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DAVID BOWIE & LOU REED - Queen Bitch

David Bowie feat. Robert Smith - Quicksand (Live)

HUNKY DORY - DAVID BOWIE. POR QUE ELE HOJE É CONSIDERADO SEU MELHOR DISCO?

Já aviso, Hunky Dory não é meu Bowie favorito. Prefiro muito mais Low, Diamond Dogs, Lodger, Young Americans e mesmo Station to Station me soa muito mais fascinante. -------------- Fazia, creia, uns 20 anos que eu não ouvia este disco. Então hoje o reouvi. Eu o escutava muito em 1989, 1990, época em que foram lançados seus discos em edição japonesa, depois parei. Ouvindo hoje algumas coisas me surpreendem: Primeiro: É basicamente um disco acústico. Segundo: a beleza do piano de Rick Wakeman ( pena não terem trabalhado juntos mais vezes ). A sequência das 6 primeira faixas é imbatível. Poucos, muito poucos discos, são tão superlativamente belos como aqui, nessas 6 faixas. Changes, Oh you pretty things, Eight line poem, Life on Mars, Kooks e Quicksand, minha favorita, são melancólicas, solitárias, belas, diáfanas. Bowie é um jovem inglês, em 1971, cantando em seu flat, violão, tentando se entender e entender o que o cerca. É um quase derrotado lançando sua última carta. Nunca mais ele cantou assim. E a preferência de 2023 por este disco reside nisso: nosso tempo se identifica com esse jovem isolado. O super artista ambicioso de Low nos incomoda. É um tipo anti 2023. Já o Bowie de Hunky Dory parece ser um cara de agora. Mas não é. Bowie é bem maior que qualquer artista POP que trabalha hoje por aqui. Ele é uma outra coisa. --------------------- O piano de Wakeman pontua todas essas músicas. Seu dedilhado delicado dá brilho e ângulos ousados às canções. É um acerto absoluto. O problema de Hunky Dory é que após o pico atingido em Quicksand ele cai demais. O cover de Newley, Fill your heart anuncia o que parece ser um outro disco. Um outro Bowie. Andy Warhol, uma homenagem em estilo Dylan, é apenas comum, Song for Bob Dylan é indigna do mestre ( e comete o erro de dizer que a voz de Dylan é sad and blue...ora David...ela é angry and hungry ). Bowie se torna aí um tipo de Ian Hunter, Mott The Hoople na veia. Depois vem a estupenda homenagem à Lou Reed, Queen Bitch, riff que cita Sweet Jane, a parceria Bowie Ronson dando as caras enfim. Bewlay Brothers é bem chatinha. -------------------- Quando ouvi este disco a primeira vez senti o mesmo que hoje: são dois discos enfiandos em um só. Durante seis faixas é David no quarto com o piano de Wakeman compondo milagres de beleza melancólica. Depois é Bowue homenageando seus ídolos em faixas não mais que médias ( fora Queen Bitch, que é brilhante ). Ziggy Stardust nasce nessa mescla. Ele seria a união dos dois lados, aquele de Quicksand e de Queen Bitch. ------------------- Belo tempo para se ter 15 anos em Londres. Após este disco, as lojas seriam invadidas por Lou Reed com Transformer, o primeiro do Roxy Music, T. Rex vendendo como Beatles e mais Gary Glitter, Mott The Hoople e Sweet. Uma festa. Nunca mais foi assim. Hunky Dory é um adeus dado no princípio. Triste como Bowie sabia ser.

