daisy Miller, ele, como aconteceu com Friedkin, nunca mais se tornou um diretor classe A. Inclusive em 1979 e 1980 ele fez duas obras primas perfeitas e divertidas. Mas que nem sequer passaram nos cinemas do Brasil. Quando a indústria marca alguém, essa pessoa fica estigmatizada forever. ------------------------ O livro de Henry James é soberbo. Foi Daisy Miller que me fez apaixonar por James, paixão que se mantém inalterada. O romance fala de uma americana muito rica que passa férias na Europa. Lá, ela irá viver o choque de culturas. Os europeus não aceitam o modo americano de ser, e ela não percebe a malícia da Europa. Daisy é sincera. Ingênua. Livre. Os europeus têm códigos de conduta. São cínicos. Fofocam. Henry James era um americano que viveu quase toda vida em Londres. Esse era seu tema. O conflito entre o modo americano de viver e o velho modo europeu. Nos seus livros ele anuncia a grande mudança psicológica do século XX. O modo americano se faria dominante. Ser "livre e sincero" seria o valor supremo. Pregar o que "fica bem" seria abolido. Claro que James, gênio que era, percebeu que ser livre e sincero seria o novo "ficar bem". Tudo que parece novo e ousado logo se transforma em convenção. E o filme? Como é? ----------------------- Nos extras Bogdanovich diz que se tivesse sido feito após 1985, Daisy Miller teria sido um sucesso. Adaptar Henry James em 1974 era um ato de ousadia. A partir de 1985, adaptar James ( e Austen, Forster, Wilde ) se tornou moda. Não havia público para Daisy Miller em 1974. ------------------- O filme é bom, é bonito, é invulgar. Visto hoje eu não entendo o porque de seu fracasso. Cybli não está nada ruim. Sua Daisy é uma americana adorável. Ela fala sem parar, fala tudo que pensa, age, é impulsiva. O olhar que ela dá em sua última cena, quando olha para trás, é coisa de grande atriz. Peter Bogdanovich teve a inteligência de não tentar abarcar todo o livro. Ele transforma a densidade de James em cinema popular. Na primeira metade ele é quase uma comédia esquisita e depois se torna um drama cruel. O americano que vive a muito tempo na Europa, Barry Brown, perde Daisy Miller porque crê ser ela uma grande mentirosa. Daisy diz sempre a verdade, mas europeus não podem crer que alguém fale tantas verdades. Quando ele a perde percebe que ela dizia a verdade. E vem sua bela frase final: "Talvez eu tenha morado tempo demais na Europa". Esse é Henry James falando. ------------------- Comentando o filme em 2014, Peter Bogdanovich ainda chora ao se recordar da cena final. Eu não chorei. Mas é um fim de pungente tragicidade discreta. Henry James foi o maior escritor a tratar da incomunicabilidade entre seres que ansiam pela comunicação. O filme é digno dele.

A Tribute to Director Peter Bogdanovich

Saint Jack (1979) ORIGINAL TRAILER [HD]

O TATUADO ( SAINT JACK ), O MELHOR FILME DE PETER BOGDANOVICH

Peter Bogdanovich era um homem apaixonado. E era um bobo. Na geração dos malucos, ele era o careta. Apaixonado por cinema, fez belos escritos sobre John Ford e sobre Howard Hawks, ele tinha opiniões fortes, não tinha medo. Para ele todos os grandes filmes haviam sido feitos até 1948. Depois disso, apenas diluições. ( Eu acho que o ano é 1995 ). Peter estourou em 1971 com A ÚLTIMA SESSÃO DE CINEMA, uma melancólica visão sobre o sexo numa cidade perdida do Texas em 1950. Jeff Bridges estava nesse filme. E uma tal de Cybil Shepperd também. --------------- Na geração de Peter, todos se perderam. Alguns se reencontraram, a maioria não. Coppolla pirou de cocaína e destruiu sua carreira com Apocalypse. Desde então ele passou a ser "o diretor esquisito" e nunca mais se livrou disso. Friedkin, esse tinha o mundo a seus pés, afundou na vaidade mais repugnante. Hal Ashby virou uma piada, perdido em depressão e drogas. Brian de Palma sempre foi o classe B nessa turma, mas também perdeu a carreira no fim dos anos 80, se tornou um diretor barato. Scorsese