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A MATRIZ - T.E.LAWRENCE

Pra quem não sabe, esse Lawrence é o mítico Lawrence da Arábia, o heroi do filme de David Lean, homem que existiu de fato e que foi um enigma para todos que o conheceram. Na vida real ele não era tão alto e tão bonito como Peter O'Toole, na verdade ele era fisicamente comum, mas essa característica de "homem fisicamente banal" serviu bem a seus propósitos. Na Primeira Guerra mundial, trabalhando para a Coroa Inglesa, Lawrence fez o impossível: uniu as tribos árabes contra os alemães e turcos. Um homem branco e europeu conseguiu conversar, convencer e firmar compromissos com lideres tribais que jamais haviam permitido que europeus nem mesmo entrassem em seus palácios ou tendas. Lawrence lhes prometeu uma nação árabe, e a Palestina foi para eles reservada. Quando a Inglaterra, ao fim da guerra, começou a adiar o cumprimento das promessas, Lawrence se enervou e saiu da vida pública. Este livro, seu segundo, após a obra prima best seller OS SETE PILARES DA SABEDORIA, é uma narrativa objetiva, simples, sem enfeites, daquilo que Lawrence fez nos anos de 1920. ---------------- Ele trocou de identidade e aos 35 anos se alistou na RAF como recruta. Um homem famoso, um mito, convidado para ser embaixador ou ministro, preferiu ser um simples recruta comum, para, segundo ele, conhecer a vida sem artifícios. Voce então pode pensar que o livro é sobre a RAF, ou seja, aviões e voos audaciosos. Não! O que eles fazem é limpar, lustrar, marchar e se exercitar. A maioria das atividades são inuteis, sem sentido, repetitivas. O objetivo é eliminar toda individualidade e transformar todos em uma coisa única, um corpo feito por centenas de mentes que pensam como um. E a RAF consegue isso. Lawrence, em mistura de ódio pelos sargentos, nojo da comida, cansaço absoluto, percebe começar a sentir que o mais importante é o grupo, o todo, a tropa. 15 anos mais velho que seus camaradas, ele trava contato com gente de todo tipo, dos mais abjetos aos mais nobres, gente que ele jamais iria conhecer se continuasse a ser o heroi das Arábias. Atente! Lawrence não foi para a RAF com a intenção de fazer uma reportagem ou um livro, ele foi para viver outra vida, para não ser mais o que era até então, para simplificar sua existência. Foi terrível e várias vezes ele se pergunta o que faz lá, porque se meteu naquilo. Há pouquíssimo prazer em tudo que ele faz, o que testemunhamos é dor física, raiva, fome constante, desconforto, frio, sujeira, fedor, e o eterno limpar, polir, lustrar. Ele escreveu este relato em noites de insônia, dezenas de homens dormindo ao seu redor e ele sem nada para fazer. --------------- A imagem que ele nos dá do soldado não é aquela que imaginamos. Nada dos bobos violentos ou dos servis submissos. São homens que trabalham, trabalham muito, suportam, homens que não só entendem como vivem em grupo, sem nenhuma individualidade. É um livro como nenhum outro e que até hoje é bastante pouco conhecido. O estilo é aquele do soldado, direto e sem firula alguma. Lawrence abandona a linguagem dos SETE PILARES e escreve como um soldado, cockney, do povo, um relato. Como seu autor, é um livro enigma: pra que escrever um livro sobre a RAF sem guerras, sem aviões, sem nada mais que a rotina do quartel? ----------------- A resposta se esconde no mesmo motivo que o levou a criar um outro EU e viver pobre como um recruta ( sete anos na RAF ). Resposta que nem ele mesmo sabia.

