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MEU MAIOR AMOR

Eu tinha 6 anos e começava a aprender a escrever. Meu amigo se chamava Wagner e morava numa casa com um jardim aberto à rua. Correr pela casa e pelo jardim é o que eu e ele fazíamos todo o tempo. O pai dele tinha uma máquina de escrever, ele ficava horas batucando naquela máquina barulhenta. Às vezes eu parava ao seu lado e esperava. O pai de Wagner deixava eu teclar a letra do canto. Ele me chamava sempre que era hora de teclar o X. Contente, eu apertava com força enquanto Wagner me chamava para voltar a correr. O pai de meu amigo, sentado à máquina, ele era advogado, se tornou a imagem de homem que eu queria ser. Por que? ----------------- Wagner era loiro e tinha como mãe uma mulher de 26 anos chamada Meire. Eu ficava encantado com a beleza da mãe do meu amigo e se seu pai tinha Meire, eu queria ser seu pai. Parece inacreditável uma criança pensar assim? Parece forçada essa transferência de complexo de Édipo? É o que lembro. Desde sempre. Posso visualizar a cena. Sentir. E minha mãe confirma essas imagens. Elas foram reais. --------------------------- O amor da minha vida não foi uma mulher, foram os livros. E essa imagem erótica, do pai que escreve ao lado de uma mulher belíssima, foi fixada em minha alma. Nesse mesmo ano eu ganhei meu primeiro livro, Renard, Velha Raposa, e nas páginas cheias das letras que o pai de Wagner manejava, eu via um desejo imenso. Eu queria fazer parte daquele mundo, o mundo do papel cheio de sinais que formavam mensagens. Eu tinha de estar dentro daquilo. Eu precisava escrever. ------------------ A imagem do homem que escreve, por culpa do pai de meu amigo, passou a ser a imagem mais sexy em minha visão infantil. Mais que o soldado destemido, o motoqueiro ou o astronauta, o homem que tem uma mesa e uma máquina de escrever era meu modelo alfa. Sendo esse homem eu teria a mulher. --------------- Então eu me contradigo. O alvo era, afinal, a mulher! Sim, era. Hoje eu sei, mas por anos eu havia esquecido essa cena, essa vivência. E quando a lembrava não entendia seu significado. ------------ Depois veio meu segundo livro, Tom Sawyer, e me lembro do prazer em tirar o plástico que envolvia o volume e o perfume das páginas impressas. Se voce pensou no ato de desnudar uma mulher, talvez voce tenha sido freudiano demais, mas quem sabe? A vida é essa teia de significados que na maior parte do tempo não entendemos. O fato é que caço livros como quem flerta e vivi cercado por autores fantasmas como fossem amores perdidos. Mal sabia o pai do meu amigo o que simbolizava o apertar daquele X. Mal sabia a mãe de Wagner o significado das saias curtas que ela usava então.

ALQUIMIA - MARIE- LOUISE VON FRANZ

Acenda um cigarro. Primeiro veja a chama do isqueiro. Tire o cigarro do maço. Coloque na boca. Acenda. Solte a fumaça e veja-a subir. Respire fundo. Olhe o cigarro queimar. Observe a transformação da brasa. E pense. Sua mente, levada pelo ritual do fumo, entra em um novo modo. ------------- Isso é a alquimia, e Von Franz consegue explicar um assunto tão complicado. Para isso ela cita montes de textos árabes, egípcios, europeus medievais. O livro é uma coleção de palestras, cinco, dadas pela assistente de Jung no fim dos anos 50. Lendo este livro, longo, voce afinal começa a entender o que é a alquimia. -------------- Seria leviandade minha tentar dar uma geral em assunto tão delicado no exíguo espaço que uso aqui. Alquimia envolve a criação do mundo, o funcionamento da alma, a lingua do inconsciente, a transformação da vida. Lida com o feminino, o masculino, o racional e o intuitivo, tudo isso acontecendo dentro de uma redoma de vidro, de louça, de metal, em um laboratório, na presença de um alquimista e seu assistente. Nada há de milagroso ou de mágico, é entrar dentro da mente enquanto se faz uma transformação química, é como quando voce se percebe fora de si enquanto vê a sopa ferver, fuma um cigarro, observa uma fogueira. O que acontece fora provoca uma reação dentro de voce.