foi o úncio que sobreviveu intacto, podendo filmar quando quisesse e o que quisesse. Esteve no esgoto após o lixo New York New York, mas foi salvo pelo Touro Indomável. Peter Bogdanovich não afundou por causa de drogas ou vaidade. Ele se perdeu por amor. Se apaixonou por Cibyl e passou a fazer filmes para ela e só para ela. Pior, não ganhou o amor da atriz. Muito pior, na sequência se apaixonou por uma coelhinha da Playboy. Que foi morta por um ex namorado ciumento. Quando eu digo que essa geração não foi feliz eu sei o que falo. ---------------- O TATUADO foi feito em 1979. Pós Cibyl e antes de Dorothy Stratten, a coelhinha. Como tudo que Peter fez após 1975, foi fracasso de bilheteria, e também mal distribuído e mal avaliado. Eu jamais o assistiria, mas vi ontem meio sem querer. Que filme LINDO! ------------------ Ben Gazzarra é um ator que não gosto. O filme é tão bom que passei a adorar o cara. Ele é um gigolô em Singapura. Acompanhamos sua vida. Simpático, boa praça, todos gostam de Jack, menos os concorrentes. Ele faz amizade com um inglês, trava contato com políticos, ama, ri, bebe, apanha, é tatuado. Quando o filme termina queremos uma segunda parte. Não queremos sair daquele mundo. Nos apaixonamos por Jack. ---------------- Singapura nos anos 70, para quem não sabe, era um paraíso sexual. Prostitutas na ruas, centenas, as pessoas do mundo inteiro iam para lá para ver e fazer loucuras. Era uma ilha de favelas, suja, porém alegre. Hoje é um lugar que transpira dinheiro. A Singapura de 1979 era outro planeta. Peter exibe o lugar com amor. Ele ama aquela vida, e consegue nos fazer comungar de seu amor. Fazer isso com seu público é talento de poucos diretores. Peter tinha isso. Adoramos ver Jack com seu charuto, andando, falando com os indianos, os chineses, tomando sua dose de whisky, jogando dinheiro no balcão. Adoramos olhar para Jack. Adoramos suas prostitutas. ---------------- No mundo ideal Peter teria feito tantos filmes quanto de Palma, com a liberdade de Scorsese. Não rolou. Ele teve imensas dificuldades para dirigir, conseguir dinheiro, ser levado em conta. Morreu na semana passada. E, apesar de tudo, sua carreira não foi em vão. Este filme fica. O absolve. O enobrece. Há quem faça 40 filmes e jamais atinja isso. Vá em paz Peter.

O CINEMA DA NOVA HOLLYWOOD

   Eis o box que tenta exemplificar o que foi esse "novo" cinema de Hollywood. Um cinema bem explicado no livro de Biskind, cinema onde os loucos tomaram o controle da indústria. Foi a única vez em que o alternativo tomou posse do núcleo da coisa. Hoje existe cinema alternativo, sempre houve, mas esse cinema não está no centro, está nas bordas, no gueto intelectual. No centro da Fox, Warner, Sony, temos o grande empresário, o marketing, temos Harry Potter e heróis da Marvel. Entre 1969-1979, o centro era de gente doida, ex-hippies, suicidas financeiros, deslumbrados cheiradores, fãs de Godard, cinemaníacos ( hoje os chefões nem sabem quem foi Godard ou Murnau ), motoqueiros. Esse movimento navegou de vento em popa até 1976. A partir daí, os egos perderam o controle e os prejuízos bateram recordes. George Lucas salvou a indústria e o cinema em 1980 era outra vez o que sempre fora: negócio.
  O grande erro do livro de Biskind, erro que muita gente aponta, é que ele infla a importância de meia dúzia de diretores e roteiristas da mesma geração, e se esquece de que a revolução foi preparada pela geração anterior, o povo vindo da TV e da publicidade, gente como Sam Peckimpah, Arthur Penn, Peter Yates, John Frankenheimer, Franklyn J. Schaffner, Mike Nichols, Sidney Lumet, Sidney Pollack, Robert Aldrich. Na verdade os filmes desses diretores envelheceram muito melhor. Não são retratos de uma época, são atemporais. Eles mudaram o cinema de dentro pra fora, e nunca se esqueceram do lucro. Uniam arte com entretenimento. Foram grandes. E abriram os olhos do público para o que viria em seguida.
