Mostrando postagens com marcador tolstoi. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador tolstoi. Mostrar todas as postagens
DOSTOIEVSKI - NOITES BRANCAS
O filme de Visconti é lindo e não há como ler esta novela sem lembrar do rosto de Mastroianni. Nunca houve no cinema alguém que interpretasse um homem frágil de modo mais perfeito. Marcello conseguia ser vulnerável sem deixar de ser bonito, e sua triateza nunca era repgunante. Ele não apelava às lágrimas, era melancólico sem ser, nunca, fake. ----------------- Então leio Dostoievski, autor que amei aos 15 anos mas que desde os 30 eu não engulo. E logo lembro o porque.... Se Tolstoi é a voz do idealismo russo e Gogol da alma original do país, Dostoievski é o escritor que nos lembra da tristeza russa. E isso me dá desejos de matar o autor de Noites Brancas. Dostoievski dá sempre a impressão de estar escrevendo e chorando ao mesmo tempo. Tudo nele é fragilidade, dor, lágrima, falta de vontade, derrota. Eu sei que ele foi um gênio etc etc etc. Mas eu realmente o acho um mal. ----------------------- O que me dá pena, porque sempre leio Dostoievski querendo muito o amar. Foi um bom homem e no mundo de 2023 ele tem sido desvalorizado, isso porque ele acreditava em Deus. O mundo atual valoriza muito mais um autor russo semi esquecido que os mitos Tolstoi e Dostoievski. O mundo atual não suporta personalidades muito grandes, e mesmo que eu não suporte ler Dostoievski, é lógico que sinto o quanto ele era grande. ----------------------- Noites Brancas descreve um tímido romântico à perfeição. E é trágico o modo como ele, que é só bondade, se auto ilude. Para meu gosto pessoal, o autor estraga tudo por lamber as feridas do homem tímido. Ele sempre se comporta, Dostoievski, como um enfermeiro. O mundo era para ele um imenso hospital. Estou errado? Provável. Mas seria fácil eu tecer elogios ao humanismo de Dostoievski, sua sensibilidade, seu amor às pessoas. Mas não. O que vejo é um homem que sente pena de seus personagens. E isso me é insuportável. ------------------ Pois eu amo a fria narração de Henry James, a ausência de partido de Proust, a não simpatia de Nabokov. Todo texto de Dostoievski parece pedir por ser amado. Não, não amo não. É isso.
TOLSTOI, A BIOGRAFIA, ROSAMUND BARTLETT.
A Rússia não existe. Nem Europa, nem Ásia. A coisa mais sensacional deste ótimo livro é fazer nos sentir dentro da Rússia. E a Rússia não é fácil não! Coisas que só existiam no país. O SANTO-TOLO por exemplo. Pessoas que vagavam pela nação, mendigando, sendo recebidas como santos homens e como tolos ingênuos. Aristocratas culpados. Não havia no mundo aristocratas tão esbanjadores e cercados de luxo como os russos. E ao mesmo tempo, em nenhum outro país acontecia de tantos deles largarem tudo e se tornarem peregrinos pobres. Tolstoi viveu todos os meandros da alma russa. Foi a encarnação daquilo que o país pode ser e será. Penso agora se há na Inglaterra alguém que encarne e alma inglesa. Ou nos USA. Ou na França. Talvez Wagner seja a alma alemã. Mas não há um só artista ou filósofo que resuma em si a alma da França, da Inglaterra ou de qualquer outra nação. Tolstoi é a Russia. E isso é muito complicado.
O livro começa traçando as raízes da família aristocrata do autor. Pai e mãe têm origens nobres, a mãe com mais dinheiro, o pai com muito história. As primeiras 200 páginas do livro são sublimes. Tios e tias com vidas sensacionais. E alguma dolorosas. E então nasce Liev Tolstoi, em meio a muitos irmãos, parentes, servos, visitas, na imensa propriedade de Iasnaia Poliana. ( Servos eram parte de uma terra. Não podiam ser vendidos, portanto não eram escravos, mas eram parte das terras dos nobres, como eram as árvores e as casas ).
O jovem Tolstoi usou sexualmente as servas, se apaixonou, caçava, brigava muito, duelou, serviu na guerra. Foi um jovem inquieto, cheio de ideias, dúvidas e excesso de energia. Desde cedo tinha paixão por vida no mato, exercícios. Mas a guerra o mudou. A absurda guerra da Crimeia, a luta contra turcos e ingleses. A Russia era então um esbanjamento. Muito dinheiro usado para o luxo, muita repressão politica e a religião ortodoxa. Tolstoi seguiu a fé de seus pais, por algum tempo. Começa então a escrever em revistas, em jornais. Publica pequenas histórias e logo se torna o escritor mais famoso da Russia.
Faz amizade com Turgueniev, mas logo brigam. Nunca encontrará Dostoievski. Este admira Tolstoi, mas Liev o ignora. São opostos. Escrever Guerra e Paz é um prazer. Sonia, sua esposa de origem alemã, passa a limpo o texto. A obra estoura e vende muito. Pronto, ele é famoso. Mas existem os servos e Liev começa a mudar.
A obra de sua vida é fazer o bem aos pobres. Incrível como Tolstoi passa a desprezar sua vida de artista. Ele dá muito mais valor às cartilhas educacionais que redige e imprime que ao seu livro de sucesso. Tolstoi quer educar o povo russo e abre escolas, inventa métodos educacionais, percorre as aldeias. Começa a ser perseguido pelo estado.
Mas há a escrita. Ana Karienina é um martírio. Tolstoi escreve com dor, com desprazer, como obrigação. E o sucesso é mundial. Karienina se torna o romance mais famoso de seu tempo e Tolstoi o mais admirado dos autores. Mas ele continua a mudar.
Pensa na morte, entra em crise, cria uma religião. Lança textos e livros religiosos, traduz evangelhos do grego, faz palestras, funda o "tolstoismo". Eis a obra da sua vida.
Torna-se vegetariano, pacifista, influencia o jovem Ghandi. Comunas tolstoianas surgem nos Canadá, nos EUA, na Inglaterra. Ele prega o fim da propriedade privada, o sexo apenas como reprodução, o fim do estado, o trabalho como bem maior. Trabalhar com as mãos, comer o que se planta e seguir Jesus Cristo. Tolstoi é o guru da Russia e uma das pessoas mais famosas do planeta. E ao mesmo tempo passa a ser odiado pelos ortodoxos e pelo governo russo.