OS INGLESES SÃO POBRES E A MEMÓRIA NÃO MORRE

A geração inglesa que hoje tem entre 70-80 anos conheceu a fome em seus primeiros anos de vida. Eles têm memória da ração em lata ( spam ), do um ovo por semana, do leite em pó. Memórias felizes de quarteirões derrubados, espaços livres, vida na rua e centenas de milhares de crianças ( era o baby boom pós guerra ). Cresceram nas ruínas da guerra e jamais esquecem isso. Apaixonados pela comida farta da América, seus carros imensos, as casas grandes, a confiança na vida. O sol. Portanto, quando voce analisar um rock n roll star inglês dessa geração, tenha sempre isso em mente, ele foi pobre, muito pobre. E portanto, seu maior medo, eterno, é não só passar necessidade, como ver um dos seus em apuros. Eles festejam poder ter uma casa imensa, vários carros, mulheres ricas, joias e comida, muita comida. -------------- E apesar da boa educação da Inglaterra de então, são ex-suburbanos, ex-famintos, ex-moleques da rua. Para entender o que é sua história, tenha essa certeza: sua carreira é uma luta contra a carência. ---------------- Nenhum rock star inglês é realmente chique. Mesmo Bryan Ferry e David Bowie, os ícones do glamour, possuem uma breguice extrema. Ferry exagera tanto no chique, no ar de aristocrata, que trai sua insegurança. E Bowie sempre teve, principalmente em seus melhores momentos, algo do rapaz deslumbrado pela vida na cidade grande. Ele era exibicionista. Nada menos chique que isso. Isso que falo explica gente como Mick Jagger, que simplesmente não consegue parar de fazer dinheiro, que mesmo com tanto nos cofres ainda mantém um jeito brega de vestir e de ser. Não preciso falar de Elton John, Rod Stewart, Ozzy, Robert Plant, Ian Gillan e todo o resto. O próprio rock progressivo é uma tentativa de parecer culto e superior, atitude só prezada por quem se sente caipira e acossado por snobs. O rock inglês é filho de moleques famintos, crianças que ficaram ricas mais tarde. Nos EUA a história é completamente diferente. Toda esta minha conversa não faz sentido lá. -------------- O piano brega de Paul MacCartney, com um pano cheio de cores, é a lembrança do jovem faminto que ele foi. Assim como a carreira de Rod Stewart pós 1975, toda voltada para fazer dinheiro e ganhar mulheres. Mas não só eles. É brega Van Morrison com suas roupas ridículas, Pete Townshend e sua insegurança social, Ray Davies tentando parecer um dandy de 1910. Todos seguiram o mesmo caminho: um começo sincero e soberbo, confessional, ainda dentro do mundo duro e pobre da juventude inglesa de então, mas depois, quando a grana começa a chegar aos quilos e quilos, o desejo de não mais voltar a ser pobre toma conta e ser rico se torna mais importante que ser autêntico. -------------- Nada há aqui que os desabone. Eu sou como eles são. São humanos. Estão longe da estranha desumanidade mimada dos stars de 2021. -------------------- Há neles o orgulho de quem venceu. E isso é o mais importante. Em todos há o espírito do "VEJA MÃE! OLHA ONDE ESTOU!" Jeff Beck compra dúzias de carros antigos, aqueles que ele sonhava aos 12 anos e Jimmy Page mora em castelos, os que ele via no cinema e sonhava em morar. Não há muito espaço para compor um novo Immigrant Song quando seus dias são dedicados a usufruir seu novo status. ----------------- Rod Stewart foi um dos mais pobres, e por isso, seu deslumbre foi o maior. Quando se viu rico ele mergulhou na farra. O gênio, sim gênio, de seus primeiros discos morreu. Saiba que entre 1970-1974 era ele o artista mais nobre da ilha ( não, não era Bowie ). Pego aqui um CD do cara: GREAT ROCK CLASSICS OF OUR TIME. O Rod dos insuportáveis AMERICAN SONGBOOKS, caso voce não saiba ele vendeu toneladas da série de CDs que revivem as cançõea americanas clássicas, coisas que Sinatra e Fred Astaire cantavam. Esses Cds são de uma breguice soberba. Música para quem quer ser chique e não consegue ouvir os originais. Pois bem, aqui ele faz o mesmo com alguns rocks e pops. Um disco para vender mais alguns milhões. --------------------- Rod é o melhor cantor cover da história. Ao contrário de Bryan Ferry, outro cantor famoso por gravar covers, Rod não muda as canções radicalmente. Ferry as torna canções de Bryan Ferry, todas ficam parecendo composições dele mesmo. Rod não, ele canta dentro do formato imaginado pelo compositor. O diferencial é que ele canta sempre muito melhor que qualquer um. Por isso ele é o melhor intérprete de Bob Dylan da história. Ele dá à Dylan aquilo que Bob não tem: poder vocal para falar tudo que a canção pode dizer. IF NOT FOR YOU é o Dylan deste CD. Simples, alegre, confiante. Se com Dylan era ela uma linda canção, com Rod ela é perfeita. OH ROD!!!!! QUanta coisa maravilhosa voce não poderia ter feito!!!!! ---------------- O disco abre com Have you ever seen the rain, e não dá pra ser melhor que John Fogerty. Nem precisava ter gravado essa. Mas a gente sempre imaginou como seria Rod cantando Creedence, então okay. Depois vêm dois pontos baixos: Elvin Bishop e Chrissie Hynde. Fooled Around de Bishop é só uma cançãozinha boba, e I'll stand by you é daquelas coisas pavorosas que Chrissie fez depois que virou vegetariana e militante do bem. A Chrissie punk morreu em 1981. ------------------ Bob Seger é cantado com Still The Same, um linda canção e apesar de Bob ser um grande vocal, Rod a melhora. Profissional. Rod está ganhando dólares com dignidade. Mas às vezes não....cantar Its a Heartache, a horrenda música de Bonnie Tyler beira o apelativo. Rod canta uma peça de uma imitadora dele mesmo! Pra que? Por Caipirice.--------------- Day After Day é um dos amores da minha vida. Rod canta exatamente como na versão original. Não há um acorde diferente. A canção é uma obra prima, Rod a repete. Bem....em 1975 Rod Stewart nos deixou às lágrimas com uma versão mágica de First Cut is The Deepest, de Cat Stevens. Tantos anos depois ele revisita Stevens e canta Father and Son. Não é nem sobra do cantor de então, mas a composição de Cat é também menos genial. Então temos os Eagles e Best of My Love. Alguém disse que Rod canta com uma sedução maravilhosa, não houve cantor mais sedutor para as mulheres, sua voz as leva à cama. Aqui temos um cara que aos 70 anos ainda dá seus botes. E então vem If Not For You e a verdade se revela. É a única faixa onde Rod é ele mesmo. Um simples e ingênuo cantor. Vale todo o resto. ---------------- Não vou ouvir Love Hurts. Gram Parsons a gravou do modo perfeito e o Nazareth a destruiu para sempre. --------------- Na minha infância e adolescência, já disse isso, fomos educados a sofrer por amor. Os grandes sucessos, 80% deles, eram músicas feitas para chorar. Everything I Own é uma linda canção da mais chorosa das bandas, Bread. É uma canção tão linda que é impossível a estragar. Até Boy George ganhou dinheiro com ela. Rod nos dá um presente. ( Fico ainda mais tocado ao saber que a letra não é sobre uma mulher que deu tudo ao homem, é sobre o pai do autor, que havia morrido sem ver seu sucesso. David Gates, o compositor, agradece por tudo que o pai lhe deu ). Para fechar do CD, o óbvio: Van Morrison e mais uma de suas canções de motel. ----------------- A seleção diz muito sobre quem Rod é. Simples e direto. E fala mais sobre o que ele faz desde 1975: Produtos que vendem muito. Mas as faixas sobre Dylan, Bob Seger e o Bread mostram que ainda há um sopro de magia nele. E eu amo esse cara.

OASIS

Reouvir o primeiro disco do Oasis após mais de 20 anos sem o escutar. Após ler uma crítica atual de uma revista inglesa. Ela o coloca nas alturas, o chama de "o último disco de rock que vale a pena". Fala que ele tem algo de muito raro nos dias de hoje: é confiante. Viril. Profundamente feliz. ------------------ A minha geração ficou irritada com o Oasis pelo excesso de elogios e por que nós achávamos que outras bandas mereciam mais tanto sucesso. Oasis passou a ser a banda que muita gente torcia para seu fracasso. Quando eles afundaram em brigas e discos ruins, nós adoramos. Podíamos falar: Eu sabia que eles eram fake. ------------ Não eram. Após quase trinta anos, e tantas bandas ruins, dá pra dizer que eles eram reais. Rock n Roll na alma. E pasmem: nada Beatles. ----------------- O trio de canções que abre o primeiro disco é das melhores sequencias de músicas que abrem qualquer disco de estreia. Poucos LPs de começo de carreira possuem uma abertura tão poderosa. E a palavra é essa: Oasis era potente. O som é cheio, forte, barulhento, gordo, cheio, excessivo, viril. É uma banda que tem um pau. Chegam chegando. Liam ainda não era tão maneiroso, a voz ainda não parecia tão cliché dele mesmo, e a guitarra de Noel é incisiva. Steve Marriot encontra Mick Ronson. Aliás, neste disco, a influência da primeira fase de David Bowie é muito maior que qualquer outra. Em vários momentos sentimos o amor de Noel a músicas como Suffragette City ou Hang on To Yourself. Kinks, Beatles, Small Faces, Pretty Things, a espinha dorsal do rock inglês está toda aqui, mas são os 4 primeiros discos de Bowie que dão o tom. Lançado em 1994, em meio a deprê do som de Seattle, este disco convidava a mandar tudo à merda e sair para beber. Foi um alívio. Nunca mais eles seriam tão felizes. ------------------ Bandas que fazem sucesso no seu primeiro disco são sempre vistas com desconfiança. As pessoas tendem a achar que houve favorecimento ou sorte. Elas destroem o mito da banda que sofreu e teve que lutar para finalmente aparecer. Bandas assim, felizes, atraem um monte de gente que deseja seu desastre. O Oasis, como o Guns and Roses, foi profundamente odiado por isso. Tudo deu certo para eles. Então deveriam pagar um preço. E pagaram. -------------- O segundo disco ainda seria um marco. Um colosso de criação de Noel. Mas depois, o buraco. Queda tão abrupta como aquela dos Doors ( outra banda que fez sucesso logo no começo ), brigas tão embaraçosas como as dos Beatles. Não era para durar. Ouvir este disco em 2021 é uma surpresa. Experimente.