 Vamos ao box:
  CORRIDA SEM FIM de Monte Hellman com James Taylor, Warren Oates, Laurie Bird e Carl Wilson.
Hellman é um mito hoje. Começou fazendo westerns nos anos 60. Era da turma de Jack Nicholson. Seus filmes são estranhamente vazios. Este fala de um mecânico e um piloto que passam a vida rodando pelos EUA. Vivem de fazer apostas em corridas. E sempre ganham. As cenas são longas e quase não se fala. Os diálogos cabem em uma página. Estranho...enquanto eu via o filme pensei: Mas ele é só isso! Um monte de cenas lentas...Mas hoje, pensando nele, sinto carinho e vontade de rever. É enormemente influente. Lembro que ele passava muito na Tv Tupi. E que o crítico de filmes de Tv metia o pau. Chamava o filme de lixo incompreensível ( naquele tempo os críticos falavam o que queriam falar ). Mas ele estava errado. É um filme invulgar. Ainda original e como dizem nos extras, atemporal. Até as roupas não envelheceram!!! James Taylor era um cara absurdamente bonito. Tem presença. Carl Wilson é o Beach Boy baterista. Morreu afogado nos anos 80. É o único da banda que tem cara de roqueiro. Oates é grande ator. Podia roubar o filme. E Laurie Bird é uma figura apaixonante. Uma menina, jeito de  moleque, linda, ela encanta quem a olha. Podia ter sido uma estrela. Mas pirou, fez apenas mais dois filmes e se matou na casa de Art Garfunkel. Eram tempos de exageros. Laurie não quis ser uma estrela. Se voce gosta de cinema...eis um filme. Mas veja sem expectativas. Ele nada tem de sensacional. ( Faço uma piada: é o Velozes e Furiosos de 1971. Seria Lentos e Sombrios. )
  PROCURA INSACIÁVEL ( TAKING OFF ) de Milos Forman com Buck Henry, Lynn Carlin e Georgia Engel.
Escrevi bastante sobre esta pequena obra-prima abaixo. Uma menina foge de casa. Seus pais entram no mundo dos jovens para tentar a encontrar. O filme, vivo, brilhante, não toma partido. Forman ama pais e filhos. Não é um filme sobre hippies, é um filme sobre pais. Forman filma rostos, feios, com um amor sublime. É um maravilhoso passeio por um mundo que não existe mais. Filhos não fogem mais de casa. Mudam de endereço. Ou se escondem no quarto.
  O COMBOIO DO MEDO de William Friedkin com Roy Scheider e Bruno Cremer.
Quando li o livro de Peter, pensei: como pode um cara estourar o orçamento fazendo uma refilmagem de O Salário do Medo, a obra-prima de Clouzot, filme de 1954 que narra um bando de caminhoneiros transportando nitro por estradas ruins...Bem, Friedkin, entupido de cocaína, conseguiu. Em vinte minutos já percebemos o esbanjamento: cenas em Israel, Paris, América do Sul e numa ilha. Depois, cenas numa vila miserável que teve de ser toda construída. E vai por aí. Ele conseguiu isso por ser o jovem diretor que mudou o filme policial com Operação França, onde ganhou Oscar, e por vir do hit O Exorcista. Mas aqui ele jogou tudo no lixo. E após este fiasco, nunca mais recuperou seu poder. Virou um tipo de diretor pária. ( A 3 anos ele fez um grande filme que ninguém viu ). Pior de tudo: o filme é muito muito muito ruim! Não dá pra assistir. A miséria é caricata, não tem o menor suspense, e todos os personagens parecem fake. Nada se salva, nada. Se eu ainda desse notas seria um zero merecido. É óbvio que o diretor fez o filme sob efeito de muito pó. Lixo puro.
  ESSA PEQUENA É UMA PARADA ( WHAT'S UP DOC ) de Peter Bogdanovich com Ryan O'Neal, Barbra Streisand e Kenneth Mars.
