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TROUBLE IN PARADISE ( LADRÃO DE ALCOVA ), O FILME MAIS ANTIGO DO MUNDO

Existem obras de arte que são atemporais. Por exemplo: Sherlock Holmes. Apesar de seu charme "Inglaterra 1900 ", o tipo de diversão que Conan Doyle nos oferece é atemporal: mistério, suspense, gótico. Henry James é atemporal em sua psicologia do dinheiro e Proust é o mesmo em sua radiografia dos sentimentos. Nosso modo de pensar o poder e a sociedade é o mesmo de James e nossos ciúmes, medos e desejos são os mesmos de Proust. Mas há obras geniais que são testemunhos de seu tempo e são válidos como visita àquilo que fomos e provavelmente jamais voltaremos a ser. O valor, imenso, dessas obras se dá por sua BELEZA, por sua ENGENHOSIDADE. Pelo tamanho do espírito de quem as fez. Nada têm a ver com nosso mundo, mas nos fazem um bem imenso ao nos mostrar que existiram outros modos de ser e de fazer. Nos revigoram. Ativam partes obstruídas de nossa mente. ----------------------- Penso que uma pessoa que viva apenas na sua contemporaniedade é uma pessoa escravizada. E em 2022, um dos tempos mais pobres da história humana, viver com os dois pés e a mente neste momento é viver com apenas 2% daquilo que uma pessoa pode ser. ------------------ Ler John Milton ou Marlowe é ler algo passado, tomar contato com sentimentos e atitudes que nos são estranhas. E por isso são vitais: são descobertas daquilo que mora em nossa sombra mais escura. Ruínas que testemunham aquilo que perdemos. Ecos distantes que existem como forças indomadas porém incomunicáveis. Jamais entenderemos racionalmente o que era aquele mundo, mas podemos tomar contato com as forças que nos construíram. Como disse, há algo de profundamente liberador ao nos relacionarmos com uma arte perdida. No mínimo entendemos que somos mudança sem fim e que o que hoje parece definitivo é apenas uma etapa. Em seu melhor aspecto, crescemos muito, pois tomamos posse de uma herança comum a todos. ------------- O cinema já possui filmes em seu passado com mais de um século de idade. E alguns deles continuam a ser contemporâneos ( e espero que voce tenha entendido que isso não é um mérito em si ). Há filmes dos anos 20 ou 30 que continuam atuais porque falam de sentimentos que permanecem os mesmos. Há filmes que têm uma forma, um estilo de produção que permanece válido. Cortes rápidos, história com conteúdo, atores realistas, modo natural, são características de 2022 e que vários filmes antigos já as tinham. Mas existe gente como Ernst Lubitsch e seu cinema é completamente VELHO. E de todos seus filmes nenhum é mais VELHO que LADRÃO DE ALCOVA. --------------------- Lubitsch foi um homem da cultura vienense, um homem da virada do século XIX para o XX. O que caracteriza essa cultura é sua malícia elegante, o amor ao estilo, o modo de fazer acima do conteúdo, a discrição, a descoberta do sexo como poder, o horror à grosseria. Todos os seus filmes exibem tudo isso em imensas porções, mas só perceberá esse universo aquele que não tiver os dois pés em 2022. Assistir seus filmes é olhar para um mundo perdido em definitivo. ------------- LADRÃO DE ALCOVA conta a história de um casal de ladrões. Ele se faz passar por um nobre francês ( sim, em 1932, ano do filme, ainda havia nobre francês dando sopa por aí ), ela se faz passar por uma americana rica. Mas logo sabemos que os dois mentem. Se conhecem logo no começo do filme e de modo brilhante Lubitsch encena seu encontro: ele a rouba e ela o rouba. Percebem o furto, riem, e se unem. O amor nasce da alegria do trabalho em comum, o modo elegante de roubar é encenado de maneira rápida, alegre, leve. ------------ Juntos eles armam um golpe em cima de uma milionária. Ele se aproxima como um nobre falido, e a milionária o contrata como secretário. Ela é indicada para ser uma governanta. Mas algo dá errado: ele se deixa seduzir por ela. Lubitsch evita sempre o romance meloso, como vienense, e o roteiro é de Billy Wilder, ele crê que o amor é interesse mundano. O dinheiro vence o sentimento. Mas é hora de dizer o porque do filme ser o mais velho.... --------- A sedução. Herbert Marshall faz o ladrão. E não há ator menos contemporâneo que ele. Inglês, ele tinha uma perna mecânica, fora atingido por bomba na guerra de 1914 em que servira. Desse modo, em todos os seus filmes, ele mal se move, sua atuação é sempre da cintura para cima. O olhar é suave como brisa de primavera, a voz veludo fino, as mãos mal se notam, as roupas parecem recém passadas. O modo como ele seduz a milionária é suave, calmo, discreto, profundamente delicado. Voce nunca viu olhar como o dele. E apesar de tanta delicadeza, eles logo vão para a cama, pois Lubitsch sempre sugere sexo, sexo de adultos. Herbert Marshall nunca é violento ou ousado, ele DESEJA mas nunca IMPÕE. É ela quem abre a porta do quarto. ----------------- Ela é Kay Francis uma atriz que tem a presença chique dos anos 30: cabelos curtos, corpo magro e longo, olhar sonhador, voz maliciosa. As roupas são sempre justas e brilhantes e ela seduz a Herbert Marshall pelo que não diz, pelas frases ditas pelo meio, pela porta aberta, pelo olhar que evita mirar. Miriam Hopkins é a cumplice-ladra, uma atriz do estilo apimentada anos 30: na época se dizia LEVADA DA BRECA, uma maluquinha da era do jazz. Ela transpira desejo sexual por Marshall, os olhos brilham e cada roubo é uma penetração. ------------ Pelas palavras que usei voce deve ter percebido que nada neste filme lembra nem remotamente o cinema de hoje. Nada aqui é explícito e o que não se diz é mais importante e veemente que aquilo que é dito. É um cinema de pontinhos ... e nunca de exclamações !!!!!. Os ambientes são propositalmente artificiais, os coadjuvantes são TIPOS adoráveis ( Charlie Ruggles e Edward Everett Horton estão admiráveis como sempre ), a trilha sonora comenta a ação, os cortes são abruptos e dizem aquilo que não foi dito, a ação mantém o ritmo de um relógio, não acelera e não atrasa, os risos jamais são gargalhadas. O filme pede que nos sintamos educados, que relaxemos e gozemos o tempo em que ele transcorre. Imagino o prazer em ver esse filme em 1932, uma peça de arte delicada em um mundo que tentava preservar sua civilidade entre duas guerra hediondas. ----------- A palavra chave aqui é essa; CIVILIDADE. Neste filme tudo é civilidade. É, como toda obra de Lubitsch, uma homenagem à um mundo que morria, uma tentativa vã de o salvar. Wilder fazia o mesmo mas já sabendo que o mundo que ele amava era morto. Lubitsch ainda tinha esperança. CIVILIDADE, não há nada mais fora de moda no cinema contemporâneo. Asssitir este filme é ver fantasmas. É um cinema que nada pede, antes nos convida. Que não exibe, sugere e que não tenta emocionar, seu obejtivo é entreter. Elegante, muito elegante.

A RAINHA DAS OSTRAS E NÃO QUERO SER HOMEM, DOIS FILMES DE ERNST LUBISTCH

Dois filmes que têm um século de idade, dois filmes de Ernst Lubistch. Duas pequenas joias que ainda hoje divertem. Melhor, possuem o delicioso sabor da civilização vienense alemã dos anos 20. ---------------- Ambos são livres e alegres fantasias. Na Rainha das Ostras, o melhor dos dois, a filha mimada de um milionário americano, resolve querer casar com um nobre. O pai lhe arruma um, mas há um erro nisso. Todo o futuro cinema de Preston Sturges e de Billy Wilder ( Wilder idolatrava Lubistch ) estão aqui. Até mesmo há algo de Marx Brothers. Os rostos engraçados, os exageros sem pudor, a fantasia cômica, a ironia, a inteligência dos alvos. Mais que engraçado é um filme feliz. -------------- Não Quero ser Homem é uma farsa. Uma menina, rica, reprimida, se disfarça de homem para viver a vida. Cai na farra e nisso seu tutor se apaixona pelo "rapaz". Nada é mais Berlin 1920 que essa confusão de gênero sexual. Os atores dão um show é o roteiro é uma montanha russa. ---------------- Lubistch fugiria do nazismo e se tornaria o rei da Paramount. Enquanto vivo seu poder era ilimitado. Nos EUA ele influenciou toda a comêdia feita por lá. Trouxe malícia, sexo, e uma finesse absoluta. Morto nos anos 40, deixou Wilder como seu herdeiro, mas não se engane, Wilder é muito mais plebeu, grosso, sem medida. Não sei se voces conseguirão ver esses filmes no Tube, mas vale muito a pena. Ótima dica para quem não gosta de filmes mudos e quer tentar mudar seu conceito.

O HOMEM QUE EU QUERIA SER. CARY GRANT, MEU ATOR FAVORITO.

   Em 1986, quando Cary Grant morreu, aos 82 anos, Billy Wilder, sempre um mestre quando se trata de escrever a frase perfeita, mandou uma carta à viúva. A frase, simples, dizia: " E agora quem irá nos guiar? ". Vou contar aqui a vida de Archibald Alexander Leach, nascido em Bristol, filho de um alfaiate pobre. Mas antes um pequeno adendo.
  O primeiro ator em minha vida, aquele que lembro de querer ver tudo o que ele havia feito, foi Peter O'Toole. Isso quando eu tinha já 25 anos de idade. Antes eu admirava Peter Sellers, Vittorio Gassman, Kirk Douglas ,Erroll Flynn,   mas nenhum deles eu chamava de ídolo. O primeiro foi o irlandês O'Toole. Aos 25 eu queria ser ele. Achava ele o máximo de elegância e com verniz de artista. Cary Grant era para mim apenas um ator de filmes da Sessão da Tarde ( uns três de seus últimos filmes passavam nesse horário ). Aos 35 eu cultuava Clint Eastwood. Sua virilidade fria me atingia em cheio. Eu desejava possuir sua impassividade cool. Após os 40 me dividi entre Steve McQueen, um Eastwood mais cult, e Humphrey Bogart, o homão da porra. Mas com os dois há um problema: McQueen fez poucos filmes, seu estrelato durou apenas dez anos, e Bogey é feio, muito feio. Amo Bogey, como amo John Wayne, mas não quero ser nenhum dos dois. Eles não são focos de atração para as mulheres.
  Desde meus 35 anos aprendi a admirar Cary Grant. Ele tem estado sempre entre meus 5 atores favoritos. Minha ligação começou com Intriga Internacional, North By Northwest, o filme de Hitchcock mais divertido e engenhoso de todos. Hoje, na meia idade, eu tenho Cary Grant como o único ator que me emociona. Eu, como todos os homens que o amam, sinto que sua simples presença dignifica qualquer filme. Grant transmite força, controle, bom humor, classe, e ao mesmo tempo, algo de oculto, perigoso, agressivo, uma mácula secreta. Como dizia Hitchcock, Cary Grant é uma instituição. Um ícone. Crianças e adolescentes tendem a não ver nada demais nele. Preferem o explícito. De Niro, Brando, Nicholson, a escola pseudo realista. A neurose esfregada na cara. Para esses Cary Grant não terá o menor apelo. Para o admirar é preciso ter vivido. Captar o valor daquilo que ele é : Guia dentro da tempestade. Graça e leveza em meio à pressão.
  Cary nasceu Archie Leach e é inglês. Quando ele tinha 9 anos a mãe fugiu de casa e desapareceu. Cary se sentiu culpado e sua vida a partir desse momento é uma fuga. Aos 14 fugiu de casa e se uniu à um grupo de artistas de vaudeville. Excursionando pela Inglaterra, ele aprende a ser um malabarista, adquire sua habilidade corporal. Aos 16 ele embarca com o grupo para os EUA. Quando a gang volta para a Europa, ele fica. Sozinho nos EUA com 17 anos de idade.
  Sobrevive vendendo gravatas na rua. Anunciando shows em pernas de madeira. Pintando casas. Ao mesmo tempo frequenta o mundo teatral de New York, não o chique, o mundo do teatro popular. Consegue algumas peças e exercita um dos seus dons: faz bons contatos. Archie Leach começa a imitar os modos sofisticados dos ricos americanos, das famílias tradicionais. Seu sotaque cockney desaparece.
  Aos 21 anos vai para a California. Começa no cinema usando sua beleza. Seus primeiros filmes mostram Archie como o rapaz que será seduzido por uma vamp. Mae West e Dietrich fazem filmes com ele. Nesta altura ele já é Cary Grant, Archie Leach ficou no passado.
  Em 1935 ele faz Sylvia Scarlet, filme de George Cukor com Kate Hepburn. O filme é um fracasso, mas ele chama a atenção. No filme Cary Grant faz um papel que é aquilo que Archie Leach era: um cockney malandro, mal caráter, e absolutamente adorável. Assisti o filme a poucos dias. Cheio de momentos não tão bons, mas Cary e Kate brilham de um modo adorável. Para quem não sabe, o filme é sobre travestismo.
  1936 traz Cary transformado em astro. The Awful Thruth de Leo McCarey, uma comédia maluca, faz com que ele exploda. Eis o Cary dos anos 30: leve, elegante, engraçado, ágil. atlético, comediante não bobo, ingênuo nunca tolo, mestre no diálogo rápido, no olhar que diz tudo, no uso do corpo como instrumento solo. Se voce tem a falha vergonhosa de não conhecer Cary Grant assista esse filme ( aqui ele se chama CUPIDO É MOLEQUE TEIMOSO ), e ainda HOLIDAY, sucesso com George Cukor, onde ele faz um tipo de jovem dos anos 60 antes do tempo, e principalmente JEJUM DE AMOR, uma obra prima de Howard Hawks. Cary é aqui o mais esperto dos repórteres. Hawks fez o mais veloz dos filmes.
  Os sucesso se acumulam. Para quem não sabe, Cary Grant é até hoje o ator com melhor média de lucro da história. Imune a fracassos. Até 1966, ano em que ele se aposenta, aos 61 anos, Cary foi uma estrela. A número um entre os homens. Sempre no topo. Inteligente, se aposenta por saber que seus fãs não mereciam ver Cary Grant envelhecer.
  Casou 5 vezes, os dois primeiros duraram menos de um ano. Nunca dava entrevistas. Morou anos com Randolph Scott, o que sempre deu margem aos boatos de sua homossexualidade. Milionário, era sovina. Até o fim da vida cobrava 25 centavos por autógrafo. Fez cem sessões de LSD entre 1961-1966. Elogiava o ácido como o meio em que Archie encontrava Cary. Reencontrou a mãe, já rico e famoso, nos anos 40. Ela estava internada numa clínica psiquiátrica a mais de 20 anos. Ele a tirou de lá, mas sua mãe nunca o aceitou. Como consequência óbvia, Grant jamais confiou em mulheres.
  Seu último casamento foi com uma mulher 50 anos mais jovem. Foi ao lado dela que ele morreu, de derrame, sem sofrimento. Todas as suas esposas eram ricas e sofisticadas. Por ter sido pobre, Cary sabia a dor de não ter dinheiro. E dava às boas maneiras o valor que só dá quem viveu entre as maneiras ruins. Ele se fez sozinho. Ele se construiu. E manteve a persona até o fim. Nunca foi visto mal humorado. Nunca baixou a guarda. Seus filmes são como um presente que ele nos legou. Voce vê  Cary Grant e aprende a ser homem sem ser duro demais. Ser elegante sem parecer um boneco. Ser alegre sem passar futilidade. Ser forte. Muito forte. Mas sempre com graça.
  Uma vez ele deu um conselho à uma jovem atriz ( com quem esteve casado por 7 anos ), Nunca  deixe de sorrir em público. Principalmente quando estiver por baixo. As pessoas irão te atacar assim que perceberem uma fraqueza em voce. Não lhes dê essa chance.
  Esse era Archie Leach. Esse era Cary Grant.

