Mostrando postagens com marcador kaváfis. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador kaváfis. Mostrar todas as postagens
KONSTANTINOS KAVÁFIS, POEMAS
Me desculpe José Paulo Paes, mas ao contrário do que voce diz, não há dois poetas mais diferentes que o grego e Pessoa. Voce, Paes, diz que ambos se parecem por serem os dois homossexuais, virem de países marítimos e usarem línguas pouco conhecidas, o grego e o português. Mas e daí? Leia o que escreveram e veja a diferença crucial: Kaváfis é sensual, saudável, hedonista, feliz. Tendo vivido na virada do século XIX para o XX, o grego publicou quase nada e morreu desconhecido ( sim, como Pessoa, quantos mais não o foram ), mas sem ressentimentos, Kaváfis celebra os encontros em camas de hoteis, a alegria dos membros bonitos, a juventude do desejo sem limites, a liberação do amor. Não há medo aqui. Não há tristeza. Vive nele a coragem. ----------- E por outro lado, ele celebra o passado grego, os herois, pouco se importando com o hoje e o agora. O que lhe seduz é o para sempre. Nascido na Alexandria sensual e sem vergonha, aquela descrita por Lawrence Durrell, Kávafis é delicioso e prazeroso. Mediterrâneo. Azeite e vinho no pão do sol.
ESTAMOS CHORANDO A BEIRA MAR
Nunca tivemos tanto. Temos roupas, temos comida e remédios. Um homem assalariado, comum, tem hoje coisas que seriam impensáveis em 1950. Não falo de celulares ou PCs, eu falo do básico. Mas, estranhamente, nunca fomos tão "sem nada". Sigo o raciocínio de Olgária Mattos e da poesia de Kaváfis, perdemos a liberdade e a criatividade, com isso perdemos a viagem.
As coisas existem em certa proporção e para ter uma nova coisa é preciso perder uma outra. Troca-se. Nossa fartura ocupa o espaço de outras coisas que se vão. A liberdade de nada ter trazia a liberdade de poder partir sem olhar para trás. E essa liberdade, mesmo que apenas sonhada, trazia consigo o dom de sonhar e de tentar. A criatividade. Temos coisas e não sabemos o que fazer com elas, ou pior, não sabemos também o que fazer sem elas. Nunca fomos tão dependentes do trabalho de outros. Não conseguimos sobreviver a sós. Precisamos de celulares, de carros, de protetor solar e de enlatados. A sós ao lado de um rio morreríamos de fome e com dor de barriga não saberíamos que chá fazer.
Nossas crianças perdem o dom de imaginar. Não sabem mais inventar brincadeiras e construir brinquedos. As mãos perdem sua magia e com elas se vai a criação. Adultos, não mais temos um ideal e ficamos passivos a espera de alguém que nos dê ou venda uma invenção. Nova. Nunca tivemos tanto e nunca tivemos tão pouco.
Jamais iremos saber cultivar, domar, fazer, ser outra vez? Coisas sagradas se tornam jogos ou brinquedos. Sexo é hoje um brinquedo e a guerra um jogo. A morte uma cerimônia vazia de sentido e o casamento uma chatice sem porque, uma lingua que esquecemos da tradução. Esquecemos. Vamos apagando da memória o que significa familia, amor, religião, arte, beleza. E então falamos sem pensar que tudo isso é um nada sem sentido. Na verdade não conseguimos lembrar do sentido, não entendemos mais essa linguagem. Nossa memória se ocupa de outras coisas... do que mesmo?
Perder a lembrança de familia ou de religião seria aceitável se fôssemos felizes sem elas. Mas não é o que ocorre. Terapias, drogas, armas e vicios provam o contrário. A vida tem se desvalorizado. Dizer que uma vida é "mistério sagrado" parece hoje uma bobice.
Vivemos um tempo em que até mesmo a poesia é não-poética.
Ulysses lutou dez anos em Tróia. E levou outros dez para voltar para casa e para sua esposa. Nessa volta ele foi amante de uma feiticeira e viveu com ela na mais linda das ilhas. Nessa ilha tudo havia e nada era ruim. O mais lindo sol, o mais lindo mar e a ausência de dores e de doenças. Sexo, comida, prazer. Mas toda noite, escondido, Ulysses ia à praia e chorava. Ansiava por partir. Voltar à feia, pobre e triste Ítaca.
