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OS CONTOS DE CANTERBURY- GEOFFREY CHAUCER

   Um grupo de homens e mulheres fogem da peste. No caminho, para se distrair, fazem uma aposta: cada um deles irá contar um conto. O que for eleito melhor ganhará um jantar. E lá se vão eles.
  Se voce pensou no Decameron de Boccaccio pensou errado. Apesar de Chaucer conhecer a obra do italiano, seu livro é muito diferente. Escrito em verso, Chaucer, influência enorme sobre Shakespeare, faz algo que o bardo sabia construir como poucos: escreve com a voz do personagem. Desse modo um monge narra seu conto ao estilo de um monge, um cavaleiro conta como um cavaleiro e por aí vai. 
  O elenco de personagens abrange toda a fauna medieval. E ao lermos a obra nos sentimos lá, naquela estrada rumo a Canterbury. Mais ainda, vivemos em plena idade média. E o que vemos? Que a época é bastante diversa do que nos foi dito. É um mundo de malandros. E de idealistas também. Sexo e religião se misturam. Deus é Ser inatacável, Sua existência não pode ser discutida, mas, por isso mesmo, o diabo também existe e portanto o mal é não só cotidiano como aceito. Ele, o mal, faz parte. 
  As mulheres devem ser virgens, mas os homens tentam apaixonadamente as corromper. Elas devem ser virgens, mas raramente são. Em alguns contos a linguagem é "suja". E deliciosa. Fala-se muito de pau, buceta, cu, bagos. E tudo feito em malandragem ( o que me faz pensar na realidade de meu país hoje ). Usa-se de toda artimanha possível para se ir à cama de uma mulher, seja virgem, seja puta. 
  O dinheiro existe, mas mal se encontra. O que se faz é o roubo. Monges e cônegos são mentirosos, ambiciosos, glutões e tarados. Comerciantes roubam e camponeses são idiotas. E ao mesmo tempo existem contos de fé e de pureza. Fala-se da Virgem com plena fé e em total compreensão. Chesterton desvenda bem isso: no catolicismo tudo é extremo. É uma fé que pede pelo abismo, pelo tudo ou nada. A dor ao limite e a alegria desenfreada. O grande pecado e o grande arrependimento. Nada pode ser sóbrio, a sobriedade é falsa. Desse modo, o sexo e a castidade existem juntas e são hiper-valorizadas. Chaucer exibe esse universo sem retoques. As coisas são o que São. Sem máscaras. 
  Na introdução se conta que aqueles são os ingleses originais, os saxões, o povo britânico antes de 1750, da revolução industrial que domesticou a raça. Eles são aquilo que hoje entendemos como "Povo de Asterix". Nada em comum com Thackeray ou com Jane Austen. São exaltados, apaixonados, brigões e muito diretos. Sua transformação demonstra o poder da educação. Se mudaram para melhor ou pior, fica a discussão. 
  Devo dizer que esta obra foi um dos maiores prazeres em leitura que tive em anos. Coloco-o entre meus vinte mais queridos livros. Suas 600 páginas, em verso, voaram diante de meus olhos. Seu realismo sujo e fétido e sua vitalidade objetiva e prática me encantaram. É um retrato de um tempo, mas é acima de tudo uma lembrança daquilo que somos, seremos, seres que erram, seres sujos e brutos, tolos e espertos, burlescos. Gente. 
  Chaucer foi um dos grandes humanistas de seu tempo ( por volta da metade do século XIV ), erudito, sabia a lingua de todas as classes. Tinha o principal dom do escritor: sabia escutar. Os tipos que ele criou nos seduzem. São maldosos adoráveis. E fiéis sinceros. Não por acaso sua obra vive a mais de 650 anos. 
  Fundador da literatura moderna inglesa, Chaucer é rei. Seu livro é inesquecível.