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ADIVINHAÇÃO E SINCRONICIDADE - MARIE-LOUISE VON FRANZ
Von Franz foi a mais querida discípula de Jung. Este é o segundo livro dela que leio, o primeiro tendo sido sobre contos de fadas. Ela escreve muito bem. Ao contrário de Jung, que tem um texto tortuoso, Von Franz tem ritmo, é clara, se lê com gosto. Neste volume, ele se constitui de cinco palestras dadas nos anos de 1950, ela fala sobre o tempo, os dois tempos, o linear e o eterno, o tempo do consciente e o tempo do inconscinete e em como, historicamente, os jogos de advinhação sempre tentaram lidar com a conjunção desse dois tempos encontrando o tempo UNO. --------------- Citando o I Ching e mais dezenas de culturas antigas, dos aborígenes da Austrália à tribos norte americanas, Von Franz, de forma enciclopédica, nos apresenta fatos, jamais caindo na crença individualista. A física, a matemática, a teoria dos números também são muito citadas, de Pauli à Eddington. Ela questiona, o que são números, para que foram criados, qual sua realidade? --------------------- Existem brechas na realidade, brechas por onde a energia do inconscinete pode fluir e nos revitalizar, mais que isso, pode fazer com que sintamos a situação temporal, o tempo como corte transversal, como matriz e não como linha. Nosso inconsciente seria o mundo onde tudo está interligado num eterno presente que abrange toda a totalidade. Nosso consciente seria apenas um modo de lidar com aquilo que nossos sentidos podem perceber. Ele é subordinado à visão, audição etc. A realidade é muito mais e ela é intuída em jogos de adivinhação e na sincronicidade. ------------------ Ela está certa? Por que não ?
DOGMA E RITUAL DA ALTA MAGIA - ELIPHAS LEVI
Não é um livro satânico. Editado no meio do século XIX, reeditado várias vezes, é provável ser este o mais sério e enciclopédico livro já escrito sobre o tema. Ele fala de todos os temas mágicos: fantasmas, adivinhações, maldições. Sua filosofia é esta: o poder é atingido pelo absoluto controle da mente, pela fé que é foco, pela certeza total e completa. Magia é vontade. E para se ter essa vontade irresistível é necessário dominar seus pensamentos, sentimentos, atitudes. O universo, cheio de almas, de seres, é comandado por quem detém essa força. Nada mais que isso. Por 500 páginas, ele destila exemplos, lendas, histórias, fatos. A imaginação é real, essa uma de suas frases que parecem tolas mas que revelam uma verdade. O que imaginamos já é real pelo fato de ser pensado, pois pensamentos fazem o mundo, assim como palavras modificam a realidade. É um livro inspirador, pois mesmo que voce despreze tudo que ele fala, há algo de tão vasto, tão grande, tão desafiador aqui, que voce se vê entrar numa outra onda, outro ponto de vista. Prove-o.
PSICOLOGIA DO INCONSCIENTE, JUNG, E O TRANSTORNO DA PERSONALIDADE BORDERLINE
Ela me pareceu, à primeira vista, alguém com personalidade pobre, vazia, sem nada a exibir. Depois, pouco tempo depois, comecei a perceber algo de falso nessa imagem. Ela escondia alguma coisa. Essa coisa escondida, em 5 anos de contato íntimo, não foi exibida. Existe tal mistério? --------------- Lidar com uma pessoa border é mais difícil que lidar com um esquizo. Pois do esquizo se espera incoerência, delírio, e momentos de relativa paz. Do border não há o que esperar. Ele é como uma mentira. --------------- Ontem ela surgiu com o corpo cheio de hematomas. Numa crise de ansiedade, ela se surrou. Foi ela mesma, pois não havia hematoma onde ela não podia alcançar. A mentira, em borders, é sempre a possibilidade número um. A segunda possibilidade é a chantagem emocional. ---------------- Após tamanha crise, seria de se esparar um abatimento, o rosto triste. Mas não. Poucas horas depois ela é a mesma de sempre. Inclusive sorri. O rosto controlado, bem maquiado, tudo no lugar certo. Não há sinal de emoção. Nenhum tremor. Psicopatia? Borders eram considerados psicopatas antigamente. Mas não são. Ela tem emoções. Ela é dependente. Ciumenta. Possessiva. Controladora. E de repente, não é mais nada disso. E diz: Eu nunca senti nada. Eu nunca amei. Dizendo isso com uma ponta de orgulho e vaidade. --------------------- Se acha um lixo. Mas só por dez segundos. No resto do tempo ela tem a certeza de poder seduzir todo homem do mundo. E quando voce a provoca, ela não reage. Mas quando ela te provoca, muito, ela espera que voce diga: Sim, eu errei. Mesmo que voce nem saiba do que ela fala. ------------------ Sua mente é uma guerra. Do eu contra o outro eu. Do eu contra o mundo de fora. Por isso, ela mal percebe que voce ou voces existem. Está distraída com sua dor. Que é real. O medo da rejeição. O medo da solidão. Mas tudo que ela-eles fazem é provocar rejeição. Flertar com a solidão. ------------- Sexo também é parte da guerra. O outro é um objeto a ser seduzido e dominado. Posse. Para isso ela se dá totalmente. Mas não se iluda. Ela deixa seu corpo mas nunca sua alma. Enquanto voce tem prazer naquele corpo que se doa, a alma está longe, muito longe. Onde nem ela mesma sabe. -------------- Em seu livro Jung fala do quanto é preciso entender, desvendar o inconsciente, Reconciliar consciente e inconsciente. Mas o que eu pergunto à Jung é: Como fazer a terapia de alguém que mente todo o tempo? Mentiras que têm o objetivo de proteger uma alma que não deseja se revelar. Como desreprimir alguém que faz sexo com a facilidade de alguém que chupa um sorvete? E que ama com a fúria de um bebê que chora? --------------------- Ama, porém dois dias depois volta de uma orgia com gente semi desconhecida. Diz nada sentir, só vaidade e raiva. Mas se surra com a culpa de quem deve algo a si mesma. Raiva do que? Culpa por que? ----------------- O problema do borderline é que por mais que pesquisemos, não há para eles um tratamento padrão, como há para um neurótico, mesmo o mais complicado ( faça-o falar e então assumir seus sentimentos ). Não há para o border uma droga como há para o deprimido ou o esquizo ( anti depressivos podem piorar o border ). O que fazer com ele? ----------------- Aturar sua indiferença ofensiva. Ouvir suas mentiras sem objetivo. Não fugir do peso de sua energia destrutiva. Suporta-lo. Mas haverá cura?
