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A CAVERNA, O SÍMBOLO, O LIVRO

   Uma experiência verdadeira, profunda, transformadora é petrificada em forma de igreja. Se voce quer viver uma profunda experiência religiosa não a procure dentro de uma igreja. Porque começo este texto dizendo isto?
    Não vivemos para comer ou para procriar. Vivemos para ser. O mais antigo testemunho de um ser que pode ser chamado de humano nos mostra: Um longo labirinto escuro e aterrador. Após rastejar, se machucar, ter medo eis que conseguimos chegar ao núcleo: as pinturas na caverna! O centro da montanha. Esse é o símbolo primordial daquilo que somos. Dentro de nós, em nosso escuro interior vive o infinito. A psique em sua totalidade. Onde não existe tempo, espaço ou fim. Aquilo que só eu posso ser. Mas para chegar até esse âmago a coisa dói. Como dói!
   A teoria de Jung é básicamente otimista. Daí sua desvantagem. Nosso tempo é profundamente pessimista. Em Jung tudo tende para a luz. Nosso self, centro mental, não é bom ou ruim, ele é natural. E tem poder de dar vida. Quanto mais longe desse self mais entediados, sem ideias, morto. O contato com o self dá vida. A vontade de viver mora lá.
   Otimismo. Não existem pessoas iguais. Para encontrar o self cada um tem seu modo, seu caminho. Cada louco tem uma loucura única. Cada medicamento age a seu modo particular. A busca pelo self é busca por vida. Essa é a raiz de toda religião. E da arte, religião dos ateus. A busca por transcendência que se dá a cada um a seu modo. Por isso ser impossível uma tese psicológica única. Em sua originalidade cada ser deve mergulhar em sua gruta e encontrar seu centro. Como? Geralmente pela dor. Pela crise. Pela solidão.
   No mundo moderno, sem simbolos verdadeiros, sem ritos que ajudem, sem lendas e sem silêncio, onde tudo se pensa e o discurso interior nunca cessa, encontrar o self se faz quase impossível. O mal de agora é o excesso de controle, de razão, de porques.
   A luz da razão a vida nunca vale a pena. Lutamos para acabar no túmulo. E ser esquecidos. O que nos faz prosseguir é essa força tênue e distante que promete "algo a mais". Pode ser chamada de Deus, duende, anjo, xamã, fé, esperança, missão, consciência...não importa. Está dentro da mente, existe em nós e ao redor ( pois influencia tudo o que podemos perceber ). A razão a teme. Porque ela pede por humildade. A humildade de saber que a razão não é senhora da vida. E que nosso pobre ego precisa do self para continuar a viver.
   Criatividade, o encontro com essa vida nova sempre se dá pela criatividade. Pela ousadia original. Ser o que voce tem de ser. Como saber? Como entender a mensagem daquilo que não tem lingua racional? Lendo com atenção os sinais, as pistas.
    Fomos animais. Fomos irracionais. A razão surge e evolui para podermos sobreviver na luta pela vida. Adaptamos nosso cérebro à técnica, a comunicação, ao pensamento linear e claro. Simples. Mas aquilo que fomos não morre. Está aqui. Em mim. Em nós. Ancestralidade. Instinto. A voz da natureza em mim.
    Duas correntes no século XX. Gente que viveu essa experiência ( Borges, Hesse, Kazantzakis, Yeats, Camus, Rilke, Jung, Mann, Kandinski, Klee ) e gente que nunca a quis escutar. Tenho certeza que Paulo Coelho, por exemplo, viveu uma experiência significativa, mas, mal escritor que é, nunca conseguiu transmitir nada dessa experiência. Então uma multidão de pessoas que sentem esse anseio e mal sabem o que seja vão atrás dele. E nada encontram. Elas têm de escrever seu próprio "Diário de um Mago" e não pegar de barato esse relato de quinta categoria.
    Bem, escrevi aqui apenas um breve testemunho. O livro, a derradeira tentativa de Jung de escrever simples, tem muito, muito mais. De certa forma tudo que escrevo está lá exibido.
   

