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DEAD BEES ON A CAKE - DAVID SYLVIAN

Chique. David Sylvian faz parte daquela geração que cultuou Roxy Music. Ingleses nascidos entre 1958-1970, gente que viu o Roxy surgir quando tinham 14, 16 anos, ou que viram seus herdeiros estourar nas paradas quando tinham 9, 10 anos de idade. Sylvian formou a banda Japan em 1976, aos 16 anos e em 1978 lançaram seu primeiro disco. Em meio a dezenas de grupos que seguiam a trilha Roxy, o Japan era o mais xerox de todos. O melhor de então era o Ultravox. Melhoraram com o tempo e em 1981 lançam seu melhor disco e encerram carreira. Sylvian passa a ter uma das mais interessantes carreiras solo da Inglaterra, trabalhando com Robert Fripp e Ryuchi Sakamoto. Seu alvo deixa de ser o Roxy Music e passa a ser Brian Eno. -------------------- Este disco, de 1999, é de uma elegância fria e melancólica hipnotizante. Não é POP, mas não chega a ser hermético. O som é nú, Sylvian expõe o esqueleto do som, é angular, espaçado, lânguido. Todas as faixas poderiam ser gravadas por Bryan Ferry solo, Bryan, lógico, faria delas algo mais encorpado e balançante, mas o tipo de canção é a mesma. Sylvian tem classe, é um tipo de cantor POP muito fora de moda em 2023, pois ele ama a beleza, o chique, a coisa refinada ao máximo. Ouvir este disco, que nada tem de saudoso, o som é todo século XXI, é lembrar algo perdido, uma espécie de apreço, de gosto por aquilo que vale mais, que é superior. ------------- Hoje somos obrigados a falar que amamos o comum e o vulgar. --------------------- Observe o modo como todo o disco é mixado. Ele não facilita, nos obriga à estranheza, mas nunca é o original desequilibrado, sujo, é a originalidade da beleza. O espírito de Sylvian é aquele da poesia simbolista, a Torre de Marfim, o artista que não advoga da vida vulgar, o esteta. É fascinante este disco.

Brian Eno and David Byrne - The Jezebel Spirit.

America is waiting - David Byrne & Brian Eno

MY LIFE IN THE BUSH OF GHOSTS - ENO - BYRNE

Gravado entre 1979 e 1980, causa espanto saber que nesse período Brian Eno encontrou tempo para trabalhar em Lodger, de Bowie, Fear of Music dos Talking Heads, lançar seus discos de ambient music e ainda produzir o sublime Ultravox. Este trabalho, Eno e David Byrne sozinhos, eles compuseram, produziram e tocaram todos os intrumentos, é considerado um marco histórico: pela primeira vez um disco usava vozes sampleadas. Sampler feito em fita, editados e produzidos por Eno. Para isso, ele gravou vozes no rádio, um cantor do Líbano, um DJ de New Orleans, um pregador religioso e até mesmo uma sessão de exorcismo. As vozes são mixadas e colocadas sobre ritmos tribais, funkeados, world music. Algumas músicas chegam a dar medo, parecem fantasmas captados para sempre. Em 2023 percebemos que este trabalho repercute em tudo que foi feito em música eletrônica 10 anos mais tarde, entre 1989-1991. Lembre-se, em 1980 NINGUÈM gravava vozes para as samplear. Se hoje isso é banal, quem começou foram esses dois irriquietos. --------------------- Eu comprei o vinyl na época e o escutei apenas uma vez. Me pareceu então perturbador demais. Eu não entendia o porque daquelas vozes, o porque de as gravar e editar, o porque dos loopings sem fim. Mesmo sendo um ouvinte acostumado a Bowie, Kraftwerk, Gary Numan, este disco parecia radical demais, simples demais, estranho demais. A música não andava. Não havia introdução e nem refrão, não havia desenvolvimento. O som era como um flash fotográfico. Um momento sonoro paralisado no tempo. E com vozes fantasmagóricas. Era inclassificável. ------------------- Tudo que foi um dia moderno se torna velho em seguida. Ouvir este disco hoje, vale a pena? Sim, vale porque é belo. A sonoridade é fantástica, o som é rico, cheio de detalhes e muito dançável. E ao mesmo tempo parece soturno. Ouça e absorva.