SIGMUND FREUD E O GABINETE DO DR.LACAN

Livro de 1989, da editora Brasiliense, traz textos de Peter Gay, Philip Rieff, Richard Wollheim, Jean Maugue, Marilene Carone e Paulo César Souza. ------------------ Peter Gay, que estava prestes a lançar a bio de Freud, ótima, traça um perfil do pai da psicanálise como burguès conservador. Freud viveu uma vida de típico homem casado europeu da época vitoriana. Bem casado, bom pai, trabalhador árduo. Provedor. Se seu trabalho foi, e é, revolucionário, isso não se deve à Freud ser um rebelde, mas sim ao seu amor à verdade. Ele procurava descobrir aquilo que era escondido, revelar a mente do homem, e se suas descobertas foram chocantes, isso não foi devido a personalidade de Freud, mas sim às suas descobertas. O que surge no texto de Gay, é o retrato de um homem amável, correto, cético, mas jamais frio. Muito do sucesso de Freud se deve ao aspecto bondoso, de "tio", que ele tem. É um texto que se lê com prazer e Peter Gay discorre ainda sobre a Vienna de então, mostrando que Freud não era um típico exemplo da cultura vienense, mas sim um judeu alemão. ---------------- Philip Rieff, sociólogo americano, fala do nascimento do homem psicológico. De como, a partir de Freud, o centro do homem passa a ser o eu. O grupo se torna cada vez menos importante e o ego enquanto indivíduo, mundo interior, se torna o protagonista da história. -------------------- Jean Maugue foi um professor francês, um dos intelectuais que vieram à São Paulo nos anos 30 para ajudar a fundar a USP. O texto é de 1939 e foi publicado no jornal Estado de SP no dia em que Freud morreu. É um relato biográfico. ------------------------- Marilene Carone fala das péssimas traduções de Freud em português e em inglês. Basta dizer que Freud nunca usou a palavra Ego, ele usava Ich, Eu. Em alemão a escrita de Freud é simples, clara, cotidiana. As más traduções são sempre pedantes, complicadas, pseudo cinetíficas. Já Paulo César de Souza descreve sua visita à casa de Freud em Vienna. ---------------- Por fim, Wollheim, professor de lógica em Yale, destroi Lacan mostrando que tudo que ele faz é um jogo de palavras que levam a significado nenhum. Lacan diz o óbvio do modo mais complicado possível e Wollhiem dá exemplos de textos que dizem coisas que não fazem sentido algum. Esperto, enciclopédico, Lacan foi um embuste e um mentiroso. ------------ Para quem gosta de psicanálise, prato cheio.

CARL GUSTAV JUNG , O PROFETA ATORMENTADO. BIO DE PAUL J. STERN

Leio que Stern foi professor em Harvard e terapeuta. Esta biografia de Jung, achada em sebo, 1977, é uma crítica dura ao psicólogo suiço. Stern o trata como um aspirante a profeta e um fracasso em sua tentativa de unir opostos. Alma fendida, Jung nada mais fez que tentar se consolar. Deus foi colocado dentro do inconsciente, fazendo assim com que todas suas visões fossem obra divina. Homem medroso, ele era incapaz de manter uma amizade e tinha ares de arrogancia e impaciência. -------------- Não, ele não tinha hábito de manter relações sexuais com pacientes, ele era um puritano. Filho de pai pastor, seu interesse era religioso e apenas religioso. Vaidoso, ele agradava clientes ricos e sua produção escrita é ilegível. Falta mais alguma crítica? Ah sim, ele trabalhou com nazistas. ----------------- Para que um homem tem o trabalho de escrever uma biografia com tanto rancor? Não é preciso ser puxa saco, mas há que se evitar o uso do fígado. De qualquer modo, e por incrível que pareça, é leitura divertida porque todos nós adoramos uma fofoca. Criticar ídolos é sempre saudável e Jung está longe de ser perfeito, sua insistência na alquimia é forçada, ele evita demais falar de sexo, mas negar a validade e o poder de cura de seu método é exagerar. --------------- Será verdade tudo o que ele diz? Psicologia não é ciência exata e nem mesmo empírica. O que funciona hoje pode ser um erro amanhã. São verdades filosóficas, cabe a cada um aceitar ou não. A pessoa crê de acordo com sua experiência pessoal. Jung é tão válido como é Freud, Lacan ou Binot, depende do que voce experimentou em vida. Minha vivência e minha cultura me fazem pensar em Lacan como um idiota e em Jung como um homem real. E será sempre assim.

O SEGREDO DA FLOR DE OURO - C.G. JUNG e R.W. WILHELM

A Flor de Ouro é uma antiga coleção de textos chineses e aqui Jung, com auxílio do mestre em cultura chinesa Wilhelm, analisa o significado psicológico do Tao, símbolo central desse modo de pensar. ----------------- Jung tem várias boas sacadas sendo uma delas o fato de que um ocidental pode e deve conhecer as religiões do oriente, mas ele jamais poderá fazer parte daquele mundo. A melhor estrada seria mergulhar na crença de sua cultura ancestral, absorvendo ao mesmo tempo algo da fé do oriente. ------------------- Deixar chegar. Deixar ir. Deixar iluminar. Deixar acontecer. Deixar-se. Essa a postura da mente diante do inconsciente. Não fazer, deixar acontecer. Aguardar. Entender que não se elimina uma neurose, antes, se cria um interesse maior que ela, dentro de voce mesmo. Se o sintoma é como uma montanha, cria-se uma outra montanha ainda maior. -------------- Na visão do Tao, o kosmos é a imagem de nossa mente e nossa mente é o kosmos inteiro. O fora vive dentro e o que é dentro se vê fora. Parece conversa de hippie velho? Pois é isso mesmo, e daí?

