Mostrando postagens com marcador dashiell hammett. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador dashiell hammett. Mostrar todas as postagens

TIROS NA NOITE - DASHIELL HAMMETT

Quatrocentas páginas com monte se contos de Hammett. É o autor em seus tempos de pulp, combústiveis e fagulhantes histórias cheias de tiros, sangue, mentirosos, ruas e carros pesados. Uma escrita muscular, objetiva, verbos que atiram no alvo. Sentar numa cadeira okay e ler essas coisas no verão é o que há. Passatempo e o tempo passa em frascor de aço niquelado. Voce, leitor, vai de carona no banco da esquerda, descobrindo quem fez e o porque de ter feito. Hammett foi detetive na vida real, ele sabe do que fala. Todo mundo se trai, todo mundo precisa de alguma grana, todo mundo tem um segredo pelo qual mataria. Portas que são arrombadas, pisos que delatam, um tiro na madrugada. Quer saber? Quero mais.

A CEIA DOS ACUSADOS - DASHIELL HAMMETT ( THE THIN MAN )

Uma das coisas mais bobas nos comentários sobre arte é misturar a vida de uma pessoa com o valor de sua produção. Desse modo, o trabalho de Gauguin, que é genial, parece ainda melhor por ter Gauguin tido uma vida aventurosa. Já Monet parece pior por ter vivido uma existência convencional. Raymond Chandler é melhor que Hammett. Mas Chandler era um escritor de vida nada ousada. O máximo de estranho que ele fazia era beber uns tragos e correr atrás de suas secretárias. Hammett, que também é bom, mas Chandler é maior, teve uma vida mais interessante. Inclusive houve nela a auto destruição que tanto agrada aos fãs adolescentes. Chandler era melhor em tudo. Seus diálogos são mais agudos, mordazes, ferinos, a descrição de ambientes é excelente ( esse o ponto mais fraco de Hammett, não há cenário nele ), e na invenção de enredos Chandler parece mais realista ( o que é uma surpresa, pois foi Hammett quem viveu nesse ambiente de fato ). Dito isso, devo contar que este livro diverte. Menos que o filme. The Thin Man, filme de 1934 da MGM, tem William Powell e Myrna Loy, e quem viu o filme fica imaginando Nick e Nora com as caras dos dois atores. O filme é uma lição de bem viver, é o primeiro casal moderno na tela e os dois fizeram hsitória. Todo casal antenado dos anos 30 queria ser Nick e Nora. O livro não tem nada disso. Aqui Nora é uma coadjuvante e Nick um detetive que bebe muito. Não é engraçado. É esperto e cínico, mas nunca possui o savoir faire que Powell deu ao personagem. Na verdade é um romance com 90% de diálogos. A arte de Hammett é essa e é isso que encantou os europeus, os diálogos. Dash Hammett dá um passo adiante na técnica de Heminguay. Nos anos de 1980 todo mundo lia Hammett. Na década que tinha a pretensão de reviver os anos 30, Dash era um rei. Leia. Em 2021 é ainda uma boa diversão.

HUMPHREY BOGART- 6 FILMES...LAURENCE OLIVIER- 1 FILME.