Brian Eno - Kings Lead Hat - 1977- Written & Produced by Brian Eno

DEVO. OU: A DEEVOLUÇÃO DO SER HUMANO

Não está escrito errado. A banda de Akron, Ohio, pregava a deevolução do ser humano. Para eles, havíamos entrado, em 1977, num irreversível processo de deevolução. A evolução chegara a seu limite e agora entrávamos em processo de encolhimento-emburrecimento-idiotia. Toda a obra do Devo é uma crítica ao mundo moderno. E para isso, espertamente, eles usaram a forma mais moderna de então: a música eletro-minimalista. ------------- No Brasil o Devo sofreu um problema sério. Modernos e críticos os marcaram como uma banda a ser desprezada. Na época eu pensava que era por terem sido tão amados pelo povo. Devo e B'52s foram as primeiras bandas new wave a estourarem no Brasil. Mas hoje sei que não. A crítica os via com desconfiança por perceberem neles o anti-marxismo. Para o Devo não haveria uma revolução no futuro. Haveria a volta ao canibalismo. -------------- Brian Eno se apaixonou pelos caras e produziu seu primeiro disco. A gravação foi bizarra. Brigas entre grupo e Eno por todo o tempo. Brian sempre foi e é um produtor dominante. Suas produções, todas, têm cara de Eno. O Devo não aceitou. O disco é genial. A versão de Satisfaction é icônica, mas o disco todo mantém o alto nível. A criatividade transborda. São anárquicos. E a sonoridade é exuberante. O som das guitarras e da bateria são instigantes, selvagens, e ao mesmo tempo robóticos. Os teclados ultra sci-fi. É um album que apaixonou toda uma geração. ( Devo sempre foi a banda favorita do meu irmão ). Havia radicalismo no grupo, uma ferocidade bem humorada e muito séria. Eles desafiavam. Para surpresa geral, fizeram sucesso. Os 3 primeiros discos são perfeitos. Depois o que era ultrajante se transformou em fórmula. Seus cinco anos haviam passado. ( Cinco anos é o tempo médio de inspiração de uma boa banda. As fenomenais conseguem ter um pico de seis ou sete anos. Depois há uma repetição forever ). Quando eles estouram por aqui, em 1983, seu auge já passara. ------------ Neste século ridículo, a sonoridade do Devo parecerá interessante, mas sua mensagem será ignorada. Muita banda nova tem batidas e timbres que lembram, até demais, Devo. Eu posto dois grandes clips dos caras e um de Brian Eno, feito em 1977 e que antecipa tudo o que o Devo faria. ( Eno gravou essa canção cinco meses antes de produzir Devo. ) Nesta série alfabética que escrevo ( já escrevi sobre ACDC, Byrds e Cars ), série onde falo de bandas amadas e sobre as quais eu nunca escrevera, o Devo é das mais originais. E mesmo assim acessível. Ouça.

TIME OUT - DAVE BRUBECK ( E O ESTILO BRIAN ENO DE SER )