1987... EM BUSCA DO COOL... ( SE É QUE VOCE ME ENTENDE )

Cansei do POP e parti pro cool. Em 1987 ouvi jazz. Todo o ano foi marcado pelo clip de Miles Davis que postei acima. Passei o tempo não só com o Miles contemporâneo de então, mas com o Modern Jazz Quartet, com a Mingus Dynasty, Dave Brubeck, Coleman Hawkins, Bill Evans e Chet Baker. Mandei um fuck para o rock de então. Mandei? Mais ao fim do ano fiz o mesmo que os caras mais espertos do POP, mergulhei no chique. Chique em que o fim dos anos 80 foi mestre. Os discos solo de Bryan Ferry eram o MUST. Mas havia o Style Council com seu soul muito white. Paul Weller queria viver na Roma de O SOL POR TESTEMUNHA. Paletó branco e mocassins italianos. O POP nunca foi tão fresco. Sade Adu sempre foi chique, mas ao contrário de Paul Weller, ela sabia cantar. Terence Trent D'Arby se achava a última bolacha do pacote. Ou melhor, o último brioche da boulangerie. Seu primeiro disco era sexy, era black, era cool. Teve Sting, claro. Ele formou uma banda de jazz e brincou de ser Marvin Gaye. Nothing Like The Sun era obrigatório. George Michael entendeu tudo. Mas George era muito mais esperto que Paul ou Sting. Ele foi direto na fonte. Elton John bem vestido. George foi a melhor voz branca dos anos 80\90. Swing Out Sister, Curiosity Killed The Cat, Everything But The Girl, era moda banda com nome fofinho. Pizzicato Five e Right Said Fred beberiam aqui cinco anos mais tarde. Estranho e triste perceber o erro de Bowie. Nessa época ele tentou voltar ao rock pesado e quebrou a cara. Era o cara certo pra seguir o som da época. Ele fizera tudo que Paul Weller ou Terence fizera em Young Americans e Lets Dance. Os clips eram lindos. E chiques. Dá uma olhadinha.

AS DUAS BANDAS MAIS INFLUENTES DA HISTÓRIA

Bing Crosby foi o cantor mais influente do século XX. Foi o primeiro a entender o microfone. Cantores não haviam percebido que com o microfone não era mais necessário soltar o vozeirão. Voce podia cantar como se estivesse ao ouvido do ouvinte. Sem Bing e sua voz suava, não haveria Sinatra, nem Fred Astaire, não existiria João Gilberto e nem Roberto Carlos. Claro que mesmo após Bing continuaram a existir as vozes operísticas. Nelson Gonçalves, Tom Jones e Freddie Mercury são tipos pré microfone. No Rock leio que existiram duas bandas influentes. A primeira são os Beatles. Já disse e repito, mesmo se voce os despreza, mesmo se voce acha que Slayer ou MC5 são melhores, foram os Beatles que criaram coisas tão básicas que hoje parecem ter existido desde sempre: o próprio conceito de banda nasce com eles. Antes o que havia era um cantor e sua banda ( Elvis, Buddy Holly, Chuck Berry ). No máximo existiam grupos vocais ( The Platters, Beach Boys ) ou grupos instrumentais ( Shadows ). Os Beatles criam a ideia de banda como célula que compôe, canta, se acompanha e até mesmo produz. Eles inventam aquilo que no rock é dominante até hoje: a auto suficiência construída em três ou quatro pessoas. Secundariamente, é deles também a ideia da dupla de compositores que canta suas próprias composições, dos albuns que contam uma hsitória e até da venda de produtos licensiados. O Black Sabbath ou o Pink Floyd podem ter criado novos estilos, mas continuam sendo bandas em moldes Beatle. Revistas e sites têm cada vez mais lançado a ideia de que a segunda mais influente banda é o Kraftwerk. Dizem até que Computer World ou Trans Europe Express serão em votações futuras aquilo que Sgt Peppers e Revolver são hoje. Eu pergunto por que, e eu mesmo respondo. O Kraftwerk destroi o que os Beatles foram sem para isso voltar aos tempos de Elvis ou Johnny Cash. Primeiro: rock sempre foi e ainda é a mais emocional das expressões. Cantores gritam, choram, ofendem, gemem. Os alemães não. Nem cantar eles cantam. Segundo: Rock são instrumentos tocados com fúria, ou então com lirismo de menestrel. Os alemães não. Terceiro: uma banda tem bateria, baixo e guitarra, seja elétrica ou acústica. Na falta da guitarra, piano tocado como percussão. Kraftwerk não tem instrumento convencional nenhum. Quarto: Rock é sincero. Kraftwerk é ironia. Se os ingleses fizeram nascer toda banda, de Led à Stones, de Nirvana à Radiohead, todas usam o molde formado por cantor sincero, compositores da banda e a mistura que usa como base bateria, baixo e guitarra ( ou teclado ); o Kraftwerk nem parece ser uma banda. Lembro que nos anos 70 eram chamados de "fake". Pois não tocavam nada, apenas apertavam botões. Sem eles não haveria nada de eletrônico. Do Depeche Mode à Marilyn Mason, todos usaram as ideias que em Dusseldorf foram pensadas em 1975. Mais importante ainda, o RAP e o House foram nos anos 80, segundo os próprios caras desses estilos, inspirados por Computer World, o disco de 1981 do Kraftwerk. Até 81 fazer rap era fazer aquilo que Kurtis Blow fazia: usar bases do grupo Chic e mandar a voz por cima. Rap tinha muito piano, guitarra riscada e baixo de verdade. Após Computer World, as bases passaram a ser as de Metal on Metal, a percussão do disco alemão. Não estou exagerando. Os caras do Run DMC sempre falaram que suas vidas mudaram quando foram ver os caras em New York, 1981. Quase 40 anos!!!!! E continuamos fazendo discos que variam entre a banda-Beatles ou a produção eletrônica computadorizada-Kraftwerk. Na verdade, como notou Bowie em 1976, os melhores misturam as duas coisas. No Rock n Roll Hall of Fame, aquele clube que tem até Pat Benatar mas não tem o Jethro Tull, Kraftwerk não faz parte. Isso apenas revela que o estilo criado por eles ainda não foi absorvido. Em 2020 o Depeche Mode entrou para o clube. Os alemães não. Ontem reouvi Computer World. Ainda é inspirador. Pensei em Daft Punk. Pensei em Lady Gaga. Pensei em Rammstein.