  Ando lendo um livro que em certo momento conta que o cinema popular mudou todo o conceito que se tinha do que seria arte. Foi através de filmes populares que se percebeu que o aparentemente comum poderia esconder coisas perturbadoras, profundas e originais dentro de si. Faço para mim mesmo um pequeno festival Bogart. Todos os filmes feitos entre 1941-1948.
THE BIG SLEEP ( A BEIRA DO ABISMO ) de Howard Hawks com Lauren Bacall e Martha Vickers.
A prosa de Raymond Chandler é considerada hoje alta arte, mas em 1944 era chamado de pulp, lixo. Bogart vira Philip Marlowe, detetive mais leve que Spade. O crime que ele investiga é apenas uma desculpa para um exercício típico de Hawks, ou seja, um filme que lança seu olhar sobre aquilo que quase ninguém repara: chistes, conversas fúteis, movimentos aparentemente banais. O centro de tudo é o flerte entre Marlowe e duas irmãs, uma ninfomaníaca e outra fria como gelo. O filme não tem uma só cena "sensacional", e ao mesmo tempo ele é inteiramente memorável.
KEY LARGO de John Huston com Lionel Barrymore, Lauren Hutton, Edward G. Robinson.
Um grupo de bandidos está isolado em um hotel na Florida. Um furacão se aproxima e Bogey é um ex-soldado que vai lá conhecer a viúva de um colega morto na Italia. A tensão cresce sem parar, os bandidos humilham e pressionam os outros hospedes. Huston faz um de seus filmes sérios e isso torna-o desagradável. O ar de denuncia, de simbolismo politico o destrói. Não é um grande filme, mas tem um final bem legal em termos de aventura.
O ÚLTIMO REFÚGIO de Raoul Walsh com Ida Lupino.
Maravilhoso filme! Bogey é um gangster que ao sair da prisão percebe que o mundo mudou, ele não é aceito pelo modo de se cometer crimes nos anos 40. É uma das melhores atuações da vida de Bogart. Nada glamuroso, ele mostra um rosto de raiva, aturdimento e inadaptação. Walsh foi grande diretor de épicos no cinema mudo. Depois se tornou mestre em aventuras e westerns. Sua carreira, sempre interessante, começa em 1922 e vai até 1964. Este é um filme imperdível.
PRISIONEIRO DO PASSADO de Delmer Daves com Lauren Bacall.
Os moderninhos adoram este filme. Talvez por ser tão absurdo. Bogey faz uma cirurgia para mudar de rosto e assim escapar da policia. O filme, maneiroso, cheio de toques esquisitinhos, é bem bobo, mas nunca fica chato.
UMA AVENTURA NA MARTINICA de Howard Hawks com Lauren Bacall e Walter Brennan.
Hawks em sua raiz mais típica, um filme onde coisas acontecem, mas nenhuma delas tem muita importância. O que interessa são as relações, os diálogos, e todos parecem comuns, banais. Mas não são. O que Hawks faz é dar relevo à vida nossa de cada dia, mesmo que o cenário pareça exótico, o que mostra é a vida de quem assiste o filme. Uma vida simples, de pouco alcance e mesmo assim encantadora, cheia de significado. Bogey, relax como nunca, é um pescador. Bacall uma prostituta. Brennan um bebum. Eles se envolvem em algo a ver com nazis. O filme é o oposto de Casablanca. Tem quase o mesmo elenco, mas se naquele o clima é de heroísmo e renuncia, aqui tudo é indecisão e preguiça.
O FALCÃO MALTÊS de John Huston com Mary Astor e Peter Lorre.
O mítico noir de Dashiell Hammett recebe tintas escuras na estreia de Huston como diretor. O foco é na relação entre Astor e Bogey, um duelo de mentiras. O filme foi revolucionário na época por ser amoral, ninguém é bom e nenhuma moral é esposada. Visto hoje fica longe de ser uma obra-prima, mas continua interessante, o nascimento de um tipo de filme dark que sobrevive até hoje.
HAMLET de Laurence Olivier
E aqui o anti-Bogart, o artista que se pensa artista, que arrota arte e filme Shakespeare em viés Freudiano. O filme, longo, solene, belo, pesado, rígido, nunca nos dá prazer. As imagens são lindas, mas o ritmo é frouxo e não há um segundo em que Olivier não grite: Olhem como sou incrível!