Jazz já foi mania minha. Passei um ano ouvindo jazz e só jazz. 1988. Eu procurava na música um tipo de elegância que não encontrava no pop. E Time Out foi, naquele ano, o primeiro disco de jazz que ouvi sem cessar. Durante dias e dias eu o escutava. Não me cansava dos acordes eruditos e cheios de molejo de Brubeck, o baixo infalível de Eugene Wright, o sax de timbre inesquecível do genial Paul Desmond e a bateria exata, matemática de Joe Morello. Era e é perfeito. Apesar do desgaste, é o disco de jazz que as pessoas que não gostam de jazz possuem, este disco é uma obra prima. É uma dessas gravações que definem o século XX. O século da gravação. ( Quem diria... ele é o único século de gravação, de fetiche por coleções de música gravada. De capas como arte. ) ----------------------- Do primeiro acorde, Blue Rondo a La Turk, ao úmtimo, é um LP perfeito. O groove está sempre lá, mas ele possui um rigor, uma exatidão clean que era novidade na época. Era 100% jazz, mas tinha a seriedade do erudito. Jamais mal humor, não confunda, Brubeck é divertido, leve, irônico, mas ele tem algo da partitura, do fazer perfeito, do não erro, ausência de acidentes. O famoso solo de bateria de Joe Morello demonstra isso. É, talvez, o mais famoso solo de bateria do século, mas é ao mesmo tempo um exemplo de solo que não é jazz. Não tem a fúria de Krupa, nem a pegada anarquista de Rich, é frio, belo, matemático. E por isso, histórico. Talvez seja meu solo mais amado em qualquer gênero, inclusive rock. ------------------- Já falei em outros posts que o timbre é aquilo que em música mais me interessa. E nisso sigo o que Brian Eno diz. Posso citar dezenas de exemplos de amores musicais meus que se devem ao timbre único. A voz de Lou Reed. A mixagem de certos discos de Bryan Ferry. A guitarra de J.J. Cale. A bateria de Ginger Baker. As produções de Eno sempre buscaram isso. Devo ou Talking Heads, Bowie ou Ultravox, ele tinha como objetivo dar a produção um timbre estranho, diferente, uma marca diferente. A partir do Coldplay a produção de Eno virou preguiça, mas mesmo neles há a bateria em timbre exaltado e a massa de teclados "gelados", marca registrada de Eno. ------------ Pois o sax de Paul Desmond é assim. Ele possui um timbre frio, limpo, apurado que é o refinamento máximo do que Lester Young fazia. O sax de Desmond arruma o mundo, coloca tudo no lugar, limpa a sujeira, toda sujeira. Não haveria Brubeck sem Desmond, é uma união perfeita. A magia deste LP é Paul Desmond. Ele faz seu sopro soar como uma estrela no espaço. Luz sinuosa, não reta, brilha como laser, é gelado e sem emoção, ou melhor: emoção sob controle. ùnico. E jamais cansativo. Um milagre.