BILLY WILDER ESTRAGA MAIS UM FILME: SABRINA.

   Sabrina começa com...era uma vez...e termina bonitinho, daquele modo que Billy Wilder sabia fazer. Esperto, ele sempre se superava em finais. Assinava seus filmes. Revejo este filme após 10 anos. Gosto? Sim. É um belo filme azedo. Mas, como todo filme do austríaco, ele é cheio de defeitos que hoje me incomodam bastante.
  Como voce sabe, Sabrina é uma menina que cresceu numa casa terrivelmente rica. Filha do chauffeur, ela se apaixona por David, o herdeiro playboy da casa. Com seu amor frustrado, ela tenta se matar, é salva por Linus, o irmão que vive pelo trabalho. Sabrina vai para Paris fazer um curso de gastronomia. ( Moderno o filme, em 1954 ninguém fazia isso ). Volta dois anos depois transformada em Audrey Hepburn vestida por Givenchy. David se apaixona por ela, Linus a seduz para que o irmão se case com uma moça rica, e no fim, Sabrina e Linus ficam juntos. Conto de fadas típico né? Não. É um filme quase tétrico.
  Billy Wilder se mete no roteiro e faz com que, sutilmente, como em todos os seus filmes, o que parecia simples se revele "vienense". Sabrina é inocente? Ela ama David ou ama o luxo daquela casa? Ela se apaixona por Linus ou não será pelo irmão mais rico? Não há um só amor no filme que convença, e isso é proposital. Wilder sabe que amor e poder, sexo e medo andam sempre misturados.
  David se apaixona ou quer transar com Sabrina? O caso de Linus é mais estranho ainda. Nada nele demonstra amor. A impressão que temos é que ele parte com Sabrina apenas com o intuito de descansar uns cinco dias e voltar ao trabalho, seu amor de fato.
  Humphrey Bogart, que faz Linus, odiou trabalhar com Wilder. Bogey tinha um modo seco e impessoal de trabalhar. Ele aparecia no set, fazia seu papel e voltava para sua mulher e seu iate. Billy gostava de formar famílias no set. Todo o elenco se tornava uma máfia fechada, as filmagens eram cheias de piadas, risos e casos amorosos entre o elenco. Bogey odiava isso e ficava à parte. Linus é feito com extremos mal humor. Bogey não está nem aí para o filme. Isso prejudica todo o roteiro. Sabemos que é IMPOSSÍVEL Sabrina amar aquele senhor feio e sem charme. Bogart parece o contador da empresa. Não há glamour. Há um momento em que o filme ronda a pedofilia, tamanho o desconforto.
  William Holden faz David. Apesar de ser 20 anos mais velho que Audrey, o flerte convence. Holden era bonito e na vida real os dois tiveram um caso durante o filme. Vejo nos extras que CARY GRANT iria fazer o papel de Bogey. Mas ele desistiu na última hora. Com Cary Grant todo o filme pareceria real e o humor seria soberbo. Linus era Cary Grant, maduro, charmoso, bonito e meio bobo, sem Grant jamais se deveria ter convocado Bogart.
  Muitos filmes de Billy Wilder são menos bons por um erro de casting. Billy amava trabalhar com atores amigos e isso danificava a credibilidade de certos papeis. Sabrina é um filme muito famoso, mas é apenas um bom filme. Meu incômodo é que ele deveria ter sido grande, muito grande. Cary Grant melhoraria todos os filmes já feitos, mas aqui sua falta afunda o barco.

PORQUE SOME LIKE IT HOT NÃO É A MELHOR COMÉDIA DA HISTÓRIA

   QUANTO MAIS QUENTE MELHOR costuma ser sempre chamado de a melhor comédia já feita. É uma escolha automática, como dizer que Sgt Peppers é o melhor disco ou que Bob Dylan é o melhor letrista. Revejo o filme de Billy Wilder e não dou uma só risada. OK. Há comédias maravilhosas, como Levada Da Breca que não nos fazem rir. Melhor que isso, elas nos deixam felizes. E as assistimos com um sorriso na boca. Então confesso, sorri vendo Some Like It Hot. Mas não foi um grande sorriso. Há algo de errado no filme. O que?
  Jack Lemmon é provavelmente o melhor ator que Hollywood viu. Vencedor de 3 Oscars, ele era genial em drama e em comédia. E aqui ele tem mais um de seus hiper grandes momentos. Se voce olhar para ele durante todo o filme voce vai ficar estarrecido. As caras e trejeitos que ele faz travestido, o modo como ele começa a gostar de ser mulher, são de uma sedução de gênio. Jack Lemmon se delicia fazendo seu papel e nos delicia generosamente. Voz e corpo em absoluto domínio, ele chega ao pico dos atores. Até mesmo o dedão do pé está atuando. Não há um microssegundo de folga. Jack é um ator total.
  Tony Curtis não faz feio. Mais que isso, está bem. O simples fato de não ser engolido por Jack é já um mérito. Os dois casam bem. Tony é bonito e Jack é sem graça. Tony é sério e Jack é doido. Tony imita Cary Grant. Jack é Billy Wilder como ator. Falemos de Billy.
  A direção é veloz, os coadjuvantes são brilhantes e o roteiro é rico em reviravoltas. As falas são ótimas. Então onde o erro que me incomoda?
  Marilyn, claro. Billy odiava trabalhar com ela. MM era irresponsável e Billy amava o profissionalismo. Mas Wilder a aceitava pois dizia que o resultado compensava. Hummm....pois eu digo que MM estraga o filme. Ela não tem a verve para segurar o papel. Está ausente, aérea, e passa todo o filme me dando pena. Fica obvio que Billy a usa como espantalho. Ela é exposta em vestidos justos e transparentes que ressaltam sua falta de forma física. Sinto-a quase humilhada. Entenda, o filme não é machista. Tem até uma fala feminista de Jack Lemmon ao ser assediado no elevador. Mas MM é como um peso. Tony e Jack estão leves e felizes, então surge MM...e a comédia trava.
  Após a morte de MM tornou-se moda dizer que ela era boa atriz e mulher inteligente. Sinto, não era. SOME LIKE IT HOT é a prova de que MM era apenas uma estrela perdida. O filme precisava de uma comediante a altura de Jack. Os produtores escalaram uma loira em crise eterna. DUCK SOUP é a maior comédia da história.
  Sorry Jack.

O MENSAGEIRO DO DIABO....SEMENTE DO MAL....SHAKESPEARE NA WARNER...

   O MORRO DOS VENTOS UIVANTES de William Wyler com Laurence Olivier, Merle Oberon, David Niven, Flora Robson.
A fotografia de Gregg Toland é maravilhosa, um treino para Kane. Olivier não tem medo da fúria de Heathcliff e se deixa conduzir por Wyler, talvez o maior dos diretores de atores de Hollywood. Já Merle não está a altura de Cathy. Faz uma versão bem comportada de uma força feminina da natureza. O filme é muito bom, forte e com tinturas de horror. Para quem ainda não sabe, Whutering Heights é o grande monumento do romantismo e foi filmado centenas de vezes, inclusive por Bunuel ( que fracassou ). Só neste século conheço mais 4 refilmagens do livro. Todas equivocadas. Este é o que chega mais perto ( apesar de ignorar todo o miolo do livro, ou seja, 50% ). Heathcliff é um mestiço que cresce com Cathy, a filha legítima. Quando adulto é humilhado e foge. Faz fortuna na América e retorna. O livro fala de novos tempos, de destino, de racismo, de maldição, de sexo. E da morte, todo o tempo fala da morte. Um belo filme!
  SEMENTE DO MAL de Billy Wilder
O raro primeiro filme de Wilder, feito na França em 1932. De Wilder ainda não se percebe o cinismo, mas o filme tem frescor e é todo filmado nas ruas de Paris. É um filme sobre carros. O filho mimado de um ricaço que perde seu carro e se une a ladrões de automóveis. Um filme de ação. Deve ser conhecido. A imagem está restaurada.
  SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO de Max Rheinhardt e William Dieterle com James Cagney, Olivia de Havillande, Mickey Rooney, Joe E. Brown, Dick Powell, Anita Page.
O primeiro filme que vi na vida ( aos 6 anos ), na TV em um dia de Natal. A peça de Shakespeare é tratada em termos de comédia da Warner, mas tem ainda muita magia e uma beleza etérea esfuziante. Os cenários cintilam em prata, as roupas flutuam, o filme voa. Rooney rouba o filme. Seu Puck é um Iggy Pop antes do tempo. Um moleque selvagem que grita e relincha. Max Rheinhardt era o grande diretor de teatro da Alemanha. Fugiu para os EUA e dirigiu esta peça ao ar livre em Los Angeles. Aqui ele faz seu único filme com a ajuda de outro refugiado, o grande Dieterle, que na Alemanha fora ator e nos EUA se tornaria um grande diretor de filmes "encantados". O filme tem momento de grande "tolice", mas a magia das cenas compensa suas 3 horas. Bonito.
  O MENSAGEIRO DO DIABO de Charles Laughton com Robert Mitchum e Shelley Winters
Laughton só fez este filme como diretor. Mas, como ator, foi um gigante na Inglaterra e em Hollywood. Sempre é um prazer ver esse monstro na tela. Sua direção aqui se tornou lenda. O filme foi um fracasso absoluto em 1955, hoje é um clássico. O "problema" do filme era sua inteligência. É um filme dos anos 80 feito nos anos 50. Um pastor mata as mulheres com quem se casa. Um menino esconde o dinheiro do pai ladrão, morto pelos policiais. O pastor se casa com a mãe do menino. E o tortura para ter o esconderijo do dinheiro revelado. O menino foge. O horror campeia o filme. É um retrato do inferno, dos piores medos infantis. E ao mesmo tempo o filme tem um clima de fábula arcaica, de fantasia mítica. É assustador e é bonito. A fuga no rio é uma das coisas mais fortes já filmadas. Obra-prima.

