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PONDÉ, YEATS, MARTELL, POLITICA E CINEMA COM ALMA

   Pondé citou Yeats na segunda-feira. O poema em que o irlandês fala da terrível certeza que todo canalha tem, e das hesitações que acometem os justos e bons. Dá até vontade de crer nos gnósticos e dizer que nosso mundo é obra do mal. Porque, como bem notou Yeats e como Pondé crê, quem segue o mal sente-se forte, duro, "em casa"; enquanto que o que segue o bem sempre sofre uma sensação de inadaptação, de fraqueza e de dúvida. Terroristas nunca hesitam.
  Ler Bernanos dá muito medo.
  O mal cobra um preço a quem ousa ser bom. Essa a raiz, terrível, do catolicismo puro. O bem só pode sobreviver a custa de nosso sacrificio. Nada pode ser mais antipático que dizer essa verdade.
  Falando de coisas mais amenas....
  Um amigo fala do voto. A questão é simples meu amigo. Assim como a arte e a religião perderam sua aura ( de acordo com Benjamin ), ou seja, não significam mais transformação e não mais repercutem, não têm identidade, a politica também se transformou em mera ciência. Voce vota e elege alguém. Pura mecânica. Um partido faz o papel de polo positivo e outro de negativo. Um precisa do outro para existir e um repele o outro. Entorpecido nesse campo magnético, cheio de eletricidade e de "verdade", voce aperta um botão. Veja bem, até aqui, você aperta um botão...
   É só isso, um ato banal.
   É claro que se voce tiver alguma cultura, todo o passado da politica vem a sua cabeça ( como vem o passado da arte ou das igrejas ), mas é mero flash-back. No eterno agora a politica nada mais significa. Não há a possibilidade de história, de reflexão ou de consequência. Politica-no-eterno-agora, como arte e igreja no eterno- agora, nada mais tem a dizer. Torna-se mera ferramenta.
  Pondé citou Yeats e um dia citou O MORRO DOS VENTOS UIVANTES, em seu melhor texto. Bom gosto ele possui.
  Um outro amigo me diz que anda cheio de vontade de rever A PALAVRA de Dreyer. Bem... Ebbert sempre fala que todo amante de cinema chega um dia a Dreyer, Ozu e Bresson, e descobre que os três são os "santos" do cinema. Austeros, profundos e capazes de milagres com quase nada. Dreyer transformava um filme em catedral de silêncio e de horror=Sublime ( para quem não sabe, o Sublime é a união do terrível com o belo ). Ozu fazia o milagre de conseguir de um nada de roteiro uma épica sobre gente comum. Ele transformava familias banais e sentimentos vulgares em atos de profunda nobreza. E Bresson dava aulas sobre o sentido da vida em imagens reais. Ele modificava o real sem que percebêssemos. Fazia documentários sobre a alma.
   Questão de aura. Mas ainda têm público?
   Leio comentários no youtube sobre A VIDA DE PI. Quase ninguém entendeu uma saga tão simples. Somos uma geração que sabe tudo sobre o efêmero e nada entendemos sobre o atemporal.
   Perdemos nossa aura.

CINEMA DE AVENTURA E QUE TAIS

Os filmes sobre os quais escrevo aqui, caso voce não saiba, são aqueles que assisti na semana. Tenho sempre uma pilha de dvds que nunca vi e às vezes revejo o que me dá vontade. Nunca escrevo sobre filmes que vi muito tempo atrás, é sempre o que é assistido na hora.
Escrevo isso porque lamento não ter tido blog em 2006/2008 que foi a época em que montei minha coleção de filmes. Foi o período em que descobri aquilo que o cinema pode ser. Primeiro contato com o cinema dos anos 30, os clássicos silenciosos e tudo de Bergman, Dreyer, Bresson, Godard, Melville e que tais. Foi um tempo bom demais! As comédias dos anos 30, os noir dos 40, Carné e Clair.
Ainda existe um monte de clássicos que não vi, mas o tempo do descabaçamento já se foi. Até 2005 eu achava que conhecia cinema, não sabia nada! ( E sei que ainda sei pouco ).
Escrevo isto porque os filmes que vi esta semana são de nivel bem baixo.... talvez seja a mais fraca semana que já tive. Aí vai :