SHAKESPEARE, WHISKY E MULHERES, PETER O`TOOLE PARTIU E FOI PARA UM NOVO PUB

   Meu amigo Nelson Granja tem The Ruling Class como filme mais importante da vida. Que sensacional Nelson, isso só demonstra o quanto voce é diferente. O filme é uma ousada e brilhante celebração da originalidade. Postei cenas do filme abaixo.
   Eu já havia avisado, os tempos daqui em diante serão cruéis. Todos aqueles que fizeram este mundo, em seu melhor, começariam a partir. Mesmo que voce pense que o cinema começou em 1999 com Matrix e Magnólia, ou que o rock foi inventado pelo Oasis, saiba que esse mundo, de PT Anderson e Liam foi feito alguns anos antes. Por gente como Robert Altman, Lou Reed, Raymond Carver, e um vasto etc.
   Peter O`Toole se foi ontem. E não me doi, ele já estava semi-aposentado desde os anos 80. Seu interesse principal era a bebida. E em segundo lugar a bebida. Depois vinham as mulheres, Shakespeare, e mais bebida. Foi um dos atores mais famosos nos anos 60. Teatro e cinema. Mas, como aconteceu com tantos, um excesso de filmes ruins destruiu seu desejo de fazer mais filmes. Uma pena...
  Peter me conquistou quando o vi, na tv, por volta de 1988, em O Assalto de Um Milhão de Dólares. Um filme de William Wyler, com Audrey Hepburn. Ali ele fez um papel tipo Cary Grant de um modo inglês e dandy. O filme, sim, sobre assalto, foi refilmado nos anos 2000, e colocaram Matt Damon para fazer o papel de Peter...Isso diz muita coisa sobre o cinema de hoje...
  Peter, que era irlandês, brilhou em O Leão no Inverno, uma das maiores atuações que já vi, dor e violência em cada gesto e no olhar sempre sombrio; e em Becket, talvez seu grande papel. Nesse filme, ele e Richard Burton, grande amigo de copo, duelam sem parar e apesar da genialidade de Burton, quem vence é Peter. O tormento de um rei mimado é exibido com vigor. O filme marca como ferro em brasa.
  Eu, apesar de minha veneração por Olivier, Steve McQueen, Bogart, Flynn e Cary Grant, tinha Peter como ator favorito. Porque ele unia em si, nos seus grandes momentos, a classe de Cary Grant com a arte de Michael Redgrave.
  Os anos 60 fizeram mal, ao fim das contas para Peter. O sucesso o estragou. Se tornou um playboy colecionador de casos e figura assídua em bares e festas. Ele e Burton destruíram copos. E durante o processo ele bateu, também com Burton, o recorde de indicações ao Oscar sem vitória nenhuma. Se não me falha a memória foram sete. Até dá pra aceitar sua derrota em Lawrence da Arábia, pois Peck estava imbatível naquele ano. Mas Becket foi sacanagem! E O Leão no Inverno era vitória certa!
  Não faz mal, Chaplin também perdeu todas.
  Peter O`Toole, como todo bom whisky, é para poucos. Sempre será.
  Saudades e Descanse em paz.

LAWRENCE DA ARÁBIA- DAVID LEAN ( O FILME QUE SPIELBERG SEMPRE TENTOU FAZER )

