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A FONTE DA DONZELA. MILAGRES?
Ninguém retrata a idade média no cinema como Bergman. E por surpreendente que pareça, o mestre sueco fez apenas 3 filmes medievais. Nos filmes a época medieval é quase sempre retratada como época mágica-colorida ou tragédia de fome hiper pseudo realista. Bergman nos leva à época porque ele não força nada. Veja, por exemplo, os primeiros cinco minutos deste filme. Uma mulher, grávida, acorda. Ela aviva o fogo. Abre a chaminé que é também uma janela. Ouvem-se galos cantando. Na casa, toda de madeira e palha, quase nada há. Potes, cama, panos. Mais nada. Todo o clima está dado: pessoas vivem em meio aos animais que os alimentam. Quase não há objetos para se possuir. São sujos, mas não grotescos. A vida se divide em dois assuntos: Deus e a fome. Cenários, roupas, expressões corporais, tudo remete ao realismo não exagerado. Bergman não tenta chocar. É como se ele comentasse: Eis 1.300. Mas...e daí? --------------------- Os primeiros vinte minutos do filme, que ganhou o segundo Oscar de Bergman, em 1960, são para nos situar. Depois, a emoção toma conta. Uma menina vai à igreja levar velas à Virgem. No caminho, ela é estuprada e morta. O estupro é encenado de forma magistral: dois homens a violam como se fossem bichos possuindo uma fêmea. Uma criança vê o ato e nada compreende. Os dois adultos são bestas humanas. Agem por puro instinto, e ao contrário do que dizia o imbecil do Rousseau, homens em estado puro são agressivos e egoístas. O selvagem nunca é bom. O selvagem é uma fera com fome e desejo. ------------------ A cena do estupro é profundamente emocionante. É absurda. Sem sentido. Crua. E por isso, patética. A virgem morre com uma paulada na cabeça. Eles pegam suas roupas e fogem. --------------------- Pensamos: o filme se passa na primavera. Tudo pode ser simbólico no filme. O rito da morte do inverno, da natureza virgem sendo violada na primavera. Mas é Bergman e ele não é junguiano. Esqueça. O estupro é sobre aquilo que vemos: a violência cruel contra o mais fraco. A mulher. A virgem. -------------------- Os tolos assassinos pedem pousada na casa dos pais da virgem. E a mãe descobre quem eles são. O pai, um soberbo Max Von Sydow, pega então seu bem mais precioso: a espada, único bem de luxo na casa. ( Ele é rico ). E se vinga. Todos são mortos, inclusive a criança que anda com os estupradores. Depois ele e sua família partem para procurar o corpo da filha morta. -------------- Ela está onde foi executada, no bosque. O pai pede perdão à Deus por ter matado uma criança. Não há arrependimento pelos assassinos, apenas pelo inocente. Se ajoelha e diz que fará uma igreja com suas mãos. Então ele ergue a filha do solo e uma fonte brota do chão. Um milagre. -------------- Bergman amava Carl Dreyer e Dreyer era crente. Bergman não é, mas está longe de ser ateu. Ele sabe que a coisa é bem mais complicada que simplesmente dizer NÃO e esquecer Deus. Então nós perguntamos: O milagre....é real? ------------------- Não. Não é um filme de Dreyer, então fica em aberto. Bergman filma a lenda, como ela é, e voce que pense o que quiser. Como todo grande artista, ele não vai te dar uma conclusão mastigada. Se vire. ------------------- O milagre acontece e o pai da morta é profundamente religioso. Mas antes do milagre ele grita com Deus. Que justiça é essa? Por que isso aconteceu? Onde Voce estava? ------------------ O que posso dizer, com certeza, é o maravilhoso dom que Bergman tem de ser feminino sem ser feminista. Eu assisti Sonho de Mulheres antes deste filme, e nele vemos duas mulheres sendo decepcionadas por homens fracos. O universo de Bergman é das mulheres e os homens existem como seres que as defendem ou as decepcionam. Aqui o pai cumpre a vingança justa, sob os olhos da mãe, mas ele falha ao deixar a filha ir sem proteção. --------------- O filme é perfeito. --------------- Um lembrete: Sem um homem, por toda a história do mundo, mulheres eram vítimas de estupro todo o tempo. Agora que temos todo um sistema de proteção POLICIAL E PENAL, feministas cospem nos homens que protegeram suas avós. Não conheço nada mais idiota.
