Mostrando postagens com marcador glenn gould. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador glenn gould. Mostrar todas as postagens

Glenn Gould plays Bach

GLENN GOULD....AS VARIAÇÕES GOLDBERG

Foi em 1955 que a CBS lançou um LP de um jovem pianista canadense chamado Glenn Gould. Sucesso histórico de vendas, Gould propunha uma nova abordagem sobre a música de Bach. Para ele, o velho mestre alemão fazia música pura, quase matemática, abstrata. Bach escrevia música lógica, não intuitiva, cada nota seguindo uma corrente logicamente alinhada. Música que não existia para expressar, mas sim e acima de tudo para ser música. Um som, vários sons, uma execução. Para demonstrar isso, Gould possuía o requisito básico: uma monstruosa habilidade. Sua execução chocou por ser o contrário daquilo que gente como Horowitz ou Rubinstein faziam em seus pianos, Gould não procurava a emoção, ele queria a precisão total. Sua leitura de Bach era seca e sua velocidade bem mais acelerada. Nada de notas tocadas lentamente, como a exigir sentimento, Gould toca o que lê na partitura. Bach pareceu então chocantemente moderno. Não parecia haver em Gould a religiosidade e a antiguidade barroca que era o modo como todos viam Bach. A sensação era de que o canadense trazia Bach para 1955. Hoje sabemos que Bach era provavelmente aquilo que Gould propunha. O que em 55 parecia heresia modernista de um jovem pianista, hoje é aceito como modo correto de entender a música não romântica, a música de Bach. Se voce escutar o LP, perceberá que nada ali te emocionará por seu "sentimento de alma", mas sim pela absurda genialidade rigorosa de Glenn Gould. Repare na mão esquerda dele e fique estarrecido. Sua velocidade é espantosa. Gould não foi e não é o melhor pianista da história. Mas ele é, e será sempre, o mais original. -------------------- Bach escreveu as Variações Goldberg para serem ouvidas por um nobre insone. O tal Goldberg não conseguia dormir, e Bach compôs por encomenda estas peças, música para acompanhar uma noite em claro. Prosaico? Muito. Veja bem, é um mundo que não reconhece o coração como centro do universo. A música é música. Não é confissão ou projeto social. Em nossos dias Brian Eno tenta fazer retornar esse modo de ver a música em toda sua obra: música que nada expresse,que seja apenas aquilo que ela é: som. -------------- Claro que Gould era esquisito. Tocava numa postura completamente errada. Tinha várias manias. E odiava tocar ao vivo. Após 1962, se dedicou apenas a gravar. Para ele, apenas o estúdio lhe dava a perfeição sonora total. Morreu me 1982, aos 50 anos, do coração. Sua morte foi bastante noticiada então. Gould foi uma estrela que fugia do mundo em sociedade. Era um pianista. Apenas isso e mais nada. E por ser 100% isso, atingiu o cume da montanha. Um ser único.

MATADOURO CINCO

Voce ama ou odeia. MATADOURO CINCO é um filme que impressiona de cara: uma máquina de escrever datilografa a história de um homem que está preso numa viagem pelo tempo. E voce estará preso em um filme que viaja pelo dentro de fora, pelo real e pelo imaginário, pelo futuro e pelo passado.
Pilgrim é um bobo. Calado, não muito esperto, ele é preso do acaso. É um soldado na segunda guerra. É preso pelos alemães. Vê uma nave no céu. Cresce na América dos anos 40-50-60. Casa com uma mulher que não ama. É raptado e enviado para o futuro. Descobre o sexo já na maturidade. Vê a destruição de Dresden pelos aliados.
George Roy Hill dirigiu este filme em 1972. Após seu sucesso em Butch Cassidy, ele faz um filme de "arte". Usa o livro de Kurt Vonnegut Jr. Usa a fotografia belíssima de Miroslav Ondrieck ( tcheco dos filmes de Milos Forman ). Usa a música de Bach tocada por Glenn Gould. E tudo isso junto faz deste filme uma coisa deliciosa, engraçada e trágica, muito trágica e muito engraçada.
As cenas se sucedem em cortes. Cenas muito curtas, algumas muito longas. Aquelas no planeta alienígena são as mais difíceis, o que é aquilo afinal? Seria esta Terra vista sob outro foco? O limite como prazer? Ou Vonnegut brinca com a física quântica? E há a beleza inenarrável de Dresden. Vemos o paraíso possível, humano, ser destruído inutilmente pelo homem, que se cria o céu cria o inferno também. Dresden foi tão destruída quanto Nagasaki. A cidade inteira foi arrasada em uma noite. Toneladas de bombas incendiárias jogadas sobre uma cidade que não tinha tropas e nem fábricas. Uma simples vingança. O filme não faz draminha: tudo é mostrado de forma seca. É de uma aterradora beleza. É o centro da vida de Pilgrim, um Forrest Gump sem doce simpatia spielberguiana.
Este filme foi um grande fracasso. Hoje parece obra de gênio. Ele prova o quão miserável é nosso cinema atual.
Em sequência George Roy Hill ganharia o Oscar com Golpe de Mestre.