A LINGUAGEM ESQUECIDA - ERICH FROMM
A linguagem esquecida são os símbolos, linguagem arcaica, comum à todos, que era conhecida por todo homem antigo e que no tempo atual surge nos sonhos. Segundo Fromm, perdemos a capacidade de compreender os símbolos, pois eles foram esquecidos em favor da linguagem técnica, aquela que lida com nosso trabalho e modo de viver. Símbolos foram linguagem comum a todo planeta, basta observar a ocorrência de histórias em que rios, mares, sol, lua, fogo, fera, pássaro, possuem sempre o mesmo significado. Mitos, contos, lendas, rituais onde, seja na América, seja na India, repetem o mesmo vocabulário de símbolos que nasceram no começo da cultura humana. ------------------ Fromm nos mostra então a maneira como ele interpreta sonhos ( diferente de Freud e de Jung ), partindo de um sentido histórico e dando ao sonho um estatuto de mensagem para a vida cotidiana. Para Fromm, nem tudo é sexo, Freud era um moralista vitoriano, e nem tudo é religião, Jung é dogmático. Ele traz o sonho para o chão. ------------- Não é um livro empolgante, mas tem uma boa abordagem.
A INTERPRETAÇÃO DOS CONTOS DE FADAS - MARIE LOUISE VON FRANZ
Ler Jung, mesmo que voce seja entendido em sua psicologia, nunca é simples. Isso porque sua didática é ruim. Jung não escrevia bem, e por mais interessante e válido seja aquilo que ele diz, ler seus livros é um esforço, que sempre vale à pena. Marie Louise Von Franz é uma das maiores discípulas de Jung, e este livro, um clássico, faz por Jung mais que eu esperava. ----------------- Von Franz analisa alguns contos folclóricos do norte da Europa, nenhum muito conhecido, todos curtos, e assim, ela nos explica com uma clareza maravilhosa, conceitos como ânima, inconscinete coletivo, sombra, arquétipod, individuação. Mestra em escrever de modo objetivo, eu aconselho muito este livro para aqueles que leram Jung e se sentiram confusos. Analisando os contos, todos fantásticos, Von Franz vai descobrindo os segredos da história ali exposta, e desse modo usando as ferramentas de Jung. Eu, que li muito Jung, nunca vi com tanta nitidez, aquilo que cada conceito significa e quer dizer. Em apenas 200 páginas, ela nos dá um conhecimento precioso. -------------- Procure e leia.
JOSÉ ANGELO GAIARSA
Entre 1980-1986, o psiquiatra e terapeuta, José Angelo Gaiarsa aparecia na TV com frequência. Além de participar de vários programas, ele tinha horário próprio, na hora do almoço na Tv Bandeirantes. Junto com Gikovate e Mascarenhas, era ele o cara que popularizava a psicologia no Brasil. Era uma época em que na visão do povo, tratar da mente era coisa de louco. Ou de rico desocupado. ----------------- Sua simpatia era total. Ele parecia um Buda sorridente. Para mim, um jovem cheio de inibições, medos, neuroses, ouvir Gaiarsa era ver luz no fim do túnel. Seu discurso, libertário, era um alívio, e naqueles anos de abertura absoluta no costumes, uma benção. Gaiarsa não tinha medo de falar, em pleno horário de donas de casa, que as mães destruíam os filhos, que elas os ensinavam a se reprimir, que crianças imitavam adultos, e que as mães costumavam ser um exemplo nada saudável. Gaiarsa era a favor do gozo sem culpa, do casamento aberto, do tesão livre, da destruição da máscara de bom cidadão que nos obrigavam a usar. ------------------- Tenho lido seus livros, muitos. São simples mas jamais simplistas. Ele é POP, mas não charlatão. Nunca sai da competência psiquiátrica, na qual ele é muito bem treinado. Crianças são livres, adultos as destroem, elas carrega a vida toda a culpa por serem....crianças. Fingem ser adultos. Os mais doentes acreditam no fingimento geral. Cabe ao terapeuta liberar a criança reprimida. Parece terapia hippie de 1970? Parece sim. Mas como discordar? Se hoje o discurso é de que houve um excesso de liberalismo, o que pergunto é: houve mesmo? Tem certeza? ---------------- O que houve foi uma liberação das drogas e uma desvalorização do sexo. Consume-se droga, muita, mas seu uso não busca a iluminação, busca-se apenas um prazer rápido e inofensivo. E quanto ao sexo, sim, se trepa mais, mas se desafia a ordem social muito menos. O casamento monogâmico continua sendo lei, o desejo ainda é restrito ao amor ou ao compromisso, ainda se maquia sexo com as cores da poesia mais adocicada. Namora-se como se namorava em 1970. Se hoje namorados dormem na casa da menina, com as bençãos dos pais, é exatamente isso, com as bençãos dos pais. Não há sexo mais inofensivo que esse: transar na casa da mãe da namorada, ao lado do quarto do pai dela. O sexo em 2024 é livre, e ao mesmo tempo, por ser livre, é pouco excitante e muito bobo. Até os antes muito perigosos gays se tornaram tias de programas de TV. Sexo castrado. Sexo brinquedinho. ---------------------- Gaiarsa, se vivo, teria muito o que falar. A liberdade do corpo, que ele tanto pregava, para ele toda cura é corporal, se tornou obrigação. Temos de transar bem, transar gostoso, mas não podemos ter segredos, tem de ser tudo limpo, às claras, assumido perante a sociedade. Pois é ela, a sociedade, que faz o papel da mãe em 2024. Ela dita, ela vigia, ela cobra, ela corrige. Ser livre em 2024 é enfrentar a sociedade da midia-moda, como em 1970 era enfrentar pai-mãe. Se antes o sexo, feito por puro tesão, era a bandeira da liberdade, hoje, sexo não é mais liberdade, é antes, um quase dever. -------------------- Não estou dizendo que devemos não transar, que a castidade é o novo modo de ser rebelde. NÃO. O que digo é que transar e anunciar isso à todos, assumir sua homossexualidade, nada mais tem de libertário. É apenas uma gracinha futil. Talvez sexo como liberdade seja simplesmente manter tudo no privado, nada anunciar, nada compartilhar, ter uma vida interior. Manter a escuridão. -------------------------------- Nunca brincamos tanto e nunca fomos tão pouco crianças.