FUNDAMENTOS DE PSICOLOGIA ANALÍTICA , as conferências de Tavistock - CARL GUSTAV JUNG

Ler Jung não é fácil. Sua didática é falha e a gente nunca entende direito o que é Imaginação Criativa ou Sincronicidade. ----------- Jung relaizou na Inglaterra cinco conferências na década de 1930. Diante de uma platéia hostil, ele expõe as diretrizes gerais de seu método, sempre com algum humor, simpatia, e absoluta clareza. Se você quer compreender Jung, é este seu livro. Nunca li nada tão cristalino sobre O Mestre. Conceitos complexos se tornam nítidos, teorias complicadas são destrinchadas. Ao final de cada dia, de cada conferência, professores e psicanalistas da platéia fazem perguntas e Jung as responde com infinita paciência. O que surge após a leitura deste livro, é um Jung claro. Não é pouca coisa. ------------------ Haveria muito o que ressaltar, mas eu falo apenas do final, onde Jung, em pleno florescimento do nazismo, explica a irrupção do movimento fascista como o caminho, irresistível, da história. E a história é feita pelo INCONSCIENTE COLETIVO. Jung diz, objetivamente, que nosso ego, nosso Édipo, nossas dores concientes, são apenas uma leve película, pois o que há de mais profundo, urgente, atemporal em nós é a marca da nossa história comum, do nosso passado mítico, do grupo social em que vivemos. Nós somos GUIADOS inconscientemente pelo momento histórico em que vivemos e pela herança cultural onde nascemos. É essa mistura que faz de nós aquilo que somos de fato, que guia nossos atos e humores. O que nos é INDIVIDUAL é quase nada. Nosso ego é uma migalha. ----------------- É como se meu EU, Paulo, fosse quase inteiramente aquilo que é o Brasil de 2025, acrescido daquilo que foram meus antepassados, mais o clima cultural do lugar onde nasci e vivo. Em meio a toda essa ENERGIA imensa, vive meu ego, um quase nada, PERECÍVEL, precário, no oceano do inconsciente coletivo. ------------------ Povos primtivos têm uma mente formada unicamente pelo INCONSCIENTE COLETIVO. A noção de EU quase inexiste. ( Isso me lembra aulas da USP, literatura, em que o professor nos ensinava que no mundo de Homero a noção de autor, de UM homem autor de UMA obra não existia, por isso hinos e cantos de então não possuem assinatura. O cantor compunha uma obra que era feita pelo grupo, pelos deuses, pelo INCONCIENTE e não pelo ego que mal existia então. Mais: índios brasileiros, segundo meu professor, nunca falam eu fui pescar, dizem ELE foi pescar. Há ausência do eu ). ------------------------- É o livro certo para quem nunca entendeu Jung.

A ENERGIA PSÍQUICA - JUNG

Há tribos na América, na Austrália, que usam a mesma palavra para designar o sol, a lua, o fogo assim como a magia, um amuleto e uma pessoa morta. Essa palavra tem sido traduzida erroneamente como alma ou espírito, quando na verdade é energia. Para os primitivos, havia uma energia universal, não humana, que fluía entre coisas que tinham poder. Jung chama esse PODER de libido, não a libido de Freud, puramente sexual, mas a ENERGIA que vive em todo lugar e que no caso humano está entranhada no inconsciente. ------------------- Eis aqui minha visão do que Jung diz: Observe um bicho. Pode ser seu cão. Note como tudo que ele faz é PLENO. Em brincar, farejar, ou comer, toda sua energia está sendo concentrada e gasta naquilo. Observe agora uma criança e veja como chorando ou brincando ela nunca economiza energia, é ela inteira ali. ----------------- Quanto mais civilizado o humano é, mas sobra energia que teria sido gasta em viver plenamente. A neurose é excesso de energia não gasta, retida, que sai em forma de sintoma ou dor. A cura seria canalizar essa energia para algo que não faça o paciente sofrer. --------------------- A vida moderna nos poupa do gasto energético e assim, cheios de excedentes, gastamos na academia, em vicios ou em doenças. Jung estava certo. O bicho ou o homem primitivo gastava toda energia para se manter vivo, nós não. Somos poupados dessa aflição. Mas a energia está lá, em nós, e ela explode de desejos, de vitalidade, de poder. Cabe a cada um entender como a usar.