Peter não errava! Fizera A Ùltima Sessão de Cinema, depois Paper Moon ( filme maravilhoso ), e então esta comédia que tenta reviver os filmes doidos e leves dos anos 30. Peter era um saudosista. Dizia em entrevistas que o cinema acabara em 1948. Todos os seus filmes, até hoje, são revisões de estilos antigos. Aqui ele homenageia Howard Hawks. Refaz Levada da Breca. Ryan é um musicólogo e Barbra uma ricaça doidinha que o persegue. Todos acabam em um hotel. Há uma montanha de personagens secundários excelentes. E perseguições em ruas de San Fran. Mas falta alguma coisa...Ryan não é Cary Grant. Bom...até Cary Grant dizia não ser Cary Grant. Mas Ryan não sabe fazer comédia. Ele se perde. Não parece natural. E Barbra faz o que pode. Mas contracena com um poste. ( Ryan era uma estrela em 1973. Love Story ). Do meio para o fim o filme melhora muito. É um bom filme, se voce esquecer Hawks vai parecer melhor. Em tempo: Peter era o caretão da turma. Sua carreira foi destruída em seu filme seguinte: Daisy Miller. Apaixonado por Cybbil Shepperd, ele começou a fazer filmes para ela e perdeu a mão. ) Esta comédia foi um sucesso enorme. Lembro dos cartazes deste filme no jornal do meu pai. Bons tempos, estavam em cartaz na cidade, além deste, Alice Não Mora Mais Aqui, A Conversação, O Fantasma da Ópera de De Palma, O Fantasma da Liberdade e A Última Noite de Boris Grushenko...além de Gritos e Sussurros...pois é.
  A OUTRA FACE DA VIOLÊNCIA ( ROLLING THUNDER )  de John Flynn com William Devane, Tommy Lee Jones e Linda Haynes.
Na famosa lista de seus 10 filmes favoritos, Tarantino cita este em décimo. Achei que jamais sairia aqui, é um filme bem pequeno de 1977. No Texas, dois soldados voltam do Vietnã. Então um deles sofre um assalto e parte pra vingança. Devane dá um desempenho brilhante, Linda é perfeita e Lee Jones, bem jovem, tem uma presença magnética. Violento, seco, viril, é um western passado nos anos 60. Pessimista. Um bom filme.
  VOAR É COM OS PÁSSAROS de Robert Altman com Bud Cort e Sally Kellerman.
Quase ao mesmo tempo que MASH, Altman fez este filme. ( Brewster MacLoud é o nome do filme ). E que filme doido!!! O assisti na Globo aos 14 anos de idade. Entendi nada. Revejo agora. Entendi, mas ainda não compreendi. René Auberjonois faz uma aula sobre pássaros. Ele vai pontuar todo o filme. Bud Cort é um menino, parece Wally de Onde Está Wally, que deseja poder voar. Sally é uma mulher misteriosa que ajuda o menino a voar. Tem um serial killer, uma menina que se masturba debaixo de panos, um policial suicida, um governador gay, uma groupie, um carro roubado e muito cocô de pássaros. Tudo misturado naquele estilo orquestral que Altman criou do nada e que tanta gente imitou depois. Este filme tem alguma coisa de Wes Anderson. É engraçado, sem noção, cheio de gente esquisita, leve, infantil, livre e bonito de ver em sua feiura estilizada. É um filme único. O público doidão da época gostou do que viu. Mas em seguida Altman destruiria sua carreira com o western deprimido McCabe e o experimental Imagens.

DWAYNE- BILL CONDON- PETER BOGDANOVICH-WIM WENDERS- GUY RITCHIE- LAWRENCE- GUERRA

   UM AMOR A CADA ESQUINA de Peter Bogdanovich com Imogen Poots, Owen Wilson, Jennifer Aniston, Rhys Ifans, Will Forte, Cybill Shepard.
A produção é de Wes Anderson e de Noah Baumbach. Tem participação, como ator, de Tarantino. Ou seja, a nata do cinema de 2015 dando uma força para Peter, o grande diretor revelação de 1971 com A Última Sessão de Cinema. E que depois fez algumas excelentes comédias doidas, como aquelas que se faziam nos anos 30. Mas aqui nada funciona. É triste ver os atores se esforçando ao máximo para dar vida a personagens tão fake. Na comédia doida tudo é fantasia, tudo é exagerado, mas havia nelas uma inteligência, nas falas, que tornava tudo "verdadeiro". Pelo exagero se chegava à verdade final das relações. Aqui as pessoas são apenas loucas. Elas correm, gritam, mentem, fogem, voltam, e fazem com que nos sintamos indiferentes. Não chegam a ser antipáticos, são apenas chatos. Penso que deveríamos achar Imogen fofa. Ela é apenas bobinha. Owen deveria ser charmoso. É apenas oco. E a pobre Jennifer deveria ser divertida. É apenas sem peso. Triste ver um filme que pensa ser chique, leve, amoral, cínico, ser apenas infantil, truncado, espertinho e ingênuo. Um fiasco! ( Atenção a Imogen. Ela será uma estrela ).