SCHLESINGER/ POLLACK/ GILLIAN/ BOGEY/ TOM COURTNEY

   BILLY LIAR de John Schlesinger com Tom Courtney e Julie Christie
Assisti na Tv Cultura, talvez em 1978. Depois nunca mais. Lembrava apenas de Julie andando pelas ruas e de Tom mandando a avó calar a boca. Revi ontem. É um filme maravilhoso. Billy, feito de maneira absolutamente mágica pelo grande Tom Courtney, é um jovem sonhador. Mas não o tipo sonhador-poético. Ele é um sonhador covarde. Sonha acordado toda vez que surge alguma dificuldade. Sonha matar os pais, ser um grande general, um escritor, um duque de sangue azul... Sua vida é uma confusão. Faz um medíocre roubo em seu emprego, tem duas namoradas ridiculas, uma familia banal e vive em Newcastle. Sua única chance é Julie, em seu primeiro papel de estrela, uma garota livre, andarilha, que o convida para ir viver em Londres. Ele irá? O filme é de 1962 e vemos a Inglaterra prestes a pirar. Jovens entediados, reprimidos, doidos para viver em cidades demolidas, sujas. Penso no que seria de Billy dali a 5 anos. Doido de LSD? E a personagem de Julie? Morta? Schlesinger foi entre 1960 e 1976 um grande diretor. Depois se perdeu em projetos loucos e numa vida perdida em drugs. Ele filma livremente, criativamente, solto. É quase Nouvelle Vague, mas nunca perde o rumo do roteiro e jamais deixa de ser irônico. O filme é obrigatório. Consegue ser divertido e instigante. Billy é apaixonante. Nota DEZ!!!!
   A NOITE DOS DESESPERADOS de Sidney Pollack com Jane Fonda, Michael Sarrazin, Gig Young, Susannah York e Bruce Dern
Pauline Kael dizia que entre 1965/1977 os americanos iam ao cinema para serem deprimidos. Grandes hits terminavam sempre em dor, morte e falência total ( O Poderoso Chefão, Serpico, Butch Cassidy, Exorcista, Operação França e um etc sem fim ). Este filme, que muitos acham ser a obra prima de Pollack, é dos mais tristes. Miséria pra todo lado. Estamos em 1932, e acontece mais uma maratona de dança. Para quem não sabe, essa maratona era um tipo de Big Brother dos desesperados. Casais dançavam sem parar, por dias e dias, com intervalos de dez minutos a cada quatro horas. A coisa chegava a durar meses e era transmitida por rádio. Raras vezes o cinema mostrou gente sendo massacrada com tanta explicitude. Jane é uma suicida, Michael um ingênuo, York uma atriz falida e Dern um pai morto de fome. Gig Young ganhou o Oscar de ator coadjuvante fazendo o mestre de cerimônias, cínico, cruel e eficiente. O filme, como apontava Kael, não faz a menor concessão. É de uma melancolia tétrica. E é bom cinema. Tem ritmo, tem grandes atuações, tem interesse. E não envelheceu nada. Nota 7.
   AFTER THE THIN MAN de W.S.Van Dyke com William Powell, Myrna Loy e James Stewart
Em 1934 se lançou, baseado em Dashiel Hammett, The Thin Man. O sucesso fez com que dois anos depois se lançasse este filme. Mais cinco viriam. Mas em dois anos uma coisa mudou para pior, a censura. No primeiro Powell fazendo Nick Charles passava todo o filme bêbado e soltando piadas ácidas. Aqui ele quase não bebe e faz humor mais familiar. Mas o filme ainda é bom. O prazer em ver o casal Powell e Loy não tem fim. Como no outro filme, eles resolvem um caso de assassinato. Stewart antes de ser uma estrela está por perto. Asta, o cachorro rouba o show. Nota 6.
   COMBOIO PARA O LESTE de Lloyd Bacon com Humphrey Bogart e Raymond Massey
O tema é ótimo. Navios mercantes tentando cruzar o Atlântico rumo a Inglaterra na segunda-guerra. Bogey é o capitão de um navio. O filme é ok, mas nada especial. Nota 5.
   BRAZIL de Terry Gillian com Johathan Pryce, Bob Hoskins e Robert de Niro
Gillian fez parte do Monty Python. Ninguém pode lhe tirar esse mérito. Mas seus filmes são sempre decepcionantes. Nos anos 80 este filme foi chamado por críticos moderninhos de obra-prima kafkiana. Hoje tem o lugar que merece: esquecimento. Muito ruim. Nota ZERO.
   DAQUI A CEM ANOS de William Cameron Menzies
Baseado em HG Wells, este filme passou décadas esquecido e hoje, de volta em DVD, é reavaliado como obra-prima e considerado cult. Eu não gostei tanto. Fala de uma sociedade do futuro que vive em função da guerra. É frio, distante, não emociona. Nota 4

CONTOS DE RAYMOND CARVER

   Muitos filmes foram feitos em cima de textos de Carver. E pelo menos um deles é uma obra-prima. Dizem que grandes livros não dão grandes filmes porque para filmar voce tem de cortar tanto que o estilo e a complexidade vão pro lixo. Carver, assim como Elmore Leonard, serve bem ao cinema porque na adaptação nada há pra se cortar. O texto é tão enxuto que na verdade o roteirista precisa acrescentar coisas.
  Eu leio Elmore com prazer. Como leio Chandler e Hammett, que também ficam bem em filmes. Patricia Highsmith too. Mas Carver é um pé no saco! Seus contos são tão esqueléticos que cansam por excesso de facilidade. Os personagens são tipos, nunca gente, e as situações são vistas como se as pessoas fossem medíocres atores cool. Para Carver as pessoas são manequins animados.
  A impressão é a de que seja muito fácil escrever como Carver. Basta descrever, sem detalhes, aquilo que voce vê num bar, na rua ou na escola. Daí voce imagina o que esse cara do bar, da rua ou da escola faz em casa. Nada de especial, tudo bem óbvio. Bota uns diálogos banais e chama isso de minimalismo. Tá pronto pra imprimir. Sam Shepard faz igual. Dentre dezenas de milhares de outros.
  Eu poderia fazer livros como os de Carver. O problema é que eu me entediaria. Seria como ter de viver numa mina de carvão. Trabalho escravo que iria contra tudo que eu acredito. Nada pode ser mais anti-Henry James que Carver. Porque mesmo que ele seja um crítico do vazio, mesmo que ele esteja tirando uma da mediocridade da vida, ele faz isso usando meios vazios e medíocres. Quem quer saber do regime de uma garçonete ou da conversa entre pai e filho que nada têm a dizer?
  Certos livros são de calar!