ADIVINHAÇÃO E SINCRONICIDADE - MARIE-LOUISE VON FRANZ

Von Franz foi a mais querida discípula de Jung. Este é o segundo livro dela que leio, o primeiro tendo sido sobre contos de fadas. Ela escreve muito bem. Ao contrário de Jung, que tem um texto tortuoso, Von Franz tem ritmo, é clara, se lê com gosto. Neste volume, ele se constitui de cinco palestras dadas nos anos de 1950, ela fala sobre o tempo, os dois tempos, o linear e o eterno, o tempo do consciente e o tempo do inconscinete e em como, historicamente, os jogos de advinhação sempre tentaram lidar com a conjunção desse dois tempos encontrando o tempo UNO. --------------- Citando o I Ching e mais dezenas de culturas antigas, dos aborígenes da Austrália à tribos norte americanas, Von Franz, de forma enciclopédica, nos apresenta fatos, jamais caindo na crença individualista. A física, a matemática, a teoria dos números também são muito citadas, de Pauli à Eddington. Ela questiona, o que são números, para que foram criados, qual sua realidade? --------------------- Existem brechas na realidade, brechas por onde a energia do inconscinete pode fluir e nos revitalizar, mais que isso, pode fazer com que sintamos a situação temporal, o tempo como corte transversal, como matriz e não como linha. Nosso inconsciente seria o mundo onde tudo está interligado num eterno presente que abrange toda a totalidade. Nosso consciente seria apenas um modo de lidar com aquilo que nossos sentidos podem perceber. Ele é subordinado à visão, audição etc. A realidade é muito mais e ela é intuída em jogos de adivinhação e na sincronicidade. ------------------ Ela está certa? Por que não ?

DOGMA E RITUAL DA ALTA MAGIA - ELIPHAS LEVI

Não é um livro satânico. Editado no meio do século XIX, reeditado várias vezes, é provável ser este o mais sério e enciclopédico livro já escrito sobre o tema. Ele fala de todos os temas mágicos: fantasmas, adivinhações, maldições. Sua filosofia é esta: o poder é atingido pelo absoluto controle da mente, pela fé que é foco, pela certeza total e completa. Magia é vontade. E para se ter essa vontade irresistível é necessário dominar seus pensamentos, sentimentos, atitudes. O universo, cheio de almas, de seres, é comandado por quem detém essa força. Nada mais que isso. Por 500 páginas, ele destila exemplos, lendas, histórias, fatos. A imaginação é real, essa uma de suas frases que parecem tolas mas que revelam uma verdade. O que imaginamos já é real pelo fato de ser pensado, pois pensamentos fazem o mundo, assim como palavras modificam a realidade. É um livro inspirador, pois mesmo que voce despreze tudo que ele fala, há algo de tão vasto, tão grande, tão desafiador aqui, que voce se vê entrar numa outra onda, outro ponto de vista. Prove-o.

PSICOLOGIA DO INCONSCIENTE, JUNG, E O TRANSTORNO DA PERSONALIDADE BORDERLINE

Ela me pareceu, à primeira vista, alguém com personalidade pobre, vazia, sem nada a exibir. Depois, pouco tempo depois, comecei a perceber algo de falso nessa imagem. Ela escondia alguma coisa. Essa coisa escondida, em 5 anos de contato íntimo, não foi exibida. Existe tal mistério? --------------- Lidar com uma pessoa border é mais difícil que lidar com um esquizo. Pois do esquizo se espera incoerência, delírio, e momentos de relativa paz. Do border não há o que esperar. Ele é como uma mentira. --------------- Ontem ela surgiu com o corpo cheio de hematomas. Numa crise de ansiedade, ela se surrou. Foi ela mesma, pois não havia hematoma onde ela não podia alcançar. A mentira, em borders, é sempre a possibilidade número um. A segunda possibilidade é a chantagem emocional. ---------------- Após tamanha crise, seria de se esparar um abatimento, o rosto triste. Mas não. Poucas horas depois ela é a mesma de sempre. Inclusive sorri. O rosto controlado, bem maquiado, tudo no lugar certo. Não há sinal de emoção. Nenhum tremor. Psicopatia? Borders eram considerados psicopatas antigamente. Mas não são. Ela tem emoções. Ela é dependente. Ciumenta. Possessiva. Controladora. E de repente, não é mais nada disso. E diz: Eu nunca senti nada. Eu nunca amei. Dizendo isso com uma ponta de orgulho e vaidade. --------------------- Se acha um lixo. Mas só por dez segundos. No resto do tempo ela tem a certeza de poder seduzir todo homem do mundo. E quando voce a provoca, ela não reage. Mas quando ela te provoca, muito, ela espera que voce diga: Sim, eu errei. Mesmo que voce nem saiba do que ela fala. ------------------ Sua mente é uma guerra. Do eu contra o outro eu. Do eu contra o mundo de fora. Por isso, ela mal percebe que voce ou voces existem. Está distraída com sua dor. Que é real. O medo da rejeição. O medo da solidão. Mas tudo que ela-eles fazem é provocar rejeição. Flertar com a solidão. ------------- Sexo também é parte da guerra. O outro é um objeto a ser seduzido e dominado. Posse. Para isso ela se dá totalmente. Mas não se iluda. Ela deixa seu corpo mas nunca sua alma. Enquanto voce tem prazer naquele corpo que se doa, a alma está longe, muito longe. Onde nem ela mesma sabe. -------------- Em seu livro Jung fala do quanto é preciso entender, desvendar o inconsciente, Reconciliar consciente e inconsciente. Mas o que eu pergunto à Jung é: Como fazer a terapia de alguém que mente todo o tempo? Mentiras que têm o objetivo de proteger uma alma que não deseja se revelar. Como desreprimir alguém que faz sexo com a facilidade de alguém que chupa um sorvete? E que ama com a fúria de um bebê que chora? --------------------- Ama, porém dois dias depois volta de uma orgia com gente semi desconhecida. Diz nada sentir, só vaidade e raiva. Mas se surra com a culpa de quem deve algo a si mesma. Raiva do que? Culpa por que? ----------------- O problema do borderline é que por mais que pesquisemos, não há para eles um tratamento padrão, como há para um neurótico, mesmo o mais complicado ( faça-o falar e então assumir seus sentimentos ). Não há para o border uma droga como há para o deprimido ou o esquizo ( anti depressivos podem piorar o border ). O que fazer com ele? ----------------- Aturar sua indiferença ofensiva. Ouvir suas mentiras sem objetivo. Não fugir do peso de sua energia destrutiva. Suporta-lo. Mas haverá cura?