GÊNIOS DO CINEMA - GENE TIERNEY - FLYNN - BOGART - MACLAINE

   PATRULHA DA MADRUGADA de Edmund Golding com Errol Flynn, David Niven, Basil Rathbone e Donald Crisp.
Um dos melhores filmes de guerra já feitos. Na França de 1915, acompanhamos o dia a dia de uma base da RAF. Pilotos são mandados toda manhã para missões suicidas. Flynn, nunca melhor que aqui, comovente em seu estoicismo elegante, é o piloto que evita lamentações. Encara cada missão como um esporte e bebe como se fosse uma festa. Niven, excelente, é seu melhor amigo. O filme é pacifista e feito em 1938, encara a possibilidade de mais uma guerra. Este filme é nova versão de um filme anterior de Howard Hawks, feito em 1930. Sentimos ainda o foco que Hawks sempre dá a seus filmes, ou seja, a camaradagem entre homens que enfrentam uma missão dura. Nunca vi o original, mas imagino que seja mais lento e mais cheio de toques da vida comum. Golding foi um bom diretor e leva o filme para um tipo de drama que duvido que Hawks tenha tocado. É este um grande filme. As cenas de aviação são lindas, os aviões em malabarismos num céu sem fim e as manhãs em que eles decolam. Foi a última guerra em que os resquícios do cavalheirismo ainda existiam, creia, a cena com o alemão não é uma fantasia. Um belo filme sobre um valor esquecido: virilidade sem machismo.
   O PECADO DE CLUNY BROWN de Ernst Lubitsch com Charles Boyer e Jennifer Jones.
Este é uma obra-prima. O melhor filme de um dos grandes diretores do cinema. Lubitsch nasceu no império austro-húngaro e começou fazendo belos filmes chiques e maliciosos na Europa. Foi para Hollywood já famoso e poderoso e se tornou nos anos 30 um tipo de rei da Paramount. Mestre para diretores como Preminger e Billy Wilder, que o adorava. Morreu no fim dos anos 40 ainda antes dos 50 anos. Aqui ele tece uma sátira soberba ao sistema de classes inglês. O filme é maravilhoso. Os diálogos faíscam, os atores brilham, nosso prazer é completo. A história fala de um refugiado do nazismo que se aproveita da ingenuidade dos ingleses. Mas também fala de Cluny Brown, uma menina da classe trabalhadora, que sonha em ter uma vida melhor e ignora a divisão de classes. Seu pecado é ser da classe baixa, além de entender de encanamentos. O filme tem drama e humor e na verdade debaixo de todo riso ele é bem sério. Jennifer está adorável como sempre e Boyer dá uma aula de comédia elegante. Todo o filme é deslumbrante e serve como introdução a quem queria conhecer ao cinema de Lubitsch e também o cinema dos anos 30. Inesquecível. Já sinto desejo de o rever.
   A CONDESSA SE RENDE de Ernst Lubitsch com Betty Grable e Douglas Fairbanks.
Único fracasso de Lubitsch, é seu último filme. Ele estava doente quando o fez. Pura fantasia, conta a história de uma invasão a um reino da Itália. A condessa de Bergamo tenta convencer o invasor a partir e nisso é ajudada pelo fantasma de sua tatataravó. Há ainda um marido covarde. Não é ruim. Na verdade é leve, alegre, divertido. Uma atriz melhor melhoraria muito este filme.
  PASSAGEM PARA MARSELHA de Michael Curtiz com Humphrey Bogart, Claude Rains, Peter Lorre e Michele Morgan.
Mares em tempo de segunda guerra. Um navio francês recolhe náufragos. Ficamos sabendo sua história. São fugitivos da prisão. Irão se juntar à luta contra Hitler. O filme é completo. As cenas na prisão e a fuga no pântano são emocionantes. Fotografado por James Wong Howe, um mestre, ele tem riqueza visual. O elenco não podia ser melhor. É a turma de Casablanca metida em um navio. Uma aventura típica de Bogey, direta e muito bem feita. Ver Bogart na tela é sempre uma felicidade.
  ACONTECEU EM SHANGHAI de Josef Von Sternberg com Gene Tierney, Victor Mature, Walter Huston e Ona Munson.
Não dá pra ser pior. Este filme acabou de vez com a carreira de Sternberg. O descobridor de Dietrich, autor de cinco filmes originais e fantásticos nos anos 30, aqui, em 1941, encontra o desastre. É um filme mal feito, ridículo, feio, desagradável e hilário em seus diálogos inacreditáveis. Hoje virou cult, mas é bem ruim. Fala de um antro de jogo em Xangai. Centro de pecado, de sexo, de drogas. Tierney, inacreditavelmente linda, é uma inglesa rica que decai nesse centro de jogo. Vira prostituta. Huston é o pai. Ona é a cafetina, uma dona de bordel digna de carnaval. Mature faz um turco que seduz e usa mulheres...Nada faz o menor sentido. Creia, é pior do que voce imagina.
  CHARITY, MEU AMOR de Bob Fosse com Shirley MacLaine, Chita Rivera e Ricardo Montalban.
Bob Fosse já era famoso na Broadway quando fez este seu primeiro filme. Que foi um desastre de crítica e de bilheteria. Feito em 1968, Fosse só iria se redimir em 1972, com o super sucesso e os Oscars para Cabaret. A história é a de Noites de Cabiria. Bob Fosse sempre assumiu seu amor por Fellini, e presta a homenagem ao filme do italiano levando a saga da doce prostituta para a New York dos hippies. Em 1979 ele faria All That Jazz, o seu Oito e Meio. Shirley não é Giulieta Masina! A atriz de Cabiria não pode ser igualada. O desempenho da esposa de Fellini é o maior da história dos filmes. Ainda mais quando sabemos que Giulieta na vida real é uma mulher elegante e sofisticada. O oposto a Cabiria. Shirley é uma estrela e uma boa atriz, mas aqui seu desempenho vira caricatura e o filme afunda. Ela é uma prostituta que se apaixona pelos caras errados. Montalban é o ator famoso, e depois dele vem o desastre com um rapaz que parece de bom coração mas que tem preconceitos. O que de melhor há no filme, claro, são as canções de Cy Coleman. São todas belíssimas! E as cenas de dança, com a coreografia de Bob Fosse. O homem foi um gênio, o único até hoje a ter ganho no mesmo ano o Oscar, o Emmy e o Tony ( cinema, TV e teatro ). Além do Globo de Ouro ( tudo em 72, por Cabaret, Liza com Z e Pippin ). Todas as danças, leves, modernas, ousadas, sexy, são fantásticas e suas coreografias foram imitadas desde então. Repare na cena que posto acima. O modo como todo um modo de vida, uma moda, um comportamento é satirizado sem uma só palavra. E observe em como Fosse faz as mãos, os braços e até os dedos dançarem e falarem. É coisa de gênio!!!! O filme, cheio de falhas, tem de ser visto. E confesso que a cena final me fez derramar uma inesperada lágrima. Cabiria é uma personagem tão magnífica, que mesmo no filme errado, e com a atriz errada, ela acaba nos pegando. Veja este filme!

 

ALAIN DELON/ CARY GRANT/ HAWKS/ DORIS DAY/ ANNE BANCROFT/ SPENCER TRACY/ AL PACINO

   O INVENTOR DA MOCIDADE ( Monkey Business ) de Howard Hawks com Cary Grant, Ginger Rogers, Charles Coburn e Marilyn Monroe.
É o primeiro fracasso de bilheteria de Hawks e um dos raros de Cary. Hawks vinha de 15 anos seguidos de sucessos quando resolveu fazer na Fox este roteiro de Lederer e Diamond. Os dois são roteiristas que trabalharam com Billy Wilder, e isso explica muito sobre o filme. O humor tem a grossura despudorada de Billy. Não tem o estilo humanista de Hawks. De qualquer modo o filme é tão louco que diverte, além do que o elenco é sensacional. Cary é um cientista que tenta criar a fórmula do rejuvenescimento. Um macaco cobaia mistura elementos e Cary bebe aquilo sem querer. Súbito ele volta aos 19 anos. Passa a ter o comportamento de um teen. Ginger é a esposa, que acaba por voltar aos 14 anos. Monroe faz uma secretária e este é dos seus primeiros papeis importantes. Ainda gordinha, ela é tremendamente sensual. O final, com Cary voltando aos 7 anos e amarrando um adulto na árvore para tirar seu escalpo é uma mistura de hilariedade com o incômodo do excesso de ridiculo. O filme se equilibra o tempo todo nesse fio, de um lado uma soberba alegria, de outro o ridiculo. As cenas com Ginger passam todas do ponto. Cary mantém a elegância. Um grande ator! Quer saber? Após seu encerramento deu vontade de ver outra vez. Nota 7.
   CARÍCIAS DE LUXO de Delbert Mann com Cary Grant, Doris Day e Gig Young.
Doris é a super-virgem. Desempregada, ela conhece o super rico Cary Grant. Ele tenta a seduzir com dinheiro. E consegue! Mas ela é virgem e defende sua honra. Bem, não poderia haver tema mais antigo. Imagino um cara de 15 anos vendo isso! Belos cenários e um Gig Young hilário como um paciente de um freudiano, não conseguem salvar o filme. Cary parece desinteressado, entediado ( este era o tempo em que ele descobria o LSD ). Nunca ninguém, naquela época, percebeu como Doris era sexy? A voz dela é de erguer defunto! Nota 4.
   STANLEY AND LIVINGSTONE de Henry King com Spencer Tracy, Walter Brennan e Cedric Hardwicke.
As convenções do filme de aventuras foram criadas por 3 grandes aventureiros da vida real: Raoul Walsh, Howard Hawks e Henry King. Todas as técnicas criadas pelos 3 são usadas até hoje. Pode-se enfeitar um filme o colocando no espaço, em outra dimensão ou fazer do mal o bem, mas o esquema é exatamente o mesmo. Aqui temos um dos melhores exemplos. Feito em 1939, o filme mostra Stanley, feito por um brilhante Spencer Tracy, partindo para a África desconhecida, em 1870, atrás do paradeiro de Livingstone. Em hora e meia o filme, com ritmo, tem um pouco de tudo: exploração do desconhecido, humor com o amigo do heróis, encontros inesperados, suspense e depois a edificação e o crescimento do herói. Ele retorna à sua terra como um homem melhor. Até uma cena de tribunal temos. Henry King foi um grande diretor. E como ser de seu tempo, dirigiu de tudo, westerns, comédias, dramas e musicais. Nota 8.
   O RIO DA AVENTURA de Howard Hawks com Kirk Douglas e Arthur Hunnicut.
O dvd tem belos extras. A voz do velho Kirk falando do filme, fotos de Michael Douglas aos 6 anos visitando o pai no set e Todd MacCarthy, um dos melhores críticos, falando do filme. Mas, surpeendentemente, a imagem não foi refeita e a foto está em mal estado. Feito em 1952, é o segundo maior fracasso da carreira de Hawks. O público da época estranhou esta aventura lenta, calma, primeira experiência do estilo Hawks de filmagem, que seria mais bem desenvolvida nos filmes seguintes. Como é esse estilo? Focar nos personagens e não na ação. Veja: aqui temos Kirk como um aventureiro no Oeste que vai com um grupo à procura de peles em terras inexploradas. Sobem o rio e encontram aventuras. Muitas. Mas todo interesse do filme é mostrar o cotidiano, o dia a dia, a personalidade de Kirk e de seus companheiros ( dentre eles um excelente Hunnicut fazendo um velho do mato ). Desse modo a sensação que fica é de pouca ação e de muito papo furado, o tal estilo Hawks. MacCarthy descreve bem, achamos o filme falho, mas quando termina queremos mais. Acabamos por gostar daquelas pessoas e desejamos sua companhia. É isso que acontece com os bons filmes de Hawks, o mais discreto dos mestres. O filme tem falhas sim, mas a gente acaba querendo mais. Nota 8.
   MOMENTO DE DECISÃO de Herbert Ross com Shirley MacLaine, Anne Bancroft, Tom Skerrit, Mychail Baryshnikov, Leslie Browne.
Este filme de 1977 tem um recorde. Junto com A Cor Púrpura, é o maior perdedor da história do Oscar. Foram 11 indicações e nenhum prêmio. Na época era moda falar mal dele. Ou melhor, os críticos o detestaram, o público adorou. Hoje a situação é a mesma. Não virou cult. Conta a história do reencontro de duas mulheres de meia idade. Amigas antigas, as duas foram grandes bailarinas. Uma largou tudo ao ficar grávida. A outra persistiu e se tornou estrela em NY. No reencontro se faz o balanço, a briga, a reconciliação. Eu adorei o filme. Assisti sem a menor expectativa e gostei muito. Me emocionei. Ele mostra com sagacidade a questão da idade, da fama e da solidão. E Anne está soberba! A diva é sempre humana, e a mulher é uma diva. A cena da briga entre ela e Shirley foi homenageada em Dancin Days, a novela. Gilberto Braga é um grande fã do filme. A fotografia de Robert Surtees impressiona muito. E vemos a estréia da super estrela e do sex symbol da época, Baryshnikov. Foi indicado a coadjuvante! Faz um bailarino hetero e playboy. Bom. Vemos Marcia Haydée nas cenas de dança, em seu auge como bailarina. Um lindo filme que teve o azar de concorrer nos ano de Annie Hall, Julia e Star Wars. Nota 8.
   UM MOMENTO, UMA VIDA ( Bobby Deerfield ) de Sidney Pollack com Al Pacino e Marthe Keller.
Assisti este filme no cine Astor, em 1978. Senti um profundo tédio. Revendo agora, senti um profundo desgosto. É o pior filme de Pollack, isso é aceito por todos, mas é também o pior de Pacino, e olhe que Pacino fez muito filme ruim. Uma sopa melosa e lenta, metida à filme de arte, sobre um famoso piloto da Fórmula 1. Ele perdeu suas raízes, virou um tipo de robot arrogante. Ao visitar um piloto acidentado na Suiça, conhece uma italiana doidinha que está morrendo...O filme evita o drama e vira um vazio. Tudo é seco e lento. Argh. Vemos James Hunt, Pace e Depailler nas cenas de corrida....que duram cinco minutos!!! Uma enganação...fuja! PS: Keller era um alemã que tinha corpo e rosto, bonito, de Valkiria. Como acreditar que frau Keller é uma italiana maluca????? Aff....ZERO!
   O SOL POR TESTEMUNHA de René Clement com Alain Delon, Maurice Ronet e Marie Laforet
Simplesmente o filme mais chique já feito. Itália em 1960 alcançou um nível de elegância sem ostentação que transparece em cada segundo do filme. Ronet descalço e sem camisa, parece o mais chique dos homens. Delon, com terno claro, com dock sides, com polo, sempre parece modelo da Vogue. Mas, eis o charme, tudo sem formalidade, sem afetação, com certo desleixo. Foi o auge do estilo mediterrâneo, que todos procuram e quase ninguém o revive. Clement consegue, ao seguir o livro de Patricia Highsmith, fazer um filme à altura de suas imagens. Ele é lindo e tem muito suspense. Gostamos de canalha Delon. O ator se confunde com o tipo. Houve ator mais diabólico e bonito? A refilmagem de 1999, de Minghella, colocou Matt Damon como Delon...aff!!! Jude Law era Maurice Ronet. O que era chique virou novo rico, parecia formal e Damon era um teen vestido de adulto. Aqui não! Até a carteira de Delon parece elegante! E temos o final, um dos mais inesperados da história. Um grande filme e um super sucesso de bilheteria. DEZ!!!!!!