SERGEI PROKOFIEV- ALEXANDER NEVSKI E TENENTE KIJÉ....TRILHAS DE FILMES
Vi o filme de Eisenstein em 1998, na TV. É assustador. A fotografia é tão magnífica, os cenários e figurinos tão ricos, o preto e branco tão hierático que temos a sensação de que aquilo não é um filme de ficção. Parece ser um documentário de um tempo que nunca houve. Dreyer também tinha esse poder. Produzir imagens que parecem pesadelos. Como se nosso inconsciente ficasse nú. Daí o incômodo. Well....Prokofiev, já famoso e vivendo em New York, caiu na ladainha de Stalin e resolveu voltar a URSS. Na verdade ele sentia a famosa nostalgia que dizem ser parte da alma russa. De volta à sua terra, ele logo percebeu o inferno em que se metera. O mesmo inferno onde Eisenstein vivia. A arte, a única permitida, deveria ser educativa, ter uma função social. Pelo resto da vida, Prokofiev tentaria ter alguma liberdade dentro da teia soviética. Alexander Nevski, filme imenso de 1942, teve sua trilha sonora feita pelo compositor. A música se tornou um sucesso, que ironia, nos USA. O filme conta a luta do povo russo de 1240. Luta para se livrar dos mongois e depois vencer o invasor alemão. O filme coincidiu com a invasão nazista. ------------- Ouço hoje a obra e, apesar de adorar Prokofiev, acho-o o maior compositor de seu tempo, não me satisfaço com a trilha de Nevski. Talvez seja a limitação à função cinematográfica. Não sei. Por incrível que pareça eu não gostei dos coros, me pareceram opacos. A voz solo, mezzo-soprano, eu apreciei sim. É no sexto movimento, " Campo dos Mortos". -------------- Poucos anos antes Prokofiev fizera outra trilha, O TENENTE KIJÉ, essa bem melhor. Conta a história ficcional de um comum tenente de provincia, do nascimento à morte. O quarto movimento, Troica, é muito popular e muito belo. A obra inteira é cômica, leve e colorida. É Prokofiev sendo Prokofiev. Adorei. Ouvi em gravação de 1978, Orquestras de Londres ( Alexander ) e Chicago ( Kijé ). Claudio Abbado, um dos grandes, regeu.
PONDÉ, YEATS, MARTELL, POLITICA E CINEMA COM ALMA
Pondé citou Yeats na segunda-feira. O poema em que o irlandês fala da terrível certeza que todo canalha tem, e das hesitações que acometem os justos e bons. Dá até vontade de crer nos gnósticos e dizer que nosso mundo é obra do mal. Porque, como bem notou Yeats e como Pondé crê, quem segue o mal sente-se forte, duro, "em casa"; enquanto que o que segue o bem sempre sofre uma sensação de inadaptação, de fraqueza e de dúvida. Terroristas nunca hesitam.
Ler Bernanos dá muito medo.
O mal cobra um preço a quem ousa ser bom. Essa a raiz, terrível, do catolicismo puro. O bem só pode sobreviver a custa de nosso sacrificio. Nada pode ser mais antipático que dizer essa verdade.
Falando de coisas mais amenas....