Ele se abstém de suas posses, se afasta da família. Vive em trapos, como um santo-tolo. Prega a paz e a resistência pacífica. Então vem a Primeira-Guerra, a revolução de 17 e o bolchevismo. Tolstoi é considerado o precursor de Lenin. Lenin o admira, mas Liev é contra o estado, o que cria uma rusga entre as duas filosofias. Tolstoi morre em 1910, numa estação de trem. Seu enterro é um evento mundial e sua casa centro de peregrinação. O livro segue sua esposa e seus filhos até os anos 30.
A vida de Tolstoi é o desconforto de um gênio com o mundo onde lhe coube nascer. Escrever era pouco para ele. O que ele desejava era mudar o mundo. Acabar com toda a violência. Trazer a verdade do cristianismo para o centro da politica. Dar comida e educação aos pobres. Dignidade a todos.
Em 2017 ainda matamos bichos para comer bife. Ainda fingimos não ver os rostos de esfomeados. Rezamos sem atentar para nossa mentira fundamental: somos violentos. Educamos sem salvar. Vivemos sem agir. E a Russia, terra que Tolstoi amava mais que tudo, ainda é esbanjamento e luxo.
Ler Anna Karienina foi um dos pontos fundamentais de minha vida.
O livro começa traçando as raízes da família aristocrata do autor. Pai e mãe têm origens nobres, a mãe com mais dinheiro, o pai com muito história. As primeiras 200 páginas do livro são sublimes. Tios e tias com vidas sensacionais. E alguma dolorosas. E então nasce Liev Tolstoi, em meio a muitos irmãos, parentes, servos, visitas, na imensa propriedade de Iasnaia Poliana. ( Servos eram parte de uma terra. Não podiam ser vendidos, portanto não eram escravos, mas eram parte das terras dos nobres, como eram as árvores e as casas ).
O jovem Tolstoi usou sexualmente as servas, se apaixonou, caçava, brigava muito, duelou, serviu na guerra. Foi um jovem inquieto, cheio de ideias, dúvidas e excesso de energia. Desde cedo tinha paixão por vida no mato, exercícios. Mas a guerra o mudou. A absurda guerra da Crimeia, a luta contra turcos e ingleses. A Russia era então um esbanjamento. Muito dinheiro usado para o luxo, muita repressão politica e a religião ortodoxa. Tolstoi seguiu a fé de seus pais, por algum tempo. Começa então a escrever em revistas, em jornais. Publica pequenas histórias e logo se torna o escritor mais famoso da Russia.
Faz amizade com Turgueniev, mas logo brigam. Nunca encontrará Dostoievski. Este admira Tolstoi, mas Liev o ignora. São opostos. Escrever Guerra e Paz é um prazer. Sonia, sua esposa de origem alemã, passa a limpo o texto. A obra estoura e vende muito. Pronto, ele é famoso. Mas existem os servos e Liev começa a mudar.
A obra de sua vida é fazer o bem aos pobres. Incrível como Tolstoi passa a desprezar sua vida de artista. Ele dá muito mais valor às cartilhas educacionais que redige e imprime que ao seu livro de sucesso. Tolstoi quer educar o povo russo e abre escolas, inventa métodos educacionais, percorre as aldeias. Começa a ser perseguido pelo estado.
Mas há a escrita. Ana Karienina é um martírio. Tolstoi escreve com dor, com desprazer, como obrigação. E o sucesso é mundial. Karienina se torna o romance mais famoso de seu tempo e Tolstoi o mais admirado dos autores. Mas ele continua a mudar.
Pensa na morte, entra em crise, cria uma religião. Lança textos e livros religiosos, traduz evangelhos do grego, faz palestras, funda o "tolstoismo". Eis a obra da sua vida.
Torna-se vegetariano, pacifista, influencia o jovem Ghandi. Comunas tolstoianas surgem nos Canadá, nos EUA, na Inglaterra. Ele prega o fim da propriedade privada, o sexo apenas como reprodução, o fim do estado, o trabalho como bem maior. Trabalhar com as mãos, comer o que se planta e seguir Jesus Cristo. Tolstoi é o guru da Russia e uma das pessoas mais famosas do planeta. E ao mesmo tempo passa a ser odiado pelos ortodoxos e pelo governo russo.
Ele se abstém de suas posses, se afasta da família. Vive em trapos, como um santo-tolo. Prega a paz e a resistência pacífica. Então vem a Primeira-Guerra, a revolução de 17 e o bolchevismo. Tolstoi é considerado o precursor de Lenin. Lenin o admira, mas Liev é contra o estado, o que cria uma rusga entre as duas filosofias. Tolstoi morre em 1910, numa estação de trem. Seu enterro é um evento mundial e sua casa centro de peregrinação. O livro segue sua esposa e seus filhos até os anos 30.
A vida de Tolstoi é o desconforto de um gênio com o mundo onde lhe coube nascer. Escrever era pouco para ele. O que ele desejava era mudar o mundo. Acabar com toda a violência. Trazer a verdade do cristianismo para o centro da politica. Dar comida e educação aos pobres. Dignidade a todos.
Em 2017 ainda matamos bichos para comer bife. Ainda fingimos não ver os rostos de esfomeados. Rezamos sem atentar para nossa mentira fundamental: somos violentos. Educamos sem salvar. Vivemos sem agir. E a Russia, terra que Tolstoi amava mais que tudo, ainda é esbanjamento e luxo.
Ler Anna Karienina foi um dos pontos fundamentais de minha vida.
O IDIOTA - DOSTOIÉVSKI
Conheço escritores e críticos literários que dizem que Dostoievski escreve mal. Que é o pior escritor dentre aqueles que são gigantes. Entenda, eles falam do modo como ele escreve, não falam de seus livros. Ao contrário de Flaubert ( de quem não gosto ), o russo é descuidado. Ele muitas vezes escolhe mal as palavras, repete termos, deixa a coisa se expandir, corta pouco ou corta mal, se embaralha. Para alguém que ama o texto exato, preciso, perfeito, essa característica incomoda. Dostoievski não tem amor pela palavra, ele ama a mensagem. E ainda há mais um defeito...
Por ser tão solto, descuidado, impetuoso, seu texto tem personagens sem grande lógica. Eles são profundos, mas inconstantes até o nível do inverossímil. Esse defeito, que pode não ser um defeito, irá incomodar aqueles que acham a vida real previsível. Para os que pensam ser a vida uma tempestade sem lógica e sem rumo, esse defeito pode agradar. Para eles não é um defeito, é uma psicologia nova.
