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PRÉLUDES VOLUME 1. CLAUDE DEBUSSY POR ARTURO BENEDETTI MICHELANGELI
Debussy chegou perto do segredo. Há um mistério na música que nunca iremos descobrir. Como se ela estivesse aqui antes. Fosse componente primeiro do que é o todo. Música que é colhida pelas pessoas, não criada. Como a luz ou o calor, ela está. Debussy intuiu isso sem precisar pensar, pois não se pensa o impensável. A música é a realidade básica. Debussy colhendo música. ------- Os Prelúdios são pequenas peças que exploram tudo aquilo que o piano pode dar. São ventos pianísticos. São névoas em teclas. Sol sobre as mãos. Ouvir é voltar à um mundo não perdido. Mundo hoje obscurecido, porém sempre presente, permanente para além de nós mesmos. Mundo de Claude Debussy, aquele de cristal, da luz sobre e entre o cristal, das vozes abafadas pelo veludo das cortinas e almofadas. ----------- Quando vejo essas novas fotos de Plutão, vermelho com nuances de azul turquesa, ouço no distante mundo a música de Debussy. Porque ela está lá e além de lá. E é esse o segredo de toda música. A digital da criação. A respiração do começo e do que será fim. ------------- Arturo Michelangeli é um dos dois grandes pianistas da Italia, o que não é pouco. Seu Debussy evita a armadilha do excesso de delicadeza. É um Debussy viril. Bravíssimo! --------- Como adendo eu percebo aqui o toque de Kind of Blue de Miles Davis. Eis o jazz impressionista modal. Bill Evans bebeu tudo daqui e Miles levou isso para seu sopro. Como eu disse, a música é um segredo e Miles também o intuiu.
PELLÉAS E MÉLISANDE, SUITE- DEBUSSY
Leia abaixo o texto sobre os três noturnos para entender o que é a música de Debussy. Aqui temos a suite retirada de sua ópera de sucesso. Imaterial e atemporal, cheia de silêncios e ecos, pré-histórica e filha do século XX, sem passado e toda futuro, antiga como o kosmos, sem tempo e sem ação, buliçosa. ------------------- Eu já transei ouvindo esta obra. E funciona. ( Por este comentário voce não esperava não é? ). O enroscamento de corpos nús, a anulação do tempo, a comunhão de hálitos, a sofreguidão seguida do descanso, a maciez dos corpos, o ato mais básico da vida, a simplicidade levada ao ponto mais sofisticado, o refinamento do gesto, a penetração pagã, a amoralidade sem regra, a delicadeza do coração, a animalidade do fazer, o instinto sem vocabulário. A música se casa com meu corpo e com o corpo dela. Experimente. ----------------- A música de Debussy é um ato de curiosidade.
TRÊS NOTURNOS - DEBUSSY
Debussy foi inspirado por uma pintura de Whistler para compor esta obra prima ( e o cd coloca na capa uma obra de Miró....por Deus, que idiotas! ). Para mim, sim, a música fala de Whistler, pintor que amo apaixonadamente. Mas, assim como a pintura do americano possui algo de "antes da pintura", a música do francês, um gênio sem dúvida, fala de algo que é anterior a fala. ---------------------- Uma das imagens que mais me fascina é a paisagem que imagino do planeta antes do homem. Adoro pensar e inventar esse mundo. Um planeta antes do advento da humanidade, portanto um mundo sem testemunho recional, sem narrativa possível, um mundo sem tempo. Nessa paisagem não há antes ou depois, não há amanhã. Anos ou segundos nada significam. Animais são presenças, nada mais que isso. Nada menos. -------------------- A música de Debussy, sobretudo nos Noturnos é a melodia desse mundo, harmonia e ritmo sem história. Pois a arte de Debussy surgiu como se do nada e se foi ao nada de onde veio. Toda música é imaterial mas esta é pré-matéria, é como uma brisa que passa pelo mundo sem homens. Música que não parece ter sido fabricada, parece sim ter sido colhida da natureza. Ela é como um raio do sol ou uma pétala que cai. Acontece, independe da vontade de alguém. É antes do alguém. ---------------- É portanto natural. --------------- Claudio Abbado rege a Filarmônica de Berlin em 1998. Já ouvi versão mais delicada. Mas é boa esta.
TROIS NOCTURNES - CLAUDE DEBUSSY. MÚSICA COMO UM LUGAR ONDE SE VIVE.
