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SOMOS BARROCOS SEM FÉ

Li dois livros sobre o Barroco, um de Tapies e outro de Bazin. A coisa é bacana e tem a ver com sua vida de hoje, então leia. ------------- A Renascença foi época de valorização da calma, da ordem, da coisa feita com pureza de linhas, limpeza. Apesar dos arroubos de Michelangelo, nada é tão definido assim, a renascença tinha a ambição de ser grega, racional. Então veio a reforma de Lutero bagunçar tudo e a igreja Católica lança a contra-reforma. Ora, protestantes limparam as igrejas de enfeites, de imagens. A relação do fiel com Deus era a mais austera possível. Nada de santos ou anjos. Era sua alma com Ele. A reação do papado foi aumentar a riqueza, impressionar fieis pela imagem, pela assomboza beleza do Divino. É claro que não é tão simples, mas basicamente foi isso. Foi nesse momento que se criou uma divisão de visões de mundo. O norte austero, dando ênfase ao trabalho, ao dever, à limpeza, a ordem. E o sul europeu entregue a inspiração, a riqueza, ao exagero, ao impulso instintivo. O mundo barroco é mundo de super população de imagens, de arabescos, de curvas e ondas, de movimento, principalmente movimento. ---------------- Não é difícil distinguir uma pintura ou uma escultura barroca de uma clássica ou renscentista. A imagem clássica está sempre parada, posando, sem ação. É o momento congelado que define uma obra. Já no barroco tudo é movimento. A escultura está se movendo, a pintura foi pega em meio a uma exaltação. Tudo não está prestes a acontecer, tudo está acontecendo. Por isso nosso mundo, de movimento de incessante, de exageros, de ruído está muito mais afinado com o barroco que com o mundo clássico. Posto duas obras primas do barroco e as duas têm o mesmo efeito. Em meio a tanta beleza seu ego como que se dissolve a voce entra em uma outra realidade. É a procura da epifania e do êxtase. Quanto ao valor da obra, ela nos humilha. A habilidade de fazer coisas assim foi perdida. Não tenho a menor dúvida de que o apogeu do gênio humano já passou. Os últimos 3 séculos são de longa agonia.

MICHELANGELO, UMA VIDA ÉPICA - MARTIN GAYFORD

   Torturas. Mais torturas. Guerras. Espanha contra Roma. Roma contra Firenze. Milano contra França. Firenze contra todos. Traições. O duque trai o Papa que trai o rei que trai o cardeal que trai o rei que é traído pelo Papa. Assassinatos. Pai envenenado pela esposa que é esfaqueada´pelo amante que é queimado pelo namorado. Sexo. Muito sexo. Homens velhos amam meninos. E nesse caldo de sangue, doenças, fedor, gozo, medo e fúria vive o gênio.
   Michelangelo não ligava para efeitos de luz. Nem para a natureza, a paisagem. Não pintava retratos. Ele só se interessava por homens nus. Religioso, quase puritano, ele via Deus na beleza. O corpo humano como a mais alta criação divina. E o corpo masculino como o reino da força, da nobreza, do caráter e da transcendência.
   Poeta. Michelangelo além de escultor, pintor e arquiteto foi poeta. Dos bons. E em seu trabalho se percebe que seu mundo não teve mulheres. Apenas Vittoria Colonna. Uma paixão intelectual. Ele amava com intensidade a jovens rapazes bonitos. Mas há a possibilidade de que tudo fosse platônico. Isso porque o gênio era além de católico temeroso, um platônico convicto. Para ele tudo aqui é imperfeição. Lembretes de um universo perfeito e divino que vive além.
  Ele era terrível. Amava a solidão, dado a fúrias, irredutível, perfeccionista, desconfiado, chorão radical, paranoico, descumpridor de custos e de prazos, mas jamais mentiroso. Tempo terrível esse em que ele viveu. De corpos dilacerados em praça pública. Religiosos belicosos, luxuriosos, ambiciosos. Tempo de bancos, de acordos secretos, de vaidade ao extremo.
  Nenhum artista foi tão rico, tão famoso, tão adulado, tão preocupado. Puritano que amava a nudez, amoroso e violento, dava fortunas a amigos e ao mesmo tempo, trilionário, vivia como pobre em mansão vazia de luxo. Esse foi Michelangelo, fascinante ser humano que Gayford descreve muito bem.
  Meu livro do verão.

La Pietà - Michelangelo Buonarroti



leia e escreva já!