A LINGUAGEM ESQUECIDA - ERICH FROMM

A linguagem esquecida são os símbolos, linguagem arcaica, comum à todos, que era conhecida por todo homem antigo e que no tempo atual surge nos sonhos. Segundo Fromm, perdemos a capacidade de compreender os símbolos, pois eles foram esquecidos em favor da linguagem técnica, aquela que lida com nosso trabalho e modo de viver. Símbolos foram linguagem comum a todo planeta, basta observar a ocorrência de histórias em que rios, mares, sol, lua, fogo, fera, pássaro, possuem sempre o mesmo significado. Mitos, contos, lendas, rituais onde, seja na América, seja na India, repetem o mesmo vocabulário de símbolos que nasceram no começo da cultura humana. ------------------ Fromm nos mostra então a maneira como ele interpreta sonhos ( diferente de Freud e de Jung ), partindo de um sentido histórico e dando ao sonho um estatuto de mensagem para a vida cotidiana. Para Fromm, nem tudo é sexo, Freud era um moralista vitoriano, e nem tudo é religião, Jung é dogmático. Ele traz o sonho para o chão. ------------- Não é um livro empolgante, mas tem uma boa abordagem.

A INTERPRETAÇÃO DOS CONTOS DE FADAS - MARIE LOUISE VON FRANZ

Ler Jung, mesmo que voce seja entendido em sua psicologia, nunca é simples. Isso porque sua didática é ruim. Jung não escrevia bem, e por mais interessante e válido seja aquilo que ele diz, ler seus livros é um esforço, que sempre vale à pena. Marie Louise Von Franz é uma das maiores discípulas de Jung, e este livro, um clássico, faz por Jung mais que eu esperava. ----------------- Von Franz analisa alguns contos folclóricos do norte da Europa, nenhum muito conhecido, todos curtos, e assim, ela nos explica com uma clareza maravilhosa, conceitos como ânima, inconscinete coletivo, sombra, arquétipod, individuação. Mestra em escrever de modo objetivo, eu aconselho muito este livro para aqueles que leram Jung e se sentiram confusos. Analisando os contos, todos fantásticos, Von Franz vai descobrindo os segredos da história ali exposta, e desse modo usando as ferramentas de Jung. Eu, que li muito Jung, nunca vi com tanta nitidez, aquilo que cada conceito significa e quer dizer. Em apenas 200 páginas, ela nos dá um conhecimento precioso. -------------- Procure e leia.