A RONDA, O MAIS CIVILIZADO DOS FILMES. QUEM O FEZ? MAX OPHULS, QUEM MAIS SERIA?

   E esse filme poderia ser usado como um tipo de teste. Colocar para alguém assistir e observar sua reação. Quanto mais ele gostasse e penetrasse em seus prazeres, maior o nível de civilidade ela passaria a poder ostentar. Jamais em toda minha vida, pude ver, ouvir ou presenciar tamanha dose desse valor hoje tão raro, a civilidade. O prazer que essa obra prima me ofereceu é digno da maior gratidão, aquela do amor.
  Demorou para encontrar esse filme mítico. Tive uma cópia estragada, agora achei afinal uma perfeita. Lá está a fotografia de Matras, e o cenário, um dos melhores do século, de D Aubonne. Cenário imenso, propositadamente artificial, um imenso cenário que gira, que tem ruas, pontes, praças, montes de fachadas, dúzias de interiores, quartos, todos detalhistas, preciosos, uma festa sonhadora para os olhos.
  Lá estão os atores. Anton Walbrook faz o apresentador. Ele conduz a ação. Nos dá o contato às histórias interligadas, todas formando um carrossel, o carrossel sexual do amor. Sim, amor que aqui é sexo, sexo assumido, o filme, como se mostra numa cena de humor, é bastante ousado para seu tempo. Afinal, trata-se da melhor adaptação de Schnitzler da história. A Vienna dos prazeres, da cama, dos restaurantes, da hipocrisia e desse humor que faz a vida rodar e valer a pena. Simone Signoret é uma puta de rua. Serge Reggiani um soldado que a pega. E depois vem Simone Simon como uma empregada linda. Há uma cena de sedução com seu patrão onde ela exibe uma malicia saudável que ecoa até hoje. Observe o olhar que ela dá! Apaixonante! E tem Barrault fazendo um poeta exagerado que nos deixa cheios de risos e de admiração pela arte desse ator de gênio. E muito mais! Um Fernand Gravey austero e fixo, um Gerard Philipe comedido e romantico... O filme flui nessa profusão ritmica de belas falas, grandes atores, cenários magnificos e a direção...
  Hora de falar de Max Ophuls. Delicado gênio de Vienna. O que seria do cinema sem essa cultura do império austríaco de 1910? Não teríamos Ernst Lubistch, Billy Wilder e Max Ophuls. Dentre muitos outros. O cinema não conheceria o humor vienense, o luxo de Vienna, o modo de ver a vida como uma confusão de desejos e de armadilhas. Max foi dos 3 o mais infeliz. Fugiu da guerra e em Hollywood se deu muito mal. Ao contrário de Lubistch, que se tornou o rei da Paramount, e de Billy, que se sentiu em casa na América, Max nunca se adaptou. Ele manteve as raízes e os filmes que fez em Hollywood fracassaram. Voltou à Europa e na França fez seus melhores filmes. Madame D... é o melhoir, mas este chega muito, muito perto. A câmera, no estilo tipico de Ophuls, dança por entre as pessoas e o cenário, objetos se interpõe entre a lente e os atores, a imagem se distorce e a história flui num tipo de sonho prazeroso com ameaças de dor. É uma festa! Fácil entender o porque de tantos jovens diretores que não o conheciam, conheciam só de nome, se encantarem com ela agora, no tempo do dvd. Max é único! Nenhum outro se parece com ele. E mesmo em Hotel Budapeste, o filme mais Ophuls de Anderson, o estilo de Max aparece apenas em breves citações ( O que mostra o valor de Wes Anderson. Ele nunca tentou o imitar. )
  Chega de falar que eu quero o rever! Grandes filmes nos dão vontade de viver dentro dele. E este, com sua civilidade, beleza, extrema delicadeza e verve, promete um universo de encanto glamuroso. Dizem que Baz Luhrman tenta ser o Ophuls de seu tempo. A diferença entre os dois mostra a diferença entre nossos tempos. O que em Baz é histeria aqui é luxo. O que em Baz é exagero aqui é precisão. Baz nos dá um carnaval, Max um passeio. No mais belo dos lugares, seus filmes.
  Eu vos convido. Assistam e se testem. Acho que passarão...

MANKIEWICZ/ BETTE DAVIS/ AVA/ BOGEY/ REDGRAVE/ ALEC GUINESS

PELE DE ASNO de Jacques Demy com Catherine Deneuve, Jean Marais e Jacques Perrin
Um rei viúvo, que prometeu a esposa se casar apenas com uma mulher que fosse mais bela que a rainha, descobre que a filha é essa pessoa. O conto de Perrault adaptado em 1970 por Demy, tem música de Legrand e fotografia de Cloquet. E mesmo assim é de uma bobice exemplar. Demy foi um deslumbrado. Se apaixonou pela nouvelle vague e depois pelos hippies que conheceu em LA. Une aqui o pior desses dois mundos. Claro, é um prazer ver Marais, o ator de Cocteau, mas é pouco. Nota 2.
ESCRAVOS DO DESEJO de John Cromwell com Bette Davis, Leslie Howard e Frances Dee.
O romance de Maugham fez de Bette uma estrela. Passado em Londres, o filme conta a história do médico, de pé deformado, que se apaixona por uma garçonete, que o usa e joga fora. O filme foi um sucesso e é bom, apesar de Bette. Porque apesar deste papel ter feito dela a estrela da Warner, seu desempenho é fake. Um sotaque cockney exagerado e uma vulgaridade de carnaval. Mas vale pela boa produção. Nota 5.
QUEM É O INFIEL? de Joseph L. Mankiewicz com Jeanne Crain, Linda Darnell, Ann Sothern, Kirk Douglas e Paul Douglas.
O roteiro, do diretor Mankiewicz, ganhou o Oscar de 1949. E é brilhante! Três amigas, casadas, vão passar um fim de semana numa ilha. Longe de telefones, elas recebem de um amigo uma carta. Essa carta diz que nessa hora, o marido de uma delas está fugindo com outra. Essa outra é a estrela da escola, antiga amiga das três. Essa carta faz com que cada uma delas se recorde do seu casamento, de um momento de crise, de alguma injustiça cometida. Qual deles fugiu? Mankiewicz dirige de sua maneira segura, pausada, firme de sempre. O filme, visto pela terceira vez, se mantém como diversão de primeira. Ainda atual, ele une drama, humor e muito suspense. O elenco, como em todos os filmes do diretor, se destaca. É este o primeiro papel de Kirk Douglas. Pode ver. É ótimo. Nota 9.
A MALVADA de Joseph L. Mankiewicz com Bette Davis, Anne Baxter e George Sanders
Um dos mais famosos filmes de Hollywood, conta a história da atriz veterana que é usada por uma fã que inveja seu status. O roteiro, do diretor, tem algumas das melhores falas wit da história. E há Bette, num de seus grandes momentos que não lhe deu um merecido Oscar. Ela consegue transmitir vulnerabilidade e vaidade ao mesmo tempo. Sua voz, rouca, traz sensualidade decadente. É um papel de genialidade. Mas o filme tem mais. Tem George Sanders exalando maldade, tem suspense e uma Anne Baxter quase ao nível de Bette. É um filme maravilhoso, perfeito, histórico e deu um Oscar a Mankiewicz como diretor. E mais um como escritor. Obrigatório para quem queira saber o que significa um bom diálogo. Nota DEZ!
A CONDESSA DESCALÇA de Joseph L. Mankiewicz com Humphrey Bogart, Ava Gardner e Edmond O`Brien
A história, cheia de fel, de um diretor humilhado por um produtor. Também é a história de uma atriz, ninfo, que não dá a mínima para a fama e que se casa com um milionário impotente. O filme deveria ser forte, mas não é. Ele quer ser tão irado que passa do ponto. O drama é exagerado, as cenas na Espanha parecem falsas e até Bogey se perde. Ele não combina com o papel. Talvez seja o pior filme do diretor, apesar de ser uma obra bastante famosa. Nota 4.
O AMERICANO TRANQUILO de Joseph L. Mankiewicz com Michael Redgrave, Audie Murphy e Bruce Cabot
Um filme fascinante que encerra o pequeno festival Mankiewicz que montei para mim mesmo ( eu sei que faltaram muitos outros....fica pra outra ).  O tema é fascinante! No Vietnã de 1954, vemos um repórter inglês, frio e distante, que tenta não se envolver na guerra, se envolver com um americano comum, que surge em Saigon para fazer comércio. Os dois viram conhecidos, disputam a mesma mulher e tudo vira um pesadelo em meio a guerra dos vietcongs contra a França. Well...para quem não sabe, o Vietnã lutou contra a França até os anos 60 e quando venceu teve de lutar contra os EUA por mais dez anos. E venceu. Este filme foi filmado em Saigon, e só isso já faz dele experiência invulgar. Foi nesse ano e nessa guerra que Robert Capa morreu. Redgrave, pai de Vanessa, dá seu show costumeiro. Vemos o inglês perceber o quanto ele foi covarde, mole, inativo. Todo o filme tem jeito de documentário e na rica filmografia do diretor é um dos melhores. Foi um fracasso na época, e nesta era do dvd está sendo redescoberto. A fotografia de Robert Krasker é excelente. Nota DEZ.
A VIDA PRIVADA DE SHERLOCK HOLMES de Billy Wilder com Robert Stephens, Colin Blakeley e Genevieve Page.
Billy num de seus últimos filmes, falha terrivelmente nesta tentativa patética de filmar um caso de Holmes como um tipo de comédia realista. O filme não pega fogo. E o roteiro, algo sobre um submarino, tem um interesse nulo. Nota 1.
VIVA A LIBERDADE de Roberto Andó com Toni Servillo e Valeria Bruni Tedeschi
Lixo. Um infantil e absurdo conto sobre um senador deprimido que é substituído por seu irmão doido. Claro que ele vira um sucesso! O que há de novo aqui? Porque fazer isso de novo? Peter Sellers o fez. Jack Lemmon fez. Eddie Murphy fez. E todos foram melhores. Nota ZERO.
O PRÍNCIPE de ....com Jason Patric, Bruce Willis e John Cusak
Uma menina se envolve com drogas e o pai vai salvar ela. O pai não é Bruce. É Patric. Cenas de ação frouxas e um roteiro com falas de analfabetos. Sem nota.
UM MALUCO GENIAL de Ronald Neame com Alec Guiness
Guiness escreveu o roteiro. É sobre um pintor genial que pobre, vive de aplicar golpes nos amigos. O personagem é feio, sujo, mentiroso, mal humorado e antipático. É um filme estranhíssimo. Nada nele nos seduz. E é um filme importante e bom. Vemos a Londres suja de 1957. Uma cidade ainda em ruínas, escura, pobre, com seus primeiros mods. O ambiente salva o filme. Nota....hmmm....5.
CRIME É CRIME de George Pollock com Margareth Rutherford e Ron Moody
Uma agradável aventura da velhinha Miss Marple, a detetive amadora criada por Agatha Christie. Crimes entre um grupo de teatro, num cidade do interior inglês. Nota 5.