Bem, estou aqui para dar uma opinião e eu penso que sua psicologia é a psicologia de Dostoievski e isso me incomoda. Eu sei que todo autor escreve a partir de sua cabeça, e que é humanamente impossível não construir alguma coisa que não seja seu espelho. Mas o melhor artista consegue disfarçar isso. O grande escritor consegue criar personagens contrários ao que ele é e parecer crível fazendo isso. O grande artista olha o mundo fora de si e percebe um pouco o que esse mundo é. Ele deixa o Eu de lado e luta para alcançar o OUTRO. Aquele e aquilo que está fora.
Muito da literatura, desde Montaigne, o grande ego, se aplica em dissecar sua própria alma. Escritores que olham o umbigo, o quarto, a fé, sempre DE SI MESMO, DE DENTRO PARA DENTRO. Hoje 90% dos autores não conseguem escrever nada que não seja espelho. Falam de seu passado, de gente que conhece, de bairros onde viveu. Não imaginam, não criam, não inventam. Apenas examinam.
Dostoievski sabe criar. Mas é sempre auto referente. Todos os personagens são Dostoievski. Ou são amigos próximos de Dostoievski. E as situações são dramas vividos por Dostoievski. E quando ele cria uma surpresa, que pena, ela sempre parece artificial. Ele é imensamente melhor que autores como Gide, Sartre ou Lawrence, todos tão auto-referentes como ele é. Mas eu o culpo pela pior literatura que existe. A literatura que confunde criatividade com confissão.
Para mim ler Dostoievski é duro. Fiz isso por amizade. É duro porque ele escreve como eu escrevo. ( Falo de estilo natural. É óbvio que sou ruim ). Ele escreve aos borbotões, em um tipo de febre sentimental, sem muito cuidado, sem muita delicadeza. E eu adoro autores que fazem aquilo que eu jamais conseguiria nem mesmo tentar fazer. Os escritores que corrigem, que pensam muito antes de escrever, que planificam, que sabem usar a frase perfeita, que criam a situação imaginativa e ao mesmo tempo convincente, que ficam páginas e páginas descrevendo um rosto, um sentimento, um pensamento. Os autores lógicos, falsamente frios, mestres em frases e parágrafos. Tudo aquilo que Dostoievski não é. O desinteresse pelo mundo de fora é tão grande em Dostoievski, que ele mal descreve uma sala, uma rua ou uma roupa. E quando o faz, faz com pressa.
Bem, voce agora deve estar pensando: " Que idiota! Esse cara odeia um gênio universal! " Mas saiba que eu gostei do livro. É divertido. E, isso deve ser um defeito meu, engraçado. Não consegui levar um só personagem a sério. Todos me pareceram personagens de farsa teatral. Aliás, imaginei todo o romance como uma peça de teatro. Burlesco. Quase um Gogol. Um carnaval dramático.
Tolstoi e Dostoievski são o Fla Flu das letras russas. Tudo o que disse sobre Fiodor não se aplica a Liev. Inclusive no fato de que Tolstoi é horrivelmente sem humor, mesmo involuntário. Cada frase de Tolstoi parece esculpida em mármore. Lhe falta o descuido de Fiodor.
Por fim saúdo o quanto é maravilhoso poder ler um grande romance da era de ouro do romance. Entre 1750-1930 tivemos uma avalanche de grandes, vastos, belos, eternos romances. Cheios de personagens, de criação, de delicadezas, de vida. E Dostoievski tem vida, muita vida. E disso não podemos reclamar.
Por ser tão solto, descuidado, impetuoso, seu texto tem personagens sem grande lógica. Eles são profundos, mas inconstantes até o nível do inverossímil. Esse defeito, que pode não ser um defeito, irá incomodar aqueles que acham a vida real previsível. Para os que pensam ser a vida uma tempestade sem lógica e sem rumo, esse defeito pode agradar. Para eles não é um defeito, é uma psicologia nova.
Bem, estou aqui para dar uma opinião e eu penso que sua psicologia é a psicologia de Dostoievski e isso me incomoda. Eu sei que todo autor escreve a partir de sua cabeça, e que é humanamente impossível não construir alguma coisa que não seja seu espelho. Mas o melhor artista consegue disfarçar isso. O grande escritor consegue criar personagens contrários ao que ele é e parecer crível fazendo isso. O grande artista olha o mundo fora de si e percebe um pouco o que esse mundo é. Ele deixa o Eu de lado e luta para alcançar o OUTRO. Aquele e aquilo que está fora.
Muito da literatura, desde Montaigne, o grande ego, se aplica em dissecar sua própria alma. Escritores que olham o umbigo, o quarto, a fé, sempre DE SI MESMO, DE DENTRO PARA DENTRO. Hoje 90% dos autores não conseguem escrever nada que não seja espelho. Falam de seu passado, de gente que conhece, de bairros onde viveu. Não imaginam, não criam, não inventam. Apenas examinam.
Dostoievski sabe criar. Mas é sempre auto referente. Todos os personagens são Dostoievski. Ou são amigos próximos de Dostoievski. E as situações são dramas vividos por Dostoievski. E quando ele cria uma surpresa, que pena, ela sempre parece artificial. Ele é imensamente melhor que autores como Gide, Sartre ou Lawrence, todos tão auto-referentes como ele é. Mas eu o culpo pela pior literatura que existe. A literatura que confunde criatividade com confissão.
Para mim ler Dostoievski é duro. Fiz isso por amizade. É duro porque ele escreve como eu escrevo. ( Falo de estilo natural. É óbvio que sou ruim ). Ele escreve aos borbotões, em um tipo de febre sentimental, sem muito cuidado, sem muita delicadeza. E eu adoro autores que fazem aquilo que eu jamais conseguiria nem mesmo tentar fazer. Os escritores que corrigem, que pensam muito antes de escrever, que planificam, que sabem usar a frase perfeita, que criam a situação imaginativa e ao mesmo tempo convincente, que ficam páginas e páginas descrevendo um rosto, um sentimento, um pensamento. Os autores lógicos, falsamente frios, mestres em frases e parágrafos. Tudo aquilo que Dostoievski não é. O desinteresse pelo mundo de fora é tão grande em Dostoievski, que ele mal descreve uma sala, uma rua ou uma roupa. E quando o faz, faz com pressa.
Bem, voce agora deve estar pensando: " Que idiota! Esse cara odeia um gênio universal! " Mas saiba que eu gostei do livro. É divertido. E, isso deve ser um defeito meu, engraçado. Não consegui levar um só personagem a sério. Todos me pareceram personagens de farsa teatral. Aliás, imaginei todo o romance como uma peça de teatro. Burlesco. Quase um Gogol. Um carnaval dramático.