ERA UMA VEZ NO MÉXICO de Robert Rodriguez com Antonio Banderas, Johnny Depp, Salma Hayek, William Dafoe e Mickey Rourke
Rodriguez homenageia Leone e seu The Good, The Bad and The Ugly ( talvez seja o filme mais homenageado dos anos 90/2000 ). Mas se perde. As 3 histórias não mantèm seu interesse. Depp seria o mau, Antonio o bom e Dafoe o feio. A fotografia e a música são ótimas, mas os personagens não sustentam o filme. Apenas um curioso filme pop. Nota 6.
VELOZES E FURIOSOS 4 de Justin Lin com Vin Diesel, Paul Walker, Michelle Rodriguez
Quer saber ? As cenas de ação são muito boas. É o melhor dos 4 filmes. Tem alguma história e os carros são demais! Lógico que é um filme bobo, mas dá uma certa adrenalina ( se voce desligar o senso crítico ). Nota 6.
CARGA EXPLOSIVA 3 de Olivier Megaton com Jason Statham e Natalya Rudakova
Um excelente filme de ação ( do tipo atual ). Ou seja: é completamente inverossimel. Esqueça os diálogos, esqueça a construção de personagens. É movimento todo o tempo. Filme feito para criar sensações, nunca emoções. Jason nasceu para esse tipo de durão com voz rouca ( à Clint ) e Natalya é linda de doer. A trama não faz o menor sentido. Nota 7.
O GRANDE MESTRE de Yip Wai-Shun
É a história de grande mestre de artes marciais da China dos anos 30. O filme começa maravilhosamente bem. Acompanhamos o cotidiano do mestre, seus desafios, a vida entre valentões. Mas vem a guerra. O Japão invade a China, o mestre conhece a fome e o filme se torna tão patrioteiro que chega a irritar. Para quem pensa que americanos fazem filmes patriotas, bem... veja este. Os americanos são neutros perto disto. Os japoneses são mostrados como bestas sanguinárias, agentes de maldade infinita, sádicos e sub-humanos. E no fim ainda é dito que o Japão foi derrotado " graças a valentia do povo chinês ". E Hiroshima ???? Mas mesmo com essa baboseirada o filme é legal. As lutas, coreografadas por Sammo Hung, são de tirar o fôlego e os atores são muito bons. Belo filme. Nota 7.
O GRANDE TRUQUE de Christopher Nolan com Hugh Jackman, Christian Bale e David Bowie
O estilo Nolan de cinema: ele pega uma coisa banal e a complica ao máximo. Tome flash-back, tome divagações vazias, tome um monte de frases ruins. É um enganador. Fake até o osso. Nada de novo tem a dizer, mas como se acha muito intelectual para fazer filmes simples, enche tudo com truques que enganam aqueles que pensam que o cinema nasceu em 1998 com Matrix. Hugh é legal, Bale é outro chato. O filme fala de mágicos e truques. Uma chatice. Nota 1.
PAIXÃO SEM LIMITE de Alan Shapiro com Cary Elwes e Alicia Silverstone
Lolita para tvmaníacos. Tiraram todo o humor de Nabokov e toda a malícia. O que restou? Uma tolice sobre ninfeta fatal. E ainda termina tudo em loucura e crime ( claro! Ela tinha de ser louca! Afinal, ela gosta de sexo! ). Desprezível. Nota Zeríssimo!
DIA DE OUTONO de Ozu
Em se tratando do hiper-original Ozu, eis aqui um de seus filmes mais fracos. O que, em seus melhores filmes, é humanismo nobre e refinado, aqui se torna preguiçosa contemplação. O mestre não conseguiu criar personagens marcantes e o filme fica a deriva. Mas as composições de cena são lindas e sempre é bacana ver a forma como Ozu filma. Ninguém se parece com ele. Cinquenta anos após sua morte ele é ainda original. Nota 6.
SANGUE EM SONORA de Sidney J. Furie com Marlon Brando e John Saxon
Western passado na fronteira sul. Pó e mexicanos. Marlon tem seu cavalo roubado. Vai o recuperar. O filme é simples, as imagens são ótimas, mas ele consegue não emocionar. Porque? Falta um motivo mais forte para a vingança. O bandido não é mal o bastante e o herói parece flácido. Dá pra ver, mas é um western que anuncia a decadência do gênero. Nota 6.
KELLY'S HEROES de Brian G. Hutton com Clint Eastwood, Telly Savallas e Donald Sutherland
É um dos primeiros filmes de Clint como estrela ( 1968 ). Mas é principalmente um show do muit jovem Donald Sutherland. Do que trata o filme? Na segunda guerra, um bando de soldados americanos tenta roubar ouro nazista. O filme é uma comedia ácida: vê a guerra como farsa sem sentido. Nesse gênero, MASH dá de mil a zero. A loucura aqui é tanta que chega a enjoar. Clint é um muito cool comandante que só quer se dar bem, Savallas é um brutamontes histérico e Sutherland cria um tipo genial : um hippie perdido em 1943 ! Seu cabelo, sua roupa, seu modo de falar é de alguém que acabou de tomar um ácido em show do Grateful Dead. A guerra pra ele é uma viagem e tudo deve ser feito com good vibrations. Criação de gênio, a gente sente um imenso prazer em vê-lo atuar. Tipo de ensaio para o que ele faria em MASH dois anos mais tarde. Os Black Grapes têm uma música ( ótima ) que cita este filme cult. Mas é histérico demais!!!! Nota 6.