GIORGIO, WILDER E HAWKS EM SP

   Alice Brill morreu. Ela tem uma série de fotos sobre uma feira na Oscar Freire que é uma coisa linda. Consegue captar a alma de uma cidade que não mais existe. Se voce puder ver suas fotos, mire o rosto das pessoas.
   No jornal se fala também de Giorgio Moroder. Lembro da primeira vez em que o escutei. Foi no rádio, em 1977. FIRST HAND, meu primeiro contato com techno. Acho Giorgio melhor que Kraftwerk. Depois desse LP de 1977, FROM HERE TO ETERNITY nada mais foi como era. O que mais me deixou besta na época foi a percussão. Eu demorei a sacar que aquela bateria não era uma bateria. Falo pra voces uma história: Vivendo em Berlin na época, Eno liga para Bowie, que acabara de chegar a capital alemã. Diz Eno, Bowie, liga na rádio X....voce vai ouvir o futuro....Bowie liga e escuta I FEEL LOVE. Era o futuro sim. Que dura até agora.
   Mostra de Billy Wilder. Cuidado! Wilder tem filmes ruins. Tem até um muito ruim ( FEDORA ). Dica minha para voce: PACTO DE SANGUE, CREPÚSCULO DOS DEUSES, SABRINA, TESTEMUNHA DE ACUSAÇÃO, QUANTO MAIS QUENTE MELHOR e IRMA LA DOUCE. Meu favorito hoje é Testemunha. Um suspense tão bom que parece Hitchcock. Dos gênios clássicos do cinema americano, Billy é o que menos gosto. Mas talvez seja aquele que o povo hoje mais gosta.
   Muito maior é Howard Hawks. Esse é prova de bom gosto em cinema. Se voce ama Hawks voce está no grau mais alto. Não lembro de um filme ruim dele. E são mais de 40. SCARFACE, SUPREMA CONQUISTA, LEVADA DA BRECA, PARAÍSO INFERNAL, JEJUM DE AMOR...esses só nos anos 30 e 40. Ele tem mais um monte nos anos 50 e 60. Escolher meu favorito é impossível. Ford tinha inveja de RIO BRAVO, Tarantino idolatra Jejum de Amor, Godard amava RED RIVER. O segredo de Hawks? Ninguém sabe dizer. Mas um de meus mais queridos filmes, HATARI, me mostrou algo. Hatari fala de um grupo de amigos que caça animais na África. Para um zoo. O filme tem belas cenas de ação e ótimos atores. Trilha sonora de sucesso e linda fotografia. Mas, após reve-lo pela quinta vez, notei que a coisa mais importante não era a captura do rinoceronte ou o namoro dos dois atores centrais. O principal era o café da manhã. O modo como o grupo se sentava à mesa e se servia. As conversas com café e cigarros. O papo furado. Alí estava o coração de Hawks. Ele é o diretor dos "tempos mortos", das cenas banais, da vida simples. E como é dificil fazer isso!!!! Não importa em Rio Bravo o duelo final. Importa a amizade de Wayne e Dean Martin.
   Indicar um filme? Nenhum. Para entender a grandeza desse gênio voce tem de ver ao menos dez filmes. E perceber que ele nada tem de artista, de poeta ou de intelectual. Ele é O Cinema.
   

MONICELLI/ KAZAN/ BILLY WILDER/ MARILYN/ GASSMAN/ SWEET SWEETBACK...

   GREMLINS de Joe Dante
No auge de seu poder juvenil Spielberg produziu para seu amigo Dante este estranho filme divertido. Acho que todo mundo já viu um dia. O roteiro é de Chris Columbus e é preciso dizer que Chris tem um estilo. A gente sente que é coisa dele. Os atores são impagáveis: ruins, perdidos, sem expressão. Mas tudo se compensa pela graça dos bichos, são simples, mal feitos até, e geniais. Pena os atores tão inaptos e um começo que demora a engrenar. Nota 5
   A GRANDE GUERRA de Mario Monicelli com Vittorio Gassman, Alberto Sordi e Folco Lulli
Ninguém fazia comédias como os italianos dos anos 50/60. Eram engraçadas, mas também eram tristes, poéticas. O segredo era esse dom para fazer humor sem perder nunca o pé da realidade. E ter à disposição a melhor safra de atores do mundo. Vejam Gassman. O rosto de nobre-pé rapado que ele tem. A vaidade misturada a mais desamparada miséria. A voz ( Gassman foi ator shakespeariano, dos melhores ), clara e alta, dando entonações de tolice e de pretensão a esse personagem patético. A história? Dois soldados na primeira guerra. A incompetência do exército italiano, a crueldade da violência fria e matemática, o espírito humanista tentado respirar nas trincheiras. Eles são covardes, são sonhadores, se envolvem com prostitutas e com contrabando, e ficam felizes ao poder comer. O filme, imenso, é um tipo de afresco sobre a luta, é cheio de graça, de leveza, de beleza suja. Monicelli havia acabado de fazer uma obra-prima ( OS ETERNOS DESCONHECIDOS )  e na sequencia nos dá mais um filme histórico. Maravilhosa diversão e arte de primeira categoria. Nota 9.
   A CANÇÃO DE BERNADETTE de Henry King com Jennifer Jones
Jennifer ganhou o Oscar com este filme. Filme que é praticamente sua estréia. Fala das aparições de Nossa Senhora para a muito simples ( burrinha até ) Bernadette Soubirous, em Lourdes, no século XIX. O filme tenta ser comedido e consegue. Exibe o clima hiper-racional da época e jamais deixa de insinuar que tudo pode ter sido uma alucinação. Mas para quem tem fé será filme de profunda emoção. Para os descrentes, é um belo conto sobre o que poderia ter sido. Atenção: nada é mostrado como lenda cor-de-rosa. Defeito grave: é longo demais! Nota 6.
   BABY DOLL de Elia Kazan com Carroll Baker, Karl Malden e Eli Wallach
Tennessee Willians escreveu esta história sobre uma mulher-criança que apesar de casada não tem relações sexuais com o marido. Isso ocorre porque o marido empobreceu e ela se sente lesada. O casamento, já em seu primeiro ano, ainda não teve sua lua de mel. O cenário é a vastidão do "sul". Negros desocupados comentam e riem do marido ridiculo. O casarão cai aos pedaços. E surge um "latino", rico, que seduz a menina. As cenas de sedução são das coisas mais eróticas já filmadas. Sem trocar um beijo, sem nenhuma nudez, há uma hiper volatização do desejo. Eli Wallach, como o sedutor, está excelente. Um cafageste ambicioso, mentiroso, vaidoso. Malden faz o marido, tolo, bronco, impotente em seu desejo, ansioso. Baker poderia ter sido uma estrela. Não foi. Linda, faz aqui o que a Lolita de Kubrick não fez, excita. Mas é um dos filmes mais fracos de Kazan. O texto de Tennessee é limitado. Perdemos o interesse no terço final. Daria um bom filme de hora e meia. Apesar dos atores, a nota não pode ser mais que 6.
   O PECADO MORA AO LADO de Billy Wilder com Tom Ewell e Marilyn Monroe
É estranho ver MM. Ela foi tão imitada e caricaturada que vê-la é como ver um cartoon, ela não parece real. É o primeiro personagem virtual da história. Billy, dos grandes diretores de Hollywood é o que menos me agrada. Há algo de muito grosseito nele que me incomoda. O filme, sempre interessante, raramente engraçado, fala de marido que sózinho em casa no verão, passa a se imaginar em caso com a vizinha. É aqui que há a famosa cena da saia de MM se erguendo na rua. O cinema tem 3 cenas emblemáticas, essa, Gene Kelly cantando na chuva e Ingrid Bergman pedindo para tocar As Times Goes By. É um filme de cores fortes, envelhecido, mas que ainda pega pela sua agilidade e pelas boas falas. Nota 6
   O ÚLTIMO DUELO de Budd Boetticher com Audie Murphy
Se hoje existe o terror de rotina e o filme de tiros, antes esse lugar era ocupado pelo western classe B. Quando o western decaiu, seu posto de filme POP, foi ocupado pela ficcção científica. Mas com o encarecimento da sci-fi, hoje esse posto POP é do horror em série e do policial tipo Statham. Este filme, sobre ladrão bonzinho que não consegue se regenerar é ok. O problema é que Audie não me convence. Budd é adorado por alguns críticos. Não é meu caso. Nota 4.
   TIROS NA BROADWAY de Woody Allen com John Cusak, Dianne Wiest, Jennifer Tilly, Chazz Palmintieri, Jack Warden
Um autor de teatro dos anos 20 aceita ajuda de mafioso para produzir sua nova peça. A namorada do gangster passa a fazer parte do elenco e o guarda-costas reescreve o texto, para melhor. Woody de 1994, momento dificil em sua carreira. Cusak é o pior Woody Allen de todos que já o fizeram. Ele exita, se apaga, é como um nada em cena. O filme perde por não termos por quem torcer. Kenneth Branagh foi o melhor ( em Celebridades ). Mas o resto do elenco é excelente ( ele sabe dirigir atores como ninguém ), destaque para Jim Broadbent, que faz um ator inglês que engorda muito. O filme flui bem até sua metade, mas de repente começa a enjoar e seu final é muito ruim. Mesmo assim ele vale pelos belos cenários e pela classe que todo filme de Woody tem. Nota 5.
   SWEET SWEETBACK BAAAADAAASSSS SONG de Melvin Van Peebles com Comunidade Negra
Vamos lá.... Ele subverte tudo e faz um filme que vai contra o que se chama "bom gosto" ou "bom cinema". Cores berrantes, cenas de sexo explícito que nada têm de erótico, perseguições policiais sem climax, escatologia... tudo filmado de improviso, com cenários reais e atores amadores. Sexo com adolescentes, gente no banheiro, shows pornô, música black. Essa é uma visão do filme. Filme mítico que encanta ainda hoje os Tarantinos e que tais. Mas.... ele é irritantemente sem sentido, sem história, gratuito, feio, sujo, nojento e odiável. Qual o porque de se ver alguém no vaso sanitário defecando? Pra que tanta nudez grotesca? Efeitos de cor, qual o sentido? Se Shaft ou Superfly são ainda divertidos em sua tolice cafona e sua vivacidade black, este é um filme antes de tudo ruim, muito ruim. Nota ZERO