Tolstoi e Dostoievski são o Fla Flu das letras russas. Tudo o que disse sobre Fiodor não se aplica a Liev. Inclusive no fato de que Tolstoi é horrivelmente sem humor, mesmo involuntário. Cada frase de Tolstoi parece esculpida em mármore. Lhe falta o descuido de Fiodor.
Por fim saúdo o quanto é maravilhoso poder ler um grande romance da era de ouro do romance. Entre 1750-1930 tivemos uma avalanche de grandes, vastos, belos, eternos romances. Cheios de personagens, de criação, de delicadezas, de vida. E Dostoievski tem vida, muita vida. E disso não podemos reclamar.
PADRE SÉRGIO- TOLSTOI
Esta novela de Tolstoi, apenas 70 páginas, foi chamada de patética, fraca, errada, durante décadas. Começou a ser reabilitada no fim do século XX e hoje é chamada de obra-prima. Claro que não é. As melhores novelas de Tolstoi estão muita à frente deste Padre Sérgio. Na verdade ela é uma peça de propaganda religiosa. Uma parábola. E lembra bastante os contos diretos e filosóficos de Voltaire.
Um nobre é humilhado por um rival. Se isola do mundo em uma caverna. É tentado por uma mulher fútil. Ao resistir à ela, faz com que essa mulher, arrependida, se torne freira. Sua fama se espalha. Cura doentes. Uma segunda mulher surge. E à essa ele não resiste. Cheio de culpa, foge outra vez. Vai visitar uma velha amiga. E lá ele tem uma revelação. Esse é o enredo. Tolstoi conta tudo isso de um modo que muito agradava Heminguay, direto, objetivo, seco, simples até o osso, sem firulas. Parece fácil escrever assim, puro engano. Escrever muito, descrever demais, isso é fácil, conseguir contar de modo limpo e claro, sem perder o encanto e o estilo, isso é bastante árduo. Requer exercício, prática.
O sentido de Padre Sérgio é transparente. Toda sua fé é baseada na vaidade. Por mais que ele tente, ele nunca se livra do orgulho de ser um religioso. Todo seu ato parece ter uma platéia, Deus. Quando ele encontra sua velha amiga, mulher atarefada, que sustenta sozinha várias pessoas, ele percebe ser esse o sentido da vida. Ela diz que se acha uma pessoa má, e que Sérgio complica tudo. São essas duas frases que resumem o livro. Sérgio se acha bom, amante de Deus, e isso é vaidade. Posso dizer que ele não sai de seu mundinho regido pelo eu. A amiga faz o bem todo o tempo, quando pensa em si mesma é para se condenar e acha estar longe de Deus. Essa é a verdadeira religiosa.
Tolstoi ao fim da vida fundou uma seita cristã que pregava o fim de toda violência e o fim da igreja. Ele queria o cristianismo de Cristo, sem a carga de teoria e de cerimônias criadas pelos homens. Todos movidos pela ambição e pela vaidade. Gandhi bebeu nessa fonte tolstoiana.
Este livro foi filmado no final dos anos 80 pelos irmãos Taviani. Um belo filme. Mas a novela é bem diferente. No filme o padre é quase um santo ingênuo. Aqui ele é um perdido. No momento em que ele perde a fé ele começa o longo processo de encontro com Deus.
Um passarinho o encontra. Um besouro tromba com seu corpo. Sérgio entende a mensagem.
Um nobre é humilhado por um rival. Se isola do mundo em uma caverna. É tentado por uma mulher fútil. Ao resistir à ela, faz com que essa mulher, arrependida, se torne freira. Sua fama se espalha. Cura doentes. Uma segunda mulher surge. E à essa ele não resiste. Cheio de culpa, foge outra vez. Vai visitar uma velha amiga. E lá ele tem uma revelação. Esse é o enredo. Tolstoi conta tudo isso de um modo que muito agradava Heminguay, direto, objetivo, seco, simples até o osso, sem firulas. Parece fácil escrever assim, puro engano. Escrever muito, descrever demais, isso é fácil, conseguir contar de modo limpo e claro, sem perder o encanto e o estilo, isso é bastante árduo. Requer exercício, prática.
O sentido de Padre Sérgio é transparente. Toda sua fé é baseada na vaidade. Por mais que ele tente, ele nunca se livra do orgulho de ser um religioso. Todo seu ato parece ter uma platéia, Deus. Quando ele encontra sua velha amiga, mulher atarefada, que sustenta sozinha várias pessoas, ele percebe ser esse o sentido da vida. Ela diz que se acha uma pessoa má, e que Sérgio complica tudo. São essas duas frases que resumem o livro. Sérgio se acha bom, amante de Deus, e isso é vaidade. Posso dizer que ele não sai de seu mundinho regido pelo eu. A amiga faz o bem todo o tempo, quando pensa em si mesma é para se condenar e acha estar longe de Deus. Essa é a verdadeira religiosa.
Tolstoi ao fim da vida fundou uma seita cristã que pregava o fim de toda violência e o fim da igreja. Ele queria o cristianismo de Cristo, sem a carga de teoria e de cerimônias criadas pelos homens. Todos movidos pela ambição e pela vaidade. Gandhi bebeu nessa fonte tolstoiana.
Este livro foi filmado no final dos anos 80 pelos irmãos Taviani. Um belo filme. Mas a novela é bem diferente. No filme o padre é quase um santo ingênuo. Aqui ele é um perdido. No momento em que ele perde a fé ele começa o longo processo de encontro com Deus.
Um passarinho o encontra. Um besouro tromba com seu corpo. Sérgio entende a mensagem.
OS ÚLTIMOS DIAS- TOLSTOI
Jay Parini fez a seleção destes textos finais de Tolstoi. Tendo largado sua vida passada, o mestre russo fala sobre Deus, ecologia, politica, arte. Sobre a arte ele é um anti-Oscar Wilde. Arte para ele, deve ser verdadeira e útil. O artista só produz algo que valha a pena quando joga sobre seu trabalho toda sua experiência de vida, suas crenças, sua certeza. Tolstoi também advoga que a arte tem de possuir moral, mensagem, utilidade. A arte verdadeira ensina como ser melhor. Estranho isso. Não é essa a fé de nossa época? Se olharmos os filmes que ganham prêmios, os cantores que arrastam fãs, os livros mais lidos, todos possuem essa coisa séria, essa coisa de verdade crua, esse compromisso moral ( mesmo que seja anti-moralista ).