   A ESTRADA 47 de Vicente Ferraz com Daniel de Oliveira
Bom tema: o brasileiro na guerra de Hitler. Penso que Ferraz tentou construir um clima à Kurosawa. A estética a serviço do absurdo. A guerra vista como confusão, medo, dor e niilismo completo. Mas falta muito para se chegar perto do mestre japonês ( ou de Naruse ), o filme não nos envolve. Histeria e frio que nunca vira narração.
   LADY CHATTERLEY'S LOVER de Jed Mercúrio com Holliday Grainger e Richard Madden.
Filme da BBC que foi exibido em setembro de 2015. Os filmes de TV da BBC nada mudaram. A Globo os exibia nos anos 70. Eram bem interpretados, solenes, adaptações de livros escritos no período vitoriano ou eduardiano. A única mudança foi nas cores dos sets: antes eram marrons e dourados, agora abusam do azul pálido e do cinza. Continuam sendo filmes bem feitos e meio mortos. Sem fibra e sem paixão. A antítese dos filmes de Boorman, Loach, Anderson, Schlesinger ou Losey.
   EVERYTHING WILL BE FINE de Wim Wenders com James Franco, Charlotte Gainsbourg, Rachel McAdams
Os primeiros dez minutos são ótimos. Neve e mais neve no Canadá do norte. Um homem atropela uma criança. Ele é escritor e é casado. E daí vem a crise... De admirável o fato de termos um filme "de arte" que não apela para sexo explícito, cenas de violência chocante ou um discurso calcado na velha ladainha de raiva adolescente. É adulto, lento, pausado, com imagens fortes, bem pensadas e nunca gratuitas. Mas é também insuportavelmente lento, escuro, triste e sussurrado. Não se pode dizer que não deu certo, ele é exatamente aquilo que Wenders imaginou.
   TERREMOTO, A FALHA DE SAN ANDREAS de Brad Peyton com Dwayne Johnson, Carla Gugino,  Ioan Gruffud e Paul Giamatti.
É bom poder dizer que este Terremoto é muito melhor que aquele de 1974. Não é uma refilmagem, mas tem o mesmo tema. Aqui os efeitos são ótimos, a ação vem na hora certa, nunca como única meta, mas sim como consequência, e ficamos muito satisfeitos com a diversão que ele nos dá. Sim, somos uma geração que se diverte vendo o fim do mundo...Quem sabe não sejamos no fundo uma geração descrente do mundo sólido e das cidades como centro da vida....Relaxe, enjoy!
   MR. HOLMES de Bill Condon com Ian McKellen, Laura Linney.
Já falei deste filme abaixo. Holmes está senil e luta para recordar a resolução de um crime de 30 anos atrás. Enquanto isso faz amizade com um menino e cria abelhas. Um bom filme com atuações ótimas. O final é bastante memorável.
  O AGENTE DA UNCLE de Guy Ritchie com Henry Cavill, Armie Hammer e Alicia Vikander.
Esperto, chique, divertido e charmoso. Tudo que imaginamos ter sido viver entre 1958-1965. Essa foi a época dos mais luxuosos filme. E foi o tempo do bom gosto. O filme tenta copiar esse tempo. E consegue! Os atores são bacanas, a trilha sonora imita Schiffrin e Barry, e Guy até diminui sua velocidade. Tipo do filme que te deixa de boas e faz com que você se sinta mais civilizado.

HOMEM DE FERRO/ GERARD BUTLER/ MARTIN RITT/ SEAN CONNERY/ PETER BOGDANOVICH/ TATUM O'NEAL/ LINKLATER

   ANTES DA MEIA-NOITE de Richard Linklater com Ethan Hawke e Julie Delpy
Antes de mais nada: Ao contrário do que disse um amigo meu, não é a primeira vez que um cineasta segue a vida de uma personagem por anos afora. Truffaut fez isso com Antoine Doinel. Doinel aparece em 1959 em Les 400 Coups e depois em mais 4 filmes, feitos em 64, 68, 70 e 79. Sempre na pele de Leaud. Linklater é um cara legal. Leio a lista de seus filmes favoritos e tem Ozu, Godard, Melville, e é claro, Rhomer. Essa sua trilogia é puro Rhomer, blá blá blá. Tudo bem fofo e em ambiente pseudo-intelectual. Adoro Dazed and Confused, que Linklater fez nos anos 90. A saga "francesa" acho assim assim. Nota 5.