BILLY WILDER/ GAINSBOURG/ FORD/ OSHIMA/ SIRK/ HELEN MIRREN

CUPIDO NÃO TEM BANDEIRA de Billy Wilder com James Cagney
De todos os clássicos diretores de Hollywood ( Ford, Hawks, Wyler, Stevens, MacCarey ) ninguém tem tantos filmes decepcionantes como Billy. Sim, ele é um cara genial, quando acerta, mas seus filmes fracos são mais irritantes que os filmes menos bons da turma citada acima. Este fala de executivo da Coca-Cola que trabalha em Berlin nos dias da construção do muro. É uma comédia boba. As piadas vêm e erram o alvo. O resultado é histérico. Nota 3.
A ÁRVORE de Julie Bertuccelli com Charlotte Gainsbourg
Fujam! Na Austrália morre um jovem pai em ataque cardíaco junto a árvore. Essa enorme e belíssima árvore é o centro e interesse único do filme. Pena que nada de interessante ocorra depois dessa tragédia. Quem quiser que encontre um sentido nesta coisa chata e lenta, se encontrar, esse sentido será acidental, o filme é tão cheio de "arte" que tudo pode ter um significado. Inclusive o significado da picaretagem. Nota 1 ( um ponto pela bela árvore ).
DONOVAN'S REEF de John Ford com John Wayne e Lee Marvin
A vida de um dono de boteco em ilha do Taiti. Acontece a visita de uma herdeira e mais nada. Ford, após cinquenta anos filmando. mostra sinais de cansaço. O filme é flácido, solto demais. Uma bela paisagem, atores gostáveis, mas nada mais que isso. Nota 3.
O MERCADOR DE ALMAS de Martin Ritt com Paul Newman, Joanne Woodward, Orson Welles, Anthony Franciosa
Belo exemplo de cinema adulto dos anos 50. Newman faz seu tipo mais habitual: o cara malandro, egoísta e carismático. Esse cara penetra em família do sul e acaba por se tornar herdeiro do "dono" de toda a cidade: Welles. Filhos que odeiam o pai, sensualidade reprimida, poder do dinheiro, homossexualismo, há de tudo um pouco. É uma diversão completa, um prato rico e gorduroso. Joanne está muito bem como uma solteirona. Nota 8.
O TÚMULO DO SOL de Nagisa Oshima
Em Osaka, anos 60, gente das ruas vende sangue para comer. Mais prostituição, drogas e Oshima, um diretor sempre violento. O filme é representante da Nouvelle Vague japonesa. Cores berrantes, câmera nervosa e cortes abruptos, incisivos. Oshima seria o centro desse movimento. O filme, um dos primeiros dele, é irregular, mas supreende sua modernidade. Nota 5.
TUDO QUE O CÉU PERMITE de Douglas Sirk com Jane Wyman e Rock Hudson
Muito melhor do que eu esperava. Sirk, dinamarquês rei do melodrama em Hollywood, faz aqui um dilacerante retrato da classe média da época ( terá mudado tanto assim desde 1955 ? ). Jane Wyman é uma viúva com dois filhos, cheia de amigos porém solitária. Ela se envolve com seu jardineiro, um jovem livre, que tenta seguir a filosofia de Thoreau. Ninguém aceita isso e os filhos ( quase adultos ) impedem o casamento. Só, ( e é chocante se observar como na época ver tv era considerado ato de perdedores, de gente sem vida social ), ela vê que caiu numa armadilha, os dois filhos seguem sua vida e ela fica à parte de tudo. Todo esse drama é conduzido de uma forma tão leve, fina, vibrante que é impossível resistir. Voce embarca na novelona. Fassbinder o refilmou na Alemanha e Almodovar sempre o cita ( além de Todd Haynes ). Rock Hudson era um canastrão, mas ninguém sabe ser mais tão galã. Nota 8.
MANON de Henri-Georges Clouzot com Cecile Aubry e Serge Reggianni
Clouzot é um dos maiores diretores que a França já teve. Fez pelo menos quatro obras-primas, mas este não é uma delas. Conta a história de mocinha muito "livre" que trai seu amor com vários homens de poder. O namorado sempre descobre, e sempre a perdoa. O final, hiper-romantico, é em deserto. O filme se vê com interesse, mas está muito abaixo do melhor Clouzot. Nota 5.
A RAINHA de Stephen Frears com Helen Mirren e Michael Sheen
Pra que ver este filme? Qual o interesse em se rever os dias da morte e do enterro de Lady Di? Tudo visto pelo ponto de vista de Tony Blair e da Rainha...pra que? Bem...o filme é estupendo, uma aula de direção e de interpretação. Stephen Frears, diretor da geração de Ridley Scott, mas que ao contrário de Scott, optou sempre pelo risco ( é dele a obra-prima Ligações Perigosas e ainda Minha Adorável Lavanderia, Alta Fidelidade, e mais uma infinidade de pequenos filmes instigantes ), dirige com uma eficiência que beira o milagre. Penetramos na mente de Elizabeth, conseguimos sentir o absurdo daquilo tudo, e melhor, não sabemos o que pensar. Ficamos desorientados. Mas há Mirren. Talvez seja este o desempenho feminino da década. Em personagem dificílimo, contido, frio, distante ( e tão cotidiano ) Helen cria uma alma, não imita. A rainha que ela nos mostra vai lentamente tomando consciência de sua derrota, do fim de uma ilusão. ( " Eu me recolho e nada declaro, sou sincera, enquanto isso essas pessoas que jamais a conheceram estão morrendo de dor, e eu é que sou a doida" ). Pois o filme é sobre isso: os súditos passam a querer lágrimas, frases pomposas, a exibição pornográfica de luto. Quando Di morre e a rainha se esconde, pois essa é a tradição, luto não é show, sentimentos devem ser contidos e discretos; o povo passa a odiá-la. O filme tem duas cenas de antologia: a hora em que ela lê as mensagens nas flores colocadas nos portões do palácio ( todas ofensivas a ela ) e a maravilhosa cena com o cervo, quando ela percebe a beleza que mora nele e o risco de ser caçado. Esse animal, que será morto lentamente e decapitado ( decapitação é o fim de todo rei deposto ) representa a bela elegância de uma época que morrera muito tempo antes, época que Elizabeth só então percebe ter chegado ao fim. De certa forma, Blair a salva dessa decapitação e ele acaba tomando seu partido. O filme então, feito pelo esquerdista Frears, tem a sabedoria de reconhecer que perante os novos tempos de midia e falta de respeito, ( são magnificas as cenas de telejornais da época, que mostram Lady Di tão falsa em sua "dor" e o povo deseperado com sua morte; e ainda vemos no enterro o absurdo de Elton John, Tom Cruise e Spielberg serem mais "gostados" que a familia de Di e de Charles ) a rainha ainda representa algo de decente, correto e de verdadeiramente real. O filme torna-se então imenso. Que admirável surpresa! Nota 9.
TERRA BRUTA de John Ford com James Stewart e Richard Widmark
Ford chamava este seu filme de "bela porcaria". Longe disso. Apesar de ele quase não ter história ( fala algo sobre brancos resgatados de Comanches ), o filme tem um ar de improviso, de alegre camaradagem, que acaba por encantar. Há quem o chame de obra-prima. Não é. Mas ele sem dúvida é invulgar. Nota 6.

BERGMAN/ JOHN FORD/ BOORMAN/ GODARD/ CHABROL/ CAROL REED/ ANTHONY MANN

PERSONA de Ingmar Bergman com Bibi Andersson e Liv Ullman
Dificil classificar este filme. Todas as notas que dou têm relação com o prazer. Não dou um dez porque o filme é importante ou complexo. O dez é dado ao filme que me dá um supremo prazer, seja estético, seja emotivo, seja moral. Mas como falar de Persona? O filme tem a profundidade simbólica dos melhores sonhos, mas ao mesmo tempo é árido. Nenhum prazer existe em sua visão. Assistir este filme é sentir desconforto, medo e até mesmo angústia. Não há como em outros filmes do mestre, o alívio prazeroso da bela imagem e dos atores geniais. Aqui tudo é dor. Impossível a mim dar uma nota.
OS DEZ MANDAMENTOS de Cecil B.de Mille com Charlton Heston, Yul Brynner e Anne Baxter
Aqui tudo é circo. Cecil se despede do cinema com imensa produção. São milhares de figurantes, bichos e cenários gigantes. Heston é Moisés e Brynner é o faraó. Anne está uma delícia como Nefertiti. Tem tudo nesse enredo de crioulo doido: tempestades, milagres, a voz de Deus, escravos, estupro e lutas. Profundo como um episódio de cartoon. Estranhamente é ainda divertido em sua cafonice esperta. Nota 6.
A VIDA ÍNTIMA DE SHERLOCK HOLMES de Billy Wilder com Robert Stephens e Colin Blakely
Na primeira parte vemos Holmes como um tipo de dandy gay viciado em cocaína. Watson é seu simplório amigo que como bom vitoriano finge nada perceber. É um tipo de comédia suave. Mas quando acontece o crime e Holmes passa a tentar o resolver o filme se perde. O caso é óbvio e simples demais para um detetive tão genial. È um dos últimos filmes de Billy e foi imenso fracasso. Nota 4.
DEPOIS DO VENDAVAL de John Ford com John Wayne, Maureen O'Hara e Victor McLaglen
Deixa eu contar: este é o filme favorito de meu pai. Assisti com ele quando eu tinha 10 anos de idade, na Globo, sábado às 21 horas. Lembro que achei o filme muito bobo, muito alegre e muito cheio de socos. Na adolescência passei a detestar esse tipo de filme ( como detestei tudo que lembrasse meu pai ). Mas após os 30 anos comecei a aceitar esses filmes, a ver sua poesia, seu imenso valor mitico. É o maior sucesso em bilheteria de Ford e ganhou Oscar. Conta a história de americano que vai a Irlanda ( Galway ) comprar casa que foi de seu pai. Lá, ele se enamora de vizinha ( Maureen maravilhosa ) e briga com grande valentão do lugar. O filme mostra a Irlanda do folclore, onde todos bebem e brigam, riem e fazem tudo beeeem devagar. Ford cria seu universo fordiano, mundo onde os mitos e os símbolos vivem. O filme é de uma comovente simplicidade e de uma esfusiante beleza. Wayne irrompe como rei da masculinidade e Maureen é a fêmea ideal. Lembrete de outro mundo possível ( extinto? ). Nota DEZ!!!!!!!!!!!!!!!
XEQUE-MATE de Paul McGuiguan com Josh Hartnett e Lucy Liu
O que significa este filme? O ponto mais baixo em que uma diversão pode chegar? Observem: um filme ruim, antes, era um filme mal feito. Um filme ruim agora, como é este, é um filme mau. Violência pornográfica, roteiro imbecil e atores deploráveis ( o tal Josh mal sabe falar ). Há participações de atores de verdade ( infelizmente muito curtas ): Ben Kingsley e Morgan Freeman e de dois bons tipos: Bruce Willis e Stanley Tucci. Mas este lixo é inominável. Nota ZERO.
EXCALIBUR de John Boorman com Helen Mirren, Cherie Lunghi, Liam Neeson, Nicol Williamson
Uma fascinante viagem por mundo interior. Percebemos por entre as brumas nosso mundo e nossos símbolos mais imorredouros. Jung mora em cada personagem. Quando esta saga termina, sentimos que alguma coisa nos foi fixada. Há uma riquesa imensa nestas imagens. As cenas de Lancelot são as melhores, exemplos simples do que é o amor cortês. Nota 8.
FEDORA de Billy Wilder com William Holden e Marthe Keller
Último filme de Billy. Sem dúvida é o pior filme já feito por um grande diretor. Chega a dar pena. Trata-se de uma gororoba mal temperada sobre atriz anciã que tenta voltar ao cinema. Diálogos risíveis e interpretações lamentáveis. Nota Zero.
BANDE À PART de Jean-Luc Godard com Anna Karina, Sammi Frey e Claude Brasseur
Liberdade em forma de filme. Jean-Luc pega tudo que esperamos e nos devolve transformado. Os atores brincam e nos encantam, Anna dá um show no papel de uma bobona. O filme é leve, jovem, solto e soberbamente anárquico- mas atenção! É para amantes de cinema, sua magia está no filme em sí, não em sua "história". Nota 9.
ALPHAVILLE de Jean-Luc Godard com Anna Karina e Eddie Constantine
Godard consegue nos levar à ficção científica sem criar cenários ou efeitos. Ele filma a Paris de 1965 de um modo "esquisito", e nos faz crer que aquilo é um "outro mundo". Em que pese essa habilidade, este é de todos os seus filmes da primeira fase ( a fase Anna Karina ), o menos interessante. Um James Bond de vanguarda, ou um Godard em sci-fi. Nota 4.
MULHERES FÁCEIS de Claude Chabrol com Bernadette Lafond e Stephane Audran
É a história de 4 moças em Paris. Seus amores ( ou não ), bebedeiras, orgias e seu trabalho alienante. O filme é bastante ousado para a época e tem um final hitchcockiano. Lafond é uma comediante maravilhosa, tudo nela é ironia. Chabrol jamais foi um gênio, mas era um cineasta seguro, afiado, instigante. Nota 7.
O ÍDOLO CAÍDO de Carol Reed com Ralph Richardson e Michele Morgan
Na embaixada da França em Londres, um menino apegado a mordomo, presencia sua infidelidade e no processo descobre o que significa a palavra "verdade". Este filme, feito por um dos 3 maiores diretores ingleses, é uma obra-prima de suspense. O final me deixou com o coração na mão!!!! Detestamos o menino cada vez mais e nos compadecemos do mordomo e de sua amante. Cenários belos e labirínticos e fotografia exemplar de Georges Périnal. O grande ator shakespeareano, Ralph Richardson, mostra todo o medo e toda a aceitação do destino do patético mordomo. O filme, original e asfixiante, é uma jóia do melhor momento do cinema inglês. Veja e se apaixone por esse muito grande diretor. Nota DEZ!!!!
O HOMEM DOS OLHOS FRIOS de Anthony Mann com Henry Fonda e Anthony Perkins
Mann nunca errava???? A primeira cena deste western já é antológica, um passeio em grua, num preto e branco brilhante, pela cidade. Mas o filme é todo assim, uma aula de cinema. Fonda está estupendo como o herói amargo e quieto, exemplo de virilidade bem resolvida. Seus olhos são os olhos de um anjo caído. Tudo neste filme caminha para seu final catártico. Quem desejar saber o que é um herói e para que serve uma aventura, que veja este monumento. Anthony Mann, mestre de westerns que se fazem mitos, dava estatura de arte filosófica a filmes aparentemente banais. Um diretor perfeito. Nota DEZ!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