OZU/ MIZOGUCHI/ ALMODOVAR/ ROCK HUDSON/ DORIS DAY

A PRINCESA DAS OSTRAS de Ernst Lubistch
Mais um filme silencioso de Lubistch de sua fase alemã. É uma deliciosa história sobre herdeira milionária e seu principe. Trata-se de comédia mágica, encantadora. Os cenários, irreais, são por sí um prazer. O filme é todo alegria. Enjoy it. Nota 7.
O INTENDENTE SANSHO de Kenji Mizoguchi
Este clássico de Mizoguchi toca na maior chaga da história humana : a escravidão. Mas há mais, ele fala da relação entre mãe e filhos, entre irmãos, fala ainda da decadência e do gosto azedo de toda vingança. Visualmente trata-se de uma obra-prima. Cada cena é uma sinfonia de flores, rostos e de água. Mizoguchi, o mais feminino dos diretores do Japão, desenvolve este enredo, doloroso, triste, poético, com toques de pincel em porcelana. É um filme perfeito e que tende a ser ainda melhor ao ser revisto. O final é inesquecível. Nota DEZ.
CONFIDÊNCIAS A MEIA-NOITE de Michael Gordon com Doris Day, Rock Hudson e Thelma Ritter e ainda Tony Randall
Doris saiu de moda na era hippie. Foi chamada de a mais virgem das virgens do cinema. Mas é pura doideira freak dizer isso. Ao rever seus filmes notamos o quanto ela era sexy. É ainda o modelo de gente como Jennifer Anniston, Meg Ryan e Reese Witherspoon. Rock é um Clooney mais elegante ainda ( e mais afetado ). O filme, o primeiro dos dois, é aquela bobagem bacana sobre moça que odeia playboy e depois passa a amá-lo. O cenário é hiper colorido, Rock faz um mentiroso muito bem e Doris é deliciosa. Um clássico da sessão da tarde. Nota 7.
VOLTA MEU AMOR de Delbert Mann com Doris Day, Rock Hudson e Tony Randall
Sobre publicitário anti-ético e sua rival. É claro que acabam por se apaixonar. É claro que tudo é colorido, fake e muito divertido. E Doris não é uma chata virginal. O filme, o segundo dos dois, ainda é legal. Perfeito para uma tarde de frio. Nota 6.
LE BONHEUR de Agnés Varda
Um homem casado e feliz arruma uma amante. Ele continua feliz e a amante é feliz também. Mas ele, ingênuo e idealista, pensa que a mulher pode aceitar sua felicidade por ter duas mulheres que o amam e a quem ele também ama. Mas talvez não seja assim... de qualquer modo, ao final do filme, ele e a amante continuam felizes. Este filme, de belíssimo colorido, que tem um trio de atores lindos e contentes, não tem trama, não tem drama, não tem comédia. Ele mostra, com muita criatividade e engenho, com uma edição ágil, três adultos e duas crianças comuns e ao mesmo tempo muito especiais. Eis um clássico simples, um belo momento da nouvelle-vague. Lindo filme. Nota 7.
ABRAÇOS PARTIDOS de Pedro Almodóvar com Lluis Homar e Penélope Cruz
Já aviso: eu detestei este filme. Ele é chato, maneiroso, sem nenhum tipo de emoção verdadeira. Tudo parece forçado ou pior: previsível. Dá pra adivinhar tudo o que vai acontecer. Poderia ser uma comédia, mas é levado a sério. Imperdoávelmente vazio. Nota 1.
TOKYO STORY de Yasujiro Ozu
Após os 7 Samurais de Kurosawa, este é considerado normalmente o melhor filme japonês da história. É o filme favorito de Wenders e de vários diretores americanos moderninhos. O estilo de Ozu está todo aqui. Os atores conversam olhando para a câmera. Câmera que está sempre a altura do tatami. Ozu evita as emoções fortes, todas são sutis, mas essas emoções estão sempre presentes, batendo a porta, nos olhares e nos corpos que se encolhem. O tema é típico de Ozu : a família. Trata de dois pais, idosos, que vão à Tóquio visitar os filhos. Nenhum filho é ruim ou frio, mas eles simplesmente não têm tempo livre para os pais. Apenas a nora viúva parece os entender. Nada explode, não há nenhuma cena de dor ou de raiva, mas dentro de nós, lentamente, delicadamente, vai nascendo uma sensação de dor e de inevitabilidade. Misturando seus ingredientes, com precisão poética, Ozu nos leva para dentro daquelas casas, daqueles rostos, daquelas vidas. O filme é uma obra-prima absoluta. Ozu era um santo. Nota DEZ !!!!!!

