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O ROMANCE DE TRISTÃO E ISOLDA- JOSEPH BÉDIER

   Denis de Rougemont, em seu livro sobre o nascimento da paixão, revolução mental ocorrida por volta de 1.100/1.200, cita por várias páginas Tristão e Isolda como o símbolo máximo do que seja a paixão como o Ocidente a entende. Pois bem, finalmente leio sua lenda, em versão do final do século XIX, mas que conserva todo seu medievalismo. O que posso falar? É das coisas mais fortes que já li.
  Tristão desde sempre cresce como um ser marcado. Ele não tem uma familia e é adotado por um rei. Primeiro fato: Nossas recorrentes fantasias de termos sido adotados, de termos um pai "de verdade" em algum lugar. Pois bem, Tristão é triste ( vem daí seu nome ), e vai à Irlanda para trazer ao rei sua noiva, a bela Isolda. Mas os dois, em mero acidente do destino, bebem de uma poção que faz deles apaixonados. Ou seja, eles não são donos de sua paixão, ela é uma armadilha que independe de vontade. Nada pode ser mais modernista que essa ideia. Daí para a frente o que os dois vivem é um eterno sofrimento, "mesmo quando estão juntos". A ideia que Isolda repete sempre, e que é o mote de toda a arte sobre a paixão desde então, é: "Impossível viver sem ele, impossível viver com ele".
  Não pense que temos aqui um simples livro sobre amor proibido ou infidelidade. Não! O rei compreende o amor dos dois, ele ama a Tristão, compartilha de sua dor. O que nos deixa surpresos é que a felicidade dos dois seria simples de alcançar, fácil, sem nada de tortuosa. Mas eles não percebem isso. Ou melhor, não desejam a felicidade. Eles optam sempre pela dor.
  É impressionante como os dois fazem de tudo para serem infelizes. Estão sempre partindo, se separando, tentando vencer a paixão, terminar a relação...e todo o tempo voltam derrotados, se reencontram e são felizes por apenas um ou dois dias, para logo retornar o medo, a dor, o compromisso com o rei e com a sociedade. Tristão irá até mesmo se casar com outra, em vão, e Isolda tentará ser a boa esposa do rei, é derrotada. O destino brinca com os dois e desde o começo eles sabem que somente a morte poderá os unir definitivamente.
  O livro nos coloca no mundo medieval. É um mundo de violência. Se mata muito, cabeças decepadas são exibidas como troféu e dadas como presente. Mas o amor dos dois, apesar de conter sexo, é estranhamente casto. Há algo de etéreo nesse amor, nessa paixão, eles se abraçam e não mais se soltam, dormem nos braços um do outro, vivem em realidade de devaneio, não percebem nada do que fazem um com o outro. Sofrem, e jamais querem terminar com esse sofrimento. Suas separações nunca são separações, são ingredientes que temperam a relação violenta dos dois.
  Acontecem momentos em que a paixão parece morrer. O modo como Tristão sente Isolda quando ela "termina", para quem já passou por isso, é perfeito. Tristão vê e sente Isolda matando o sentimento, nesse momento o livro alcança alturas absurdas. Como é absurdo, e tão verdadeiro, o modo como ele enlouquece e a forma como Isolda não o reconhece. Ele se faz outro, o amor se vai, e ela o vê como um estranho. Mas a paixão volta mais tarde e os subjuga pela última vez.
  Quem já se apaixonou sabe: a paixão é uma forma de morrer. Morte em vida, morremos para tudo o que existe, menos para a própria paixão. Flertamos com a loucura, com a destruição e estamos sempre suspirando de dor e de tristeza. Porém, estranhamente, vivemos. Cada segundo é um segundo sem igual. Cada dia é um "torneio", uma "justa", um acerto de contas. As noites parecem explodir, os dias nunca se repetem, tudo dói e tudo vive.
  Tristão e Isolda viverão enquanto a paixão existir. Enlaçados e com uma espada entre seus corpos, transformados em espinhos, floridos nas manhãs, suspirando.