Um amigo fala do voto. A questão é simples meu amigo. Assim como a arte e a religião perderam sua aura ( de acordo com Benjamin ), ou seja, não significam mais transformação e não mais repercutem, não têm identidade, a politica também se transformou em mera ciência. Voce vota e elege alguém. Pura mecânica. Um partido faz o papel de polo positivo e outro de negativo. Um precisa do outro para existir e um repele o outro. Entorpecido nesse campo magnético, cheio de eletricidade e de "verdade", voce aperta um botão. Veja bem, até aqui, você aperta um botão...
É só isso, um ato banal.
É claro que se voce tiver alguma cultura, todo o passado da politica vem a sua cabeça ( como vem o passado da arte ou das igrejas ), mas é mero flash-back. No eterno agora a politica nada mais significa. Não há a possibilidade de história, de reflexão ou de consequência. Politica-no-eterno-agora, como arte e igreja no eterno- agora, nada mais tem a dizer. Torna-se mera ferramenta.
Pondé citou Yeats e um dia citou O MORRO DOS VENTOS UIVANTES, em seu melhor texto. Bom gosto ele possui.
Um outro amigo me diz que anda cheio de vontade de rever A PALAVRA de Dreyer. Bem... Ebbert sempre fala que todo amante de cinema chega um dia a Dreyer, Ozu e Bresson, e descobre que os três são os "santos" do cinema. Austeros, profundos e capazes de milagres com quase nada. Dreyer transformava um filme em catedral de silêncio e de horror=Sublime ( para quem não sabe, o Sublime é a união do terrível com o belo ). Ozu fazia o milagre de conseguir de um nada de roteiro uma épica sobre gente comum. Ele transformava familias banais e sentimentos vulgares em atos de profunda nobreza. E Bresson dava aulas sobre o sentido da vida em imagens reais. Ele modificava o real sem que percebêssemos. Fazia documentários sobre a alma.
Questão de aura. Mas ainda têm público?
Leio comentários no youtube sobre A VIDA DE PI. Quase ninguém entendeu uma saga tão simples. Somos uma geração que sabe tudo sobre o efêmero e nada entendemos sobre o atemporal.
Perdemos nossa aura.
Ler Bernanos dá muito medo.
O mal cobra um preço a quem ousa ser bom. Essa a raiz, terrível, do catolicismo puro. O bem só pode sobreviver a custa de nosso sacrificio. Nada pode ser mais antipático que dizer essa verdade.
Falando de coisas mais amenas....
Um amigo fala do voto. A questão é simples meu amigo. Assim como a arte e a religião perderam sua aura ( de acordo com Benjamin ), ou seja, não significam mais transformação e não mais repercutem, não têm identidade, a politica também se transformou em mera ciência. Voce vota e elege alguém. Pura mecânica. Um partido faz o papel de polo positivo e outro de negativo. Um precisa do outro para existir e um repele o outro. Entorpecido nesse campo magnético, cheio de eletricidade e de "verdade", voce aperta um botão. Veja bem, até aqui, você aperta um botão...
É só isso, um ato banal.
É claro que se voce tiver alguma cultura, todo o passado da politica vem a sua cabeça ( como vem o passado da arte ou das igrejas ), mas é mero flash-back. No eterno agora a politica nada mais significa. Não há a possibilidade de história, de reflexão ou de consequência. Politica-no-eterno-agora, como arte e igreja no eterno- agora, nada mais tem a dizer. Torna-se mera ferramenta.
Pondé citou Yeats e um dia citou O MORRO DOS VENTOS UIVANTES, em seu melhor texto. Bom gosto ele possui.
Um outro amigo me diz que anda cheio de vontade de rever A PALAVRA de Dreyer. Bem... Ebbert sempre fala que todo amante de cinema chega um dia a Dreyer, Ozu e Bresson, e descobre que os três são os "santos" do cinema. Austeros, profundos e capazes de milagres com quase nada. Dreyer transformava um filme em catedral de silêncio e de horror=Sublime ( para quem não sabe, o Sublime é a união do terrível com o belo ). Ozu fazia o milagre de conseguir de um nada de roteiro uma épica sobre gente comum. Ele transformava familias banais e sentimentos vulgares em atos de profunda nobreza. E Bresson dava aulas sobre o sentido da vida em imagens reais. Ele modificava o real sem que percebêssemos. Fazia documentários sobre a alma.