DEPP/SAURA/SISTER CARRIE/OZU

INIMIGO PÚBLICO de Michael Mann
Me fez recordar uma crítica sobre música pop, escrita por Ezequiel Neves. Zeca falava de sua tristeza. Ao se tornar crítico, ele perdera o prazer de escutar aquilo que realmente lhe agradava. Era obrigado a ouvir, toda semana, uma pilha de discos que as gravadoras lhe enviavam.
E eu penso : será que Inácio Araújo encontra tempo para rever os Hawks que ele tanto adora ? Eu, mero curioso, ultra-amador, me sinto, às vezes, na obrigação de espiar aquilo que está rolando. Ter como comparar, como ver para onde a história ruma. Posto isso...
O rosto de Depp. Tão modificado em digitalizações que nada transparece de sua face. Quase um cartoon. Mas não é a isso que o povinho pop se acostumou ? Rostos e lugares que remetem àquilo que foi visto na propaganda mais ilusionista possível ? Mundo onde nada recorda o mundo real, e uma vida ( a do povinho pop ) em que nada de verdade ocorre. O filme, de longe o pior do bom operário Mann, é um floco de algodão doce. Enjoa, é bonitinho, o vento leva, não mata fome alguma. Ideal para quem não tem paladar e odeia aquilo que tem peso.
Não vou comparar este filme à sua origem. Os filmes de gangster dos anos 30, com Cagney, Robinson ou Muni eram jornalísticos. Foram feitos ao mesmo tempo em que as balas voavam. Não vou comparar com Bonnie e Clyde, pois o filme de Penn foi dirigido com ambição artistica, senso de relevância e suprema inteligência. Bonnie existe no filme, Clyde é real. Temos política, sexo e humor. Aqui o que temos ? O absoluto zero. Nenhuma linha de diálogo demonstra algum sinal de trabalho refinado, todas as atuações são estereotipadas, o filme não possui verve, ambição, inteligência, nada. Mas dá aquilo que o moço da pipoca quer : rostinhos de bonecos, ambientes chics e estridência que adormeça, que não faça pensar. O filme me deu sono, muito sono.
Depp precisa voltar a viver. Ele adormeceu num tipo de limbo "Edward mão de tesouraiano ". Fazem séculos que ele não cria algo novo. Jack Sparrow foi uma excessão bem-humorada, uma brincadeira que deu certo. Em sua idolatria à Marlon Brando, Depp segue os passos do ídolo em sua preguiça, mas não em genialidade. Uma pena se Johnny não nos der seu "Ultimo Tango" ou seu "Poderoso Chefão". Acorde e se torne John !!!!! nota 3, pelo belo visual. È impossível um filme tratar dos anos 20/30 e não ser chic.
A QUEDA DA CASA DE USHER de Jean Epstein
Antes de dirigir seu primeiro filme, Bunuel foi assistente de Epstein neste filme tirado do conto gótico de Poe. O cenário é muito assustador e quem quiser saber de onde Tim Burton tira suas idéias, eis uma das fontes. Nota 6.
A LADRA de Otto Preminger com Gene Tierney
Que linda mulher era Tierney ! Traços de chinesa unidos a traços de irlandesa ! O filme é ok. O tipo de filme classe A, que Hollywood fazia às dúzias. Cleptomania, hipnotismo, roubo, tudo misturado numa diversão sem grandes erros ou acertos. Nota 6.
LARANJA MECÂNICA de Stanley Kubrick com Malcolm McDowell
Os outros diretores devem se sentir muito mal ao se lembrarem de Kubrick. Não é o melhor diretor. Mas sua inteligência é humilhante. Todos nós, um dia, fomos Alex, hoje somos o segundo Alex. Este filme, cheio de erros, chato em vários momentos, é um bofetão irado em nosso rostinho macio. Do cacete !!! Nota 9.
BODAS DE SANGUE de Carlos Saura com Antonio Gades
É necessário. Foi imenso sucesso nos anos 80 este filme do melhor diretor da Espanha antes de Almodovar e pós Bunuel. O que é o filme ? Um grupo de teatro se maquia, conversa, fuma. O diretor ensaia a peça de Lorca. O filme é o ensaio. Não há cenário, apenas um ambiente. Música flamenca e dança, sem diálogos. E uma súbita beleza estarrecedora. A cena da morte, duas facas em movimento contínuo, é uma das mais perfeitas já filmadas. Antonio Gades, belo-viril-enfeitiçante, rouba o filme para sí. Um gênio da dança cigana. A poesia de Lorca surge inteira, sem que se fale uma só linha de texto. Um milagre ! Nota 9.
ESPOSAS INGÊNUAS de Erich Von Stroheim