GLENN GOULD....AS VARIAÇÕES GOLDBERG

Foi em 1955 que a CBS lançou um LP de um jovem pianista canadense chamado Glenn Gould. Sucesso histórico de vendas, Gould propunha uma nova abordagem sobre a música de Bach. Para ele, o velho mestre alemão fazia música pura, quase matemática, abstrata. Bach escrevia música lógica, não intuitiva, cada nota seguindo uma corrente logicamente alinhada. Música que não existia para expressar, mas sim e acima de tudo para ser música. Um som, vários sons, uma execução. Para demonstrar isso, Gould possuía o requisito básico: uma monstruosa habilidade. Sua execução chocou por ser o contrário daquilo que gente como Horowitz ou Rubinstein faziam em seus pianos, Gould não procurava a emoção, ele queria a precisão total. Sua leitura de Bach era seca e sua velocidade bem mais acelerada. Nada de notas tocadas lentamente, como a exigir sentimento, Gould toca o que lê na partitura. Bach pareceu então chocantemente moderno. Não parecia haver em Gould a religiosidade e a antiguidade barroca que era o modo como todos viam Bach. A sensação era de que o canadense trazia Bach para 1955. Hoje sabemos que Bach era provavelmente aquilo que Gould propunha. O que em 55 parecia heresia modernista de um jovem pianista, hoje é aceito como modo correto de entender a música não romântica, a música de Bach. Se voce escutar o LP, perceberá que nada ali te emocionará por seu "sentimento de alma", mas sim pela absurda genialidade rigorosa de Glenn Gould. Repare na mão esquerda dele e fique estarrecido. Sua velocidade é espantosa. Gould não foi e não é o melhor pianista da história. Mas ele é, e será sempre, o mais original. -------------------- Bach escreveu as Variações Goldberg para serem ouvidas por um nobre insone. O tal Goldberg não conseguia dormir, e Bach compôs por encomenda estas peças, música para acompanhar uma noite em claro. Prosaico? Muito. Veja bem, é um mundo que não reconhece o coração como centro do universo. A música é música. Não é confissão ou projeto social. Em nossos dias Brian Eno tenta fazer retornar esse modo de ver a música em toda sua obra: música que nada expresse,que seja apenas aquilo que ela é: som. -------------- Claro que Gould era esquisito. Tocava numa postura completamente errada. Tinha várias manias. E odiava tocar ao vivo. Após 1962, se dedicou apenas a gravar. Para ele, apenas o estúdio lhe dava a perfeição sonora total. Morreu me 1982, aos 50 anos, do coração. Sua morte foi bastante noticiada então. Gould foi uma estrela que fugia do mundo em sociedade. Era um pianista. Apenas isso e mais nada. E por ser 100% isso, atingiu o cume da montanha. Um ser único.

BEGEGNUNGEN - ENO MOEBIUS ROEDELIUS PLANK

Capa azul e laranja. Mar, areia, alvorada. Achei este cd, made in USA, por 8 reais. De 1978. Esperei semanas para o escutar. Eu sei que ele requeria o momento certo. Moebius e Roedelius são da banda alemã Cluster. Banda que fez parte da onda alemã dos anos 70. Eletrônica. Plank é Conny Plank, engenheiro de som, mito, produtor, o cara que estava em 98% da onda. Nos anos 80 Conny andou produzindo ingleses. Eno é Eno. Então os quatro se juntam em Koln e fazem este disco. Entre 1973-1983 Eno não parava de trabalhar. Estava em todas. Hora de ouvir o disco. Johanneslust. Já me pega. Música feita para não transmitir emoção. Nada da tradição de Mozart e Beethoven, do blues e do rock. Música que é como um objeto. Bonita. Elegante. Perfeita, mas não emocional. É linda. Two Old Timers. O disco melhora ainda mais. A eletronic coisa se acentua. Loops eternos. Paisagens sonoras. A beleza aumenta. Há um zilhão de pinceladas de luz sonora. Mas luz tem som? Aqui ela canta. The Belldog. Talvez em termos de beleza inefável seja o cume da cordilheira deste disco perfeito. É feita de tempo e de pensamento. Música que é som. Nada mais. Nervos. Um maravilhoso entroncamento vivo de sonoridades. Timbres e ruídos. Ritmo. A modernidade está toda aqui. O século XXI vem ao longe. Acontece o milagre: Pitch Control. Gravada nos anos 70, ela anuncia tudo de melhor que viria nos anos 90. É mais moderna e ousada que qualquer coisa feita pelo Kraftwerk. É cheia de sons que nascem e morrem, de sibilações, de feitiçarias, de micro fragmentos, de ecos, de estouros. E tem um groove de rap. Dem Wanderer é a paisagem do timbre. Eles conseguiram, o disco não é nem triste e nada alegre. Não transmite raiva ou dor, é som. Schone Hande encerra tudo. Existe melancolia neutra? Existe aqui. Estou maravilhado.