A janela tem caixilhos de chumbo, vidro em losangos e ela está sempre fechada. Um tecido de linho creme fecha a possibilidade de entrada do sol. Depois há uma renda branca e ainda uma pesada cortina de veludo damasco. Um laço de veludo azul escuro segura as cortinas. Uma luminária de bronze que representa Diana caçando um servo. Um castiçal de prata. No teto cristal e lâmpadas. O papel de parede é dourado escuro. flor de lis. Quadros: Psiquê nua em um lago ao alvorecer. Ruínas de um castelo escocês. Uma fonte em Livorno. O rosto do bisavô, barba e espada. Floral quase abstrato. Ainda mais 3 pequenos quadros, cada um com um tipo de cão. Piano ao canto, coberto com tecidos da Índia. Banqueta de couro de cabra. Três sofás. Um preto. Um verde água. Outro marrom. Todos cobertos com almofadas de seda. Motivos florais. Lareira de mármore e aparas de bronze queimado. Cinco vasos de cristal azul sobre o aparador. Mesinha ao canto, com aparelho de chá chinês, branco e azul. Outra mesinha ao centro, com edições encadernadas em preto: Proust, Valery e Poe. Um Mallarmé jogado no chão, sobre um tapete oriental. Caixa de charutos sobre mesinha ao lado de uma poltrona de couro cinza chumbo. A porta é preta com frisos de prata laqueada. O ar não se renova. Não há som vindo do exterior. A sala é um mundo em si. É o tempo em que o dentro jamais se misturava com o fora. O lá era longe do aqui. A arte criava ambientes artificiais. O objetivo não era, jamais, recriar a vida, mas sim criar uma outra vida. No centro da sala um tabuleiro de gamão feito de marfim negro e branco. Seria marfim? --------------- Esse é o mundo de Debussy. E se voce se concentrar, até mesmo o cheiro da sala voce irá perceber. A música tem o poder de nos fazer ir para dentro, e em Debussy isso é levado ao máximo. Olhos fechados, ambiente construído. Eis tudo.
PHILIPPE ENTREMONT TOCA DEBUSSY
Existe um tipo de arte, que nos subjuga, que consegue expressar aquilo que queremos dizer e não conseguimos. Não é o caso aqui. Pois há outra forma de arte, rara, que faz com que sintamos algo do tipo: Eis minha alma aqui! ----------- É este o caso.
Eu sou o tipo de pessoa que por curiosidade, e sem ela voce não é nada, já ouviu, assistiu e leu muita coisa. Várias me emocionaram e algumas despertaram minha paixão. Mas poucas, muito poucas, fazem com que eu sinta: Aqui sou eu quem fala! O que esta obra diz é aquilo que eu sou. --------------------- Não há aqui julgamento de valor. Obras que despertam minha paixão, por exemplo, Mozart, têm normalmente um valor em si maior que aquela obra que fala o que eu sou, por exemplo, Debussy. Debussy foi um gênio, mas Mozart foi um deus. Eu, infelizmente não me sinto Mozart, mas eu me sinto Debussy quando o ouço. Se eu tivesse talento, era exatamente aquilo que eu faria. E sentir isso é bem raro. -------------- Philippe Entremont foi um dos cinco maiores pianistas franceses do século. Neste disco de 1963, CBS, ele executa várias obras de Claude Debussy. Criatividade sem fim e técnica exata. Debussy procura ser original todo o tempo. Sua música, apesar de uma clara influência de Chopin, não procura a emoção, ela busca a coisa nova. Dizem que Claude era um homem calmo e de hábitos, mas sua música é nova, sempre nova. E por isso ouço o piano dançar, pular, se desmanchar, crescer, suspirar e até mesmo pensar. Nada se desenvolve como o esperado, nada parece com alguma coisa anterior. Não há palavras para dizer o que esta música é. Ouça.
MÚSICA INGLESA
Um dos mistérios da história cultural é porque uma nação com tão boa literatura, a Inglaterra, tem uma música tão pobre. O maior compositor inglês é alemão, Haendel, e o único realmente nascido na ilha, que pode ser chamado de gênio, nasceu a mais de 300 anos, Purcell. Ingleses sempre amaram música, boas orquestras e boas casas de espetáculo sempre existiram. Divas da ópera ganhavam fortunas por lá, desde o século XVIII, mas os talentos da ilha não vingavam. Os ricos ouvintes importavam italianos, alemães. ---------------------- No século XX dizem ter havido um renascimento da música inglesa. Holst, Britten, Vaughan-Willians, Delius, Elgar, Walton. Ouço agora dois cds com os quatro últimos dessa lista. ---------- As Variações Enigma de Edward Elgar, talvez o mais amado compositor moderno pelos ingleses, não pelo resto do mundo; é uma obra que revela toda a fraqueza de tanta música de lá: cai às vezes em clima de fanfarra. É chata, é pretensiosa, é banal. E barulhenta. Não é longa, mas parece durar uma semana. Não diz nada, fala demais. Dizem bons autores, que ingleses amam música coral, de igreja protestante, e música de banda, de marcha militar. Elgar prova isso. Mas há Delius. Frederick Delius. DUAS PEÇAS PARA ORQUESTRA PEQUENA e DUAS AQUARELAS. Que coisa delicada, bela, sonhadora, diáfana. Emociona o modo como ele coloca os sopros sobre uma cama sutil de cordas. A harmonia que se desenrola em ondas rodopiantes. É música que lembra Debussy, mas está longe de ser uma cópia. Seria um Debussy mais sólido, mais simples, incrivelmente surpreendente. A melodia inicia e voce jamais sabe para onde ela vai. Pássaros entre folhagens. --------------- Vaughan Willians é ainda melhor. CONCERTO PARA ÓBOE é hipnotizante. Há muito de Ravel aqui. Toda orquestração, sublime, cálida, fresca, é de uma leveza etérea. Mas na segunda obra, THE LARK ASCENDING, temos quase uma epifania. Willians faz tudo soar como lembrete de imaterialidade. Genial. ------------------ Daniel Baremboin rege a Orquestra de Câmara Inglesa. Perfeitos.