Houve um homem na Hollywood dos loucos anos 20 que insistia em fazer filmes de 9 horas de duração, com cenários imensos, extras aos milhares e meses de filmagem. Aqui está seu filme menos dispendioso. Ele constrói a Riviera francesa em LA, filma festas luxuosíssima, roupas caríssimas e faz uma cena de tempestade maravilhosa. Se ele foi um gênio ou um louco, até hoje se discute, mas este mastodôntico espetáculo é bastante assistível. 80 anos após sua premiere ! Em tempo: como ator, Von Stroheim está como o mordomo no CREPÚSCULO DOS DEUSES e é o general alemão em A GRANDE ILUSÃO. Seu lugar na eternidade está seguro. Nota 5.
HALLELUJAH ! de King Vidor
Maravilhoso Vidor. Em 1929, enquanto a KKK enforcava negros em árvores, ele, diretor famoso, faz este filme com atores negros, em favelas do sul, e cheio de gospel, jazz e spirituals. Um documento de uma era. O que me deixou boquiaberto é constatar como os negros americanos de 29 se parecem com aquilo que somos hoje. Se movem como nos movemos, falam com nosso sotaque e cantam rocknroll ! Quando vemos os atores brancos da época na tela, apesar de os amarmos, sentimos que são seres de outra era. Eles andam, falam, se vestem, atuam como gente de outro planeta. Aqui isso não ocorre. ( Como não ocorre quando vemos Louise Brooks ). Nota 7.
AS QUATRO PENAS BRANCAS de Zoltan Korda com John Clements, Ralph Richardson e June Duprez
Foi refilmado em 2000 com atores australianos ( Heath Ledger e Guy Pearce ). Este é o original. Desavergonhadamente colonialista, pinta os ingleses como arautos da civilização, um povo que deve salvar a Africa de sua ruína pré-histórica. O mundo mudou ? Hoje são as grandes multinacionais que salvam os povos atrasados de sua ignorância. Se voce esquecer sua caretice colonial, é uma cara e bonita produção. nota 5.
3 BAD MEN de John Ford
A fase muda de Ford já mostra tudo aquilo que ele sempre adorou filmar : casamentos, funerais, festas, camaradagem entre homens e mulheres corajosas. O filme é cheio de humor e tem uma corrida de carroças impressionante ! São centenas de carros, milhares de cavalos e burros, correndo numa planicie sem fim. Emociona muito, pois sabemos que alí estão homens e animais de verdade. Que eles se machucaram de verdade para fazer a cena, que eles têm um limite para aquilo que pode ser feito. Cada homem, cada cavalo tem seu detalhe próprio, seu movimento único, sua verdade concreta. A ação digital emociona menos porque sabemos que TUDO pode acontecer, e se não existe um limite, não existe a coragem em se superar esse limite. Sempre penso em DURO DE MATAR. Bruce Willis nos dois primeiros emociona porque o vemos sangrar e sabemos que ele não vai voar ou cair de 20 andares e ficar vivo. Algo razoávelmente crível terá de ser criado. No último DURO DE MATAR, ele ricocheteia andares abaixo, derruba um jato e sobrevive a viadutos desabando. Tudo pode e nossa crença se vai. O que resta é tédio.
Ah sim... a nota para este Ford é 7.
SISTER CARRIE de William Wyler com Laurence Olivier e Jennifer Jones
Caraca ! Drama pesado, sem açucar. Ninguém morre ou fica doente, mas como se sofre ! Olivier empobrece por amar a mulher errada, e Jennifer sofre por ser pobre. O filme foi um fracasso. Ele não alivia nada, o que está ruim, piora. Não tem final bonitinho, tem final nobre. Olivier dá um show. Seu sofrimento é feito de olhares, tom de voz, gestos das mãos. Um deus entre os atores. A cena final é aquilo que tinha de ser : perfeita. Wyler dirige com o dom de quem ganhou quatro Oscars - retidão e competência. Um exemplo de bom drama. nota 8.
CORAÇÃO CAPRICHOSO de Yasujiro Ozu
Bendito DVD ! Onde alguém poderia assistir tal raridade ? Estão lançando tudo de Ozu e este, pasmem, é mudo ! O estilo ainda não é totalmente Ozu : a câmera se move e abundam cortes. Mas o tema, o amor entre pai e filho, já é Ozu. Um diretor precioso. Um poeta do cotidiano simples, de familias comuns, amores normais, bairros como são todos os bairros. Ele mostrava a beleza dessa normalidade, a poesia da rotina, o heroísmo da vida amorosa. Aqui vemos o mestre ainda tateando, mas já acertando muito : o inicio tem humor abundante e o fim tem tristeza sublime. nota 7.
SIM SENHOR de Peyton Reed com Jim Carrey e Zooey Deschanel
Eu gosto de Jim Carrey. Numa Hollywood menos tirânica ele seria o cara. Mas não é. Sua carreira já mostra sinais de acomodação. ( Incrível, com a idade de Jim e de Depp - Clint Eastwood e Bogart estavam começando ! ). O filme tem um excelente tema, desenvolvido rasteiramente. Mas é ok. nota 6.