Tolstoi em politica é um socialista puro. E um pacifista radical. Sua reportagem sobre um atentado anarquista, que matou o rei da Itália em 1900, é brilhante. Tolstoi descrê de todo bem obtido sem trabalho. E é em ecologia que ele se mostra mais moderno. Vegetariano, ele descreve uma visita a um matadouro que dá ansia de vômito. Conta, com força, a hipocrisia dos homens sensíveis que se alimentam do produto da violência, da morte, do horror. Como avestruzes, eles acham que por não ver não existe o matadouro. O homem há muito, com sua razão, deveria ter superado a barbárie da carne.
Sobre Deus são os textos mais fracos. Tolstoi é um cristão sem igreja. Ele crê no Cristo da bondade. A regra é simples, faça aos outros o que farias com voce mesmo. Achei os textos fracos por sua simplicidade e por repetirem aquilo que já sei e que aceito.
O que não acontece com o mais fascinante dos textos, aquele que chama Shakespeare de fraude. Para Tolstoi, Shakespeare é um escritor ruim, muito ruim. Fraco em trama, fraco em criação de personagens e pior em linguagem. Ele discorre sobre Lear, demonstrando como ele é absurdo, tolo, mal escrito...
Eu já sabia que o russo era um critico ao inglês. Mas nunca pensei que tão radical ! Para ele, gostamos de Shakespeare por costume. Não o lemos de verdade. Ele é fraco, um mal autor. Um lobby de atores, que amam suas looooooongas falas, é que o mantém em evidência. Não concordo. Mas acho os argumentos de Tolstoi intrigantes.
Lançado pela Penguin, vale conhecer.
Tolstoi em politica é um socialista puro. E um pacifista radical. Sua reportagem sobre um atentado anarquista, que matou o rei da Itália em 1900, é brilhante. Tolstoi descrê de todo bem obtido sem trabalho. E é em ecologia que ele se mostra mais moderno. Vegetariano, ele descreve uma visita a um matadouro que dá ansia de vômito. Conta, com força, a hipocrisia dos homens sensíveis que se alimentam do produto da violência, da morte, do horror. Como avestruzes, eles acham que por não ver não existe o matadouro. O homem há muito, com sua razão, deveria ter superado a barbárie da carne.
Sobre Deus são os textos mais fracos. Tolstoi é um cristão sem igreja. Ele crê no Cristo da bondade. A regra é simples, faça aos outros o que farias com voce mesmo. Achei os textos fracos por sua simplicidade e por repetirem aquilo que já sei e que aceito.
O que não acontece com o mais fascinante dos textos, aquele que chama Shakespeare de fraude. Para Tolstoi, Shakespeare é um escritor ruim, muito ruim. Fraco em trama, fraco em criação de personagens e pior em linguagem. Ele discorre sobre Lear, demonstrando como ele é absurdo, tolo, mal escrito...
Eu já sabia que o russo era um critico ao inglês. Mas nunca pensei que tão radical ! Para ele, gostamos de Shakespeare por costume. Não o lemos de verdade. Ele é fraco, um mal autor. Um lobby de atores, que amam suas looooooongas falas, é que o mantém em evidência. Não concordo. Mas acho os argumentos de Tolstoi intrigantes.
Lançado pela Penguin, vale conhecer.
TOLSTOI E JANE AUSTEN, O ENCANTO DO REAL E A SEDUÇÃO DO EXAGERO
O romantismo vai a falência porque ele se torna fraqueza e não mais sinal de força. A natural tendência humana a facilidade transforma o que era coragem em acomodação e o desafio vira preguiça. O pensamento burguês vence. O homem é uma fera, egoísta e individualista, no mundo é cada um por si. O artista diante desse fato ( ele não tem mais ânimo para ir contra o senso comum, que no capitalismo se torna a fé no individualismo e na disputa ), abre mão do desejo pela beleza via erotismo. O que ele faz? Aceita esse mundo material e entra numa triste competição. A arte do século XX passa a ser uma corrida pelo feio. Quanto mais feia e terrível a obra for mais verdadeira ela é. A vida, vista como mera mercadoria, portanto futil e sem grande valor, passa a ser um pesadelo. O sexo é mero gozo sem transcendência e a literatura um coro de ressentidos. A arte é um retrato de uma vida que vale quase nada. A criatividade só é válida se criar pesadelos.
Allan Bloom tece esse retrato após analisar Tolstoi e Austen a luz de Eros. Ele demonstra o lado mais problemático de Tolstoi. Começa dizendo que sua geração viu Tolstoi como o guia para a vida. ( Bloom nasceu em 1930 ). Mas relendo Anna Karenina, 35 anos depois, ele percebe que o livro mais que um romance é uma pregação sem fim. Tolstoi prega Rousseau. Tenta unir a familia oa erotismo, critica a Rússia européia modernizada à força e elogia a Rússia camponesa, eslava, simples, pura, natural. É o mesmo discurso de Putin. Tolstoi não morreu.
Anna morre porque ela representa a Rússia que acreditou na Europa e Lievin sobrevive por ser o bom russo, o homem rico que descobre a sabedoria do povo. Lievin é Tolstoi. A grandeza do romance reside no fato de que Tolstoi se trai, se apaixona por Anna e acaba fazendo dela uma força irresistível. Ela engole o livro. Anna Karenina é uma enciclopédia sobre todo o mundo, sobre toda a vida e sobre a falência do romantismo. Ao contrário de Stendhal, que em nada acreditava, Tolstoi crê no Deus da natureza, o Deus da reprodução. Todo o livro é construído para enaltecer Lievin, mas acaba sendo de Anna.
Jane Austen nada tem dos exageros de Tolstoi e nem da ambição de Stendhal. Ela aceita a vida como ela é. E por isso, apesar de ser a mais antiga dos quatro gigantes ( Stendhal, Flaubert e Tolstoi ), ela é a mais próxima da nossa vida de hoje. Irônica, ela acena sempre com a sabedoria de quem enxerga todo o ridiculo da vida, mas ela compreende que instituições são necessárias para a vida. Ela sabe que Eros é indomável, mas que ele deve ter um canal por onde fluir e esse canal se chama compromisso. Os casais se analisam, testam, pesam, pensam e aceitam ou não. Familia e dinheiro é o que os move. Austen evita tocar em politica e em igreja, eles são fatos estabelecidos. Inglesa ao extremo, ela é prática. Seu mundo é aquele em que ninguém é herói e ninguém é muito mal. As pessoas têm limites claros. Eros acaba sendo a força que lhes salva do tédio e do vicio.
Burguesa? Não porque Austen se coloca fora desse mundo. Suas heroínas são sempre inconformistas, mas lidam com a vida como ela é e não como querem que ela seja. Não sonham, se viram. Esse o segredo do encanto de Austen.
