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NOITE EM VENEZA
Dinheiro e sexo. Quem conhece a Veneza do século XVIII sabe do que falo. Mesmo entre os pobres, a vida vista como um palco, e nesse palco, carnaval e jogo são a chance maior de atuar. Máscaras e capas. Decotes e vielas escuras. As sombras na água dos canais. Ecos de sapatos afivelados. O pênis sempre pronto para ser usado. Maquiagem e risos. E as igrejas. Casanova vaga em mesas de carteado. E Vivaldi, o padre rosso, compõe dividido entre sexo, dinheiro e vaidade. Ouvir Vivaldi é tentar sentir algo desse espírito. Óbvio que nunca iremos chegar nem perto daquilo que eles viveram. Nosso mundo desencarnado não poderia ser mais contrário àquele outro. Mas tentamos. Há na música de Vivaldi algo que promete e não cumpre. E essa decepção não se deve à música, mas sim ao que perdemos nesses séculos. O poder de se encantar e de viver irresponsávelmente. O que nos restou do banquete veneziano é a música, que é bela, superlativamente bela, mas é parte da coisa, não o todo. Ouço AS QUATRO ESTAÇÕES mais uma vez. Lorin Maazel rege os músicos de Paris. Instrumentação de época, cordas de tripa, estridentes, nada romanticas, ótimas! Já escutei mais de 5 versões dessa obra. Esta é das melhores. É agora minha favorita. Ouço Vivaldi desde meus 15 anos de idade. Foi esta obra que me adentrou à música clássica. Na verdade ela é a porta de entrada de quase todo mundo. É manjadíssima. Por isso dificil de ouvir com isenção. Pode parecer gasta. O primeiro movimento confirma isso, passa como rotina. Mas o resto, e principalmente o último movimento, ainda deliciam. Antonio Vivaldi era um padre sacana. Era alma de Veneza. Tanto quanto Casanova. A vida como um jogo, uma cama e um palco. Eis sua trilha sonora. Distribua as cartas. Blefe. E mantenha seu falo ereto.
CASANOVA, MUITO ALÉM DE UM GRANDE SEDUTOR - IAN KELLY
Ao final desta biografia, Ian Kelly diz que Casanova viveu na beira do abismo. Seu mundo morria ao mesmo tempo que sua vida se extinguia. Ele viveu, para Ian Kelly, em um dos raros momentos na história do ocidente, em que a alegria era maior que a tristeza. Nasceu no início dos anos 1700 e morreu nos últimos anos do século. A revolução francesa matou o universo que ele conheceu. O mundo de Casanova é irrecuperável. Para Ian Kelly, ótimo escritor, nosso momento histórico é muito parecido: o mundo que conhecemos termina aqui. E por incrível que pareça, iremos sentir saudades dos últimos 50 anos do século XX.
Casanova foi filho de pai e mãe atores venezianos. Nada nobre. Perdeu a virgindade com duas irmãs, aos 17 anos. Sua vida exemplifica o que havia de tão especial em seu tempo.
Ele jamais teve uma casa. Nem endereço. Bonito e curioso, aprendeu cinco línguas, travou contatos com as amantes dos nobres e através delas, penetrou nos meios mais seletos da Europa. Não havia fronteiras. Em todos os sentidos. Um homem culto podia e devia estudar física, poesia, música, química e história. Pessoas viajavam sem parar pelo continente. Casanova viveu em Dresden, Paris, Londres, São Petersburgo, Praga, Roma, Veneza, Madrid...Ficou milionário ao criar a loteria francesa ( Lotto ), perdeu tudo em jogo e amantes. Participou de duelos, foi estudioso da Cabala, alquimia, astrologia, numerologia. E escreveu uma auto biografia com 4000 páginas. Ian Kelly a considera uma obra-prima muito adiante de seu tempo. Casanova fala tudo: doenças venéreas, atos sexuais, comida, bebida, jogo, descreve as estradas, a vida dos reis, festas, condições das cidades, e principalmente, se auto analisa. As 4000 páginas foram escritas ao fim da vida e elas antecipam o método psicanálitico, pela primeira vez alguém escreve concientemente para vencer a depressão. Eu consegui achar um dos volumes, são 12, e achei a leitura uma delícia. Há prazer em viver em cada linha. Casanova foi feliz por toda a vida, apenas na velhice, impotente, doente, ele entristeceu e por isso, escreveu.
Teve convívio com Voltaire, Mozart, Rousseau, Catarina da Russia, Frederico da Prússia, Louis XV. Fez sexo com mulheres famosas e com empregadas de café. Amava comida, café e chocolate. Dominava a arte da conversa. Foi o molde do que seria o malandro, o safo, o esperto. Fugiu da prisão, foi famoso em todo o mundo,fez sexo a quatro, cometeu incesto, explorou mulheres mais velhas, usou homossexuais apaixonados, tudo sem a menor culpa. Como demonstram tantos romances da época, foi um tempo que conseguia unir a mais depravada vida sexual, com a mais contida etiqueta social. Fazer amor era uma arte para Casanova, e ao contrário de seus colegas de então, ele dizia só fazer sexo quando apaixonado. Casanova antecipou nisso o romantismo. Ele sofreu bastante por amor. Mas era por pouco tempo, ele logo partia para outra. Muitas outras!