O TAO DA FÍSICA - FRITJOF CAPRA
Os mais delirantes malucos têm usado a física quântica para dar um teor pseudo científico às suas teses infantis. Então vemos o mundo das partículas dando passaporte para o mundo de Nárnia sob cogumelos. O pobre Niels Bohr teria sido um maluco que acreditava em duendes. ------ Isso porque se lida superficialmente, ou se usada para fins desonestos, o mundo quântico parece ser um universo livre, aleatório, "mágico", onde tempo e lugar não existem. Este livro não é assim. Embora eu saiba que com o tempo, Capra, um cientista bem formado, tenha dado umas escorregadas. --------------- Ele expõe o misticismo do oriente, budismo, hinduismo, o taoismo, o zen, confucionismo, e então faz um paralelo com a física quântica. Sua abordagem da ciência é a correta, ele não a transforma num vale tudo made in disneyland. O texto chega a ser bastante cansativo, não parece um best seller. ------------------ A tese que permeia o livro, válida, é bem simples: a física quântica prova que nossa mente cria um mundo ilusório, o mundo do dia a dia, mundo necessário, pois é o mundo onde temos de produzir comida, casa e nos reproduzir. Nossa mnete se adaptou à esse universo feito de tempo e de matéria que não muda. ------------------- O misticismo oriental, assim como Heráclito e Pitágoras, sempre disse que tudo é mudança sem fim. Que nada cessa de se transformar e que crer na imutabilidade é uma ilusão. Não temos posse da nada, nem de nós mesmos, pois a realidade escapa, se transforma, está além. Como consequência, tudo está interligado pois tudo se move de modo eterno. Não há, fora de nossa mente, algo que permaneça, algo que seja separado do todo. Vibramos sem parar, trocamos energia, estamos misturados ao nosso ambiente. ------------------- Isso é física moderna. Isso é misticismo do oriente. Nada permanece. Nada pode ser medido com exatidão. Tudo deixa de ser. O SER é a mudança constante. Ter uma epifania é perceber a mudança do universo, a realidade do TODO, o TAO. ---------------- Se tivessemos o poder de ver a realidade, ficaríamos suspresos com o movimento hiper veloz e a energia alucinante que nos cerca e que somos nós mesmos. Mudança constante, trocas de energia, partículas que desaparecem e surgem em outro local modificadas, a impossiblidade de isolamento de toda matéria, o universo como TEIA, fios interligados. ---------------- Não é uma delicia de livro, ele se repete demais, mas suas ideias são válidas.
A NATUREZA HUMANA - ROGER SCRUTTON . E SOBRE UM TURCO.
Quando vemos uma pessoa temos a imediata certeza de que somos um EU e que ela é um VOCE. Mas ao mesmo tempo, sabemos que ela nos vê como um VOCE e que ela é um EU. Mais que desejar, travamos contato com o interior dessa pessoa, o exterior após um primeiro momento se torna aquilo que ele é, uma persona. Mais que a razão, o que define um Humano é essa certeza de ser um Eu e de estar vivendo em meio a VOCES. E assim, saber que há dentro deles a mesma realidade que há dentro do meu EU pois eles são seus próprios EUS. Este é o livro mais curto de Scrutton, e ao mesmo tempo seu texto mais difícil. Psicologia é o que norteia seu pensamento, e ele cita Wittgeinstein e Husserl, Descartes e Schoppenhauer. ------------ No mundo deste século há um movimento, proposital, de se quebrar essa corrente humana. A redução de todo fenômeno humano a simples hábitos evolutivos, faz com que a interioridade se reduza à um composto de genes e a subjetividade se torne mera evolução. O humano é aquele que ansia por ser livre e ao mesmo tempo participante de grupo, é o que se submete à lei por vontade própria e o que deseja aquilo que se esconde. Reduzir tudo isso à mera adaptação ao meio é matar aquilo que nos faz imensos. ---------------- Repare que tudo na modernidade tenta nos diminuir. Desde uma frase como " Diante do cosmos somos nada", até " Eis onde termina toda ambição", não há slogan que não procure incutir a certeza de nossa insignificância. Pior ainda, movimentos organizados como o que coloca um boxeador homem, que se acha mulher, em um ringue com uma mulher nascida mulher, reduz tudo à aparência, um tipo de brincadeira onde se ele se maquiar e usar roupas de mulher, será magicamente uma mulher. Não há modo mais eficiente de matar nossa interioridade que repetir incessantemente que a cor da pele me diferencia de voce, que o modo como me visto me faz diferente do que sou por nascimento, que posso ser me produzindo por fora hoje e agora. ----------------- Nessa absurda olimpíada, um atirador turco ganhou uma medalha de prata, e estranhamente ninguém fala do vencedor, mas apenas do turco. Dikec Yusuf. Isso porque ele competiu de chinelos, sem óculos e mira especiais ultra modernas, fuma durante a prova, tem barriga, e começou a atirar para ter o que fazer com seus filhos. Esse homem nada mais é que um macho de 1980 e por isso causa impressão ( Messi antes de conhecer Neymar era também um cara típico de 1980 e isso causava impressão ). Há nas pessoas uma saudade não assumida do pai típico, do chefe, do líder despretensioso. Mais que isso, da simplicidade sem afetação. Dikec parece adorável porque a imagem dele, um VOCE que vive dentro de nós, tem encontrado poucos Dikec por aí. Ele fumou um cigarro, tossiu e fez seu trabalho. Sem discurso, sem parecer inumano, sem representar grupo nenhum.
A INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS - SIGMUND FREUD. A SAUDADE DA ÉPOCA DA RAINHA VITÓRIA
A popularidade de Freud se deve a um fato muito simples, é divertido ler seu livro. Ele tem tudo aquilo que fazia e faz o sucesso de um volume, tem suspense, sexo, mistério e algum horror. E parece moderno. É uma leitura voluptuosa. Como é a leitura de seu contemporâneo Sherlock Holmes. Freud é o Holmes da alma e como tal deve ser lido. Ele vai ao local do crime, recolhe pistas e soluciona o mistério. Por ser o autor do livro, é claro que ele sempre consegue resolver o problema. Freud, como dizia Bloom, é um romancista. A psicanálise, longe de ser uma ciência, é tentativa de transformar romance em vida real. Ela é aquilo que Freud dizia ser a religião, um consolo para a dor. E como tal, tem sua validade, pois às vezes ela alivia. Mesmo que para isso devamos crer naquilo que o autor narra. ----------------------- Meu amor pela psicologia foi conscientizada na noite em que vi, aos 15 anos, o filme Freud de John Huston pela primeira vez. O que me atraiu no filme foi sua ambientação tão vitoriana ( não conheço filme mais Europa 1890 que esse ), seu clima de filme de Sherlock Holmes e o heroísmo destemido de Freud. Ele parece um heroi. O heroi feito sob medida para um pensador, um heroi que age pela palavra. -------------------- Dizer que um sonho é SEMPRE a realização de um desejo é tão arbitrário quanto dizer que um sonho é a materialização de lembranças de outra vida. Não, não ria. Eu posso dizer que essas lembranças foram transformadas e censuradas e que surgem, em sua verdade, apenas com a ajuda de um xamã. É isso que incomoda em Freud. Tudo o que ele diz nos seduz, e algumas coisas eu julgo muito verdadeiras ( o ódio entre irmãos, a rivalidade entre machos, a criança capeta ), mas são verdades conhecidas desde sempre, Freud apenas as sexualizou. Ele poderia ter dito que uma criança tem um instinto de duende, ou de bicho selvagem, o resultado seria o mesmo que dizer que ela já tem desejo sexual. A criança se apega ao seio da mãe porque é macio e doce, não necessariamente porque ela tem desejos incestuosos. Assim como mostra o pênis como ato que faz os adultos reagirem à ela. Claro, essa é apenas minha visão. Mas o que lemos é também apenas a visão de um homem, Freud. A diferença é que ele é um gênio da escrita, e eu não. --------------------- Freud cria um mundo onde tudo faz sentido. Como Conan Doyle ou Henry James, as coisas se encaixam e aquilo que não se encaixaria é jogado fora. Se a doença mental é a perda da capacidade de fazer sentido, entrar no mundo de Freud pode ser curativo. Ele te dará um sentido. Ou não. Depende de sua disposição a crer nele. Há um momento em que ele fala de que Édipo fora interpretado erroneamente como uma parábola que descreve o poder do destino sobre os homens...well...qual a prova de que a visão de Freud seja a correta? ----------------- Jung perto de Freud é incomparavelmente pior autor. Nada há nele de romancista. E nem de cientista ( nenhum dos dois faz ciência ). Mas eu me acostumei a ver cada dado dito por Jung ser exaustivamente demonstrado por N relatos buscados na mitologia, religião, antropologia e filosofia. Jung é tão chato por isso, ele não narra nada, apenas enfileira suposições. Freud é totalmente o oposto. Ele pesquisa casos, encontra pistas e ilumina soluções. É o heroi de seu livro. ---------------- Não pense que estou, como fazem Nabokov ou Scrutton, condenando a arte do psicanalista. Eles são extremamente uteis e fiz terapia por anos. Admiro muito aqueles que são corretos. Um bom profissional traz consolo, sentido, faz com que o kaos mental se organize rumo a um objetivo. Não importa se Freud descreveu nossa mente como aquilo que ela é de fato. O que interessa é saber que ele inaugura algo que tem ajudado muita gente. ------------------- Se lido como uma interessante peça de arte da escrita, este é um grande livro. Lido como a verdade revelada, não faz muito sentido.
A PERCEPÇÃO À PORTA
Só ao homem e a nenhum outro ser é dado olhar e ver. No olho do animal é visto o que lhe dita o desejo de viver: comida, proteção e preservação. O amor de seu cão por voce é a certeza de ser cuidado. Mas o homem....sim, eu adoro meus cães mas não faço parte dessa baboseira de achar que somos menos que eles. Nós somos os olhos do universo meu amigo. Se somos um grão de pó em meio ao infinito, é este grão que observa e olha e anota e idolatra o cosmos. E mais ninguém. ----------------------- Olhamos e vemos pois apreciamos. E mais que isso. Huxley fala nas Portas da Percepção do olhar às coisas como elas são e não como as conceituamos. Pare agora e olhe esta tela. Se esforce, vamos lá. Luz que é irradiada. Pequenos pontos pretos. Toques de azul e de laranja. Olhe e veja. Lembre como se faz isso: ------------------------- Na minha mesa de centro há um boneco de um marinheiro. Eu o possuo desde 2002, mas nunca o vejo. Paro e olho: blusa branca com listras azuis. Calça folgada. Uma barba branca. Olho mais. Sapatos marrons. Cinto largo, preto. Quepe. Nunca o vi. Ele está em minha casa faz 22 anos, mas eu bato o olho nele, mas nunca o vi. ------------------ Um volume da coleção Ler e Saber, 1967. Tenho-o desde criança. Eu ficava horas com um deles nas mãos. Uma cena de guerra: soldados medievais subindo pelas paredes de um castelo. Os elmos, as espadas. O cenário ao fundo. Como reaprender a olhar? Eu, aos 10 anos, entrava naquele desenho. Respirava o ar que os soldados inalavam. Um prazer inclassificável. --------------- Mais profundo, vamos mais ao fundo, vamos a linguagem do espírito. Lá: uma teia de aranha na janela do porão. Eu olho a janela e a teia como quem encontra o mundo inteiro em um só olhar. Tudo que desejo ver na minha vida inteira está naquela teia. A luz que passa por entre os fios é a luz do mundo todo. E o vidro sujo, quebrado, da janela, é a aula de poesia perfeita. Tudo está lá: todo onde e todo quando. Não há tempo naquele olhar, ele dura. Não há mais o que ver além de lá, pois a teia é infinita. ---------------- Eis o PARAÍSO. --------------- A eternidade não é pensar : isto é eterno, pois o pensar destroi a eternidade. Para pensar criamos um agora e portanto um antes e um depois. Para provar a eternidade basta olhar eternamente. Como explicar? Não explico, voce que se permita intuir o que falo. ----------------- Havia um pântano ao fim do campo. Garoava e pássaros, grandes, voavam gritando. Então eu olhei tudo aquilo como se tudo aquilo fosse uma coisa só. Não havia mato-pássaro-céu-eu, havia aquilo tudo. Continuo olhando desde então. Ou desde antes do então. ------------------ As Portas são a própria percepção.