Allan Bloom tece esse retrato após analisar Tolstoi e Austen a luz de Eros. Ele demonstra o lado mais problemático de Tolstoi. Começa dizendo que sua geração viu Tolstoi como o guia para a vida. ( Bloom nasceu em 1930 ). Mas relendo Anna Karenina, 35 anos depois, ele percebe que o livro mais que um romance é uma pregação sem fim. Tolstoi prega Rousseau. Tenta unir a familia oa erotismo, critica a Rússia européia modernizada à força e elogia a Rússia camponesa, eslava, simples, pura, natural. É o mesmo discurso de Putin. Tolstoi não morreu.
Anna morre porque ela representa a Rússia que acreditou na Europa e Lievin sobrevive por ser o bom russo, o homem rico que descobre a sabedoria do povo. Lievin é Tolstoi. A grandeza do romance reside no fato de que Tolstoi se trai, se apaixona por Anna e acaba fazendo dela uma força irresistível. Ela engole o livro. Anna Karenina é uma enciclopédia sobre todo o mundo, sobre toda a vida e sobre a falência do romantismo. Ao contrário de Stendhal, que em nada acreditava, Tolstoi crê no Deus da natureza, o Deus da reprodução. Todo o livro é construído para enaltecer Lievin, mas acaba sendo de Anna.
Jane Austen nada tem dos exageros de Tolstoi e nem da ambição de Stendhal. Ela aceita a vida como ela é. E por isso, apesar de ser a mais antiga dos quatro gigantes ( Stendhal, Flaubert e Tolstoi ), ela é a mais próxima da nossa vida de hoje. Irônica, ela acena sempre com a sabedoria de quem enxerga todo o ridiculo da vida, mas ela compreende que instituições são necessárias para a vida. Ela sabe que Eros é indomável, mas que ele deve ter um canal por onde fluir e esse canal se chama compromisso. Os casais se analisam, testam, pesam, pensam e aceitam ou não. Familia e dinheiro é o que os move. Austen evita tocar em politica e em igreja, eles são fatos estabelecidos. Inglesa ao extremo, ela é prática. Seu mundo é aquele em que ninguém é herói e ninguém é muito mal. As pessoas têm limites claros. Eros acaba sendo a força que lhes salva do tédio e do vicio.
Burguesa? Não porque Austen se coloca fora desse mundo. Suas heroínas são sempre inconformistas, mas lidam com a vida como ela é e não como querem que ela seja. Não sonham, se viram. Esse o segredo do encanto de Austen.
SONATA KREUTZER- TOLSTOI
Pessoas viajam num trem. Uma delas começa a perder o controle. Depois que os outros descem, ela conta sua história. É um assassino. Matou sua esposa e foi absolvido. A novela é terrível !
Terrível porque entramos na cabeça de um sofredor, sofredor nada simpático, uma pessoa que nos repugna. Mas o mais chocante é sua clareza, sua inteligência. Ele conta seu modo de ver a vida, o modo certo. O amor não existe, ele é apenas sexo. As pessoas fingem não perceber, mas todo mundo está o tempo todo flertando. Os homens agem como libertinos e as mulheres como putas. A vida se transformou num bordel, mas é ainda pior. O sexo é sempre ruim, e todos fingem que é o máximo. Sexo se tornou uma obrigação, uma conta a ser paga. Pessoas virgens têm vergonha de serem puras, o que é um absurdo! A pureza é que pode conhecer o amor, a partir do momento em que voce conhece o sexo, o amor se torna impossível.
E o assassino vai nesse ritmo, coerente apesar de chocante, corajoso. E o leitor quase entra nessa armadilha, quase lhe dá razão. Mas...Segue-se a descrição do crime, o inferno no casamento, o ciúmes que ele sentia, os filhos...E voce percebe então que o que Tolstoi está demonstrando não é o erro do século em matéria de materialismo, não é o tédio e o ódio entre casais, mas sim o modo engenhoso como nossa mente cria toda uma filosofia, todo um emaranhado de sutis razões para justificar um crime. Tudo aquilo que ele expôs, toda aquela maneira de ver as relações, nada mais é que um modo de se justificar perante nós e perante si-mesmo. Percebemos que assim funciona o mundo. O que antes era errado se torna o certo, o mal vira bem, o bem se faz um mal, tudo de acordo com o interesse do momento, e esse interesse é a absolvição de um ato violento, de um crime.
Desagradável. E soberbo.
Terrível porque entramos na cabeça de um sofredor, sofredor nada simpático, uma pessoa que nos repugna. Mas o mais chocante é sua clareza, sua inteligência. Ele conta seu modo de ver a vida, o modo certo. O amor não existe, ele é apenas sexo. As pessoas fingem não perceber, mas todo mundo está o tempo todo flertando. Os homens agem como libertinos e as mulheres como putas. A vida se transformou num bordel, mas é ainda pior. O sexo é sempre ruim, e todos fingem que é o máximo. Sexo se tornou uma obrigação, uma conta a ser paga. Pessoas virgens têm vergonha de serem puras, o que é um absurdo! A pureza é que pode conhecer o amor, a partir do momento em que voce conhece o sexo, o amor se torna impossível.
E o assassino vai nesse ritmo, coerente apesar de chocante, corajoso. E o leitor quase entra nessa armadilha, quase lhe dá razão. Mas...Segue-se a descrição do crime, o inferno no casamento, o ciúmes que ele sentia, os filhos...E voce percebe então que o que Tolstoi está demonstrando não é o erro do século em matéria de materialismo, não é o tédio e o ódio entre casais, mas sim o modo engenhoso como nossa mente cria toda uma filosofia, todo um emaranhado de sutis razões para justificar um crime. Tudo aquilo que ele expôs, toda aquela maneira de ver as relações, nada mais é que um modo de se justificar perante nós e perante si-mesmo. Percebemos que assim funciona o mundo. O que antes era errado se torna o certo, o mal vira bem, o bem se faz um mal, tudo de acordo com o interesse do momento, e esse interesse é a absolvição de um ato violento, de um crime.
Desagradável. E soberbo.
OS ÚLTIMOS DIAS- LIEV TOLSTOI
Transcrevo trechos:
Uma das principais causas do suicídio do mundo europeu é a falsa doutrina eclesiástica cristã sobre o paraíso e o inferno. Não se acredita nem no paraíso e nem no inferno, e no entanto, a ideia de que a vida deve ser ou o paraíso ou o inferno penetrou de tal forma na cabeça das pessoas que não se admite uma compreensão sensata da vida tal como ela é, a saber, não paraíso e nem inferno, mas uma luta, uma luta incessante, incessante porque a vida está só na luta, mas não a luta darwinista, de seres contra seres, mas na luta das forças espirituais contra seus limites corporais. A vida é a luta da alma contra o corpo.