Ian Kelly ama o personagem de seu livro. E consegue nos fazer ama-lo. Que mais pode se querer de uma biografia?
Ian
MEMÓRIAS DE GIACOMO CASANOVA
Divertido. Muito divertido. Casanova não tem sangue nobre, mas vive entre eles como um deles. Seu dinheiro vem de um benfeitor e do jogo. Pode-se dizer que Casanova é um jogador e portanto o amor é para ele uma questão de apostar e vencer.
Para quem tem por volta de 20 anos, é Casanova ainda sinônimo de conquistador? Para minha geração ele é um mito. Há quem ache que ele foi uma lenda, tão imaginário quanto Robin Hood ou Arthur. Mas ele foi real sim, um símbolo dos costumes do século XVIII. Veneziano, ele era mezzo iluminista mezzo monarquista. O centro de sua vida é a mulher e o modo como ele as seduz pode te chocar, mas pense bem...mudamos tanto assim?
O que há de mais chocante é o modo como Casanova trata algumas de suas conquistas. Para as mulheres pobres apenas sexo e desprezo, para as ricas, romance e depois a vida que segue. Dá incomodo forte uma história em que ele pouco se importa com uma possível gravidez. O filho, se vier, que seja dado ao asilo. Sinto asco, mas penso com lógica: Quantos homens ricos eu conheci que já namoraram ou tiveram algo com uma mulher da favela? O abismo de classe mudou? Onde? Quantos não tiveram uma noite de sexo em um baile e depois, por ela ser pobre, cortaram qualquer chance de futuro? Filho? Hoje não se usa o asilo, se paga um aborto e se esquece o caso. Sim meu caro, eu gosto de pensar que o homem não mudou tanto assim. Basicamente somos sempre o mesmo.
Choca também, mas isso eu já sabia, a liberalidade sexual do século de Casanova. Amantes emprestam amantes, namorados se excitam vendo sua amada transar com outro, lesbianismo como parte da educação sexual, freiras devassas, mocinhas de 15 anos espertas, masturbação. É um mundo sem escrúpulos sexuais, mundo que seria censurado, por pouco tempo, pela tal moral burguesa do século XIX. Não se engane leitor, toda pessoa que hoje prega a total liberação sexual é inconscientemente um saudosista. Ele tem a nostalgia do tempo de Casanova. Sexo anônimo em Veneza, entre mascarados, eis algo bem comum na época. Casanova chega a pedir que uma de suas amantes transe vestida de menino. Muito moderno esse italiano!
O livro que leio é apenas o volume dois de suas memórias. No total são cinco volumes grossos. Aqui ele tem entre 24-28 anos. Como toda a elite de então, ele é um homem da Europa. Está em casa na Russia ou na
Espanha, em Viena ou em Paris. Não há fronteiras, não há passaporte, não há patriotismo. Ele é súdito de Veneza porque ama a cidade e ama sua casa real. Apenas isso. Suas memórias são as histórias de alguém que viaja.
Romance? Sim, ele ama e sofre pelas mulheres. Mas nada dura muito. Seus casos mais longos vão do verão ao outono. O que o atrai numa mulher: a beleza. Casanova ama a beleza da mulher. Para ele, em todo
universo, nada se compara a uma bella donna. Mas o livro não é só isso, Casanova é digno de sua época, ele sabe um pouco de tudo. E curioso.
Delicioso.
GIACOMO CASANOVA ( E UM COMETÁRIO SOBRE O TRABALHO À MODA DE RUSSELL )
Vou negociar em um sebo. É uma das coisas que mais gosto de fazer. Com tempo livre hoje, vasculho o imenso sebo e acabo encontrando coisas realmente valiosas. Saibam então que conforme for lendo, logo livros interessantes serão aqui comentados. Já estou lendo as MEMÓRIAS DE CASANOVA. Comecei a lê-lo na cama e não consigo parar. Foram 70 páginas numa levada só.
Creio que infelizmente vocês não acharão essa obra com facilidade. A edição que adquiro é da editora José Olympo, de 1945. Capa dura e páginas escuras de tão velhas. Vejo ser o volume dois. Suas memórias são em cinco volumes. Mas não faz mal, as aventuras do famoso italiano podem ser lidas em qualquer ordem. Aqui tenho os anos de 1750-1760. Ele está em Paris, Dresden e Viena.
Casanova passou a posteridade como sinônimo de atleta sexual, e realmente ele vai à cama de muitas mulheres, casadas ou não, nobres e plebeias. Mas ele é muito mais que isso, ele é um curioso. Inteligente ao extremo, maravilhoso escritor, ele procura conhecer. se interessa por tudo, ele vive plenamente. O livro é acima de tudo um manual de como viver bem.