GNARLS BARKLEY - ST. ELSEWHERE

Cee Lo tem uma voz maravilhosa. Ele não canta soul, ele é puro gospel. Danger Mouse é veloz. Seu ritmo é acelerado e os timbres procuram a originalidade. O que mais me enjoa na música eletrônica são seus timbres. Acho um crime ver gente lidando com aparelhagem que possibilita milhôes de timbres, usarem sempre o mesmo velho som padronizado. 99% dos discos que usam sons digitais possuem uma espécie de sonoridade que nunca muda. O 1% restante eu adoro. Danger Mouse busca sons diferentes. Mistura graves e agudos, tons atonais e acelerações súbitas, e a voz de Cee Lo combina maravilhosamente. O disco foi sucesso imenso em 2009. Merecido. Fui formado na escola Brian Eno. E Eno, no tempo em que ele era Eno, buscava de forma obssessiva o tom exato, úncio, perfeito. Eno brincava com sons. Seu synth no Roxy parecia um pernilongo psicótico. Produzindo o Devo, ele lhes dava um estranho som de brinquedo. O Ultravox era luxuoso, sons de violinos de vidro. Nos Talking Heads ele botou sons elétricos usado de forma percussiva. E em seu trabalho solo ele nunca parou de tentar soar como ele mesmo. Eno em nada se parecia com Kraftwerk. Que nada tinha de Giorgio Moroder, que em nada lembrava Gary Numan ou Jarre. Então com o U2 Eno se acomodou no timbre "ventania". Estagnou. Danger Mouse não usa nenhum desses timbres citados. Ele não tenta parecer vintage. Assume o som digital de 2009. Muita gente hoje tenta soar analógico. Como muita guitarra tenta parecer valvulada. Não enganam. Muito melhor explorar o limite do som digital. Não há nada pior que grupo de teens tentando lembrar o Depeche Mode.

eu não gosto desta banda, mas eu gosto muito deste disco. A gente tem de falar sobre Achtung Baby, do U2, um dos cinco grandes discos da última grande década

Em 1991 nem o U2 aguentava mais o U2. Durante toda a década de 80 eles foram onipresentes. Com seus hinos simplórios, sua batida marcial, sua mensagem tão irlandesa. Não houve banda maior naquele tempo. Os anos 80 tiveram MJ e Madonna, Prince e Bruce Springsteen. Mas entre as bandas, nascidas na década, o U2 reinou sozinho. Bon Jovi e Duran Duran, Inxs e REM, ninguém chegava perto deles em sucesso. Eu os odiava. Eles tinham aquele ranço de bom mocismo, de consciência social que me enchia o saco. Pior lado da Irlanda: essa mania de se achar um monge pregador. Bono era patético. Mas em 1991, o próprio Bono estava farto de ser Bono. E fizeram aquilo que Bowie fizera quando se enjoara de ser Ziggy: foram para Berlin com Brian Eno. E lá se reinventaram. No mítico estúdio Hansa, onde Iggy gravou The Idiot e Bowie gravou Low e Heroes, Eno mostrou para o grupo seu modo de ver a música. Sons como "estratégia do acaso", timbres mais importantes que harmonias, ritmo quebrado, e acima de tudo, uma filosofia em que nada é tão sério. Brian Eno lhes deu aquilo que antes ele dera ao Roxy, ao Devo, aos Talking Heads, ao Ultravox: Ironia. O U2 que emerge dos Hansa Estúdios é muito mais complicado, enigmático, indefinido. A mais óbvia das bandas lança, aos 12 anos de carreira, um disco de extrema coragem, que deixa os fãs aturdidos e a crítica surpresa. Achtung vende 13 milhões de cds. Após a surpresa inicial, o mundo aceita. Em 1992, é o grande disco de um grande ano. Foi das muito raras vezes em que uma banda estabelecida se reinventa. Mais raro ainda: deu certo. Quando ouvi a primeira vez, na época, fiquei embasbacado. Era tão atual quanto Happy Mondays ou Stone Roses, melhor ainda, lembrava o Pop Will Eat Itself, minha banda favorita de então. Parecia tão jovem quanto Primal Scream ou Pixies. Fora One, uma balada insuportável, todo o disco balançava. Tinha cor, tinha ruído, era mixado com engenho ( The Flood ), tinha uma capa linda, clips fabulosos, e de repente entendi o milagre : O U2 PARECIA SEXY! Foi o que mais senti: a banda descobrira o sexo. Leio na net que em 2020 ele tem status de clássico. Um dos discos chave de anos brilhantes.

