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AQUELE QUE SABE VIVER - DINO RISI. O PRIMEIRO ROAD MOVIE.

------------------- Easy Rider, assumidamente, se baseou neste filme de 1962, portanto, feito sete anos antes do americano. Sucesso imenso, Dino Risi e seus roteiristas, Age e Scarpelli, contam a história de um estudante tímido, um sublime Jean-Louis Trintignant, que viaja pela Italia com Vittorio Gassman, este em momento de exuberância magnética. É o primeiro filme on the road e Trintignant seria o que Jack Nicholson foi no filme de 1969, o ingênuo medroso que se entrega à estrada. Dennis Hopper assumiu a influência em entrevistas, mas há aqui um imensa diferença: Isto é Itália e ao contrário do belo filme americano, muito prazer vive nesta obra. Não há equivalente americano à Gassman. Peter Fonda viaja para encontrar um sentido, Dennis Hopper viaja para ser livre, Vittorio Gassman é italiano, ele viaja por puro prazer. ------------------ Os dois, que não se conheciam, se unem, e correm pelas estradas, sempre em alta velocidade e em pleno boom econômico da Italia. O país mudava, enriquecia, as lambretas se vão, começa a era dos carros e das lanchas. Gassman é um tipo expansivo, malandro, endividado, playboy, sorridente, já o francês é um nerd completo. Eles se conhecem no começo do filme e o que vemos é uma amizade de 4 dias. Pela estrada, correndo e conhecendo gente. É a Italia em seu momento mágico. Últimos anos em que sua música, cinema, livros e moda eram dominantes no ocidente. Em 1964 eles perderiam esse posto para a Inglaterra graças aos Beatles. -------------------- Na estrada eles encontram tipos. Se envolvem em trapaças, brigas, seduções, fugas. Ao fim se hospedam na casa da ex esposa de Gassman, que o odeia, e lá vive sua filha, uma Catherine Spaak lindíssima. Trintignant se solta afinal e o filme é dele. Poucos atores souberam fazer um jovem tímido como ele. E então vem o fim. Que não conto. ---------------------- É o melhor filme de Risi e um dos melhores filmes da Europa. Mais que tudo, ele captura um momento: músicas pop ( a música italiana POP é a grande influência sobre nossa Jovem Guarda e não os Beatles ), roupas, carros, tudo parece novo então, a Itália brilha com seus dólares recém chegados. Gassman, sempre imenso ator, consegue revelar uma cicatriz debaixo de brilho malandro de seu personagem. Ele usa o novo amigo, usa a ex esposa, usa toda pessoa que cruza na estrada, mas ele consegue parecer real, toque preciso em personagem que poderia se tornar bufão. --------------- Todo país tem momentos mágicos e a Italia teve seu último aqui, em 1960-65, quando o dinheiro abundava e a arte foi na onda como contrapeso. Divertido, trágico e inesquecível, o nome do filme se tornou parte do vocabulário da Argentina ( lá Gassman era Deus ) e a bilheteria foi rica em todo o mundo. Ser jovem nesses anos em Roma ou MIlano era um privilégio. O filme, alegre e amargo é inesquecível.

I mostri - Che vitaccia!

OS MONSTROS - DINO RISI. A SABEDORIA DA ITÁLIA. OU SERIA APENAS VAIDADE?

Não existe no mundo país com coragem maior para a auto-crítica que a Itália. Uma cultura que vem de Roma e renasce com Maquiavel, Dante e Bocaccio tem raízes fundas no estoicismo. O mundo é cruel, eles sabem, nós somos muito crueis, eles admitem, vamos exibir isso, eles fazem. Neste filme, Dino Risi nos apresenta uma série curta de sketches que nos dão flagrantes da maldade italiana. É uma comédia, mas muito mais que o riso, ela nos dá raiva e na história final, choro. ( A última história, com atuações milagrosas de Gassman e Tognazzi, nos exibem um momento na vida de dois boxeadores. Nada em cinema, nem Scorsese ou os filmes noir dos anos 40 sobre o assunto, disse tanto de modo tão cru ). O roteiro, esperto, sempre nos surpreende. Pensamos que adivinhamos o final, e somos enganados. Dou exemplo: uma velhinha foge nas ruas. Um grupo de homens a captura. Pensamos: ela fugiu do hospício, da clínica, da família. Mas não! Ela fugiu de um filme de Fellini. Por que? Aí não conto. Veja. ------------------------------ Os dois atores-gênio aparecem em todos os sketches. Eles vão do sublime ao patético. É fascinante ver os dois em ação. Sem pudor algum, o italiano é exibido como ladrão, egoísta, cruel, falso e extremamente vaidoso. O que me faz pensar: um povo que se exibe assim, exibe mesmo seu podre, seu mal, é sábio ou é tão vaidoso que até ao exibir seus vícios se vangloria deles? Não há nenhum outro cinema que escancare de modo tão fundo todo seu lado sujo. E pergunto, por que a Itália tem esse dom? Eu creio ser sua raiz estoica, estoicismo que vem desde Roma e renasce na época de Julio e dos Borgia. Para eles, o mundo é um inferno, mas é um inferno com risos, vinho e belas mulheres. Então vivamos enquanto podemos viver. -------------------- Este filme, como todo grande filme italiano, fala isso. Afirma o homem, ruim e belo, em meio as chamas do mal. Na última história, a única poética, Risi conclui com imagem digna de Fellini. Os Monstros, enorme sucesso em seu tempo, é um bravissimo filme.