Os melhores intelectuais do século XX eram apaixonados pelo século XVIII. Não o seu final, a revolução, mas sim seus começos, a época do absolutismo e do iluminismo. Muita gente se diz iluminista sem fazer a menor ideia do que seja isso. Os mais idiotas pensam que significa ser ateu ou então vagamente anarquista. Nada mais absurdo! Voltaire acreditava em Deus mas odiava a igreja. Iluminismo é ser curioso. Esse o passo fundamental: desprezar dogmas em prol de saber mais. Casanova é assim. Ele escreve no fim do seu século, naquele estilo simples e direto de Voltaire, muitas coisas acontecem sem parar, e tudo que lhe importa é saber. Suas conquistas sexuais são simplesmente atos de curiosidade: como aquela mulher ama? Como é seu corpo?
Bertrand Russell disse que a guerra de secessão americana foi acima de tudo a luta entre puritanos do norte e aristocratas do sul. Lendo Casanova um aspecto nos choca: ninguém trabalha! Produzir alguma riqueza é ideia completamente distante. A fortuna vem às toneladas, gasta-se, e não se preocupa com isso. Com tempo livre, todo o tempo do mundo, os piores passam sua vida em fofocas e bebida, jogo e caça. Os melhores vivem adquirindo cultura. Eis Casanova. Para os puritanos ingleses, os mesmos que fizeram os EUA e venceram a guerra civil, nada é mais pecaminoso que a vagabundagem. Mesmo rico, um homem deve trabalhar. É ordem de Deus. Eis a filosofia americana. Observe que mesmo milionários de lá continuam indo ao escritório ou administrando fundações. O playboy ou o sheik árabe que vive só pelo lazer, lá são inimagináveis. Esse modo de viver, republicano, é a grande herança americana. É um país que odeia a nobreza. Não é o caso do Brasil. Nosso sonho é poder viver sem trabalhar. Bem...divago...divago como Casanova faz.
Escrevo mais sobre este delicioso livro em outro post.
Creio que infelizmente vocês não acharão essa obra com facilidade. A edição que adquiro é da editora José Olympo, de 1945. Capa dura e páginas escuras de tão velhas. Vejo ser o volume dois. Suas memórias são em cinco volumes. Mas não faz mal, as aventuras do famoso italiano podem ser lidas em qualquer ordem. Aqui tenho os anos de 1750-1760. Ele está em Paris, Dresden e Viena.
Casanova passou a posteridade como sinônimo de atleta sexual, e realmente ele vai à cama de muitas mulheres, casadas ou não, nobres e plebeias. Mas ele é muito mais que isso, ele é um curioso. Inteligente ao extremo, maravilhoso escritor, ele procura conhecer. se interessa por tudo, ele vive plenamente. O livro é acima de tudo um manual de como viver bem.
Os melhores intelectuais do século XX eram apaixonados pelo século XVIII. Não o seu final, a revolução, mas sim seus começos, a época do absolutismo e do iluminismo. Muita gente se diz iluminista sem fazer a menor ideia do que seja isso. Os mais idiotas pensam que significa ser ateu ou então vagamente anarquista. Nada mais absurdo! Voltaire acreditava em Deus mas odiava a igreja. Iluminismo é ser curioso. Esse o passo fundamental: desprezar dogmas em prol de saber mais. Casanova é assim. Ele escreve no fim do seu século, naquele estilo simples e direto de Voltaire, muitas coisas acontecem sem parar, e tudo que lhe importa é saber. Suas conquistas sexuais são simplesmente atos de curiosidade: como aquela mulher ama? Como é seu corpo?
Bertrand Russell disse que a guerra de secessão americana foi acima de tudo a luta entre puritanos do norte e aristocratas do sul. Lendo Casanova um aspecto nos choca: ninguém trabalha! Produzir alguma riqueza é ideia completamente distante. A fortuna vem às toneladas, gasta-se, e não se preocupa com isso. Com tempo livre, todo o tempo do mundo, os piores passam sua vida em fofocas e bebida, jogo e caça. Os melhores vivem adquirindo cultura. Eis Casanova. Para os puritanos ingleses, os mesmos que fizeram os EUA e venceram a guerra civil, nada é mais pecaminoso que a vagabundagem. Mesmo rico, um homem deve trabalhar. É ordem de Deus. Eis a filosofia americana. Observe que mesmo milionários de lá continuam indo ao escritório ou administrando fundações. O playboy ou o sheik árabe que vive só pelo lazer, lá são inimagináveis. Esse modo de viver, republicano, é a grande herança americana. É um país que odeia a nobreza. Não é o caso do Brasil. Nosso sonho é poder viver sem trabalhar. Bem...divago...divago como Casanova faz.
Escrevo mais sobre este delicioso livro em outro post.
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