Questão de aura. Mas ainda têm público?
Leio comentários no youtube sobre A VIDA DE PI. Quase ninguém entendeu uma saga tão simples. Somos uma geração que sabe tudo sobre o efêmero e nada entendemos sobre o atemporal.
Perdemos nossa aura.
A PAIXÃO DE JOANA D'ARC-O QUE É ISTO?
Foi Jean Cocteau quem disse que A PAIXÃO DE JOANA DARC de Dreyer é um filme que parece ter sido feito no tempo em que o cinema não existia. Pois eu digo que Dreyer não faz cinema. Ele faz um outro tipo de arte, uma arte tão original, tão moderna, tão radical que ainda não foi nomeada.
Durante 3/4 do filme o que vemos são paredes brancas e rostos em super-close. Joana, muito jovem, muito crente, muito indefesa, é cruelmente massacrada por inquisidores balofos e machistas. Dreyer usa como roteiro os autos do processo real e isso dá ao filme algo de documentário e de perversamente doido.
A fotografia, de Rudolph Maté, é de um glorioso branco e no final, a cena da fogueira tem o mais belo fogo que já ví.
Falconetti tem aqui aquela que é considerada a mais fantástica atuação feminina da história e o que posso dizer é que chorei ao vê-la perceber, com um olhar apenas, seu final inevitável. Joana sente medo, e nós sentimos com ela.
Carl Dreyer se interessou por apenas um assunto: Deus. Todos os seus filmes falam disso: Deus, o mal, a fé, a dor. Ele foi um bruxo, um louco, um poeta, um Homem. Joana é um soco na boca, um filme poderoso, duro, cruel e absolutamente incomparável em sua originalidade rica e bela. Sua montagem, em que os cortes são velozes, a câmera sempre se movendo em horizontal, os atores berrando e rindo, Joana suplicando e chorando, as portas parecendo fugir e diminuir... é fascinante.
No mais assisti finalmente este mítico filme numa cópia sem trilha sonora e com cartelas em francês. Mesmo assim seus 80 minutos pareceram 20 e me sentí completamente arrasado por sua força. OBRIGATÓRIO para quem se importa com os mistérios da vida e a dor de ser.
Durante 3/4 do filme o que vemos são paredes brancas e rostos em super-close. Joana, muito jovem, muito crente, muito indefesa, é cruelmente massacrada por inquisidores balofos e machistas. Dreyer usa como roteiro os autos do processo real e isso dá ao filme algo de documentário e de perversamente doido.
A fotografia, de Rudolph Maté, é de um glorioso branco e no final, a cena da fogueira tem o mais belo fogo que já ví.
Falconetti tem aqui aquela que é considerada a mais fantástica atuação feminina da história e o que posso dizer é que chorei ao vê-la perceber, com um olhar apenas, seu final inevitável. Joana sente medo, e nós sentimos com ela.
Carl Dreyer se interessou por apenas um assunto: Deus. Todos os seus filmes falam disso: Deus, o mal, a fé, a dor. Ele foi um bruxo, um louco, um poeta, um Homem. Joana é um soco na boca, um filme poderoso, duro, cruel e absolutamente incomparável em sua originalidade rica e bela. Sua montagem, em que os cortes são velozes, a câmera sempre se movendo em horizontal, os atores berrando e rindo, Joana suplicando e chorando, as portas parecendo fugir e diminuir... é fascinante.
No mais assisti finalmente este mítico filme numa cópia sem trilha sonora e com cartelas em francês. Mesmo assim seus 80 minutos pareceram 20 e me sentí completamente arrasado por sua força. OBRIGATÓRIO para quem se importa com os mistérios da vida e a dor de ser.
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