A ARTE MODERNA
Um homem coloca 8 baldes de plástico vermelho um sobre o outro. No chão há areia branca. Ele derruba os baldes e eles caem sobre a areia. O público aplaude. ---------------- Um homem, com uma pá, joga lama sobre um outro, que está de pé. É aplaudido. ------------------- Um senhor rabisca o chão com uma tora de carvão. ----------------- Isso é a arte de nossa civilização. O que ela significa? aquilo que o artista quiser. Ele é livre para dar o sentido que lhe aprouver. Basta ter cara de pau e saber mentir. -------------- O que realmente importa é: E o público? O que faz com que eles aceitem fazer parte numa farsa tão óbvia? ------------------ Danilo, é um nome aleatório, se arruma e vai à uma mostra de arte moderna. O fato dele ir à uma mostra de arte já faz com que seu ego se sinta superior e, melhor ainda, ele sente que sua noite foi cultural ( seja lá isso o que for ). Mais que arte, é arte moderna, e Danilo é sempre moderno, um cara à frente dos outros. Ele aprecia cada gesto do artista e aplaude, sentindo enquanto bate palmas o gozo por saber quem é Duchamp e Beuys e sua condição sensível, culta, refinada. Ele faz parte do clube, a congregação dos seres especiais que entendem o que é a arte moderna. Sua noite foi proveitosa, ele adquiriu cultura e sua alma se sente justificada. ---------------- Observe que tudo o que Danilo fez ou sentiu engloba o ego, a vaidade e o mundo social, seu mundo social. Tudo o que aconteceu foi superficial, ele foi porque é bom ir, ele gostou porque é certo gostar. Ele sacou tudo. Porque ele precisa sacar. ------------------- Postei abaixo a estátua de um menino sobre um cavalo. Ela é de Chipre e tem cerca de 2.200 anos. Foi feita com a intenção de ser exposta ao público, livremente. O que acontece com que a olha ou a olhou? Primeiro: Não há nada de esnobe nela ( aparentemente ). Todos a acharão bonita, porque ela é bonita de fato e a beleza é universal e indiscutível ( voce pode a questionar, mas sua opinião é apenas uma questão de provocação ). Há uma imensa habilidade ali e ninguém poderá dizer " Eu faria isso também". Quem fez a obra é um indivíduo habilidoso, ele estudou e trabalhou muito para chegar a tal resultado. Segundo: Ela não dá margem ao esnobismo fácil da arte dita moderna. Apreciar o cavalo e o menino não "parece" exigir nada além de saber olhar. O padeiro e o garçon a apreciarão. ----------------- Mas é então que surge a verdadeira sofisticação: Ela exige nada além de olhar e no mundo de hoje, olhar é muito difícil. ---------------- Fomos educados a olhar julgando, olhar criando conceitos, olhar procurando mensagens ocultas. A arte grega foi feita para olhar olhando, olhar vendo, olhar usando os olhos e deixando o espírito gozar. A experiência é sensual. ------------ Por mais que Danilo tente, essa sensação é para ele impossível, pois ao olhar o cavalo e o menino ele não vê a pedra trabalhada, ele pensa na idade da obra, na história cultural, na filosofia de então, em seu olhar analítico. Danilo jamais verá a beleza pura da obra prima que tem diante de si, pois Danilo foi amestrado a não olhar, e sim a "criar sentido". Por mais bela que seja a obra, e ela me deixa encantado, Danilo pensa no que significa o belo. ----------------- Somos horrivelmente velhos. As pessoas tendem a dizer que nosso mundo é infantil, ele não é. Infantil era o mundo grego, vitalista, puro, ingênuo. Somos velhos que pensam como velhos e procuram prazeres de velhos. Não gozamos mais com nosso sentidos simples, pensamos no gozo. Estamos sempre lá e nunca aqui. Estamos sempre antes ou além e jamais agora. A arte de Danilo é arte de quem perdeu a fé na vida. A alegria em criar. O dom de sentir sem pensar. A arte de Danilo é a arte do asilo.
ASPECTOS DO MASCULINO - C.G. JUNG
Li este e o outro volume, o que fala sobre os aspectos femininos. Para mim não foi uma leitura muito instigante, isso porque os dois volumes são coletâneas editadas de Jung sobre o tema da força masculina e feminina no inconsciente. Anima, a força impessoal feminina que habita o inconsciente do homem, e o animus, equivalente da mulher, sendo essa uma força masculina. Grosso modo, é o lado mulher que habita a psique dos homens e o lado homem que vive na psique da mulher. Mas não vulgarize, meu lado feminino não é um eu travestido de mulher, nem mesmo é um eu mais sensível. A Anima não é uma pessoa, é, como o inconsciente, um espírito coletivo, comum a todos, puro instinto, puro hábito, pura força sem começo e sem fim. Anima que não fala, não se vê, que age como natureza, não humana e também super humana. É o desejo que sentimos pela MULHER, aquela imagem feminina que não tem rosto ou voz, a síntese de todas as mulheres e que é nenhuma sendo tudo. Procuramos em toda mulher essa MULHER e não a encontramos, pois ela vive dentro de nós mesmos, é a força que nos faz viver. Não é o que nos falta, pois ela é nós mesmos, mas é o que queremos encontrar. ------------------ Jung, como sempre faz, cita milhares de referências, filosofia hermética acima de tudo. Hermes-Mercúrio, como símblo de transformação, pois o encontro com a anima transforma o homem de dentro para fora. Jung enfatiza a necessidade desse encontro, do entrar dentro para poder haver a individuação, o encontro consigo mesmo que faz de um homem natural um homem ele-mesmo, um homem racional. Para isso é preciso criar uma ponte que faça o inconsciente ser entendido e assim reavivar toda a força da vida. ---------------- Pois vive no mais fundo caminho a força que criou vida e que existirá para sempre. Eis um tema junguiano: o inconsciente é a digital, eterma e imaterial, do criador, seja ele Deus, deuses ou o que for. O inconsciente é portanto imortal, pois ele existe em toda vida e a vida existirá após a minha ou a sua morte. Meu inconsciente, como minha anima, é igual a sua, pois ela é a sua. Apenas a sinto diferente de voce, pois é meu ego que a percebe ou a nega, e meu ego, que perecerá, sou eu e não voce. Minha história é meu ego, minha memória consciente é meu ego. O que não é ego é eterno, ou seja, a história da vida, a memória da vida, o tempo da vida. ---------------- Jung foi um suiço de língua alemã, portanto impregnado de filosofia alemã. Schopenhauer é uma influência imensa, como foi em Freud, mas Freud pega de Schopenhauer o conceito de Vontade como força que move a vida e o transforma em libido. Jung é mais sutil, ele mistura Kant e faz da vontade uma força inconsciente sem nome, uma espécie de vida surgida antes da vida, um imperativo. ----------------- Sempre bom o ler.