TIMBRES E AMBIENTES SONOROS

   Como Brian Eno diz, o que há de melhor no Pop, no Rock ou nas vertentes black, é o timbre, o tom original que se pode tirar de cada instrumento. A riqueza possível em cada gravação, no trabalho de produtor, engenheiro de som e músicos. Aponto mais quatro exemplos que marcaram muito meu gosto musical.
   Baby, I Love You - Andy Kim.
Produção de Phil Spector com todas as marcas do louco produtor: A união de montes de instrumentos tocando juntos como se fossem um só. Aqui estão guitarras, flautas, trombones, órgãos, pianos, baterias, xilofones, chocalhos, e mais um coro de vinte vozes. A canção começa com uma batida na caixa que logo abre espaço para a massa sonora que desaba como um trem em andamento. O som avança, grosso, forte, impetuoso, e a grande surpresa é: ela consegue ser intimista mesmo com tanto som. É um trabalho de time: Spector, Jeff Barry e Jack Nitzsche. Histórico.
   SOS - Abba.
As lições de Spector e de Brian Wilson renascem nos anos 70 neste grupo sueco de imenso sucesso. O estilo é o mesmo: massa sonora unida em acordes grudentos que se espalham como toques de tinta em tela pequena. Curto, grosso e absolutamente perfeito. Tenha calma e repare: as linhas de piano e de synth são sinuosas, simples, claras e irresistíveis. E as guitarras e bateria surgem como percussão, marcam ritmo e marcam evolução musical. Por cima de tudo, os vocais. A menina triste em solo, o coro dando apoio à dor e erguendo a canção. Agnetha é uma voz como nenhum outra, sua tristeza é sempre a nossa. 3 minutos que mudam uma vida.
   Breaking the glass - David Bowie
Tudo já foi dito sobre as gravações de Low. Desde o som da caixa, gravada à parte por Conny Plank, até os sons alienados dos teclados de Eno ( tive a honra de ver a maleta-teclado, o synth usado nas gravações de Low em exposição no BR em 2015 ). O baixo de George Murray parece feito de chicotes de aço. E há o timbre da voz de David: uivos de um coiote perdido em Berlin.
   Stray Cat Blues - Rolling Stones.
Durante décadas foi meu timbre fetiche. Como se conseguiu um som tão metálico neste disco absurdo? Ouça os primeiros acordes: A guitarra de Keith é de lata, uma lata amassada e enferrujada que corta nossos ouvidos. A voz de Mick é afogada em ruído ácido e a bateria tem o timbre de latões de lixo. E no refrão: um kaos de magnífico ruído, a guitarra como vidro caindo sobre rochas. No final, swing, sexo, sangue. Jimmy Miller produziu.

David Bowie - BBC Live - Diamond Dogs & John, I'm Only Dancing (January ...



leia e escreva já!

O HOMEM QUE VENDEU O MUNDO - DAVID BOWIE POR PETER DOGGET

   Não é uma biografia de Bowie. O autor analisa todas as canções que o rei dos anos 70 compôs, em ordem de composição, e no processo nos conta a saga do londrino genial naquilo que ele viveu de melhor, a década de 70, segundo o autor, a mais triste das décadas.
   Peter Dogget escreve muito bem. Sua descrição das canções, para quem as conhece, são perfeitas. Ele aponta TODAS as influências, entrega os plágios, descreve o som de um modo saboroso. Temos vontade de correr e reouvir tudo. E descobrir aquilo que nunca escutamos ( muito pouco em meu caso ). Segundo o autor, Bowie amava Judy Garland, era seu maior ídolo, e perto dela vinham Sinatra, Sammy Davis Jr e Marlene Dietrich. Bowie era doido por cinema, por artes visuais, e o rock era apenas o meio onde ele cresceu, o modo natural de se fazer grande. Mas não sua paixão central. Daí sua importância primordial: Bowie é o cara que traz para o rock aquilo que não era do rock. Ele o vê como ator, como performer. É um artista que interpreta o papel de rock star. Ou de menestrel folk. Ou de inovador pop.
  Ele poderia ter sido um folk star até 1970. Sua maior influência era a dupla Simon e Garfunkel. E Neil Young. Ao conhecer Tony Visconti, produtor de gênio, Ken Scott, engenheiro de som mágico, e Mick Ronson, seu guitarrista de blues e arranjador de extremo gosto, Bowie abraçou o rock. E o modificou para sempre.
  Ele era um grande leitor. E em 1970 lia aquilo que aqui no Brasil Paulo Coelho lia. Ocultismo. Cabala. Crowley. Hermes Menegisto. Nietzsche. Impressiona a energia de Bowie. Ele estava sempre em movimento, gravando, compondo, fazendo shows, escrevendo roteiros, indo a exposições, lendo, e se drogando muito. Entre 74 e 76 ele foi o rei do pó.
  O autor desgosta de várias canções de Bowie. Isso dá certa isenção ao livro. Ele acha Transformer de Lou Reed banal, e Raw Power mal é citado. Ziggy, o LP, é visto como importante e criativo, porém, musicalmente pouco instigante. As letras são o foco da genialidade de Bowie. Diamond Dogs é para ele uma obra-prima de invenção sonora. Uma massa de sons, ruídos, harmonias e símbolos ocultistas digno de um feiticeiro. Peter considera Dogs e Station To Station os mais altos pontos da vida de Bowie. ( Low e Hunky Dory vindo em seguida ). O autor destrói Lodger, considerado frouxo, e dá um retrato sublime de Young Americans, o auge da voz de David.
  No final ele fala por alto do Bowie dos anos 80, 90 e 2000. O livro foi escrito um ano antes de sua morte. Outside e Heathen são considerados tão bons quanto Low ou Dogs, mas são irrelevantes. O mundo do século XXI não ouvia mais Bowie. Apenas os fãs. Os clones fizeram dele um tipo de matriz. Um molde. Mas não um cantor relevante. Bowie era um artista para descobertas e não para nostalgia. Quando fez 33 anos, em 1980, deixou de ser um descobridor e se tornou um diluidor. Juntou dinheiro como nunca. Mas o artista já dera seu recado.
  Peter destaca Bowie em 1992, na homenagem à Mercury, rezando o Pai Nosso no palco, ao fim de Underpressure. Para Peter aquele era o verdadeiro Bowie. No mais inadequado dos lugares, no mais inesperado dos momentos, ele larga sua ironia e reza DE VERDADE. Ironia dentro da ironia, a ironia de não ser irônico. A luta de Bowie, luta para ser alguém, não pela fama, mas ser alguém que se possa chamar de PESSOA, acaba no retiro. Seu corpo fraqueja. Ele para de procurar. Encerra.
  Leia o livro e veja a descrição que ele faz do começo de Station To Station. É exatamente o que senti na época ao ser pego de surpresa pelo som esquisito do disco. Não parecia rock. Não era pop. Não era negro. Não era nada. Mas era alguma outra coisa.
  Nunca haverá outro Bowie porque o mundo do rock não precisa de artistas. E quando eles surgem, e Damon, Peter ou Harvey tentam o ser, tudo que podem fazer é estender Low ou Dogs ou Scary em novas frentes. Bowie ao parir a arte no rock, a arte depressiva e expressiva, matou o futuro dessa arte, que precisaria ser sempre nova, mas que por sua causa sempre pareceria derivada. Bowie trouxe ao rádio o que Eno, Lou, Can, Faust, Neu e John Cale faziam para poucos. No processo ele amplificou sua cópia. Vestiu o rock de arte. E vendeu o invendável como estilo e charme.
  Foda.