ELMORE LEONARD E A LITERATURA INFANTIL

   O estilo de Elmore Leonard nasceu com Dashiell Hammett e não com Heminguay. Heminguay tem umas quedas à filosofia e fatalismo romântico que inexistem em Elmore. Os diálogos dele, que para os jovens leitores vão recordar Tarantino, são 100% Hammett. Lendo Dashiel sempre imagino um filme de Quentin, lendo Heminguay penso em John Huston.
   Li um monte de livros de Elmore Leonard nos anos 90. Eles são todos bons e gostosos de ler. Fáceis de achar, em sebos voce acha muitos. Os melhores são os de western. Filmes vi todos. Nunca vi um filme ruim baseado em Leonard. Joe Kidd, de 1971, com Clint Eastwood é o menos bom. Hombre de Martin Ritt com Paul Newman talvez seja o melhor. Jackie Brown é muito bom. O filme de Soderbergh com Clooney e Lopez é maravilhosamente esperto.
   Se eu fosse escritor eu adoraria escrever como Elmore Leonard. É o melhor estilo para 2013. Curto e direto. Objetivo e muito visual. Sem bobagens, sem gordura e sem pretensão. Muita gente segue essa trilha, mas a maioria cai na pior das armadilhas que esse estilo apresenta: o tédio ou a superficialidade total. Confundem simplicidade com vazio, objetividade com superficialidade.
   Dá uma lida e me conta.
   xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx
   Comecei um curso de literatura infanto-juvenil. Maravilhoso.
   Tem certos chavões que são tão verdadeiros que ninguém percebe. Como é a professora? Maravilhosamente distraída, sorridente, cheia de ideias, viva. Curiosa, deslumbrada, parece que tem asas nos pés. Ou seja, é uma professora de literatura infantil que traz no corpo e na alma as marcas de Emilia, Peter Pan ou do Gato de Botas.
    Adoro.

RAYMOND CHANDLER E O ADOLESCENTE EM NÓS

   Raymond Chandler cresceu como um almofadinha. Um menino mimado que estudou na Europa. E então, surpreendentemente, se viu na maturidade como pai de Marlowe, um dos detetives durões da literatura noir. Chandler era o oposto de Marlowe. Marlowe era aquilo que Chandler imaginava que seria o "ser um homem". E nessa atitude adolescente reside o fato de ele ser tão importante até hoje. Ele dá voz ao sonho de QUASE todas as gerações mimadas do pós-guerra. Escreveu aquilo que todos nós imaginamos ser a real vida do homem urbano de ação. Uma rede de ladrões, prostitutas, falsas virgens, ricos sacanas e solidão estóica. Tudo bobagem. A realidade de Chandler é tão real quanto o cinema de Tim Burton. O que eles criam é bom, muito bom, mas é irreal. Chandler trabalhou o sonho de adolescentes de 1945. Burton, com seus filmes que são todos como quartos vitorianos de bebês insones, deu imagem ao sonho ruim de teens de 2000.
   Hammett é muito mais sólido que Chandler. Porque Dash esteve lá. Foi detetive e foi parte da sordidez. Chandler tem um pé na tradição inglesa do conto de detetive. Ainda há algo de mental nele, de puramente dedutivo. O problema é que Chandler é fraco em lógica. Seu mistério nada tem de tenebroso. A solução do crime é sempre frustrante, não se produz o "Ah!" de Conan Doyle. A arte de Chandler reside em sua descrição. Acabamos por penetrar e fazer parte do ambiente que ele descreve. Após ler Chandler nos sentimos muito mais machos. Intuitivamente ele tocou no nervo adolescente de todo proto-homenzinho urbano. O desejo de ser um cafetão, um jogador de poker de beira de porto, um velho marujo, enfim, um cara frio vivendo em perigo, um cara com história pra contar.
   Esse tipo de ideal está hoje quase extinto. Mas foi lei em várias décadas. Penso que foi substituído pelo ideal do homem saudável. Nada de cafetão, jogador ou marujo. O cafetão lembra aids, o jogador lembra cigarro e doença mental e o marujo é um velho com câncer de pele. Mas entre 1945 e 1985 essa ideia do homem marcado, meio sujo e muito estiloso era o objetivo. Chandler ajudou a criar esse ideal.
   O cinema adorou. Chandler escrevia ao estilo "cortes e sets". Pedia por um ator tipo Bogart ou Lancaster ( na verdade ele sonhava com Cary Grant, o que mostra a diferença entre Hammett e ele ).  Quando Marlowe surgiu nas telas na pele de Humphrey Bogart estava completo o feitiço. Todo homem com cojones seria Bogey.
   Autores policiais continuam a seguir a trilha de Chandler. E de Hammett, Cain, Goodis... Irônico é pensar que o melhor autor no estilo noir acabou sendo Patricia Highsmith, uma mulher....
   Ler Chandler hoje é lembrar de uma masculinidade perdida. Fria, sórdida, cheia de bebida, fumaça e ruas escuras. E que traz embutida uma nobreza modesta, a sensação de um dever que será cumprido. É um mundo que nunca existiu. Mas a qualidade de uma época não seria medida pela ilusão criada?