Gaiarsa Sexo 1

Gaiarsa Olha Pra Mim 3

Gaiarsa Olha Pra Mim 2

JOSÉ ANGELO GAIARSA

Entre 1980-1986, o psiquiatra e terapeuta, José Angelo Gaiarsa aparecia na TV com frequência. Além de participar de vários programas, ele tinha horário próprio, na hora do almoço na Tv Bandeirantes. Junto com Gikovate e Mascarenhas, era ele o cara que popularizava a psicologia no Brasil. Era uma época em que na visão do povo, tratar da mente era coisa de louco. Ou de rico desocupado. ----------------- Sua simpatia era total. Ele parecia um Buda sorridente. Para mim, um jovem cheio de inibições, medos, neuroses, ouvir Gaiarsa era ver luz no fim do túnel. Seu discurso, libertário, era um alívio, e naqueles anos de abertura absoluta no costumes, uma benção. Gaiarsa não tinha medo de falar, em pleno horário de donas de casa, que as mães destruíam os filhos, que elas os ensinavam a se reprimir, que crianças imitavam adultos, e que as mães costumavam ser um exemplo nada saudável. Gaiarsa era a favor do gozo sem culpa, do casamento aberto, do tesão livre, da destruição da máscara de bom cidadão que nos obrigavam a usar. ------------------- Tenho lido seus livros, muitos. São simples mas jamais simplistas. Ele é POP, mas não charlatão. Nunca sai da competência psiquiátrica, na qual ele é muito bem treinado. Crianças são livres, adultos as destroem, elas carrega a vida toda a culpa por serem....crianças. Fingem ser adultos. Os mais doentes acreditam no fingimento geral. Cabe ao terapeuta liberar a criança reprimida. Parece terapia hippie de 1970? Parece sim. Mas como discordar? Se hoje o discurso é de que houve um excesso de liberalismo, o que pergunto é: houve mesmo? Tem certeza? ---------------- O que houve foi uma liberação das drogas e uma desvalorização do sexo. Consume-se droga, muita, mas seu uso não busca a iluminação, busca-se apenas um prazer rápido e inofensivo. E quanto ao sexo, sim, se trepa mais, mas se desafia a ordem social muito menos. O casamento monogâmico continua sendo lei, o desejo ainda é restrito ao amor ou ao compromisso, ainda se maquia sexo com as cores da poesia mais adocicada. Namora-se como se namorava em 1970. Se hoje namorados dormem na casa da menina, com as bençãos dos pais, é exatamente isso, com as bençãos dos pais. Não há sexo mais inofensivo que esse: transar na casa da mãe da namorada, ao lado do quarto do pai dela. O sexo em 2024 é livre, e ao mesmo tempo, por ser livre, é pouco excitante e muito bobo. Até os antes muito perigosos gays se tornaram tias de programas de TV. Sexo castrado. Sexo brinquedinho. ---------------------- Gaiarsa, se vivo, teria muito o que falar. A liberdade do corpo, que ele tanto pregava, para ele toda cura é corporal, se tornou obrigação. Temos de transar bem, transar gostoso, mas não podemos ter segredos, tem de ser tudo limpo, às claras, assumido perante a sociedade. Pois é ela, a sociedade, que faz o papel da mãe em 2024. Ela dita, ela vigia, ela cobra, ela corrige. Ser livre em 2024 é enfrentar a sociedade da midia-moda, como em 1970 era enfrentar pai-mãe. Se antes o sexo, feito por puro tesão, era a bandeira da liberdade, hoje, sexo não é mais liberdade, é antes, um quase dever. -------------------- Não estou dizendo que devemos não transar, que a castidade é o novo modo de ser rebelde. NÃO. O que digo é que transar e anunciar isso à todos, assumir sua homossexualidade, nada mais tem de libertário. É apenas uma gracinha futil. Talvez sexo como liberdade seja simplesmente manter tudo no privado, nada anunciar, nada compartilhar, ter uma vida interior. Manter a escuridão. -------------------------------- Nunca brincamos tanto e nunca fomos tão pouco crianças.

O TAO DA FÍSICA - FRITJOF CAPRA

Os mais delirantes malucos têm usado a física quântica para dar um teor pseudo científico às suas teses infantis. Então vemos o mundo das partículas dando passaporte para o mundo de Nárnia sob cogumelos. O pobre Niels Bohr teria sido um maluco que acreditava em duendes. ------ Isso porque se lida superficialmente, ou se usada para fins desonestos, o mundo quântico parece ser um universo livre, aleatório, "mágico", onde tempo e lugar não existem. Este livro não é assim. Embora eu saiba que com o tempo, Capra, um cientista bem formado, tenha dado umas escorregadas. --------------- Ele expõe o misticismo do oriente, budismo, hinduismo, o taoismo, o zen, confucionismo, e então faz um paralelo com a física quântica. Sua abordagem da ciência é a correta, ele não a transforma num vale tudo made in disneyland. O texto chega a ser bastante cansativo, não parece um best seller. ------------------ A tese que permeia o livro, válida, é bem simples: a física quântica prova que nossa mente cria um mundo ilusório, o mundo do dia a dia, mundo necessário, pois é o mundo onde temos de produzir comida, casa e nos reproduzir. Nossa mnete se adaptou à esse universo feito de tempo e de matéria que não muda. ------------------- O misticismo oriental, assim como Heráclito e Pitágoras, sempre disse que tudo é mudança sem fim. Que nada cessa de se transformar e que crer na imutabilidade é uma ilusão. Não temos posse da nada, nem de nós mesmos, pois a realidade escapa, se transforma, está além. Como consequência, tudo está interligado pois tudo se move de modo eterno. Não há, fora de nossa mente, algo que permaneça, algo que seja separado do todo. Vibramos sem parar, trocamos energia, estamos misturados ao nosso ambiente. ------------------- Isso é física moderna. Isso é misticismo do oriente. Nada permanece. Nada pode ser medido com exatidão. Tudo deixa de ser. O SER é a mudança constante. Ter uma epifania é perceber a mudança do universo, a realidade do TODO, o TAO. ---------------- Se tivessemos o poder de ver a realidade, ficaríamos suspresos com o movimento hiper veloz e a energia alucinante que nos cerca e que somos nós mesmos. Mudança constante, trocas de energia, partículas que desaparecem e surgem em outro local modificadas, a impossiblidade de isolamento de toda matéria, o universo como TEIA, fios interligados. ---------------- Não é uma delicia de livro, ele se repete demais, mas suas ideias são válidas.

A NATUREZA HUMANA - ROGER SCRUTTON . E SOBRE UM TURCO.