LOU REED TRANSFORMER - VICTOR BOCKRIS

   A primeira vez em que ouvi falar de Lou Reed foi na revista POP, da Abril, em 1975. Uma matéria de 4 páginas coloridas. Na primeira foto a gente via Lou tocando guitarra. De cara já estranhei. O cara tinha cabelo curto, a expressão era de um tipo de bandido antipático e usava roupa preta. Em 75 ninguém no rock usava preto. O texto falava de seu sucesso e do Velvet. A banda de Lou, Andy e Cale já era mito então. O som deles era descrito como barulhento, sujo, anticomercial. No mundo de então, sem internet e MTV, tudo o que podíamos fazer era criar com a imaginação. Então imaginei que o som do Velvet fosse um tipo de Led Zeppelin ainda mais alto e pesado. Só os escutei cinco anos mais tarde, no fim de 1980.
  Comprei White Light no Museu do Disco, uma memorável noite no shopping Iguatemi. Pus na vitrola às 23 horas daquele sábado. Após cinco anos de imaginação o que veio não se parecia com nada do que eu havia escutado. Ou imaginado. Não era Heavy, nem Hard, nem Prog, nem Jazz, nem nada. Mas eu não estou aqui para falar desse disco, o mais amado, e sim para falar desta biografia. Foi Brian Eno quem criou a frase de que o Velvet vendeu pouco, mas cada disco vendido era uma nova banda criada. De Roxy Music à Patti Smith, de Buzzcocks à Talking Heads, todos beberam na fonte e nenhum deles se parece com o Velvet. A banda foi um milagre. O maior do rock.
  Lou foi eletrocutado por ordens dos pais. Ricos judeus de NY, eles queriam curar o filho da viadagem. O amavam a seu modo, e foram vítimas da psiquiatria da época. A mente de Lou foi afetada ( ele tinha 17 anos ). Se tornou alienado de si mesmo para sempre.
  Foi um universitário rebelde, briguento, boca suja. Muito desagradável. Ninguém se sentia à vontade perto dele. E mesmo assim namorou a menina mais linda de Syracuse. Por anos. Seu interesse em sexo era mínimo, o que ele queria era sair de casa e ser poeta. Caiu na vida. Se viciou em anfetaminas, em speed injetável e até a década de 90 esteve sempre chapado.
  Lou foi trabalhar numa gravadora porcaria e lá compunha pop lixo. Então formou uma banda mais de garagem. E se enturmou com Andy Warhol. Lou Reed sempre soube o que queria e sempre se uniu a quem podia o ajudar. Para depois descartar a pessoa sem remorso algum. Andy quis formar uma banda para musicar seus videos. Montou o Velvet dando à Lou a liderança. Vieram Mo Tucker, uma baterista que ninguém sabia de que sexo era, Sterling Morrison, um grande guitarrista, e John Cale, um músico erudito que desejava fazer no Velvet sinfonias do caos. Enquanto eles estiveram juntos foi histórico. De 1965 à 1967, sozinhos, eles mudaram para sempre a música do ocidente. Criaram do nada aquilo que entendemos por punk, indie, alternativo, bizarro, underground, sadomasoquismo chic, cool, dark, soturno, rockn roll. Mas Lou Reed sempre foi um merda, e estragou tudo.
  Chutou Andy. Por ciúmes de seu carisma. Chutou Nico, porque queria cantar sozinho. E, que merda Lou!!!!, chutou John Cale, e destruiu assim o verdadeiro Velvet Underground. O VU sem Cale é como Stones sem Keith ou Beatles sem John. Virou a banda de um cara só, Lou, e o terceiro disco, por melhor que seja, não é VU, é solo de Lou. A aventura sonora criada pelos quatro ( todos compunham tudo no estúdio, Lou assinava ), partiu. Nunca mais.
  Duas curiosidades: White Light foi gravado sem engenheiro de som. Os engenheiros da Verve não suportavam ouvir a gravação e iam pra rua, deixando tudo ligado sem comando, e voltavam após 3 horas. O disco realmente se gravou sozinho.
  White Light, nas palavras de Lou, é um disco sobre astrologia. Ele é de peixes e cada faixa representa a luta entre peixes e virgem. Assim, a faixa um é peixes, a dois é a resposta de virgem e a luta se derrama pelo resto do disco.
  Em 1970, quando a banda acaba com o banal Loaded, tentativa de fazerem do VU um novo Beatles; Lou deprimido vai morar com os pais. Depois de um ano e meio isolado e esquecido, volta graças a ajuda de Richard Robinson, influente crítico de rock e escritor que produz seu primeiro solo: Lou Reed. Um fracasso absoluto.
  Mas vinham novas da Inglaterra. Toda uma nova geração não-hippie adorava Lou. E ele foi apresentado a seu maior fã, David Bowie. E nasce TRANSFORMER. Produzido por Bowie e Mick Ronson, com o piano lindo de Ronson, a guitarra nasal de Ronson e os bcking vocals e violinos de....Ronson. Lou Reed se torna uma estrela em 1972. Mas...
  Claro que ele tinha de brigar com Bowie. Com Robinson. Com todos os críticos de rock. Ah...Lou...essa sua língua....Lou adorava odiar...chamava Dylan de chorão, Zappa de hippie medíocre, Alice Cooper de palhaço, e Bowie de invejoso...Ah Lou...
  Grava Berlin, o disco em que ele apostou tudo. E o disco fracassa. Os críticos são impiedosos. Quanta bobagem se escreveu na época! E Lou Reed desiste. O livro diz que ele NUNCA MAIS gravou nada com 100% de comprometimento. A ferida de Berlin ficou até o fim da vida. Uma frase de Lou define tudo: " Em 1965 eu realmente acreditei que a inteligência iria um dia mandar no rock...Não deu certo. Eu me iludi."
  Vieram dois discos ao vivo, Coney Island Baby, seu casamento com um travesti, Sally Can't Dance, Metal Machine Music ( sua melhor piada ), e o punk.
  Lou frequentava o CBGS. E lá, em janeiro de 1976, ele foi entrevistado por dois garotos de 16 anos. Eles lançaram o número um da revista PUNK com Lou na capa e pronto: Lou era o pai do punk, Lou era o cara. Os punks podiam atacar tudo, mas Lou e o Velvet não. ( Não vamos esquecer que John Cale produziu os primeiros discos de Patti Smith, Stooges, Modern Lovers ).
  E como sempre Lou estragou tudo. Hiper viciado em tudo, tudo, tudo, ( menos drogas de hippies: maconha e LSD ), seus discos eram lentos, chatos, mal gravados. Ele não soube ou não quis se aproveitar desse bom momento punk. Perdeu mais um barco.
  A história de Lou Reed é a história de um triunfo que reverbera sem fim, e de alguns poucos sucessos que ameaçam reviver o triunfo do começo. A impressão é que ele sempre teve medo do sucesso, medo de precisar segurar uma missão. E ao mesmo tempo tinha a vaidade de um Mick Jagger, queria ser amado, seguido, idolatrado. Nessa briga interna ele gastou quase toda sua energia. O pouco que restava ia para os discos e os shows.
  Mas ninguém nunca vai esquecer o VU. Fazem já longos 36 anos que os ouvi pela primeira vez. Nenhum dos meus amigos gostou. Só eu e meu irmão. Mas hoje, em 2016, meio século depois do auge da banda, eles continuam soando corajosos, esquisitos, darks, o símbolo de tudo o que é independente, sem compromissos...genial.
  Em toda a história do rock NADA se compara ao VU. E se John, Sterling, Nico, Mo eram parte vital da coisa, Lou era dono das letras, das ideias, da primeira fagulha.
  Não aceito a morte de Lou. Sua partida para mim foi mais dolorosa que a de Bowie. Esqueço que ele morreu. Não quero acreditar. Porque o rock fica vazio, bobo, estúpido sem ele.
  Lou Reed era um grande merda. Vaidoso, mentiroso, egocêntrico, injusto, violento, mau...mas todos nós o amamos. E isso é genial.