MICHELANGELO by MARTIN GAYFORD

   Essa biografia de Michelangelo, lançada recentemente pela Cosac, tem um problema terrível! Ela nos causa uma horrível obsessão. Portanto, fujam dela! Como café, a beleza ou o banho frio, ela vicia. E muito!
   Eu não consigo parar de ler. Estou na metade e tenho de fazer força para lembrar de outras atividades. Escrevo isto na esperança de me libertar. ( Mas já sinto saudades do livro...)
  A escrita de Gayford é leve, agradável, e consegue ao mesmo tempo nunca parecer fútil ou superficial. Ele não doura, mas também seduz. Dá a justa medida do biografado. Não cai em erros que vemos em tantas bios: a de endeusar o homem o transformando num tipo de profeta inefável. ( Freud por Peter Gay é o exemplo pior. ) Michelangelo criou arte genial, mas nem sempre. Era um homem insuportável, mas nem tanto.
  Grosseiro, agressivo, pão duro, cheio de culpa. E ao mesmo tempo arrogante, vulnerável e generoso. Gayford não faz dele um mártir. Nunca. Faz dele um cara como eu e como você. Apenas com uma diferença, ele tinha um talento que ninguém nunca mais teve. E a teimosia de lutar para o expressar.
  Viveu muito. Numa época em que mesmo os ricos morriam aos 40 anos, ele viveu 90. E produziu até o fim. Nascido em família empobrecida, se via como um nobre caído ( não era ). Seu talento precoce o levou ao convívio com os poderosos. E lá virou uma celebridade.
  Firenze e Roma. O que mais seduz e vicia é o elenco do livro. Além de Michelangelo temos os Medici, vários Papas, Maquiavel, Bramante, Botticelli, Pico dela Mirandola, Ficino, e seu rival, Leonardo. Mais ainda: os Borgia, Rafael, Lippi, Julio...Foi o explendor máximo da alma humana, a hora da virada, da mudança, da descoberta, da confiança plena. ( Segundo Yeats o mundo vira a cada 500 anos. 1500 foi o mais recente auge. 2000 o ponto baixo. 2500 o próximo auge. )
  Um fato é que deverei mudar meu conceito sobre Beethoven. Foi Michelangelo o primeiro artista a não se submeter. Se Beethoven foi o primeiro a trabalhar para si mesmo, fazer só o que queria fazer, Michelangelo, apesar de trabalhar sob encomenda, fazia o acordado como queria e quando queria. Se quisesse.
  Em vida foi o homem mais famoso do mundo. E depois de morto nunca teve um só momento de ostracismo. Nossa cultura sempre foi, e até a invasão do Islã, sempre será guiada por sua concepção do que deve ser o corpo humano perfeito. Ele inventou aquilo que entendemos como "belo talhe". E mais ainda, deu aparência física a nossa ideia de heroísmo e de santidade. Criou sozinho os sonhos que nos encantam até hoje.
  Este livro é obrigatório. Se você quer diversão ele tem. História ele tem. E arte, muita arte.

FIRENZE E ROMA

   Tenho uma amiga que está cruzando a Itália. Ele me envia fotos de Roma e de Firenze. Nunca estive na Itália e olho as fotos.
   Ela sabe fotografar. E sabe escolher seus alvos. Olho as fotos de noite, dentro da escola onde trabalho, numa pausa. Há uma colega ao meu lado em outro computador. São nove horas da noite e faz calor. O ventilador está ligado.
   Uma sequência de fotos: túmulos. Dante. Machiavelli. Petrarca. Galileo. Michelangelo. ...alguma coisa acontece aqui.
   Desce sobre mim. Os pelos de meus braços se erguem. O calor me meu rosto aumenta. Fico vermelho. Uma onda de frio varre o lugar onde estou sentado. Meus olhos se arregalam. Meu coração NÃO dispara. Estou calmo. E ao mesmo tempo emocionado. Uma emoção que não acelera. Abraça. Tento me controlar mas logo desisto. A sensação é deliciosa. Sou tomado. A visão do mármore que envolve Michelangelo me dá um desmaio que não me apaga, antes me ergue.
  Continuo vendo as fotos nesse estado do sublime enlevo. Firenze se mostra e se abre para mim. Ela é fatal. Um pensamento: eu morreria em Firenze. E seria a mais bela morte. Pois eu renasceria em Firenze.
  Palavras a partir daqui não mais podem ser ditas.
  ...