ULTRAVOX! , UM GRANDE, GRANDE PRIMEIRO DISCO.

   Em 1976 o Ultravox começa a gravar seu primeiro disco. A sonoridade irá lembrar a banda pela qual eles têm profundo amor: Roxy Music. E o acento de exclamação no nome ( ! ), é homenagem a banda alemã NEU!
   Brian Eno produz os caras. Mas larga a produção antes do final para viajar à Berlin, onde vai encontrar Bowie voce sabe pra que. Em seu lugar assume o jovem Steve Lyllywhite, que será o produtor dos primeiros 4 discos do U2. Depois será Eno. A vida é ironia.
  O disco sai pela Island em 1977. Dois produtores, Eno e Steve. E, que azar, é o ano do punk. A banda será chamada de muito velha para ser punk e muito nova para o glam rock. Entre 1977 e 1979 lançam 3 discos. Todos incensados pelos críticos. Todos amados pelos futuros músicos dos anos 80. Todos ignorados pelo público de então, povo que ouvia punk, ska e a new wave de Costello e Ian Dury. Este primeiro disco, Ultravox! antecipa em cinco anos a música de 1981, a música da primeira metade da década de 80.
  John Foxx é o vocal. Ele sairia em 1980. Midge Ure entraria no lugar e a banda estouraria nas paradas com Vienna. Mas este disco é melhor. Bem melhor. Foxx era mais ousado, mais "do mal", mais sexy. O som do disco é puro Roxy. Um Roxy em que Phil Manzanera tocasse menos e Eddie Jobson muito mais. O som do disco é o som do violino elétrico de Rusty Egan. Imagine Ferry cantando estas canções e voce imagina um disco do Roxy de 1976. ( Em 76 a banda não existia mais. Voltaria em 79 modificada ).
  Nick Rhodes diz que o disco é seu favorito. Rhodes fundaria em 1979 o Duran Duran. O Ultravox! é um Duran menos pop e bem mais perigoso. A faixa My Sex é uma obra prima. E termina cortada pelo meio, como Eno faria em Low. Mas o disco é mais que ela. São oito canções tristes. E ao mesmo tempo desafiantes. Ouça.

TIMBRES, AMBIENTAÇÕES, CLIMAS.