A BOBAGEM DO TAL ROCK ADULTO E A VERDADE DO TALENTO...PENSANDO A MORTE DE GEORGE MICHAEL.

   O coração de George Michael havia parado de bater a muito tempo. Assim como Prince, seu tempo acabou por volta de 1995. A era dos Clinton, de Seattle, das camisas de flanela enterrou o POP chique, vaidoso, hedonista dos dois e de tantos outros. A versão branca da música de Stevie Wonder, Marvin Gaye e Al Green não tinha mais vez. E o tipo de música de Prince, o negro feliz, vaidoso, satisfeito, sexy, se tornou o RAP, mais agressivo, mais masculino, mais suburbano. O público de George passou a ouvir música eletrônica, o de Prince, RAP.
  Para piorar, George processou a Sony, num tempo em que gravadoras ainda mandavam em tudo. Fosse hoje ele não teria o menor problema, mas na época ele ficou isolado. Na geladeira. Quando voltou o mundo já mudara. Os anos 80 eram outro planeta. E as meninas, seu maior público, dançavam ao som de Ricky Martin, pois George já assumira sua condição gay. ( Ironia ).
  Ele não se tornou um novo Elton John porque não tinha o gênio de compositor que Elton tem. George era uma voz perfeita. Listen Without Prejudice é seu melhor disco e em Praying For The Time ele atinge o sublime. Ouvir essa canção nos recorda que a beleza é aquilo que mais precisamos. Praying é a faixa que abre o disco. Quando a orquestra começa a tocar nos sentimos em outro mundo. Isso é genial.
  A geração de George teve a pretensão de unir música popular adulta ao rock. Perceberam que mesmo Dylan era apenas um adolescente velho. Dylan podia ser genial, mas era um teen sempre. Pensaram em ser adultos copiando a postura de adultos. Bowie, Ferry, Robert Palmer, George, todos vestiram ternos, pegaram melodias Cole Porter- Gershwin- Berlin e pensaram que assim seu POP se tornaria adulto. O máximo que conseguiram era parecer adultos no lugar errado. Erraram de desejo e erraram o alvo, claro. Mas em meio a esse processo criaram um tipo de trilha sonora chique que nunca mais foi tentada por ninguém. ( OK, Amy sim... ). Sade, Paul Weller no Style Council, o Everything But The Girl, todos chegaram nesse hibridismo que jamais foi adulto, mas que era uma bela festa de adolescentes travestidos de Cary Grant.
  O estranho é perceber que Al Green fez tudo isso 15 anos antes. E sem imitar ninguém.
  Bowie saiu dessa e voltou a tentar ser um tipo de vampiro eletrônico. Vários deles se tornaram cantores de dvd. Ferry nunca saiu desse mundo. Vestiu bem e se sente em casa nele. E George sumiu. Alguns shows bonitos, tristes, intimistas. E o coração na voz. A voz...
  Termino falando que Rick Parfitt morreu aos 69 dia 23. Sua banda era o STATUS QUO e essa banda nunca mudou. Desde 1970 eles fizeram e refizeram o mesmo disco, um boogie de pub, rock analfabeto de adolescente feliz. Eu amei essa banda na minha adolescência e voltei a escutar, muito, de 2012 em diante. Penso que nada é mais distante do mundo de George que eles. A música deles é diversão, diversão e só diversão. Com algumas baladinhas muito lindas. On The Level é o melhor disco.
  Bom saber que a música POP pode ser tão variada.

82 É UMA BOA IDADE PARA MORRER ( LEONARD COHEN )

   Rilke disse que nós humanos não podemos ver anjos porque a visão de tanta beleza seria para nós completamente insuportável. Anjos terríveis.
  A música de Leo tinha essa coisa horrível. Era fria, distante, trágica e perversa. E ao mesmo tempo era linda, porque sabíamos que quem cantava, cantava para seus anjos.
  Leo agora vê seus anjos judaicos. Suzanne lhe abre as portas dos céus e Leo pode fazer suas perguntas mais uma vez. Talvez agora alguém as responda. Mas penso que não mais importa.
  A vida inteira Leonard Cohen amou a morte. Não como um suicida, que a odeia tanto que se afoga em seu horror. Ele a amou como se ama uma mulher. Com fascínio, medo, respeito e desejo. Ele pensava sempre no lado de lá.
  A morte, essa prostituta, levou Lou Reed e sádica, raptou Bowie de nós. Agora, entre véus, seduzida, pega Leo pela mão e o leva em valsa.
  Nenhuma morte me parece tão justa.