MIZOGUCHI/BOETICHER/OS ELEITOS/WILDER

A MONTANHA DOS SETE ABUTRES de Billy Wilder com Kirk Douglas
Escrevi mais longamente abaixo. O inferno da midia já existia em 1952. Um jornalista antológico feito por um Kirk muito inspirado e uma pobre vítima num big-brother do inferno. Filme fiasco em seu tempo, hoje é considerado obra-prima. Nem tanto. nota 7.
JUVENTUDE TRANSVIADA de Nicholas Ray com James Dean, Natalie Wood, Sal Mineo.
O que é ser adolescente ? Bem... nada mudou. Ser isolado/ não compreendido/ querer algo sem nome/ amar sem saber amar. Dean foi um criador- este filme é seu testamento. Todo ator jovem de hoje o imita ( inclusive e principalmente na vida pessoal ). Todos falam seu evangelho. O filme é muito fraco quando Dean não está em cena. Com ele, somos hipnotizados. nota 6 para o filme.
CONTOS DA LUA VAGA de Kenji Mizoguchi
Ele foi antes da segunda guerra o mais querido diretor do Japão. Após a guerra foi chamado de velho e jogado ao canto. Este filme, dos anos 50, é sua volta por cima. Um filme politico e feminista, que é também um poema sobre fantasmas e amor. Algumas das cenas têm uma beleza plástica inesquecível. Mizoguchi nunca corta se puder não cortar. Um mestre. nota 9.
OS ELEITOS de Philip Kauffman com Sam Sheppard, Dennis Quaid, Ed Harris, Fred Ward, Barbara Herschey, Jeff Goldblum.
O melhor filme americanos dos anos 80 e um dos melhores dos últimos quarenta anos. John Ford habita esta épica aventura sobre heroísmo, fracasso, fama e amizade. Chuck Yeager, aviador real, torna-se mito, mito daquilo que a América gostaria de ser e não pode ser mais ( jamais ). Para se ver, rever, trever e decorar. nota DEZ!!!!!!!!
AVANTI ! de Billy Wilder com Jack Lemmon e Juliet Mills
Um milionário americano, apressado e ranzinza, vai a Itália recolher o corpo do pai para enterrá-lo em seu país. Conhece a filha inglesa da amante de seu pai e se apaixona por ela e pela Itália. O contraste entre Itália e América nada tem de novo. Mas Wilder, em mais um de seus fracassos, conduz esta comédia com muita leveza e finesse. Um prazer ver Lemmon trabalhar e uma diversão fofa e que jamais nos trata como idiotas. nota 6.
EXTASE de Gustav Machaty com Hedy Lamarr
Nos anos 30, na Austria, Hedy foi lançada como atriz sexy neste filme. Uma das piores coisas que já assisti. Hiper pretensioso, rígido, muito mal interpretado, ridiculo. nota ZERO!
SETE HOMENS SEM DESTINO de Budd Boeticher com Randolph Scott, Lee Marvin e Gail Russel
Lee Marvin faz história neste western. Com longo lenço verde, ele traz à tela um vilão inteligente, simpático, glamuroso. Rouba o filme e cada cena com ele é uma festa. Este filme, considerado pelos críticos-cineastas da Nouvelle-Vague, uma obra-prima, é de uma simplicidade absoluta. A história, com poucos personagens e maravilhosos cenários, se desenvolve exata, sem atropelos, sem lentidão, econòmica. Budd, aventureiro-diretor-toureiro, dirigiu dúzias de bons filmes baratos. Este é o melhor. Nota 9.
MULHERES DA NOITE de Kenji Mizoguchi
Em sua época de má fama, Mizoguchi dirigiu este filme, muito triste, sobre prostitutas no Japão devastado pela guerra. Apaixonado pelos filmes italianos do neo-realismo, Mizoguchi faz a versão nipônica de Rosselini. Os escombros do que restou de Osaka e Tokyo são fascinantes : o Japão como uma imensa favela, dominada por ladrões, putas e contrabando de drogas. O filme é muito bom, mas sua força embrulha o estômago. nota 7.
UNDERDOG de Frederick de Chau
Cumpre o que promete. E é assim nosso cinema atual : como um produto numa gôndola, ele tem um rótulo onde se diz : drama-romantico/ quadrinhos/ arte/ aventura. Se a lata matar o apetite por cinema ( matará esse apetite por duas horas ), sua função estará cumprida. Colou. Este cola. O herói é simpático, tem uma adolescentizinha bonitinha, uma liçãozinha de moral. Valeu. nota 5.

3 grandes ( e muito influentes para os dias atuais ) filmes.

A MONTANHA DOS SETE ABUTRES.
Filme de Billy Wilder com Kirk Douglas. Este era o filme favorito de Wilder. Talvez por ter sido seu mais odiado filme e imenso fracasso. A partir dos anos 80 começou a ser reavaliado, se tornando um de seus mais importantes filmes. Mas porque foi tão incompreendido e hoje é tão atual ? Vamos a sua história : Douglas é um repórter fracassado que trabalhando num jornaleco de uma cidadezinha do Novo Mexico vê a chance de dar a volta por cima. Um homem está soterrado numa mina indígena. Prolongando a agonia do resgate ele poderá monopolizar jornais, rádio e tv, pois o que vende é desgraça, e se ele fizer dessa desgraça uma novela a audiência será gigantesca. Douglas passa a atrapalhar o resgate, iludir a vitima, corromper os politicos. No final, tudo dá errado, mas não há catarse no filme. Todos e tudo continuam tão podres como sempre. Wilder prova que todo comediante é um grande pessimista. Este filme, que nada tem de engraçado, desnuda o verdadeiro Billy, o artista que viu o nazismo de perto, o fim do império aus´tríaco, a degeneração da civilização européia. Nada dá alivio na tensão deste filme : o repórter é um verdadeiro filho-da-puta ( não há melhor definição ). Sua alegria com a súbita fama é revoltante. O xerife da cidade é um ladrão e o empreiteiro, um pau-mandado. A esposa do acidentado é uma vagabunda e a população da cidade aproveita a´notoriedade do lugar para faturar. Um circo grotesco se forma ao redor da tragédia. O final, em que sempre esperamos algo de xaroposo ou consolador, é duro, amargo e forte. Nada alivia. Kirk Douglas faz a perfeição o reporter. Ele nasceu para esse tipo de egoista cinico. Um forte retrato do mundo do espetáculo, onde o maior espetáculo é aquele que conjuga dor/morte/absurdo. ( Vide acidente da Air France ).
JUVENTUDE TRANSVIADA
Filme de Nicholas Ray com James Dean, Natalie Wood, Sal Mineo e Dennis Hopper.
Cenas em delegacia. Três jovens são entrevistados pelo serviço social. Natalie é uma filha que ama demais o pai e não é aceita por ele. Mineo é um garoto rico porém sem contato com os pais, e Dean é um desajustado que vive mudando de cidade. Seu pai é um fraco maricas, dominado pela esposa. Dean estréia na escola, é amado pelo personagem de Mineo e cria inimizade com a gang da escola. Vem a muito famosa cena do racha e o final, belo e dramático, em mansão abandonada. O filme inaugura o tipo de drama adolescente que seria chavão por cinco décadas seguintes. E ainda vemos nele traços daquele filme independente americano dos anos 90 e 2000. Mas porque ele é ainda tão atual, tão válido ? Vamos a apreciação: primeiro o fantástico Sal Mineo. Na época ele era namorado do diretor Ray e a bandeira que ele dá é flagrante. Seu personagem se apaixona por Dean e passa todo o filme sofrendo por esse amor gay irrealizado. Como isso passou na ferrenha censura de 1955 é um mistério! Seu rosto de baby, seus modos de efebo, tudo nos deixa surpresos e faz parte da imensa riqueza do filme. Filme, longe de ser perfeito, que afunda nas cenas dos "adultos" e que tem a minha muito querida Natalie Wood canastrona e mal definida. Ela compromete, e compromete muito. E tem, acima de tudo, James Dean.
Existe uma teoria que diz que Marlon Brando só foi Marlon Brando duas vezes : no Chefão e Último Tango, feitos no mesmo ano, para provar que ainda era o maior; e entre 50/56 com o objetivo de suplantar primeiro o gênio Montgomery Clift, e depois para esmagar o absurdamente carismático James Dean. E o que faz aqui James Dean ? Ele faz miséria! Cada cena com ele, cada pequeno gesto de mãos, toda expressão facial, a maneira de pular palavras, engolir as sílabas, balbuciar pensamentos, tudo nele nos deixa abismados, aturdidos, estupefatos. Ele sobra no filme, sobra naquela época. Todos lá parecem ser gente de 1955, mas Dean, como Brando na época, parece ser atemporal. Ele é de 55, mas é também um jovem louco de 67, um rebelde de 77, um bacana de 87, um esportista irriquieto de 97, um astro teen de 2007. Creia, sua influência é tamanha que não há ator desde então que não o tenha estudado, imitado, encorpado. Nicholson, Pacino, Cage, Depp, e todos os outros. Eles falam como Dean ( aquela voz grave e baixa, frases ditas devagar, pensamentos emitidos pelo meio, não sorrir, mas não ser sério, um ar de sofrimento superado, um charme de bad boy sensível ). Mas o mais fantástico é que eles não imitam James Dean apenas na técnica de atuar. Johnny Depp fazendo o pirata não é Dean, mas Johnny Depp numa entrevista é James Dean! A voz é a mesma, o olhar é o mesmo, o tédio identico, as roupas são as que JD usaria. ( JD e JD...). É como se todo ator americano desde então sonhasse em ser genial como Brando, mas fosse na vida pessoal um clone de James Dean. Assista este filme e deixe seu queixo cair. No mais, um comentário sobre Nick Ray : ele se tornou ídolo de Goddard e depois de Wim Wenders. Dá pra entender o porque. Este filme tem movimentos de câmera e angulações que antecipam o cinema dos dois e até mesmo o video-clip. Ray, bissexual, rebelde, esquisitão, fez aqui seu filme mais niilista. Por fim, uma tragédia: Dean morreria no ano seguinte numa Porsche Spyder. Aos 24, com apenas 3 filmes. Natalie morreria afogada aos 40, após uma vida de álcool e droga. E Sal Mineo se mataria aos 30. O que foi este filme ? Uma radiografia do que viria a seguir, para eles mesmos e para a América.
CONTOS DA LUA VAGA
Filme de Kenji Mizoguchi. Se o filme de Wilder mostra o espetáculo desagradável do mundo atual e se o filme do mito James Dean mostra o espirito desconfortado em que existimos, esta obra de Mizoguchi mostra o conflito entre dinheiro e alma e a guerra entre mulher e homem. No Japão do século XVI, assolado por cruel guerra civil, acompanhamos dois homens; um artesão ambicioso e um outro que sonha ser um samurai. Vemos então o que acontece. Massacres, ingratidões, muita crueldade ( a morte da esposa chega a ser insuportável ), estupros e assombrações. O filme começa como um libelo socialista contra o dinheiro e termina como poesia metafisica à favor das mulheres. Mizoguchi, o mais japonês dos cineastas, filma cenas de rara beleza. A travessia do lago, a princesa-fantasma seduzindo o artesão, e o final: a sequencia do retorno ao lar, momento de triste e absurda beleza poucas vezes vista igual. Um maravilhoso e inesquecível filme-poema, comentário sobre tudo aquilo que importa na vida. O diretor, ele mesmo dono de biografia dramática ( a irmã foi vendida como gueixa para salvar a familia da fome ), filma tudo com deliberada precisão. Poucos cortes, poucas fusões e uma câmera sempre leve, flutuando, observando. Este amado filme ( dos mais amados da história do cinema ) fica como documento de uma sensibilidade muito refinada, inteligente e de profundo amor às mulheres. São elas as guardiãs da sabedoria. Os homens, tolos, precipitados, erram todo o tempo, elas remendam nossos farrapos. Mizoguchi crê nessa idéia, demonstra-a com perfeita beleza e faz uma obra inesquecível.