SOBRE MÚSICA, TEMPO, POESIA E NOSSA MENTE
Foi um tempo crucial aquele entre 1890-1910. Chamam de Belle Epoque. Não sei se foi belo, mas sei que produziu beleza. Houve a Teoria da Relatividade de Einstein e os Quanta, de Planck. O filósofo da vez era Henri Bergson. Foi tempo de Freud. E creia, há beleza nisso tudo. Nessa época se escreveram, ou eram ativos, os escritores que mais gosto: Henry James, Yeats, Conan Doyle, Oscar Wilde. Havia o simbolismo. Havia Wells, Synge, Shaw, Rilke, Stefan George, Chesterton, Twain, Foster. Proust - Joyce estavam em formação final. Gauguin, Matisse, Redon e Klimt. O clima era de reação contra o mecanicismo do século XIX. O tempo era relativo. O mistério retornava ao mundo. Mallarmé e Maeterlinck eram nomes fortes, sua literatura buscava transmitir o inefável, o efêmro que perdura, o invisível que existe. Claude Debussy conseguiu realizar aquilo que Mallarmé tentou. Pois a música faz aquilo que as letra tentam e não conseguem: narrar o inenarrável. ----------------------- Deite-se e coloque Debussy para tocar. Pode ser Nocturnes, ou La Mer. Feche os olhos e não tente ficar acordado. Se voce divagar ou até domir tanto faz. O estado intermediário entre dormir e despertar seria o ideal. A música de Debussy não fala do mundo real-sólido, fala do real-oculto. O que é estranho, pois o compositor tinha por meta descrever coisas vistas. ------------------------- Sinta. O objetivo de Debussy era conseguir que a orquestra criasse sons novos. Sua música não ANDA. Ela roda em círculos. Ela não tem introdução, desenvolvimento e final. Ela é um momento no tempo, um hiato. Começa como se já estivesse lá desde sempre e termina sem acabar. Releia minha descriação e voce notará que a mesma descrição do tempo por Bergson. E é a mesma do inconsciente por Jung. Claude Debussy fez aquilo que pensamos ser a música que vive em nosso inconsciente. E por isso ela nos faz sentir medo ou desejo. Nesse mundo sonoro sentimos vontade de mergulhar dentro dos sons, ou de fugir deles. É como se nossos sonhos se revelassem, e ao mesmo tempo, como se um abismo se avistasse. Sedutor e fatal. ----------------------- A poesia da época tenta soar assim. A pintura também. Trilha sonora ideal para os textos de Wilde e de Proust. Música com perfume. ---------------------- Claude Debussy nasceu em 1862 e viveu até os anos de 1910. É o maior compositor da França e o inaugurador da música do século XX. A música da era da relatividade e da física quântica. Não conheço música que te obrigue, de forma tão clara, a olhar para dentro. Memórias, fantasias e símbolos fluem em cada nota e em cada tom. Por isso a aversão de quem teme olhar para dentro. Mais de cem anos passados, ele ainda soa inacessível para alguns e complexo para muitos. -------------------- Eu adoraria poder dizer o que os anos 1990-2010 irão significar em 2100. O começo da virtualidade? Sim, é isso.
PRÉLUDE À L´APRES - MIDI DUN FAUNE - DEBUSSY
Mallarmé inspirou esta obra prima. Como acontece com a obra de Ravel citada abaixo, não existe tempo aqui. É música tão milagrosa que ela não anda, não progride, não evolui. Ela é como um momento que criou seu próprio universo, um local sem tempo e sem matéria. Música, a grande música é sempre imaterial, mas aqui se vai à outro logos: ela não existe. Voce vai até ela, voce se move e flui ao redor da música. Nasce um fauno, nasce voce, nascem luzes, nasce tudo. Um círculo misterioso, o que é isto, o que há lá, o que não acontece? Um não acontecimento, uma não história. Mas volta, retorna aquilo que nunca foi, renasce o que jamais morre, repercute o espaço congelado. Há tanta beleza aqui, tanta verdade, que tudo o mais inexiste. Música que não acontece, testemunha. As palavras são água, a melodia é mais que oceano.
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