   DEPOIS DE MAIO de Olivier Assayas
Revolução francesa, maio de 68, Balzac e Le Tour de France. Essa é a alma da nação. Eles têm tanto orgulho dessas coisas, que às vezes chega a irritar. Veja este filme. Nada mais é que um looooongo exercício masturbatório. Oh lá lá! Como fomos bacanas! Deus sabe o quanto amo Voltaire, Proust e Stendhal. Mas este lado da terra de Gainsbourg, eu passo! Nota 3.
   O ACORDO de Ric Roman Waugh com Dwayne Johnson, Barry Pepper e Susan Sarandon
Poor Susan! Dwayne é o pai de um teen que foi preso por posse de drogas. Ele parte a captura de quem deu a droga pro filho. Well...cinema pode ser uma coisa muito, muito ruim. Nota ZERO.
   ALVO DUPLO de Walter Hill com Stallone
Nos anos 80 houve quem levasse Hill a sério. Achavam que ele era um novo Peckimpah. Puá! Este lixo mostra o que ele sempre foi: um fazedor de longos clips. Nota ZERO.
   HOMEM DE FERRO 3 de Shane Black com Robert Downey Jr e Gwyneth Paltrow
Assustadoramente ruim. Cultura pop quando tenta contrabandear arte é de doer. O filme é tão Jeca quanto os Batmans. Um tipo de masoquismo para teens que se acham espertos. A diferença é que os Batmans enganam melhor. Nolan é melhor publicitário que Black. Este filme é chato demais! Nota ZERO.
   TOBRUK de Arthur Hiller com Rock Hudson e George Peppard
Na segunda guerra, um bando de ingleses se une a grupo guerrilheiro para tentar sabotar o petróleo nazista. Detalhe: o grupo guerrilheiro é formado por judeus alemães. Há um traidor no grupo. O filme é razoável, nunca muito emocionante. Hudson parece estar com sono, Peppard está bem, cheio de adrenalina. Hiller foi um diretor famoso por errar muito. Aqui não erra. Mas também não acerta. Nota 5.
   VER-TE-EI NO INFERNO de Martin Ritt com Sean Connery, Richard Harris e Samantha Eggar
Que tal usar o nome original do filme? The Molly Maguires? Esse o nome de um grupo de imigrantes irlandeses que nos EUA de 1850 sabotavam minas de carvão. Martin Ritt foi o mais típico dos diretores da esquerda americana. Seus filmes falam sempre das injustiças do capital. Em sua carreira, que abrangeu as décadas de 50 até a de 90, vários filmes se tornaram quase-clássicos. Este é um dos melhores. Ajuda muito a fotografia de James Wong Howe e a trilha sonora de Henry Mancini. O cinema americano teve 3 ícones da fotografia de cinema, Wong Howe é um deles. Os primeiros quinze minutos do filme não têm um só diálogo. O que vemos é o trabalho dentro de uma mina de carvão. As paredes negras-azuladas, úmidas, a fuligem, os cavalos puxando vagões, os homens imundos, a tosse. Entramos no inferno. Connery é o líder dos sabotadores. Harris um dedo duro. O filme é terrível e belo em sua sujeira. Barracos e ruas de lama. O final é muito amargo, afinal, é um filme dos anos 70. Nota 8.
   UM BOM PARTIDO de Gabriele Muccino com Gerard Butler, Jessica Biel, Uma Thurman, Catherine Zeta-Jones, Dennis Quaid
Saímos do sinistro do filme de Ritt para o pinky de Muccino. Butler é um ex-jogador de soccer. Falido. Vira treinador de crianças. E tenta voltar pra ex-esposa. Sim, o filme é tão bobo como parece. Butler é ok, o filme não. Uma Thurman tem um papel ridiculo. Zeta-Jones envelheceu. Biel é esquisita e Dennis Quaid, que a séculos era um ator muito legal, agora está com rosto de cartoon. Nota 3.