Então um dia Ulysses parte. Sem saber se irá sobreviver a viagem, sem saber quanto tempo irá gastar no mar, ele se vai e abandona a ilha da felicidade. Ulysses se lança a dúvida, ao precário, e volta a ser ele-mesmo. De volta a aventura, ele readquire sua criatividade, sua independencia e suas opções. Mais que tudo, ele espera...Espera retornar, Ulysses é feliz, Ulysses volta a ter fé, ele espera e confia.
Veja bem, Ulysses volta a ser feliz mas não a ser contente. Ele foi contente na ilha, no mar ele é sério, ele é feliz.
Não é preciso que eu diga que vivemos na ilha. E que Homero teve a intuição divina da armadilha que o futuro nos preparava. Estamos contentes. Estamos chorando a beira mar.
As coisas existem em certa proporção e para ter uma nova coisa é preciso perder uma outra. Troca-se. Nossa fartura ocupa o espaço de outras coisas que se vão. A liberdade de nada ter trazia a liberdade de poder partir sem olhar para trás. E essa liberdade, mesmo que apenas sonhada, trazia consigo o dom de sonhar e de tentar. A criatividade. Temos coisas e não sabemos o que fazer com elas, ou pior, não sabemos também o que fazer sem elas. Nunca fomos tão dependentes do trabalho de outros. Não conseguimos sobreviver a sós. Precisamos de celulares, de carros, de protetor solar e de enlatados. A sós ao lado de um rio morreríamos de fome e com dor de barriga não saberíamos que chá fazer.
Nossas crianças perdem o dom de imaginar. Não sabem mais inventar brincadeiras e construir brinquedos. As mãos perdem sua magia e com elas se vai a criação. Adultos, não mais temos um ideal e ficamos passivos a espera de alguém que nos dê ou venda uma invenção. Nova. Nunca tivemos tanto e nunca tivemos tão pouco.
Jamais iremos saber cultivar, domar, fazer, ser outra vez? Coisas sagradas se tornam jogos ou brinquedos. Sexo é hoje um brinquedo e a guerra um jogo. A morte uma cerimônia vazia de sentido e o casamento uma chatice sem porque, uma lingua que esquecemos da tradução. Esquecemos. Vamos apagando da memória o que significa familia, amor, religião, arte, beleza. E então falamos sem pensar que tudo isso é um nada sem sentido. Na verdade não conseguimos lembrar do sentido, não entendemos mais essa linguagem. Nossa memória se ocupa de outras coisas... do que mesmo?
Perder a lembrança de familia ou de religião seria aceitável se fôssemos felizes sem elas. Mas não é o que ocorre. Terapias, drogas, armas e vicios provam o contrário. A vida tem se desvalorizado. Dizer que uma vida é "mistério sagrado" parece hoje uma bobice.
Vivemos um tempo em que até mesmo a poesia é não-poética.
Ulysses lutou dez anos em Tróia. E levou outros dez para voltar para casa e para sua esposa. Nessa volta ele foi amante de uma feiticeira e viveu com ela na mais linda das ilhas. Nessa ilha tudo havia e nada era ruim. O mais lindo sol, o mais lindo mar e a ausência de dores e de doenças. Sexo, comida, prazer. Mas toda noite, escondido, Ulysses ia à praia e chorava. Ansiava por partir. Voltar à feia, pobre e triste Ítaca.
Então um dia Ulysses parte. Sem saber se irá sobreviver a viagem, sem saber quanto tempo irá gastar no mar, ele se vai e abandona a ilha da felicidade. Ulysses se lança a dúvida, ao precário, e volta a ser ele-mesmo. De volta a aventura, ele readquire sua criatividade, sua independencia e suas opções. Mais que tudo, ele espera...Espera retornar, Ulysses é feliz, Ulysses volta a ter fé, ele espera e confia.
Veja bem, Ulysses volta a ser feliz mas não a ser contente. Ele foi contente na ilha, no mar ele é sério, ele é feliz.