...Mas havia pessoas para as quais a violência era vantajosa, e elas não reconheciam isso, e convenciam, a si próprias e aos outros, de que atacar e matar aos outros nem sempre era ruim, mas que há casos em que a violência é necessária e pode até ser boa. Tanto a violência quanto o assassinato continuaram a acontecer...
Cristo desmascarou essa falsa justificativa para a violência. Ele mostrou que qualquer violência pode ser justificada, como acontece quando dois inimigos lutam um contra o outro e ambos se justificam. Não devemos crer em nenhuma justificativa para a violência, e nunca se deve usa'-la, sob nenhum pretexto..
...podemos fazer tudo para nossa vantagem e nosso prazer, e para isso usar a violência contra as pessoas usando o pretexto de que é para o bem das pessoas.
Homem estúpido e ignorante, diz o homem de ciência, Você não entende que a ciência está a serviço da ciência, não da utilidade. A ciência estuda o que é possível estudar, não pode escolher. A ciência se abre ao todo, não se ocupa com ninharias.
E o homem simples quer apenas que o ensinem a viver melhor.
A ciência contemporânea não só não contraria o gosto e as exigências do setor dominante da sociedade como lhes é completamente servil: satisfaz a curiosidade ociosa, deixa as pessoas admiradas e lhes promete ainda mais deleite. A ciência de nosso tempo, ignorando tudo o que seja silencioso, modesto, simples, não conhece limites para a autobajulação.
Um dos sintomas de nossa decadência é o fato de um louco clínico como Nietzsche ser levado a sério.
Em todas as sociedades humanas em determinados períodos de sua existência, houve época em que a religião começa a se afastar de seu sentido original, e depois se afasta mais e mais, perde esse sentido original e, por fim, se petrifica em formas fixas, de modo que sua influência sobre a vida das pessoas vai se tornando cada vez menor. Nesses períodos, a minoria culta, tendo deixado de crer no ensinamento religioso, apenas fingia acreditar nele, por considerá-lo necessário ao controle das massas populares no modo de vida já existente. As massas populares, embora por inércia, mantivessem as formas religiosas pré-estabelecidas, já não conduziam sua vida cotidiana por ensinamentos religiosos, mas apenas por hábitos gerais e leis do governo. Mas nunca houve o que está acontecendo agora. Nunca houve um momento em que a minoria rica e culta se convencesse de que em sua época não há mais necessidade de religião alguma. E passasse a professar não só a inutilidade de toda religião, como a condenasse como símbolo de atraso e prejudicial ao desenvolvimento.
Bom, essas são algumas frases pegas no livro. Agora é hora de comentar e explicar o sentido geral do que Tolstoi pensava em seus últimos 20 anos de vida.
O centro de suas preocupações é a queda da civilização européia, e essa que da se liga a transformação da violência em regra geral. Profético, Tolstoi morre em 1910, e a sociedade que ele denunciava faria em 1914 a primeira guerra e em 39 sua continuação. Duas organizações promovem a violência: a politica, que precisa ser util e importante, e para um politico ser importante é ser o guia em momentos de crise, ou seja, ter inimigos, fazer o povo temer e odiar, e precisar dele para o defender. E a outra força social que promove a violência é a igreja, que finge esquecer os ensinamentos de Cristo e se torna cúmplice dos piores contra os inocentes. A mensagem de Cristo é simples: Fazer o bem. Dar a outra face. Jamais ser violento. Fazer ao outro o que desjas que se faça a ti. Seguir a lei do amor, dar sem pensar em receber. Agir agora e saber que o futuro não pode ser antecipado.
Segundo Tolstoi, todo homem quer que essas regras cristãs sejam seguidas, a maioria procura as seguir, mas a sociedade impede isso. Em um tempo em que o lucro, o trabalho e a disputa são o valor que move a vida, ser um cristão verdadeiro, um homem que ajuda e não disputa, cede e não briga, reparte e nunca acumula, é o grande pária. Para que o mundo do lucro exista é fundamental eliminar a verdadeira religião.
Tolstoi também fala muito da hipnose em que todos vivem. Um mundo europeu cheio de distrações, de pequenos fatos sem sentido, de brilhos que hipnotizam, de sons que calam, de ordens que são obedecidas sem que se saiba o porque. Outra característica do mundo moderno é dar ordens desde sempre. As crianças são treinadas a ser um membro atento que dará valor ao valor já estabelecido, a ciência será um tipo de circo do maravilhoso ( e esse maravilhoso raramente se ocupa daquilo que o cidadão simples quer: viver melhor e viver bem ), e o que se chama igreja fará o papel de bobo da corte, fingirá ser religiosa perante gente que finge crer.
Tolstoi diz que é um mundo vazio de sentido, vitima de tédio e de crueldade. Sem sentido e sem esperança.
Irrompem então os espertalhões, aqueles que percebem o estado podre da sociedade e gritam a plenos pulmões que o homem sempre foi esse traste sem porque e que a vida sempre foi sem sentido. Tolstoi diz que esse tipo de artista, de filósofo, é o mais nocivo corvo de todos, é o aproveitador, o propagador da falta de talento, o homem vil que comemora o fato do mundo ter atingido a sua insignificância. Esse arauto do desespero não ergue a vida, não ajuda, ele comemora sua vingança: eis que a vida me faz justiça! Ressentidos contra a vida.
O livro tem dois textos terríveis! Em um deles Tolstoi descreve os horrores de um matadouro. E diz ser tipico dos tempos que as pessoas criem bichos de estimação, detestem ver a morte de um animal, mas se banqueteiem com quilos de vitela. De Olhos vendados, elas se alimentam sem pensar e sem nunca discordar. Em outro capitulo ele descreve o trabalho numa mina e faz o contraste com o passeio dos donos dessa mina no campo. Tolstoi foi um socialista, mas sempre radicalmente contra a violência. Cristo era seu guia. O amor sua única lei.
Cartas trocadas entre Tolstoi e Gandhi, entre Tolstoi e Shaw também estão presentes ( os 3 eram as pessoas mais discutidas de 1910 ). E há um longo texto onde Tolstoi chama Shakespeare de autor mediocre. Sua tese é a de que Shakespeare foi escolhido como autor mais importante do mundo, por exibir em suas peças toda a violência e amoralidade da nova classe dominante e não por valor estético. Provávelmente isso é verdade, mas WS não é ruim...