PSICOLOGIA E RELIGIÃO ORIENTAL - JUNG
Uma das coisas mais populares hoje no instagram é a série de vídeos onde se mostra a confecção da comida de rua na Ìndia. O objetivo é fazer rir com a sujeira, a inocência e a falta de noção do indiano. Montes de ervas, pós, ovos, leite, são misturados sem medida ou comedimento em imensas frigideiras ou caldeirões amassados. Tudo no chão, com as mãos, à vista da rua. O que o ocidental não consegue ver é a imensa confiança que há no processo. Não se pesa ou se mede o ingrediente porque se sabe que não importa como, a coisa ao fim dará certo. Não se cuida do visual pois se foca apenas no sabor. A higiene é insignificante, afinal, ninguém morreu por comer aquilo. Seu avô o prova. ( Nenhum indiano morreu ). Há imensa certeza naquela comida. -------------------------------- Jung disseca neste belo livro vários aspectos do oriente em comparação ao ocidente. O mais louvável é que ele não tece elogios exagerados ao oriente, ele diz que cada povo falha em algo e vence em outro fator. O ocidente optou pelo modo grego: observar com os olhos, medir, anotar, crer apenas no que pode ser descrito. A linguagem racional como único modo de entender e apreciar a vida. Somos aquilo que aprendemos e apreendemos. O que há dentro de nós VEIO DE FORA. ---------------- No modo oriental ( e não se engane, em 2023 eles copiam o ocidente, mas por debaixo da casca made in USA continuam os mesmos ), somos aquilo que nascemos sendo. O que há em nós NASCEU CONOSCO. A vida não se apreende, ela é aquilo que vive dentro de nosso espírito. O oriente é, portanto, introvertido, tudo vive dentro das coisas, o ocidente é extrovertido, a vida acontece lá fora. ----------------- Em religião, no ocidente, a salvação e a iluminação descem sobre nós. Deus, Ser externo, nos concede uma graça. No oriente a graça vem de dentro de voce mesmo. Deus mora dentro de cada um e de todos. Não pense que isso é tão simples. Para nós ocidentais, por mais que digamos que Deus é tudo, a certeza absoluta nos é impossível. Somos agnósticos sempre. ------------------- Um dos temas mais interessantes do livro é aquele que trata do LIVRO TIBETANO DOS MORTOS. É um texto obscuro que ensina ao monge aquilo que ele irá entoar ao corpo do recém morto. E o que é isso? Instruções de tudo aquilo que lhe irá acontecer nos 49 dias de existência na morte. ( 49 dias em tempo de outra realidade ). Jung se surpreende logo de cara: O que explica culturas tão distantes, o que explica Swedenborg, que jamais soube deste livro, também começar dizendo que "mortos não sabem que morreram" ? ---------------- A jornada é basicamente uma queda ao sofrimento. Para depois dessa "segunda morte" , vir afinal a reencarnação. A alma tem a chance de ascender à Luz, mas raramente isso ocorre. Uma das coisas mais surpreendentes é o momento da reentrada na vida. No ponto final da queda, a alma recorda do sexo e fica obcecada pela sexualidade. Procura então uma entrada para o sexo. Literalmente a alma caça um corpo a ser desejado. "Seduzida" pelo ato sexual que presencia, ela entra dentro da futura mãe, apaixonado por aquela mulher que copula. ----------------- Sim, pode ficar chocado. Jung se lembra de Freud aqui e diz que O LIVRO TIBETANO explica aquilo que Freud não quis explicar: o que vem antes da paixão do filho pela mãe e da filha pelo pai. ------------ É uma escolha. Vagando pela vida, a alma, desejando sexo, no ponto mais baixo de sua condição, penetra na futura mãe e se faz filho. --------------- Jung diz que o ocidental deveria ler o livro de traz para a frente: a história da vida começando no nascimento, e se dirigindo à morte. O LIVRO TIBETANO faz o caminho oposto, o início é o momento da morte, momento de luz e de transição sem dor, e o nascimento é o final, o desejo sexual puro e absoluto e a volta ao mundo da matéria em dor. ------------------- Me seduz uma mente tão inquisidora e insaciável como a de Jung. Intelectualmente ele não temia nada. É fácil rirmos dessa imagem de cópula e espíritos e filho e mãe. Somos ocidentais, zombamos de tudo que a ciência não chancela ou que um filósofo não elocubrou de modo lógico. Na crença nessa "jornada dos mortos", o tibetano não duvida, ele sabe. Se é verdade não faz a menor diferença. O que tem valor é a imensa margem espiritual que se abre, ao ocidental, ao se imaginar tal realidade. ----------------- Quando criança, cercado de japoneses, meu bairro era uma colônia nipônica, lembro que minha mãe dizia, não sei de onde ela soube isso, que o japonês chorava no nascimento e comemorava a morte. Sei hoje que não é bem assim. Mas o que importa é: de onde veio essa ideia? Nós, ocidentais, cremos realmente no mundo do além? Penso que o exagero, a inflação na cultura POP de fantasmas, bruxas, duendes, realidade paralela sci fi, física quântica simplificada, vampiros, mostra exatamente a falta de crença real e um desejo infantil e impotente de recuperar algo dessa fé perdida.
JUNG E O TARÔ - SALLIE NICHOLS
Não vou falar especificamente sobre o tarô, deixarei para outro post. O que prefiro dizer agora é o conceito de individuação de Jung, o modo como ele vê no tarô uma espécie de mapa de vida, uma trilha e bússola que nos auxilia no encontro de nosso EU. ---------------- EU que não deve ser confundido com Ego. Pois o Ego é algo que construímos na vida que vivemos, enquanto o Eu nasce conosco e permanece sendo ele mesmo ao infinito. O Ego é uma espécie de identidade, máscara, modo de agir, modo de ser e de sentir, algo portanto que se modifica com o tempo e o espaço, que evolui ou se encolhe. ================= O EU é o que é, e pouco importa nosso tempo ou o que fizemos, ele permanece, daí seu caráter de eternidade. pois ele não existe como algo que muda com o tempo ou que existe em certo lugar. O EU, ponto mais profundo da alma, ponto que não é ponto, pois ele se move em todo lugar e em lugar algum, é ele aquilo que nos traz paz, verdade, sossego, pois do encontro do Ego com o Eu surge a sua Individualidade. -------------------- Jung não nos ilude. Não há plano ou método para se encontrar esse Eu. O que faz a vida é a sua busca. Estamos aqui para isso, para tentar o encontrar. Estamos aqui para nos individualizar. Somos ùnicos, cada um de nós uma pessoa sem par, e o tarô exemplifica a busca, a procura e mais que isso, ele nos apresenta os personagens e as situações que vivemos em nosso íntimo. Do LOUCO, carta Zero, até a carta 25, as imagens nos mostram aquilo que enfrentamos, nossas mortes e nossas renascenças. ---------------------- Jung sabe que em mundo que cobra união, associação, todos juntos e iguais, a individuação se torna mais difícil. Ser alguém fora do grupo e fora do costume se faz ato de coragem e de estranheza, mas por outro lado, a recompensa é ainda maior. O mundo e a vida são atos de indivíduos solitários que influenciam o grupo dos não individuados. Sem a busca do EU não há ação significativa. Um mundo onde todos ficassem estáticos, conformados numa uniformidade banal, seria um mundo sem história. O sentido do tarô aponta sempre para a frente. E al fim há o Eu, o seu Eu. Único.