O CARADURA DE DINO RISI E PERDIDOS NA ÁFRICA DE ETTORE SCOLA, DOIS FILMES SOBRE O ESTRANGEIRO

Dois filmes italianos, dois filmes sobre viagens. No primeiro, de Dino Risi, Vittorio Gassman, brilhante como sempre, é um produtor de cinema. Ele leva suas atrizes e seu roteirista para o Festival de cinema de Mar Del Plata, na Argentina, onde seu novo filme irá concorrer. Falido, ele pensa em encontrar um amigo seu que emigrou para Buenos Aires e ficou milionário. O filme parece, no início, um banal veículo para enaltecer a Argentina, é 1964 e o país vive seu último período de fartura. Lá, Gassman encontra um italiano, Amedeo Nazzari, dono de terras e gado. Absurdamente rico, ele trata os italianos que ainda vivem na Italia como deuses. Mima-os, enaltece-os, fica a seus pés. Começamos então a perceber o objetivo do roteiro de Age e Scarpelli ( existe dupla de roteiristas com mais filmes que essa? ), a emigração, os italianos que foram e não voltaram, o modo como eles hiper valorizam seu país de origem e por isso não conseguem retornar. O filme é leve, alegre, cheio de piadas, mas há um fundo trágico, duro, sombrio, o milionário enaltece Gassman mas ao mesmo tempo finge não perceber seus pedidos de ajuda. Na parte final do filme ele se torna belíssimo. É quando Gassman finalmente encontra o amigo "rico", papel curto e forte de Nino Manfredi. Vemos logo que Nino é terrivelmente pobre, sua vida de imigrante foi um fiasco e mesmo assim ele tenta fingir riqueza. Até que, num momento raro em filmes, tipo do momento que nenhum cinema conseguia fazer melhor que os italianos, surge a verdade: Manfredi abre o jogo no meio de uma frase, se revela, Gassman faz o mesmo, e de repente estão os dois, rindo de suas desgraças e amigos como nunca. O produtor falido levará o amigo pobre numa festa de milionários para tentar descolar um emprego para o amigo, os milionários irão oferecer entrevistas de emprego, mas Nino sabe a verdade, imigrantes ricos têm vergonha daqueles que não deram certo. Tanto na Italia como na Argentina não há lugar para ele entre seus conterrâneos. Quando ele recusa o taxi e parte sozinho rumo à sua vida de proletário, sabemos estar diante de um grande momento em filme. Mas o show continua! Gassman vence o prêmio e continua falido. O avião decola rumo à Italia, os pobres amigos de Manfredi acenam e sabemos que nada mudou. Em outro avião, que desce, chega o cantor Celentano, e vemos o milionário Nazzari correr para o homenagear. O filme revela vícios e charmes da alma da Italia como poucos. ---------------- Preciso enaltecer Vittorio Gassman, ator de teatro, shakespeareano, talvez o maior do país, que via o cinema apenas como exercício e que por isso brincava enquanto interpretava. Há nele uma sabedoria, um domínio da arte que nos faz sentir prazer 100% do tempo. É genial. Sempre, em qualquer filme. Famoso, ele fez filmes nos EUA nos anos 50, e ao fim da vida, nos anos 80-90, chegou a filmar com Altman e Woody Allen. -------------------- No segundo filme que vi, de Ettore Scola, feito em 1968, também se fala de outro país, no caso Angola. É a Angola portuguesa, e é cômico para nós vermos os extras falando minha língua. Alberto Sordi é um industrial em crise existencial que vai à Africa procurar um parente que desapareceu por lá. No começo ele se comporta como um turista rico, fotografa animais, pessoas, se coloca superior. Mas com o tempo ele muda, muda muito, e se envolve numa aventura absurda e com ares de pesadelo ( embora o filme jamais deixe de ser uma comédia ele toca em coisas muito sérias ). É uma aventura maravilhosa! Um dos filmes menos conhecidos de Scola, é meu favorito. Sim, é quase uma obra prima. Vemos no filme influências que vão de Huston à Joseph Conrad, dá pra dizer que nesta saga de um homem à procura de um desparecido, o Apocalypse Now de Coppolla fica vários pontos para trás. Este é muito, muito melhor! Selva, desertos, um português maluco e malandro ( portugueses na Italia têm a fama de malandros, eu não sabia disso ), nativos passivos, uma pobreza absoluta, um casal racista, nesse caldo de gente e lugares, Sordi e seu contador, Blier, ambos brilhantes, nos fazem entrar dentro de Angola, dentro deles mesmos. O desaparecido, que foi padre, ladrão, traficante de armas, um mistério eterno, afinal surge no meio de uma aldeia no fim do nada: é um guru místico. Ou não, pois quando eles conversam vemos que ele é nada mais que um maconheiro viajante mentiroso. Nino Manfredi faz esse guru e sua atuação nos faz apaixonar por ele. É um homem que fugiu e nada achou, ou achou tudo, talvez. Eles fogem da aldeia e entram em navio luso, rumo à Europa. Mas Nino olha os nativos na praia que o chamam....as mulheres negras....--------------- Obra prima completa, longo e que vemos o tempo todo com prazer, é uma saga cômica do tipo que Voltaire escrevia. O homem que se dá mal e aprende então um segredo. Filme tão bom que dá vontade de ver de novo. ---------------- Entre 1945-1970 não houve cinema como o italiano. E nunca mais haverá. Foi uma conjunção, uma sorte, que uniu um país em momento de enriquecimento e mudança moral, roteiristas revolucionários, atores brilhantes e diretores ousados. E ainda, de brinde, algumas das atrizes mais belas da história. Termos a chance de usufruir desses filmes é um privilégio. Sem preço. Dê um presente a si mesmo e veja esses dois grandes filmes.