C'EST CHIC ( QUANDO A MÚSICA SE TORNA FASCISMO )

   Em 1978 fãs do grupo The Who se reuniram num estádio em Cleaveland, e antes de um show de Roger, Pete, John e Keith, juntaram toneladas de discos de discoteque e os destruíram no gramado. Hoje Pete se arrepende e diz que o ato foi fascista, mas na época ele até compôs uma música chamada Goodbye Sister Disco. Eu odiava disco em 1978. Ou melhor, eu queria e DEVERIA odiar disco em 1978. Eu gostava de rock e portanto TINHA de achar disco um lixo. Mas o estranho é que eu assisti SATURDAY NIGHT FEVER oito vezes no cinema e vibrava quando os Trammps tocavam. Mas sentia vergonha. Muita vergonha.
  Lembro que um dia, em 1980, eu e meu irmão, ouvindo rádio, falamos a verdade: Tinha várias músicas disco que a gente adorava! Coisas de Rick James, Sylvester, Cerrone, Giorgio, Trammps, Rose Royce, Celli Bee. E claro, o melhor de todos, Chic.
  Na Enciclopédia do Rock da Rolling Stone, Robert Christgau diz que a disco deu tanto ódio aos rockers por dois motivos muito fortes:
  1- Foi o primeiro movimento pop assumidamente gay, latino e feliz.
  2- Enquanto no rock o amor era dor ou era um tipo de estupro machista, na disco ele era sedução suave e sexy. Essas duas características, não-musicais, eram naquele tempo insuportáveis para jovens acostumados às dores do amor frustrado ou ao machismo de carros velozes e "olhe garota como ele é grande". A disco era democrática, era para todos, era miscigenada, convidava nerds, bichas, velhos, crianças, ricos e pobres, mulheres e homens, travestis, todos para uma grande festa de purpurina, neon e roupas bonitas. Para os cabeludos sujos isso tudo queria dizer só uma coisa: Viadagem conformista.
  Estávamos todos errados.
  Pretos bem vestidos e felizes. Isso era novo. O rocker aceitava negros raivosos ou negros pobres e tristes, ou mesmo a Motown, negros chorando o amor; mas na disco os negros eram MUITO alegres, MUITO sexys, e mais estranho, MUITO chiques...Isso era muito estranho. Eles pareciam mais jovens, mais bem resolvidos, mais felizes que nós! Pior, eles se vestiam melhor! Que coisa esquisita!!!!
  ( Marvin Gaye e Stevie Wonder sempre foram tudo isso, mas gente fingia que não percebia ).
  Então agora, em 2016, pego este disco de 1978 do grupo CHIC. Na época um enorme sucesso. E um dos poucos do movimento que alguns críticos não malharam. Só alguns ( Ezequiel Neves foi um deles ). Rockers diziam que os músicos disco não sabiam tocar. Eles preferiam a habilidade do Kiss ou dos Pilot. Aff.... Se eu fosse músico eu queria ser baixista e se eu fosse baixista eu queria ser Bernard Edwards. Não há baixista melhor no pop ou no rock. Suas linhas melódicas dançam, fluem, pulam, são velozes, nos fazem dançar e ao mesmo tempo são lindas, femininas, sexys. Flea toca parecido, só que Flea é menos sexy e mais punk. Mas a banda, um trio, tinha ainda a bateria de Tony Thompson, um batera que mistura a discrição rítmica-esperta do jazz com a marcação pesada do funk. E completando temos um gênio: Nile Rodgers, o guitarrista mais sacudido e chique do pop, o maior produtor pop dos anos 80, o cara que mudou o rádio para sempre.
  Nile Rodgers nos anos 80 produziria Debbie Harry, David Bowie, Bryan Ferry, Duran Duran, Madonna, Robert Palmer, Peter Gabriel e mais um monte de gente que esqueci ou não quero citar. Porque ele, entupido de cocaína, aceitava tudo e todos e de certo modo ele se tornou um tipo de ditador da moda musical de então. Todo mundo queria ele como produtor-guitarrista-diretor musical. LET'S DANCE! de Bowie foi o disco que abriu o mercado branco para Nile e desde então ele esteve sempre em evidência. ( Bowie e Ferry estavam de olho nele desde 1978 ).
  Na capa deste disco já há algo que muito irritava os rockers de 78: 3 negros e 2 negras muito bem vestidas, tipo Ralph Lauren, numa sala chique e com expressões faciais à Roxy Music. Parecem ricos. Parecem contentes. Parecem de bem com a vida. Não sorridentes. Mais que isso, resolvidos. E o som reflete isso. Ele é suave, muito bem gravado, sacolejante, sem suor e sem lágrimas, os instrumentos soam como cristal, tudo é exato. Artificial, de bom gosto, e negro, muito negro. É um som que faz voce se sentir dentro de uma Mercedez. E ao mesmo tempo no bairro negro. Isso era a disco.
  Difícil escrever sobre o som dos caras. Eles são bons demais. Basta dizer que Bryan Ferry procura esse som até hoje ( e continua gravando com Nile ). Bowie tentou e errou por toda a década de 80. E Madonna deve a ele 50% de sua fama. Seus melhores discos foram feitos com ele. Miles Davis logo entendeu a coisa e percebeu que os caras levavam às massas aquilo que ele era desde sempre. O negro livre. Auto-suficiente. E muito, muito chique.
  Este disco, agora em um mundo menos preconceituoso, é delicioso!

LODGER- DAVID BOWIE. A VIAGEM. MOVE ON.