A DESTRUIÇÃO DO CÉREBRO HUMANO
Voces devem saber que tenho um relacionamento, longo, com uma mulher mais jovem que eu, de outra geração. Uma das diferenças que ela tem comigo é o ato do beijo. Ela não gosta, eu adoro. Para mim, o beijo é tão importante quanto o coito ( que palavrinha feia ). Para ela, beijar é perda de tempo, que se vá logo ao finalmente. Essa diferença era para mim uma particularidade dela, mas penso que mais que isso, é uma característica de toda uma geração. ------------------ Recebo ontem um texto onde se diz que na minha geração o tempo médio de atenção musical era de 30 segundos. Agora são 8. Músicas atuais, hits, não podem ter introdução e o refrão deve chegar em no máximo 5 segundos. Melhor ainda, muitas começam pelo refrão. Outras são apenas um refrão. O som deve ser próprio para fones, ou seja, hiper comprimido, e a música deve ter hooks, exigir a atenção a cada 4 segundos. É uma formula matemática e é assim que se compõe hoje. Pega-se esse molde e se coloca uma letra feita de sons e não de frases. ------------------- Comecei a ouvir rádio em 1974. Claro que ouvia antes, em 74 eu já tinha 12 anos, mas foi em 1974 que comecei a procurar o que ouvir. O grande hit de então era Don't Let The Sun go Down on Me, de Elton John. E penso em uma pessoa de 18 anos tentando escutar essa canção agora. Uma longa introdução de piano, dúzias de frases poéticas e só após um minuto e meio entrava o refrão. O ouvinte acostumado aos sucessos de 2023 deve ter a sensação de estar ouvindo algo tão exigente como Mahler ou Bruckner. Todos os sucessos de 74, de The Love I Lost à Sundown possuem belas introduções, um refrão longo e letras com narração. Cinco minutos de atenção. Era o que exigiam. ------------------ Um pensador brasileiro disse que para se ter a profunda experiência espiritual que a música erudita dá, é preciso se concentrar por todo o tempo que ela dura. Se voce se distrai ela se torna apenas um ruído a atrapalhar o ouvido. Eu sei disso porque na maioria das vezes eu me distraio após dez minutos de audição. Nas vezes em que consegui me manter atento, a experiência sempre foi muito significativa. ----------------- Creio não ser preciso que eu cite filmes e séries de TV como construções que hoje também usam uma fórmula matemática para conseguir obter sucesso. Estes dias eu assisti O Belo Brummel, um filme de 1952 que com seus diálogos longos e sua falta de ação física não conseguiria ser suportado por mais de dois minutos por alguém da geração 2023. --------------------- A mulher jovem com que me relaciono ainda consegue assistir um Hitchcock de 1955 e se sentir emocionada, ainda ouve um LP inteiro, adora ler um livro que não seja constituído apenas de ações chocantes ou frases "úteis", mas ela é diferente de mim, muito diferente. Sua atenção é flutuante e sua concentração inexiste. Suas habilidades são ligadas à velocidade. Seu mundo é feito de objetividade, uma objetividade que eu jamais tive. Por ser inteligente, ela ainda consegue acessar o lado humano de seu cérebro, e mesmo tendo sido treinada a não parar muito tempo em nada, ela tem uma sensibilidade que pede por profundidade e revelação. Muitos ainda são assim. Mas nossa humanidade está morrendo. --------------------------- O que diferencia o homem do bicho sempre foi o tempo. Nós lidamos com ele, o esticamos, o dominamos, o transformamos em ferramenta. Nossos beijos, bichos não beijam, eles cruzam, são a tentativa de prolongar o êxtase e nos concentramos em atos "inuteis" na tentativa de obter uma revelação. Um animal pode ficar horas concentrado a espera de uma presa, mas é apenas isso, por séculos e por toda uma população, todo urso fez e fará a mesma ação. E quando perdemos o dom de usar o tempo perdemos nossa particularidade. Voce deixa de beijar ao seu modo e passa a transar como em qualquer filme pornô. Voce não mais tira da audição de Pink Floyd ou The Band uma coisa só sua, mas passa a ter a mesma experiência, vazia, que todos têm ao ouvir o novo hit mundial da cantora POP de sempre. ---------------- É o espírito da manada, maldição anti individualista que faz com que conversar com João ou Pedro seja idêntico a conversar com Tiago ou Ivan. As mesmas crenças, os mesmos medos, os mesmos desejos. Não à toa a palavra "erotismo" é agora considerada de profundo mal gosto, coisa de velho gagá. O erótico traz ao jovem a ideia de coisa lenta, sem sal, absurda, broxante. Se os filmes mainstream não possuem nenhum erotismo hoje, isso se deve ao fato de que ninguém mais tem paciência para Eros, se querem excitação eles usam o mais hard pornográfico. E na pornografia, filosofia única do mundo de 2023, voce goza em dois minutos. Mais que isso "enjoa" e voce perde o tesão. Observe que no funk se fala em sentar, comer, foder, jamais se beija, se abraça, se deseja. Antes do desejo já se faz o final. ---------------- O futuro, ele será anti humano.