Não é preciso que eu diga que vivemos na ilha. E que Homero teve a intuição divina da armadilha que o futuro nos preparava. Estamos contentes. Estamos chorando a beira mar.
KONSTANTINOS KAVÁFIS
José Paulo Paes traduz e fala dos vários pontos em comum entre o moderno poeta grego e Fernando Pessoa. Viveram no mesmo período, foram funcionários públicos, desconhecidos em vida. Ambos idealizaram o passado de sua nação. A diferença, vasta, entre os dois: Pessoa era um hiper-cerebral intelectualista; Kaváfis era um sensualista. Homossexual, solitário, Kaváfis ia à caça, perambulava pelos bares e ruas. Sua poesia fala desse tema, expõe sexualidade, nada teme.
E rememora. Kaváfis nasceu em Alexandria e se considerava um herdeiro da cultura grega. Como Pessoa, teve o inglês como primeira lingua. Mas o grego logo se percebeu como helenista. Sua nação era a Ítaca de Odisseu, e muito além, o oriente helenizado. Seus versos unem Egito e Grécia, antiguidade e idade média. Paganismo e ortodoxia cristã, amor carnal e desejos transcendentes. Mas atenção: Kaváfis nunca perde o corpo de vista. O sangue e a carne mandam. Ele é sensual.
E simbolista. Não se importa com o aparente, o evidente, o óbvio. Seu mundo é feito de noite, sombras e camas recém usadas. De peles beijadas e de um imenso passado. Ele vai a momentos decisivos da história e recria. Dá vida a heróis e a impérios esquecidos, faz de Antonio, César, Nero, Juliano, personagens. Máscaras que na verdade são Kaváfis, atores do drama que é a vida do poeta.
Ele relembra anos idos, séculos perdidos, ele relembra jovens que amou, seu corpo em decadência, as noites de exageros. Inexiste arrependimento. Se Kaváfis lamenta, e ele o faz, é a passagem do tempo. A poesia é para ele a cura, o remédio que alivia a dor da perda. Seus versos dão vida àquilo que passou.
Escritos de forma muito simples, Kaváfis foi "descoberto" logo após sua morte. Seus escritos, apenas 180 poemas em mais de 60 anos de vida, foram reunidos por seus amigos e publicados. Eliot, Forster e Pound logo o elogiaram e seu lugar no olimpo do século XX estava garantido.
Leves, coloridos, vivos, ler Kaváfis é um prazer.
E rememora. Kaváfis nasceu em Alexandria e se considerava um herdeiro da cultura grega. Como Pessoa, teve o inglês como primeira lingua. Mas o grego logo se percebeu como helenista. Sua nação era a Ítaca de Odisseu, e muito além, o oriente helenizado. Seus versos unem Egito e Grécia, antiguidade e idade média. Paganismo e ortodoxia cristã, amor carnal e desejos transcendentes. Mas atenção: Kaváfis nunca perde o corpo de vista. O sangue e a carne mandam. Ele é sensual.
E simbolista. Não se importa com o aparente, o evidente, o óbvio. Seu mundo é feito de noite, sombras e camas recém usadas. De peles beijadas e de um imenso passado. Ele vai a momentos decisivos da história e recria. Dá vida a heróis e a impérios esquecidos, faz de Antonio, César, Nero, Juliano, personagens. Máscaras que na verdade são Kaváfis, atores do drama que é a vida do poeta.
Ele relembra anos idos, séculos perdidos, ele relembra jovens que amou, seu corpo em decadência, as noites de exageros. Inexiste arrependimento. Se Kaváfis lamenta, e ele o faz, é a passagem do tempo. A poesia é para ele a cura, o remédio que alivia a dor da perda. Seus versos dão vida àquilo que passou.
Escritos de forma muito simples, Kaváfis foi "descoberto" logo após sua morte. Seus escritos, apenas 180 poemas em mais de 60 anos de vida, foram reunidos por seus amigos e publicados. Eliot, Forster e Pound logo o elogiaram e seu lugar no olimpo do século XX estava garantido.
Leves, coloridos, vivos, ler Kaváfis é um prazer.
Assinar:
Postagens (Atom)