O FIM DO PALCO. A VIDA DE GLENN GOULD.

Vejo na TV O Legado de Glenn Gould, um fantástico documentário sobre o gênio canadense. Se você não sabe quem ele é...
Glenn nasceu em 1932 e explodiu nos anos 50 como o jovem revolucionário que tocava Bach como ninguém jamais tocara antes. Sua filosofia era: Não faz sentido tocar como todos tocam. A música ao ser executada deve ser recriada, revivida, renovada. Mas isso, claro, dentro da partitura. Deve-se ler a obra e reler a obra. Glenn Gould trouxe à música aquilo que a literatura crítica usava desde os anos 20, A Leitura Criativa. O leitor como co-autor da obra. No caso, o músico como co-autor da obra musical.
Seu sucesso em salas de concerto foi avassalador. As pessoas iam para ver aquele jovem pianista "pirar". Gould logo sentiu que aquilo não fazia sentido. E daí nasceu seu segundo ato criativo ( que na época causou raiva em outros pianistas ): Glenn Gould defendia que a gravação em estúdio tinha MUITO mais valor que a apresentação ao vivo. Por dois motivos:
No estúdio o artista tinha controle sobre a obra. E ao mesmo tempo podia interagir com engenheiro de som e produtor. Podia incorporar o acaso, o acidental. Podia criar enquanto interpretava.
E, segundo, no estúdio o TEMPO era vencido. A gravação se eternizava, ela vencia o efêmero, ela podia respirar em novas audições.
Críticos começaram a atacar Gould. Ele mexia em dois pontos sagrados: A primazia do show ao vivo, e o respeito à interpretação consagrada. O Bach de Gould era o Bach de Gould, ou melhor, o Gould de Bach, pois seus fãs diziam que Gould ressuscitava Bach e o fazia escrever para Gould. ( Bach era o Deus de Gould. )
Antes de qualquer artista POP, Glenn Gould percebeu que o estúdio libertava o músico, lhe dava asas, era um brinquedo. As Variações Goldberg se tornaram um hit de vendas nos anos 50, mas algo não ia bem com Glenn, e este bravo documentário mostra o que.
Incrível a massa gigantesca de fotos, entrevistas, documentários e depoimentos que existem de Glenn Gould. Ele foi um superstar por toda a vida. Mas sua alma era a mais retraída possível. Ele conta que odeia a plateia, não cada um deles, mas o todo. A plateia existe como massa que presencia a intimidade do artista. Ela é invasiva. Ela quer sangue, suor, dor. E Glenn queria tão somente TOCAR. Quando ele toca o que vemos é uma profunda relação entre ele e o piano. O público fica excluído disso, não existe. E é essa indiferença que fascina o público desprezado. Ele tem a vã esperança de poder penetrar dentro do mundo de Glenn Gould. Impossível !
Glenn conta que não acredita na morte. Que isso lhe foi sempre natural, não foi algo que ele procurou. Filosofias do Aqui e Agora lhe eram repugnantes. A vida não ocorre aqui e muito menos agora. A vida é em outro ponto. Sua atitude diante da vida, hiper individualista, alheia, distante, revela sua crença. Crença que ele conta ser impossível de descrever.
Lembro que em 1982 eu comprava todos os números da Rolling Stone. Foi a leitura dessa revista, com um dicionário ao lado, que me deu a facilidade em ler o inglês. Numa última página inteira eu li a data: Glenn Gould, 1932-1982. Ele morria cercado de mistério. Afastado dos shows, solitário, se ia aos 50 anos. Cedo.
Para ele não fazia sentido tocar duas vezes a mesma obra do mesmo jeito. Se até mesmo no POP temos dificuldade em aceitar novas interpretações no palco, imagine no meio erudito... ( Esqueça o jazz. Gould não tem ligações jazzísticas. Suas releituras são dentro da partitura, como eu já disse ).
Esse documentário é brilhante! passou no canal Curta! Procure ver.

Glenn Gould-J.S. Bach-The Art of Fugue (HD)



leia e escreva já!