A CEIA DOS ACUSADOS- DASHIELL HAMMETT

   Nick e Nora formam um casal urbano que passa seus dias em doce usufruir de seu afeto. Entre dúzias de drinks e frases cheias de ironia afetuosa, eles perambulam entre bares e restaurantes. Ricos, alegres e corajosos, são a síntese daquilo que os americanos da época da depressão queriam ser. Quem os criou foi Dash Hammett, um ex-várias coisas, dentre elas ex-detetive da Pinkerton. Ah sim...Nick foi um detetive. E neste livro, volta a ação.
 O enredo é complicado. São montes de suspeitos, montes de pistas e ambientes variados. Nick anda em meio a tudo isso sempre acompanhado por whisky, vinho, gim, martinis e algum café. Era uma época em que beber era saber viver, então Nick bebe. E fala. Se fala muito neste livro. Autores mais "sérios" adoravam Hammett por causa de seu talento em diálogos. O livro tem a prosa americana típica: poucas descrições de cenários, muito diálogo. O livro todo é construído em frases trocadas entre duas ou mais pessoas, e as frases de Nick e de Nora são sempre brilhantes, leves, engraçadas, esvoaçantes.
 Os fãs de Dash Hammett ( são muitos ), não vão gostar do que vou dizer, mas prefiro o filme dos anos 30 baseado neste livro. Nick e Nora são feitos com enorme carisma e simpatia pelos adoráveis William Powell e Myrna Loy. Vê-los é se apaixonar pelos dois. Dentre os livros de Hammett prefiro muito mais "Continental Op", uma coletãnea de contos de detetive.
 Dashiell Hammett, inventor do moderno detetive americano, autor do "Falcão Maltês", teve um destino funesto. Casou-se com Lillian Hellman, autora "relevante", chata de galochas, que sugou tudo o que podia de Dash. Alcoólatra, impotente, sem conseguir escrever nada, Hammett viveu muito, mas foram décadas de total aposentadoria. Hoje é um tipo de herói americano, o tipo de autor macho, íntegro, vivido, que todo escritor iniciante ingênuo tenta parecer. O filme de 1976, "Julia", ajudou muito nessa mitificação. Hammett é feito com simpatia e sabedoria pelo grande Jason Robards ( levou Oscar pelo papel ) e Lillian é feita por Jane Fonda ( um absurdo, pois Hellman era famosa pela feiura ). É um filme excelente, de Fred Zinnemann, belo e emocionante... quem viu o filme tende a querer ser um escritor como Hammett, e ter uma "amiga" como Lillian.
  De qualquer modo, voltando ao livro, ele não deixa de ser uma aula na arte de se escrever diálogos. E é engraçado observarmos como até hoje ainda se percebe a influência desse estilo em livros policiais, filmes estilosos e até em música pop. Nick e Nora ( e seu cão Asta ) eram encantadores. Viver como eles deveria ser uma experiência fascinante.