   Em 1988 causou surpresa quando Steven Spielberg se uniu a Martin Scorsese para fazer algo que nenhum cineasta fazia na época: restaurar um filme. Ainda mais que era um filme, então, recente ( 1962 ), e nada obscuro. O filme era LAWRENCE DA ARÁBIA, obra que Spielberg sempre disse ser seu mais amado filme. Vencedor de vários Oscars, sucesso de crítica e de bilheteria, Lawrence se tornou uma mania tão grande que recordo que em minha sala de quinta série, em 1975, existia um aluno chamado Laurêncio, e outro de nome Lawrence. Homenagens ao filme que a professora de português logo confirmou.
  É um filme de arte. Ele tem pouquíssimos diálogos e cenas longas, sem ação. Mas os diálogos não são necessários, Lean fala com as imagens. Os cortes, poucos, chegam a ser milagrosos. Há logo no começo um corte que vai de um fósforo para um nascer do sol no deserto, que é milagroso. E a ação está presente não em tiros ou correrias, ela se faz naquilo que os personagens realizam. O filme é imagem fascinante, miragem.
  E é um filme popular. Com dinheiro gasto às toneladas ( quem o produziria hoje? ). Algumas cenas têm figurantes a perder de vista. O elenco é todo estelar ( menos Peter O'Toole, desconhecido na época ), e a equipe técnica é a mais brilhante. Começando por seu diretor. David Lean é um mestre, um tipo de diretor guia.
   T.E.Lawrence foi poeta, intelectual e soldado aventureiro. Acima de tudo ele foi uma figura estranha. Escreveu um livro, clássico, sobre sua experiência árabe: OS SETE PILARES DA SABEDORIA. O filme exibe sua ação em 1917, durante a guerra da Inglaterra contra a Turquia. A Turquia era a força que dominava o mundo dos árabes, e Lawrence, indo contra as ordens inglesas, se infiltra nesse mundo, se torna um árabe e tenta unir todas as tribos contra a Turquia. As tribos, hoje sabemos, jamais iriam se unir, o que causaria a construção das rivalidades entre Iran e Iraque, Siria e Jordania...
  Lawrence nada tem de herói convencional. Ele tem enormes crises de depressão, se perde em delirios, é muito vaidoso, tem medo da violência, erra. Jamais o filme mostra Lawrence como um homem simpático. Ele é um enigma, e ao final se transforma num tipo de deslumbrado biruta. Amamos o filme e admiramos o herói, mas nunca o compreendemos. David Lean atinge seu objetivo: Lawrence nos absorve, não nos convence.
  David Lean começou com obras-primas sobre Charles Dickens nos anos 40. Depois viveu uma fase de transição e a partir do final dos anos 50 construiu sua fama de diretor de épicos de arte. A PONTE DO RIO KWAI foi o primeiro. Depois vieram LAWRENCE DA ARÁBIA, DOUTOR JIVAGO, A FILHA DE RYAN e PASSAGEM PARA A INDIA. Aqui, como em PASSAGEM PARA A INDIA, o imperalialismo inglês é questionado. A Inglaterra ajuda a luta árabe contra os turcos para depois ser a nova metrópole. A história sempre se repete.
  Existem filmes que se tornam o paradigma de seu gênero. Desse modo, toda comédia romântica sempre aspira a ser ACONTECEU NAQUELA NOITE de Capra, e todo épico quer ser LAWRENCE DA ARABIA. De GANDHI a IMPÉRIO DO SOL, de A COR PÚRPURA a O PACIENTE INGLÊS, de CORAÇÃO VALENTE a O SENHOR DOS ANÉIS, todos esses filmes procuram o sucesso popular e de crítica que a obra-prima de David Lean conseguiu. Mais que isso, todos bebem em seu estilo. Trilha sonora, imagens imensas, movimento de figurantes, metragem ( LAWRENCE tem 4 horas que passam tranquilas ), tudo nesses outros filmes lembra, em modo de fazer e de tentar fazer, este filme. É um divisor de águas. Após Lawrence, o épico deixou de ser Cecil B. de Mille, e passou a ser David Lean.
   Mas acima de tudo o filme é uma experiência estética. Uma viagem mental e sensual pelas imagens do deserto. Já foi dito que Lean fez um filme sobre a areia. Sobre a luz e o calor. O que acrescento é que é também um filme sobre a arte de se fazer filmes. Filmes que dão tudo ao seu público, filmes que o entretém enquanto o enriquece. Filmes que são um evento.
   Spielberg falou em entrevistas que seu sonho era fazer um filme como este. Que ver LAWRENCE em 70mm, numa tela gigantesca, mudou sua vida para sempre. Que a cena de Omar Shariff vindo ao longe, como miragem, até surgir imensa e clara em seu orgulho de nobre, foi decisiva em seu estilo. Acrescento que mesmo em tela caseira, o filme se mantém impressionante. Lean faz as mais belas imagens e consegue nos conduzir pela mão atrás do louco soldado poeta. Inglês que pensou ser árabe e que se perde no deserto de sua ilusão.
   Assistir LAWRENCE DA ARABIA é um privilégio.