o lugar do pai

Não é fácil.
Recordo um poema de Seamus Heaney. Ele diz que o pai se foi, e o bastão agora é dele.
É exatamente essa a sensação. O bastão pesa. Dá poder. E dor. Agora eu defendo a família. Agora posso ser como ele. Me pego com seus trejeitos, suas piadas. As repito. Me observo orgulhoso de minha origem. Meu sangue, meu sotaque.
Mas não é simples.
Um iluminado como Ozu passou trinta filmes descrevendo esses laços, essas transições, esses dramas discretos.
Nada é mais importante.

paul auster e 4 filmes

Em seu novo livro ( Paul Auster é um autor que eu simpatizo, quero gostar mas não consigo. Eu o acho brigado com a vida, pouco criativo, quase enfadonho ); mas como eu ia dizendo, no seu livro ele tem uma bela sacada: Grandes filmes dão vida a objetos. E para provar isso ele cita 4 filmes ( que são seus favoritos e dos quais um está entre meus favoritos ).
Ladrões de Bicicleta, A Regra do Jogo, Apu e Contos de Tokyo.
No filme de De Sica, ele descreve magnificamente o início da fita. A esposa carregando dois estafantes baldes de água. O marido pega apenas um. Depois a esposa leva os lençóis da família para o prego. A câmera se afasta e vemos centenas de lençóis no prego. A relação do casal e a situação de Roma no pós-guerra mostradas por objetos mudos.
Na obra de Renoir, os pratos sujos abandonados sobre a mesa, evocando a solidão da amante abandonada.
Em Satijad Ray, a troca de cortinas no quarto do casal e o grampo de cabelo acariciado pelo noivo, como provas de um casal que se ama.
E no poema fílmico de Ozu, todo o filme é uma ode aos objetos, ao silêncio e ao fato de que numa família não existem culpados, sómente vítimas.
Quatro grandes filmes, que como Auster diz, aproximam o cinema da literatura, dos contos de Tolstoi ou da grandeza de Stendhal.