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AMOROSO JOÃO GILBERTO + LETS GET LOST CHET BAKER
Estou começando a ler um livro, me parece sublime, sobre a morte da gravação do música clássica. O autor, estiloso, bem humorado, conta a história da gravação de músicos e compositores clássicos, desde Caruso, até a morte do mercado, nos anos 90. Sou de uma época, fim dos anos 70, começo dos 80, em que jornais ainda tinham, uma vez por semana, espaço para os lançamentos eruditos DA SEMANA!!!! A Decca chegava a lançar dez discos por semana. Mas não é disso que vou falar....a música erudita gravada começou a morrer quando ela foi barateada. Mozart em ritmo de jazz, Bach tocado em banjo, Sting cantando Kurt Weill, os tenores mandando cantigas de natal. Os novos donos das gravadoras trocaram a busca pelo excelente vendável por aquilo que dava lucro depressa. Lembro da primeira vez que entrei na HI Fi Discos, loja do Shopping Iguatemi. Era 1977. Havia uma sessão só com LPs de Stockhausen. --------------------------- Se a música de Mahler foi barateada, a bossa nova sofreu algo de ainda pior. Para um menino de 14 anos, bossa nova é a musiquinha que toca no Pão de Açúcar. Trilha sonora dos apartamentinhos das mocinhas de cabelo curto que cultivam plantinhas na cozinha e comem quinoa com beterraba. Basta ter uma vozinha doce e infantil e tocar um sambinha que voce é bossa nova. É o equivalente brasileiro aos CDs dos grandes trechos de ópera ou Vivaldi em sintetizador. ---------------------------- Tento imaginar João Gilberto colocando doze novas faixas na rede. Com a qualidade sonora dos aplicativos. Sem o menor controle sobre divulgação e produção. Música vendida como energia elétrica ou água encanada. Ou pior que tudo, arte de graça. Humilhação. ---------------------------- Bossa Nova nunca foi uma vozinha doce cantando um sambinha bom. Bossa Nova era o absoluto controle da respiração, da frase, da afinação e do ambiente. Arte puramente cerebral. Quando João canta aqui o SAMBA EM BRANCO E PRETO, quase um suicídio em forma de versos, ele não está expressando dor. Ele está apenas cantando. Sua voz é um instrumento, mezzo trompete messo flauta, o que ele faz é abstrato. O que lhe importa é o som das sílabas, o VOU não é IR, é um som: voooou...sibilante, baixo, suspirado, divinamente afinado. Não lhe importa o que signifique a palavra vou, importa o som do V+O+U: vou. ------------------------------- Tendo fama de música de gente frouxa, gente sem osso, sem fibra, de bobocas que falam de barquinhos, na verdade a bossa nova quando feita com verdade e talento, é música de gente fria, distante, pessoas que sublimam. É a harmonia vencendo a expressão. A forma é mais importante que a emoção. ------------------------------- Nada representa um fracasso maior que a bossa nova. Ela durou quatro anos e depois se torna pastiche, cliché e maneirismo. Pior, não deu frutos. Se tornou uma saudade, algo que aponta sempre o passado. Não a toa tanto filme americano usa bossa nova, suja e mal feita, como chavão para cenas passadas nos anos 60. Tanto quanto Burt Bacharach e Beatles, ela é a cara de uma época. -------------------------------- Amoroso, disco gravado em 1977, nos USA, é bonito. E ser bonito era o alvo da bossa nova. Que engraçado...alguém hoje faz um disco almejando ser bonito? Simplesmente bonito, sem mensagem, sem motivo, sem missão a mais, apenas criar beleza...--------------------------------------------- Chet Baker veio antes da bossa nova e a influenciou. E depois foi influenciado por ela. O disco que ouvi, a trilha do filme de Bruce Weber, não é bonito. Chet canta feio. Mas o piano e o contra baixo são lindos. Moon and Sand, que abre o LP, é uma faixa maravilhosa. Mas depois vence o masoquismo. Ouvir um cantor de voz destruída é um ato sadomasoquista. Não me agrada mais. O disco é uma homenagem torta. Não se deve exibir um artista em momento tão baixo. Não é elegante. ------------------------------------------- Me lembra o disco da estrela do Bowie. Hey, vamos ver Bowie morrer! Tou fora disso. Pornografia. ------------------------- Bossa Nova jamais é pornografia. Há uma capa de civilidade e de comedimento entre o cantor e quem o escuta. Ela é erótica sempre, e por isso não pode ser pornô. Tá bom?
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