TOURNEUR/MINELLI/JULIE CHRISTIE/NAVARONE/

O HOMEM LEOPARDO de Jacques Tourneur
Val Lewton produziu para a RKO uma série de filmes de suspense. Filmes baratos, com 70 minutos de duração e que acabaram marcando um lugar na história do filme b. Porque ? Porque como nos melhores filmes de Dracula ou Sherlock Holmes, o que importa não é o crime ou o mistério. O que nos seduz é cada sombra do cenário, cada travelling da câmera, os acordes da trilha sonora, o maravilhoso rosto dos atores ( irreais, sempre irreais ), as ruas cheias de neblina na madrugada deserta, a garoa e a luz dos postes, o som dos passos na calçada escorregadia, o grito agudo, a calma do herói teimoso. É uma fórmula. É quase perfeito. È para se ver numa noite gelada, vários cobertores sobre a cama, a casa vazia e escura, o cão roncando no tapete. Delicioso. Um adendo : Tourneur foi um diretor frances que sabia fazer filmes de suspense, polciais noir, filmes de pirata. Eis o cara ! nota 8.
O PIRATA de Vincente Minelli com Judy Garland e Gene Kelly
Existem 3 níveis de amor ao cinema. O faroeste é o primeiro. Depois vem Buster Keaton e por fim o musical. Nada nesta arte dá maior prazer que o musical. Nada é mais refinado, civilizado, bem feito, artísticamente nobre que um grande musical. Tudo nele é artifício. Tudo nele é falso. E é na sua artificialidade que mora seu mérito. Um mundo ideal, perfeito, ilusório, um mundo como deveria ser, como achamos que poderia ser, e, em seus momentos mais sublimes, o musical nos faz crer que o mundo é O Musical. Nós é que não o percebemos. O Pirata é delicioso como um conto de fadas. Profundo como Mozart. Sublime como um amor aos 14 anos de idade. Eterno como a memória de uma paixão. Foram musicais como este, com seu capricho, sua beleza colorida, seus diálogos espertos, sua cultura vienense, que fizeram de mim um aficionado por cinema em geral. Gene sorrí como nenhum ator sorrí. O cenário é um carnaval de plantas, panos, janelas, biombos e muita gente. A música é mais que vibrante, é quente. Judy, etérea, paira soberana, hipnotizando nosso olhar com sua estranheza. Um gigantesco bolo de noiva, um revellon de luxo. nota 10 com muito louvor ! - informação : O musical terminou quando o talento minguou. Nada era mais dispendioso. Para se fazer um grande musical se precisava de atores famosos que interpretassem, cantassem e dançassem bem. E fossem engraçados e "adorados". Roteiristas treinados em comédia, afiados em diálogo rápido e leve. Compositores de sucessos. Arranjadores com técnica erudita. Orquestras gigantescas. Cenógrafos e coreógrafos da Broadway. Imensos estúdios. Tempo para ensaios. E um diretor que entenda de dança e de música. Quando juntar tanto talento se tornou um risco grande demais, o musical acabou. Sobreviveu, parcamente, em milagres feitos por um gênio solitário ( os de Bob Fosse ) e algum acaso fortuito.
OS CANHÕES DE NAVARONE de J. Lee Thompson com Gregory Peck, Anthony Quinn e David Niven.
Perfeição. Uma aventura com personagens bem delineados, excelentes diálogos, ação que emociona, suspense e diálogos que podem ser citados ( há um sobre a inutilidade da guerra que é genial ). Porque tudo deu tão certo ? O mérito é do roteirista, Carl Foreman, perseguido pelo MacCarthismo e brilhando como roteirista e produtor nesta aventura divetidíssima. Este filme é o parâmetro em que toda aventura deve ser julgada. Explosões, tiroteios, naufrágios, fugas, traições... maravilhoso!!!! nota 9.
DESPERATE JOURNEY de Raoul Walsh com Erroll Flynn e Ronald Reagan
Lixo. Uma imensa decepção!!!! Um roteiro patético, fazendo dos nazistas idiotas completos e dos americanos gente que sorrí durante tortura. Se a guerra fosse essa infantil piada... nota zero!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
DR. BULL de John Ford com Will Rogers
Não chega a ter a alegria de Juiz Priest, filme que Ford e Rogers fizeram no ano seguinte. Mas é um bom exemplo de filme rural, bucólico, lentamente agradável. Rogers tinha mágica simpatia e Ford, relaxado, lhe dá todo espaço e tempo para brilhar. nota 7.
VENUS de Roger Mitchell com Peter O'Toole e Jody Whattley
Nada revela mais o caráter aristocrático inglês que a classificação que eles dão à seus atores. Michael Caine, ator que trouxe o inglês cockney-malandro para as telas, jamais será visto, em Londres, como Gielgud ou Richardson. Pois John e Ralph são do mundo de Shakespeare, Michael não é. Dito isto, falo que Peter sempre foi um rei. Nada se compara a seu Beckett ou ao que ele faz em Leão no Inverno. Foi uma estrela maior, um conquistador compulsivo, um bebedor imbatível. E ocupa, na hierarquia britânica, um lugar dúbio. Apesar de ser um excelente ator teatral, por ter se popularizado demais no cinema, é colocado atrás de Paul Rogers ou Michael Redgrave. Absurdo!!! Falando deste filme... é triste ver seu rosto estragado. A bebida e a idade devastaram seu olhar de Lawrence da Arábia. Mas é belo ver como ele se diverte e dá conta deste papel difícil, sutil, e comicamente trágico. Fora Peter, é um filme tolo, frio, pretensioso, quase idiota. Ele foi indicado em 2007 por este papel, e perdeu o prêmio pela oitava vez ( um recorde de derrotas ). nota 1.
CINCO COVAS NO EGITO de Billy Wilder com Erich Von Stroheim, Franchot Tone e Anne Baxter.
Segundo filme americano de Billy. Um suspense de guerra em que o grande Erich rouba o filme em seu papel de Rommel, a raposa do deserto nazista. Um filme muito bem feito, muito bem escrito e com linda fotografia do mestre John Seitz. nota 7.
LONGE DELA de Sarah Polley com Julie Christie e Gordon Pinsent.
Preciso. Sarah Polley, atriz mirim do Munchausen de Gillian, se revela aqui muito boa diretora. Neste filme, triste, árido, geriátrico, tudo poderia levar às lágrimas fáceis ou às gracinhas de velhos bonzinhos. Sarah não faz nada disso. Conta sua história. Não força, não doura e nunca apela. Observa. Julie, que perdeu o seu segundo Oscar de forma injusta para Piaf, interpreta como só grandes atrizes podem : com os olhos, com as mãos, com o cabelo. Ela flutua, aturdida, medrosa, sedutora, completamente perdida, variando entre infantil e madura. Um desempenho feito de discreta elegancia. Uma lady. Mas eu já esperava isso de minha atriz musa-para sempre. De minha Kate Hepburn de Londres. Mas Gordon Pinsent arrasa. Seu desamparo, seu abandono e a teimosia de quem insiste em fazer o amor sobreviver é simplesmente acachapante. Um ator superlativo. E eis, ainda com o brilho de Olympia Dukakis e Michael Murphy ( antigo ator de Altman ) um simples e discreto drama outonal. Cheio de neve e de árvores. E em que a diretora, muito jovem, faz algo tão raro no cinema atual : conta a história e deixa que os atores brilhem. Parece tão pouco. Mas é tão raro. nota 8.

SLUMDOG MILLIONAIRE/WILDER/TRUFFAUT

Que saudade do tempo em que comprei meu dvd ! Como foi magnífico o tempo em que comprei as caixas dos Marx, do Tarzan, do Bogey !!!!! Como foi delicioso colecionar Hitchcock, Lang, Ford. Descobrir os tesouros: Vigo, Clair, Murnau...
Invejo a inocencia de quem tem tudo isso para descobrir. Mas, vamos lá...
SLUMDOG MILLIONAIRE de Danny Boyle.
Fiz uma enorme força para adorar este filme. Danny é um cara legal, o filme está causando alguma sensação, quero gostar dele. Mas... após 10 minutos de encerrado voce o esquece. Porque ? Porque este filme padece de nada ter a dizer. Sua técnica existe enquanto ele roda. Depois que ele pára, nada fica. É como um corpo sem alma.
A influencia de Cidade de Deus é óbvia, como também o exibicionismo do camera-man. Toda tomada é elaborada, moderninha, diferentex. A câmera não trabalha em função da história, ela existe por si-mesma, presa em seu narcisismo futil. As crianças são ok, e a cena inicial ( na verdade a terceira cena ) da queda na bosta é muito bem ritmada. Mas depois cansa, e o filme parece muito mais longo do que é.
Me diga alguém : quem lançou a obrigatoriedade de que toda cena deve ser gravada como se a câmera estivesse dentro de um barco em mar agitado ? Pra que ? Eu quero poder olhar as cenas, pensá-las, observar o trabalho dos atores. Mas não: lá vem a onda tsunami, as cenas chacoalhando atrás do trio elétrico, a rapidez que nada mostra e nada conta, os cortes rápidos que impedem qualquer pensamento. Uma chatice esse jeito de filmar!!!!!
Mas o filme se salva pela simpatia dos atores. Nota 6.
A PRIMEIRA PÁGINA de Billy Wilder com Jack Lemmon, Walther Mathau e Susan Sarandon.
O texto de Ben Hecht e Charles MacArthur é um clássico. Aqui ele é filmado pela terceira vez. Este, um dos últimos filmes de Billy, foi massacrado na estréia e se tornou um dos seus grandes fracassos. Injustiça! O filme é de uma maravilhosa leveza!!! Todos os diálogos ( ferinos, duros, diretos, brilhantes ) pulam como bolas de ping-pong e os atores que os dizem ( cheios de alegria e vontade de atuar ) se divertem com a lucidez da coisa toda.
Espertamente, Billy liga a máquina e deixa o show rolar ( em sua biografia ele conta várias vezes gostar de diretores que dirigem sem chamar a atenção ao seu próprio trabalho ). Duas horas de completo prazer. nota 8.
O MORRO DOS VENTOS UIVANTES de William Wyler com Laurence Olivier, Merle Oberon, David Niven.
O livro é infilmável. Como filmar a paixão obsessiva ? Como ?
Wyler é um grande diretor ( o mais premiado da história, ao lado de Ford ), mas falta ao filme a paixão louca que o livro tem. Olivier está correto, mas Merle é um completo desastre! É como dar Macbeth para Ben Affleck. Fotografia estupenda do mestre Greg Tolland. nota 6.
O MUNDO EM SEUS BRAÇOS de Raoul Walsh com Gregory Peck e Anthony Quinn.
Caraca! Quanta ação! Walsh foi uma das figuras mais míticas da velha Hollywood. Tapa-olho na cara, megafone na mão, começou como ator ( nos filmes mudos ) e ao perder uma vista virou diretor. Antes disso fora aviador e corredor em Indianápolis ( o legal é que os caras do cinema antigo não sonhavam em ser autores, portanto não eram ratos de cinemateca- eles viviam e tinham muita coisa pra contar ). Este filme tem brigas, viagens, traições, muito mar, socos e bebediras. nota 8.
MY BLUE HEAVEN de Herbert Ross com Rick Moranis e Steve Martin.
Martin passa todo o filme imitando De Niro. Mas colocar Moranis no papel principal... ele é um grande vazio na tela! Roteiro de Nora Ephron, ou seja, ruim. nota 1.
O AMOR CUSTA CARO de Joel Coen com George Clooney e Zeta Jones.
Assiti no cinema em 2002 e desgostei. Errei. É uma bela comédia frívola. Bons diálogos, boa direção, boa diversão. Clooney dá um show e mostra ser o Cary Grant de sua geração. 7.
UMA JOVEM TÃO BELA COMO EU de Truffaut com Bernardette Lafond, Charles Denner.
O maior fracasso de François. Mas não é tão ruim. Uma comédia doida, bastante amoral, corrida e até histérica. Os primeiros 30 minutos são excelentes. nota 4.