   Foi no fim de 1979. Comprei Lodger como um dos meus presentes de Natal. Foi meu terceiro disco de Bowie. Em 1974 eu havia ganho Diamond Dogs. Adorei. E em 2016 continuo a adorar. Depois, em 1978, comprei Station To Station. E notei que Bowie era "um chato". O disco em nada lembrava Diamond Dogs. Era esquisito. As faixas eram longas demais. Com pouca guitarra. E ainda tinha duas baladas triiiistes... Golden Years eu adorei. O resto não. Em 2016 eu gosto muito desse disco perdido e cheio de cocaína. Mas Lodger...
  Lembro muito da primeira escutada. Numa velha vitrola, a cara junto ao disco. A capa me pareceu muito feia. E o som...Que bosta era aquela!!! Instrumentos embaralhados, amassados. Barulhinhos irritantes que estragavam a música. Músicas que pareciam mal acabadas, simples rascunhos, e que terminavam antes da hora. Pareciam curtas demais, e ao mesmo tempo chatas, irritantes, toscas.
  Me deu pena de Bowie. E do meu dinheiro. ( A relação com a música era mais visceral também porque ela custava dinheiro ). Considerei aquilo um fiasco. E uma doença. Chamei de "disco doentio". Asco.
  O tempo passou. E só o descobri em 1984. Quando minha fase "modernete" veio. Ouvindo Marc Almond, Gary Numan, Cocteau Twins, comecei a entender que Lodger era o pai daquilo tudo. ( E depois ao comprar LOW vi que ele era o pai de Lodger ). Flashs sintéticos. Polaroides de estados emocionais. Bombas prestes a explodir. E tudo o que nele me irritava passou a exercer fascínio. Instrumentos diretos, afiados, sons diretos e puros, intuições musicais. E a voz de Bowie, afinadíssimo, pairando indiferente sobre aquilo tudo. Da sublime Fantastic Voyage, passando pelas estupendas Move On, Boys Keep Swinging ou Repetition, tudo é surpresa. ( E um cara como eu era em 1979, ouvinte de Fleetwood Mac e Rod Stewart jamais entenderia aquilo ).
  Muitos fãs de Bowie que conheço acham Lodger o melhor Bowie. Eu não. A carreira de David é tão magnífica que apesar de sua subliminidade, Lodger fica abaixo de Low, de Hunky Dory e de Dogs.
  Posso afinal voltar a falar do gênio com mais frieza. Ele partiu mas seus discos ficam. E Lodger, que acabei de reescutar, é o testemunho de uma viagem sem fim. Mais uma estação David.
  Move On.

DIGNIDADE EM VIDA

   Ele fecha os olhos e suspira. E sabe que sua morte foi a última parte de sua arte. Não escolheu sua partida, mas escolheu o modo como partir. Raros artistas no rock partiram de um modo tão digno. Não conseguimos lembrar de um escândalo. De uma briga. Bowie não teve um momento de vergonha. Não o vimos no palco, alquebrado, tentando cantar. Nunca houve um hotel quebrado. E ele não morreu drogado, bêbado ou abandonado. Se afastou. Saiu de cena. Lançou dois discos. E depois partiu. E conseguiu não ser esquecido.
   Desde 1983 ele não tem um disco de sucesso. E desde 1987 nem um single memorável. Desde os anos 90 sem excursões grandes. E mesmo assim seu mito se manteve. Apoiado na genialidade de sete curtos anos, ele construiu um mundo de fãs e de artistas que lhe seguiram. O perfeito exemplo do artista que vendeu muito menos do que sua fama sugere. A explicação é simples: ele não era apenas um compositor ou um cantor. Bowie era uma filosofia. Sua fama era espalhada pelos seus seguidores. Gente que nunca comprava seus discos era exposta à voz de quem o idolatrava. E mais que tudo, ouviam discos de pessoas que amavam Bowie. A fama era uma teia. Net antes da NET existir.
   A filosofia de Bowie era aquela que desde os anos 80 virou lei : fama é construção. Nada tem a ver com talento. Ser uma estrela é se comportar como uma. Nada tem a ver com sorte ou dom. Rock é show de teatro. Nada de verdade ou de real. Ele foi o primeiro a ter o despudor de falar isso. Depois, nada mais foi a mesma coisa. Para o bem ou para o mal.
  Kurt, Jimi, Jim e Janis eram ingênuos. Acreditaram na fantasia e morreram seguindo o roteiro do rock star. Bowie, assim como Lou, sempre soube que morrer pelo rock era morrer pelo circo. Ele não embarcou nessa. ( O que não o impediu de escapar por um triz....mas conseguiu sobreviver ).
  Morre. E como dizia Shakespeare: "Todos nascemos devendo uma morte à Deus". Morre como quis. Sem alarde. Sem show. Sem contagem regressiva. Acena um lenço da janela de sua nave. Se vai com Lou rumo ao Sattelite of Love.
  PS: Converso com meu amigo Fabio e notamos que o Brasil está muito pouco Bowie. Tomar partido, fazer parte de grupos, dar chilique....Tudo contra a filosofia de David.
  

O PIOR POST DA MINHA VIDA...BOWIE PARTIU...AQUILO QUE QUERIA NUNCA TER DE ESCREVER...

   Te dará um incômodo chato se eu te disser que meus olhos estão vermelhos e inchados...que eu ando chorando por um cara que nunca me conheceu e a quem eu nunca vi de perto...Mas esse é o milagre da arte meu amigo, a gente ama alguém por nos ter dado muito, mesmo que sem querer ou saber.
   Não há nada a dizer sobre o artista Bowie. Todo o rock feito depois dele é outro. Nunca mais foi ingênuo. O teatro entrou na coisa com ele e nunca mais saiu. Se você desconfia da sinceridade de um rock star você deve isso a David.
   Mas todo mundo sabe disso. E eu não quero cair no banal. Eu lembro das mortes de Lou, de Miles, de Kevin, de Lennon...e esta está sendo a pior. A morte, essa maldita, ela nos leva a todos, mas eu não consigo a aceitar. Pobre planeta...cada vez mais vazio.
   Prefiro falar de uma tarde em 1974. Em que um menino de 11 anos viu um clip de um inglês chamado Bowie. Na Globo, anunciado por Nelson Motta no programa Sábado Som. Fazia sol e meu irmão de 8 anos estava comigo. Ele cantou The Jean Gennie e minha vida mudou.
   Ali estava um cara muito diferente. Não era um hippie cabeludo de jeans falando de amor. Não era um cara tentando me assustar falando de vampiros e de morcegos. Nem mesmo um cantor ao piano fazendo gracinhas e falando de amor. Não. Era um cara com roupa estranha, rosto maquiado e fotogênico, cabelo laranja, e cantando como se aquele blues fosse apenas "uma besteira". Não havia suor. Nem lagrimas. Ele não parecia sofrer e nem se esforçar. Sem eu notar ele me ensinava que a vida era uma PERFORMANCE.
  Isso eu carrego pra sempre. E penso nos caras da minha geração que se perderam exatamente por isso. Nós, sempre com  a ideia da performance, passando sempre a impressão de que estamos fingindo, brincando, sendo um pouco fake.
  Agora ele se foi. E estranhamente noto que o mundo tem voltado a negar a performance. Nas redes sociais todos querem ser DE VERDADE....Veementes, duros, sérios...e acabam sendo tão fúteis em sua pretensão...
  Foi isso que Bowie me mostrou. Que um cara sobre um palco ou um palanque não merece ser levado mais a sério que um cara na plateia. O publico é o star.
  Descanse em paz David. E ...espere por mim....

David Bowie - Starman (1972) HD 0815007



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