SOBRE O LUGAR DO TEMPO E OS TEMPOS DE CADA LUGAR
Pessoas idiotas vivem em um tempo. Pessoas um pouco menos idiotas vivem em dois. Quantos tempos há? Como saber se meu cérebro foi adaptado para viver, vigilante, atento, desperto, em um tempo apenas, para poder assim o tomar para si? Pessoas um pouco menos idiotas sentem e intuem o que estou dizendo. Um grande sábio conseguirá viver em três ou quatro tempos concomitantemente. Entenda, nada do que falo é a verdade, pois toda verdade do mundo é a verdade de um tempo, de um mundo e de um modo. Apenas. ------------- O mundo de 2023 nos mostra isso de forma simplória, porém clara. Dentro das redes sociais há um tempo e logicamente, um local. Nesse mundo tudo é sempre um começo, um postar eterno que nada deixa de rastro ou de duração. Nesse mundo, sem solidez nenhuma, não há passado porque nada apodrece e não há futuro porque nada almeja a permanecer. É como uma explosão que explode sem pavio e sem assentamento de poeira. É como um orgasmo que é um jorro sem gozo, sem antes e sem paz. Mas.... se desligamos a máquina e vamos à janela há ali, explícito, um outro tempo. Muito mais nosso, particular. Ele anda ao modo do coração que bombeia e tem a certeza da morte final. Nele chove, nele faz frio, nele tudo enferruja e nasce. Todos vivem nesses dois tempos, sabendo, bem ou mal, que eles existem e não se misturam. ????? Sim, não se misturam e isso engana muita gente. Eles não se misturam. --------------- Mas eu vejo outros mundos quando olho nos olhos do meu cão. E no mundo do meu cão não corre o meu tempo, é um outro. Assim como recordo que meu tempo aos 7 anos de idade não era este onde escrevo isto. Como Bergson dizia, há tempos que duram e outros apenas passam. Então, se eu abrir meus olhos em 1974, por exemplo, o que me chocará não são as roupas ou os carros. Será o tempo que lá corre e dura. As pessoas se moverão de outro modo e mesmo o som de suas vozes ecoa em outra velocidade. A luz que incide na rua ilumina de modo alternativo e os cheiros que chegam ao meu nariz não são os daqui e agora. Porque 1974 foi e é outro feixe de tempo. ---------------- Cada ato humano no tempo tenta vencer o próprio tempo onde se insere. E quanto mais atrelado ao aqui e agora mais rápido e sem substância esse tempo irá ser. Desse modo, o tempo da notícia, da política, da diversão barata, é um tempo que se esvai como pó. Já a música tem um tempo que é dela e só dela. Três minutos que parecem duas horas ou duas horas que voam como um segundo. As ações mais sábias brincam com o tempo e o dominam. O olhar que mira além daqui se livra do agora. Mas há mais... --------------- Quando este mês se desfaz em chuva ele nos convida a entrar em seu tempo. Mas voce foge desse convite e irritado liga o video game. Imediatamente voce entra em conflito com o tempo e se deixa alienar. Esse o veneno da tecnologia: ela nos dá a chance de fugir do tempo por todo o....tempo. E o convite do momento, que é sempre um chamado harmônico, é perdido. A pessoa se fecha no tempo digital e se exila de qualquer outro. De certo modo ela morre para os tempos possíveis. ------------ Muitas vezes confundimos o lugar que amamos com o tempo que amamos. Exemplo. Eu amo a Serra do Mar. Não há lugar no planeta mais belo. E entendo que aquilo que mais amo na Serra é o modo como o tempo lá dura. O pássaro que ergue voo e passa no céu dura mais que qualquer pássaro aqui. Cada gota de chuva lá escorre mais viscosa que toda gota daqui. A voz falada é mais redonda e quica nos ouvidos e o odor da comida permanece no nariz. A melancolia do fim de tarde é uma sinfonia e nunca simples canção e o sol passa desfilando como um leão cheio de preguiça. Não me leve na brincadeira, estou falando sério, o tempo em cada lugar é o tempo daquele lugar. Assim como existe gente que nos dá, sem saber como e sem querer o fazer, seu tempo. Ela espalha o tempo dela ao redor e esse dom é recolhido por aquele que está desperto. Artistas, professores e padres deveriam ter sempre esse dom. São raros os que o possuem. ( Não confunda com gente lenta ou gente histérica. Estou falando da qualidade, do valor do tempo. Uma pessoa acelerada esvazia o tempo e o deixa anônimo; uma pessoa lenta e plácida pode fazer do tempo um peso inútil. Eu falo do ambiente, do estar dentro do tempo e nunca falo do simples e banal velocímetro ). ---------------------- Porque estar aqui é estar no tempo e portanto o tempo é um aqui, um lugar.
OS HEMISFÉRIOS DO CÉREBRO, TEDDY PAEZ E STEELY DAN
Uma boa notícia: descobriram que a partir de certa idade, mais ou menos os 60 anos, os hemisférios cerebrais entram em comunhão. A fornteira entre eles se torna mais fraca e isso faz com que nosso lado intuitivo entre em comunicação com o lado racional. Há perda de memória e de agilidade, mas há, vejam que coisa!, aumento de criatividade. E, e agora vem o que aqui interessa, AUMENTO NA CAPACIDADE DE APRECIAÇÃO DA ARTE. Talvez esteja aqui a explicação do porque de gente com menos de 40 anos não apreciar Steely Dan. ---------------- Eu acho fantástico quando a ciência corrobora, após séculos de pesquisas, aquilo que a civilização já sabia, por costume, desde sempre. Antes da hiper valorização da juventude, via mercado, toda nação valorizava os velhos como repositórios de sabedoria. Um velho maestro, um velho escritor, um velho líder político eram vistos como um ser em seu apogeu. Em 2022, e desde pelo menos 1968, um cara com mais de 40 anos é um ser em decadência e com mais de 60 é um traste a atrapalhar a vida dos outros. Nunca foi assim. E será preciso a ciência para dizer o óbvio. --------------- Em 1977 havia uma loja, na época loja chique se chamava boutique, loja em francês, que ficava escondida no corredor mais estreito do velho shopping Iguatemi. Essa boutique se chamava Soft Machine e seu estilista era Teddy Paez. Paez era porto riquenho e vivia em New York, seu design vinha de lá. Os produtos, roupa masculina moderna, começara como um tipo de hippie chique. depois passara a ser discoteque exclusiva e a partir de 1979 seria new wave sóbria à NY. Eu tinha 15, 16 anos e minhas roupas eram de lá. Até hoje não encontrei jeans melhor. Caía feito uma luva e não era nem justo e nem largo. Camisas que pareciam militares, camisetas hiper coladas na pele, cintos fininhos de fivelas prateadas...qualquer coisa lá parecia moderna, ousada, diferente. E jamais exagerada. O local cheirava a tecido recém lavado e nas caixas tocava Steely Dan. ---------------- AJA não é o melhor LP deles mas é o mais conhecido. É de 1977. E tem o estilo do grupo ( grupo formado apenas por dois caras ) em seu modo mais jazzy. Voce sabe: um ano em estúdio para acabar o trabalho ( hoje se faz um disco em quanto tempo? Dez dias ? O som é perfeito, as composições sublimes, e é preciso ter alguma idade para perceber a profunda beleza daquilo tudo. Porque eles nunca apelam, não são dramáticos, não posam, não forçam. São músicos, são profissionais ao extremo. O que Donald Fagem queria era isso: que fosse perfeito. E perfeição é trabalho, muito trabalho. Os discos deles mostram trabalho, apuramento, resultados. Mas não esforço. Tudo parece fácil. E nada simples. ------------------ Eles unem dois hemisférios.
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