Quando vemos uma pessoa temos a imediata certeza de que somos um EU e que ela é um VOCE. Mas ao mesmo tempo, sabemos que ela nos vê como um VOCE e que ela é um EU. Mais que desejar, travamos contato com o interior dessa pessoa, o exterior após um primeiro momento se torna aquilo que ele é, uma persona. Mais que a razão, o que define um Humano é essa certeza de ser um Eu e de estar vivendo em meio a VOCES. E assim, saber que há dentro deles a mesma realidade que há dentro do meu EU pois eles são seus próprios EUS. Este é o livro mais curto de Scrutton, e ao mesmo tempo seu texto mais difícil. Psicologia é o que norteia seu pensamento, e ele cita Wittgeinstein e Husserl, Descartes e Schoppenhauer. ------------ No mundo deste século há um movimento, proposital, de se quebrar essa corrente humana. A redução de todo fenômeno humano a simples hábitos evolutivos, faz com que a interioridade se reduza à um composto de genes e a subjetividade se torne mera evolução. O humano é aquele que ansia por ser livre e ao mesmo tempo participante de grupo, é o que se submete à lei por vontade própria e o que deseja aquilo que se esconde. Reduzir tudo isso à mera adaptação ao meio é matar aquilo que nos faz imensos. ---------------- Repare que tudo na modernidade tenta nos diminuir. Desde uma frase como " Diante do cosmos somos nada", até " Eis onde termina toda ambição", não há slogan que não procure incutir a certeza de nossa insignificância. Pior ainda, movimentos organizados como o que coloca um boxeador homem, que se acha mulher, em um ringue com uma mulher nascida mulher, reduz tudo à aparência, um tipo de brincadeira onde se ele se maquiar e usar roupas de mulher, será magicamente uma mulher. Não há modo mais eficiente de matar nossa interioridade que repetir incessantemente que a cor da pele me diferencia de voce, que o modo como me visto me faz diferente do que sou por nascimento, que posso ser me produzindo por fora hoje e agora. ----------------- Nessa absurda olimpíada, um atirador turco ganhou uma medalha de prata, e estranhamente ninguém fala do vencedor, mas apenas do turco. Dikec Yusuf. Isso porque ele competiu de chinelos, sem óculos e mira especiais ultra modernas, fuma durante a prova, tem barriga, e começou a atirar para ter o que fazer com seus filhos. Esse homem nada mais é que um macho de 1980 e por isso causa impressão ( Messi antes de conhecer Neymar era também um cara típico de 1980 e isso causava impressão ). Há nas pessoas uma saudade não assumida do pai típico, do chefe, do líder despretensioso. Mais que isso, da simplicidade sem afetação. Dikec parece adorável porque a imagem dele, um VOCE que vive dentro de nós, tem encontrado poucos Dikec por aí. Ele fumou um cigarro, tossiu e fez seu trabalho. Sem discurso, sem parecer inumano, sem representar grupo nenhum.

A INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS - SIGMUND FREUD. A SAUDADE DA ÉPOCA DA RAINHA VITÓRIA

A popularidade de Freud se deve a um fato muito simples, é divertido ler seu livro. Ele tem tudo aquilo que fazia e faz o sucesso de um volume, tem suspense, sexo, mistério e algum horror. E parece moderno. É uma leitura voluptuosa. Como é a leitura de seu contemporâneo Sherlock Holmes. Freud é o Holmes da alma e como tal deve ser lido. Ele vai ao local do crime, recolhe pistas e soluciona o mistério. Por ser o autor do livro, é claro que ele sempre consegue resolver o problema. Freud, como dizia Bloom, é um romancista. A psicanálise, longe de ser uma ciência, é tentativa de transformar romance em vida real. Ela é aquilo que Freud dizia ser a religião, um consolo para a dor. E como tal, tem sua validade, pois às vezes ela alivia. Mesmo que para isso devamos crer naquilo que o autor narra. ----------------------- Meu amor pela psicologia foi conscientizada na noite em que vi, aos 15 anos, o filme Freud de John Huston pela primeira vez. O que me atraiu no filme foi sua ambientação tão vitoriana ( não conheço filme mais Europa 1890 que esse ), seu clima de filme de Sherlock Holmes e o heroísmo destemido de Freud. Ele parece um heroi. O heroi feito sob medida para um pensador, um heroi que age pela palavra. -------------------- Dizer que um sonho é SEMPRE a realização de um desejo é tão arbitrário quanto dizer que um sonho é a materialização de lembranças de outra vida. Não, não ria. Eu posso dizer que essas lembranças foram transformadas e censuradas e que surgem, em sua verdade, apenas com a ajuda de um xamã. É isso que incomoda em Freud. Tudo o que ele diz nos seduz, e algumas coisas eu julgo muito verdadeiras ( o ódio entre irmãos, a rivalidade entre machos, a criança capeta ), mas são verdades conhecidas desde sempre, Freud apenas as sexualizou. Ele poderia ter dito que uma criança tem um instinto de duende, ou de bicho selvagem, o resultado seria o mesmo que dizer que ela já tem desejo sexual. A criança se apega ao seio da mãe porque é macio e doce, não necessariamente porque ela tem desejos incestuosos. Assim como mostra o pênis como ato que faz os adultos reagirem à ela. Claro, essa é apenas minha visão. Mas o que lemos é também apenas a visão de um homem, Freud. A diferença é que ele é um gênio da escrita, e eu não. --------------------- Freud cria um mundo onde tudo faz sentido. Como Conan Doyle ou Henry James, as coisas se encaixam e aquilo que não se encaixaria é jogado fora. Se a doença mental é a perda da capacidade de fazer sentido, entrar no mundo de Freud pode ser curativo. Ele te dará um sentido. Ou não. Depende de sua disposição a crer nele. Há um momento em que ele fala de que Édipo fora interpretado erroneamente como uma parábola que descreve o poder do destino sobre os homens...well...qual a prova de que a visão de Freud seja a correta? ----------------- Jung perto de Freud é incomparavelmente pior autor. Nada há nele de romancista. E nem de cientista ( nenhum dos dois faz ciência ). Mas eu me acostumei a ver cada dado dito por Jung ser exaustivamente demonstrado por N relatos buscados na mitologia, religião, antropologia e filosofia. Jung é tão chato por isso, ele não narra nada, apenas enfileira suposições. Freud é totalmente o oposto. Ele pesquisa casos, encontra pistas e ilumina soluções. É o heroi de seu livro. ---------------- Não pense que estou, como fazem Nabokov ou Scrutton, condenando a arte do psicanalista. Eles são extremamente uteis e fiz terapia por anos. Admiro muito aqueles que são corretos. Um bom profissional traz consolo, sentido, faz com que o kaos mental se organize rumo a um objetivo. Não importa se Freud descreveu nossa mente como aquilo que ela é de fato. O que interessa é saber que ele inaugura algo que tem ajudado muita gente. ------------------- Se lido como uma interessante peça de arte da escrita, este é um grande livro. Lido como a verdade revelada, não faz muito sentido.

A PERCEPÇÃO À PORTA

Só ao homem e a nenhum outro ser é dado olhar e ver. No olho do animal é visto o que lhe dita o desejo de viver: comida, proteção e preservação. O amor de seu cão por voce é a certeza de ser cuidado. Mas o homem....sim, eu adoro meus cães mas não faço parte dessa baboseira de achar que somos menos que eles. Nós somos os olhos do universo meu amigo. Se somos um grão de pó em meio ao infinito, é este grão que observa e olha e anota e idolatra o cosmos. E mais ninguém. ----------------------- Olhamos e vemos pois apreciamos. E mais que isso. Huxley fala nas Portas da Percepção do olhar às coisas como elas são e não como as conceituamos. Pare agora e olhe esta tela. Se esforce, vamos lá. Luz que é irradiada. Pequenos pontos pretos. Toques de azul e de laranja. Olhe e veja. Lembre como se faz isso: ------------------------- Na minha mesa de centro há um boneco de um marinheiro. Eu o possuo desde 2002, mas nunca o vejo. Paro e olho: blusa branca com listras azuis. Calça folgada. Uma barba branca. Olho mais. Sapatos marrons. Cinto largo, preto. Quepe. Nunca o vi. Ele está em minha casa faz 22 anos, mas eu bato o olho nele, mas nunca o vi. ------------------ Um volume da coleção Ler e Saber, 1967. Tenho-o desde criança. Eu ficava horas com um deles nas mãos. Uma cena de guerra: soldados medievais subindo pelas paredes de um castelo. Os elmos, as espadas. O cenário ao fundo. Como reaprender a olhar? Eu, aos 10 anos, entrava naquele desenho. Respirava o ar que os soldados inalavam. Um prazer inclassificável. --------------- Mais profundo, vamos mais ao fundo, vamos a linguagem do espírito. Lá: uma teia de aranha na janela do porão. Eu olho a janela e a teia como quem encontra o mundo inteiro em um só olhar. Tudo que desejo ver na minha vida inteira está naquela teia. A luz que passa por entre os fios é a luz do mundo todo. E o vidro sujo, quebrado, da janela, é a aula de poesia perfeita. Tudo está lá: todo onde e todo quando. Não há tempo naquele olhar, ele dura. Não há mais o que ver além de lá, pois a teia é infinita. ---------------- Eis o PARAÍSO. --------------- A eternidade não é pensar : isto é eterno, pois o pensar destroi a eternidade. Para pensar criamos um agora e portanto um antes e um depois. Para provar a eternidade basta olhar eternamente. Como explicar? Não explico, voce que se permita intuir o que falo. ----------------- Havia um pântano ao fim do campo. Garoava e pássaros, grandes, voavam gritando. Então eu olhei tudo aquilo como se tudo aquilo fosse uma coisa só. Não havia mato-pássaro-céu-eu, havia aquilo tudo. Continuo olhando desde então. Ou desde antes do então. ------------------ As Portas são a própria percepção.