ULYSSES, BARBARA GANCIA, HAVAIANAS, ROBERTO CARLOS E MONKEES

   Paulo Coelho não gosta de Joyce. Seria surpreendente se ele gostasse. Porque tanto blá blá blá? Paulinho conseguiu o que desejava. Ele vingou aqueles que não conseguem ler Joyce. Que leiam Coelho.
   A Cinemateca produz uma multi-facetada mostra de filmes silenciosos. É sua chance, voce pequeno preconceituoso, de descobrir as delicias do mais cinematográfico dos tipos de filme. Imagem pura, ação sem diálogos, filmes que independem da lingua do país em que foram feitos, o mais pop dos estilos. E com trilha sonora improvisada ao vivo. Vão passar O Gabinete do Dr Caligaris. Tenho péssimas lembranças desse filme. Assisti aos 16 anos, e apesar de ter o dvd, nunca tive coragem de reve-lo. Hiper doentio, me dá um medo horroroso. Ver esse filme de Robert Wienne é como entrar na mente de um louco.
   Os Monkees, amados, vão excursionar. Se viessem ao Brasil eu iria. E teria de levar calmantes, balão de oxigenio e lenços à mão. Sem Davy Jones não será a mesma coisa. Mas lá estarão Peter, Mickey e Michael. E aquele monte de canções estupendas. Monkees é a única banda fake que virou lenda. E seu programa de Tv era anarquia pura. Ácido para crianças.
   Roberto Carlos foi o cantor da primeira canção que cantei na vida. O tempo voa e ele permanece de pé. Assim como MacCartney consegue, sem esforço, ser a alma em música da Inglaterra viva, com tudo de bom e ruim que ela tem ( comodismo, romantismo simplificado, humor, harmonia e hierarquia ), Roberto é o Brasil. Ele é doce demais, suave demais, sentimental demais, saudosista demais e carola demais. E ao mesmo tempo é profundamente verdadeiro, sincero, comovente e consolador. Ele não ousa. Ele executa. Ouvir coisas como Detalhes ou A Beira do Caminho é tomar contato com os arquétipos imorredouros de uma nação. O tempo voa e ele cresce. No deserto da canção romântica deste mundo velho e cínico, Roberto Carlos é bálsamo de esperança.
   Barbara Gancia é sempre ótima. Um texto dela: "Onde estão os Ricos?" Brilhante e hilariante. Ela toca com pé de chumbo e humor de veludo em assunto que muito me interessa. Ou seja: Com essas camisetas simplesinhas, essas bermudas horrorosas e chinelos fedidos, ainda existem ricos? O que define a riquesa? Afinal, hoje todos se vestem como pobres, assistem coisas de pobre e falam como pobres. Existem ricos, ricos de verdade? Onde estão esses endinheirados que se vestem como ricos, se divertem entre ricos e usufruem apenas do que é exclusivo? Barbara fala das imagens do Brasil de 1950, onde, ao contrário de hoje, todos parecem ricos. Ternos de linho e camisas brancas alinhadas. O pobre virou lei geral?
   Dou meu palpite: Ditadura da democracia. Ser rico é uma vergonha. Ser feliz é ser personagem da novela das oito. E rico de novela se comporta e goza a vida como pobre. A única diferença entre classes é que eles assistem Batman em poltronas melhores e usam a mesma bermuda de pobre comprada em loja mais cara. Fora isso, é o mesmo mundo de churrasco, balada e chinelo.
  Pense nisso: Na vida ou voce crê em tudo ou em nada. Isso é coerência. Crer em tudo: Anjos, física nuclear, na história, no marxismo, na psicanálise, em Jung e nas religiões. Porque tudo é uma questão de fé e se voce admite uma, creia, voce admite a validade de qualquer outra construção da mente criativa. Ou descrer de tudo. Religião, história, poesia, Freud e Marx, Kant e Goethe, admitir que tudo é vã construção da razão FANTASIOSA e assim se despir de toda crença e se guiar apenas por SUA EXPERIÊNCIA DE VIDA. Esse é o pensamento do mais importante filósofo vivo. E ele é tão bom que deixa a hipótese em aberto. Creia em tudo ou creia em nada. Mas jamais cometa a bobagem de crer em uma coisa e negar outra, ou negar tudo menos uma única teoria. Voce deve ir fundo. Ser um homem aberto a tudo, ou ser um homem descrente de tudo.
   Pra finalizar: Eu adoro a Inglaterra. E abomino os ingleses vivos.