   ARMADILHA de Jon Amiel com Sean Connery e Catherine Zeta-Jones
Este filme ensina para que serve um bom diretor. Veja: É um filme que tem tudo o que gosto, ótimo ator, atriz linda, história de ação com suspense, locações interessantes, ambientes bacanas. E, graças a Amiel, tudo dá errado. Não tem suspense, não tem esperteza, tudo se desperdiça. Para esse tipo de filme, o filme de roubo-chique, é primordial : uma trilha sonora marcante, aqui não há, suspense, necas aqui, e frases inteligentes, jamais cá. O que sobra? Sean Connery, uma atriz linda em seu auge e mais nada. Nota 4.
   LUA DE PAPEL de Peter Bogdanovich com Ryan O'Neal, Tatum O'Neal e Madeline Kahn
Da geração dos anos 70 dos jovens diretores americanos, Peter foi aquele que atingiu o sucesso mais rapidamente. E foi o primeiro a despencar. Entre 1971 e 1973 ele fez na sequencia três big hits de público e crítica. Mas a partir de 74 desandou. Casou com Cybill Shepperd e começou a fazer filmes para ela. Lua de Papel é seu último filme perfeito. Uma comédia amarga que fala de um trambiqueiro e de uma menina. Nas estradas da América pobre de 1935, eles aplicam golpes usando só a malandragem. Tudo no filme é maravilhoso, desde a fotografia em p/b, cheia de sombras e de profundidade, até as músicas e cenários. O principal é a direção, uma aula de como se constrói caracteres e cenas. Tatum ganhou Oscar de coadjuvante por este filme. Tinha apenas 9 anos. Está apaixonante. O filme é o máximo em diversão com coração e mente. Perfeito. Nota DEZ.

PAPER MOON- PETER BOGDANOVICH, UMA CARTA DE AGRADECIMENTO.

   Caro Peter,
    Escrevo para agradecer pelo presente. Eu não merecia algo tão especial. E tudo que posso dar em troca é minha gratidão. Voce sabe o quanto seu filme é bom?
    Primeiro temos a história. Um malandro se vê obrigado a tomar conta de uma garotinha. Ela talvez seja filha dele. E o que voce nos dá é um road movie passado em 1935, filmado na grande época do cinema jovem americano, 1973. Ah Peter! Ano de American Graffiti, Mean Streets, O Exorcista e Golpe de Mestre. Serpico, Louca Escapada e O Dorminhoco. Banzé no Oeste! Voltando....Peter, voce sabia que todo mundo se apaixona pela menina? Que Tatum mereceu o Oscar ganho aos 9 anos de idade? Ela, enfezada, mal humorada e muito malandra, tem um olhar e uma voz rouca que conquistam. É inesquecível o modo como ela ri ! Mas Ryan, que é o pai dela na vida real, faz um malandro digno de Paul Newman. O golpe do troco e aquele da Biblia.... é incrível !
   Laszlo Kovacs fez uma fotografia em P/B do cacete! Tudo em foco todo o tempo. A gente vê todo o set. Bons tempos de cenários de verdade. O cenografista tinha orgulho em exibir seu trabalho. No caso é sua esposa, Polly Platt. Aliás me permita dizer, porque voce a trocou pela Cybill Shepperd? Ela acabou com sua carreira! Voce começou a fazer filmes para Cybill e nenhum deu certo!
   Well... Quero dizer que voce é um mestre do cinema. E nos extras do dvd voce dá uma bela dica: Filmes com muitos cortes deixam o espectador FORA do filme. Ele joga o público para fora da ação. Cenas sem cortes fazem com que a pessoa se acomode DENTRO da cena. Ela penetra o filme e é apresentada a ação. Pois bem, seu filme tem cenas sem cortes longas, cenas em que a câmera voa, flutua pelo set. E o fantástico é que eu não percebi isso enquanto via o filme. Ou seja, mágica cinematográfica! Cenas em cortes que não se percebe. O anti-exibicionismo.
   Peter, voce conseguiu fazer uma comédia que nunca é grossa, nunca apela, e que sempre parece de verdade. Um filme que é bonito e ao mesmo tempo é simples. E como era regra em 1973, um filme alegre e triste em doses iguais. Voce e sua geração cresceram estudando os grandes europeus. Dá pra notar no filme. Ele é amargo sem ser apelativo e alegre sem ser infantil. É lindo.
   Peter, porque não se fazem mais filmes assim?
   Do seu fã....Tony Roxy.
   PS: Volte a dirigir!