   Conversava eu com um amigo quando foi citada a célebre frase de Brian Eno: "A música POP não deve ser valorizada por melodia ou harmonia, nisso a música erudita é muito melhor; mas sim pela originalidade de seus timbres."
   Como prometido, faço aqui uma breve explanação de algumas canções que me marcaram e me marcam por seus timbres.
   ( Antes um adendo: A música pop do século XXI tem tido uma uniformidade de timbres irritante. Parece que todos os estúdios e todos os produtores usam os mesmos equipamentos e as mesmas técnicas...Aliás, não parece, é fato ).
   The Spencer Davies Group - gimme some lovin.
Não tem como não falar dessa faixa de 1966. Mais que tudo, o grande gênio deste som é Jimmy Miller. Ele quem produziu esta canção que esbanja ambientação. Podemos ver o local onde os músicos estão. Há uma abundância de vozes, de sons de percussão e um órgão que soa como faca. É um marco da gravação elétrica. Feche os olhos e enxergue os caras tocando.
   Steely Dan - hey nineteen.
O Steely Dan usa em cada faixa de seus LPs formações diferentes de músicos. Como num menu, Fagen e Brecker escolhem o som que cada músico pode dar. O som de hey 19, faixa de 1980, gravada em LA, 38 canais, usa os músicos de estúdio mais foda que o dólar podia comprar. Mas acima de tudo ela é elegante. Começa com aqueles acordes de guitarra e se espalha em um dos melhores sons de bateria já gravados. A música é quase nua, usa o silêncio e os backing vocals são dos céus. Todos os timbres são fortes em presença e ao mesmo tempo discretos, por isso elegantes. Uma aula de bom gosto.
   10CC - i'm not in love.
É uma das canções mais importantes do pop de todos os tempos. Levou cinco meses para ser gravada. O quarteto, gente que produziu Yardbirds entre outros, perfeccionista ao extremo, faz uma canção maravilhosa usando apenas vozes como melodia. Essas vozes, apenas duas, são multiplicadas ao infinito. De fundo, um piano elétrico delicado e um baixo que parece tocado por um anjo. Eno fala de ambientação, estamos no Eden aqui. O momento em que a melodia cessa e depois retorna é assombroso. O final sempre me faz pensar que a música pop foi criada para um dia dar luz a esta canção perfeita.
   Lou Reed - Vicious.
Mick Ronson e Ken Scott são os responsáveis por este rock de um timbre nunca mais igualado ( ok, David Essex tem um disco com som parecido ). A guitarra de Mick é aquosa, plástica, suave; enquanto a bateria rebombeia ao redor do som. É preciso criar novas palavras para falar de som tão novo. Repare como a voz de Lou, "machona", noturna, detonada e sábia, faz contraste com o som da instrumentação de Ronson. O solo é tão maravilhoso que seria digno do melhor de Jeff Beck. Voce pode ouvir isto 300 vezes. Nunca vai enjoar.
    ( amanhã tem mais )

Fripp & Eno - Swastika Girls



leia e escreva já!

Brian Eno - China My China - 1974 - Written & Produced by Brian Eno



leia e escreva já!

TAKING MOUNTAIN TIGER ( BY STRATEGY ) - BRIAN ENO

   A grandeza de um artista repousa naquilo que ele digere. Não um simples plágio, mas no dom de absorver influências e as reinterpretar. O grande artista pega o que já existe e faz disso algo maior. Leva ao público aquilo que apenas meia dúzia de devotos conheciam e amplifica a mensagem, o alcance. O grande artista é um solo adubado. Uma curiosidade que nunca se esgota. Ele quer conhecer mais e mais e mais. Caminha atrás da coisa rara e traz a pedra polida para nós e para voces. Quanto maior o dom, maior a quantidade de informação.
  Siouxssie diz no livro laranja que Bowie é o único artista pop que exige toda uma enciclopédia para ser usufruido. Se voce não ler Nietzsche, Burroughs, Eliot, Freud, Jung, Wilde, Lacan, McLuhan, Artaud e Borges não vai entender nada.
  Brian Eno só será entendido por quem tiver escutado Satie, Steve Reich e John Cale. Ele cria beleza na repetição e faz da repetição complexidade. Na verdade é pueril falar de um só disco de Eno. Sua obra se divide em épocas, em momentos que abrangem vários discos. Este disco, de 1974, é de longe seu album mais pop. Aqui ele trabalha sobre a canção e faz músicas quase normais. A não ser pelo timbre, pelo pequeno ruído que se intromete, pela harmonia que não evolui. Antecipa toda a New Wave, antecipa tudo dali pra frente. Enterra o pop dos Beatles e da Motown. Nada de blues, de country, de rockabilly ou de soul. Hoje esta coleção de canções vai lhe parecer muito normal, isso porque desde 1980 esse tipo de pop, aqui antecipado, é dominante ( ou foi, até a intrusão da forma dance atual ).
  Junto falo de um disco que Eno fez quase ao mesmo tempo e que é sua verdadeira aposta. A repetição que se revela mantra, a monotonia que esconde surpresas sutis. 
  Os videos estão postados. O acaso fará de voce um ouvinte. 
  Ou não.