Bem, Tolstoi pensa como eu penso em 99% dos casos. Penso nas guerras, na igreja sem sentido, no mundo do espetáculo, no sexo como distração, na nossa aceitação passiva da violência. Penso que a resistência pacífica nunca foi usada por palestinos, por exemplo, e que olho por olho dente por dente nunca deu certo. Sim, a ciência nunca pensa na moralidade do que faz e muito menos no bem das pessoas ( só as vezes a medicina ). E que chegamos a um ponto em que nem sequer conseguimos imaginar que possa haver outro modo de viver.
O livro é triste, pessimista, irado, e infelizmente, verdadeiro.
Haverá uma era cristã?
,
Uma das principais causas do suicídio do mundo europeu é a falsa doutrina eclesiástica cristã sobre o paraíso e o inferno. Não se acredita nem no paraíso e nem no inferno, e no entanto, a ideia de que a vida deve ser ou o paraíso ou o inferno penetrou de tal forma na cabeça das pessoas que não se admite uma compreensão sensata da vida tal como ela é, a saber, não paraíso e nem inferno, mas uma luta, uma luta incessante, incessante porque a vida está só na luta, mas não a luta darwinista, de seres contra seres, mas na luta das forças espirituais contra seus limites corporais. A vida é a luta da alma contra o corpo.
...Mas havia pessoas para as quais a violência era vantajosa, e elas não reconheciam isso, e convenciam, a si próprias e aos outros, de que atacar e matar aos outros nem sempre era ruim, mas que há casos em que a violência é necessária e pode até ser boa. Tanto a violência quanto o assassinato continuaram a acontecer...
Cristo desmascarou essa falsa justificativa para a violência. Ele mostrou que qualquer violência pode ser justificada, como acontece quando dois inimigos lutam um contra o outro e ambos se justificam. Não devemos crer em nenhuma justificativa para a violência, e nunca se deve usa'-la, sob nenhum pretexto..
...podemos fazer tudo para nossa vantagem e nosso prazer, e para isso usar a violência contra as pessoas usando o pretexto de que é para o bem das pessoas.
Homem estúpido e ignorante, diz o homem de ciência, Você não entende que a ciência está a serviço da ciência, não da utilidade. A ciência estuda o que é possível estudar, não pode escolher. A ciência se abre ao todo, não se ocupa com ninharias.
E o homem simples quer apenas que o ensinem a viver melhor.
A ciência contemporânea não só não contraria o gosto e as exigências do setor dominante da sociedade como lhes é completamente servil: satisfaz a curiosidade ociosa, deixa as pessoas admiradas e lhes promete ainda mais deleite. A ciência de nosso tempo, ignorando tudo o que seja silencioso, modesto, simples, não conhece limites para a autobajulação.
Um dos sintomas de nossa decadência é o fato de um louco clínico como Nietzsche ser levado a sério.
Em todas as sociedades humanas em determinados períodos de sua existência, houve época em que a religião começa a se afastar de seu sentido original, e depois se afasta mais e mais, perde esse sentido original e, por fim, se petrifica em formas fixas, de modo que sua influência sobre a vida das pessoas vai se tornando cada vez menor. Nesses períodos, a minoria culta, tendo deixado de crer no ensinamento religioso, apenas fingia acreditar nele, por considerá-lo necessário ao controle das massas populares no modo de vida já existente. As massas populares, embora por inércia, mantivessem as formas religiosas pré-estabelecidas, já não conduziam sua vida cotidiana por ensinamentos religiosos, mas apenas por hábitos gerais e leis do governo. Mas nunca houve o que está acontecendo agora. Nunca houve um momento em que a minoria rica e culta se convencesse de que em sua época não há mais necessidade de religião alguma. E passasse a professar não só a inutilidade de toda religião, como a condenasse como símbolo de atraso e prejudicial ao desenvolvimento.
Bom, essas são algumas frases pegas no livro. Agora é hora de comentar e explicar o sentido geral do que Tolstoi pensava em seus últimos 20 anos de vida.
O centro de suas preocupações é a queda da civilização européia, e essa que da se liga a transformação da violência em regra geral. Profético, Tolstoi morre em 1910, e a sociedade que ele denunciava faria em 1914 a primeira guerra e em 39 sua continuação. Duas organizações promovem a violência: a politica, que precisa ser util e importante, e para um politico ser importante é ser o guia em momentos de crise, ou seja, ter inimigos, fazer o povo temer e odiar, e precisar dele para o defender. E a outra força social que promove a violência é a igreja, que finge esquecer os ensinamentos de Cristo e se torna cúmplice dos piores contra os inocentes. A mensagem de Cristo é simples: Fazer o bem. Dar a outra face. Jamais ser violento. Fazer ao outro o que desjas que se faça a ti. Seguir a lei do amor, dar sem pensar em receber. Agir agora e saber que o futuro não pode ser antecipado.
Segundo Tolstoi, todo homem quer que essas regras cristãs sejam seguidas, a maioria procura as seguir, mas a sociedade impede isso. Em um tempo em que o lucro, o trabalho e a disputa são o valor que move a vida, ser um cristão verdadeiro, um homem que ajuda e não disputa, cede e não briga, reparte e nunca acumula, é o grande pária. Para que o mundo do lucro exista é fundamental eliminar a verdadeira religião.
Tolstoi também fala muito da hipnose em que todos vivem. Um mundo europeu cheio de distrações, de pequenos fatos sem sentido, de brilhos que hipnotizam, de sons que calam, de ordens que são obedecidas sem que se saiba o porque. Outra característica do mundo moderno é dar ordens desde sempre. As crianças são treinadas a ser um membro atento que dará valor ao valor já estabelecido, a ciência será um tipo de circo do maravilhoso ( e esse maravilhoso raramente se ocupa daquilo que o cidadão simples quer: viver melhor e viver bem ), e o que se chama igreja fará o papel de bobo da corte, fingirá ser religiosa perante gente que finge crer.
Tolstoi diz que é um mundo vazio de sentido, vitima de tédio e de crueldade. Sem sentido e sem esperança.
Irrompem então os espertalhões, aqueles que percebem o estado podre da sociedade e gritam a plenos pulmões que o homem sempre foi esse traste sem porque e que a vida sempre foi sem sentido. Tolstoi diz que esse tipo de artista, de filósofo, é o mais nocivo corvo de todos, é o aproveitador, o propagador da falta de talento, o homem vil que comemora o fato do mundo ter atingido a sua insignificância. Esse arauto do desespero não ergue a vida, não ajuda, ele comemora sua vingança: eis que a vida me faz justiça! Ressentidos contra a vida.
O livro tem dois textos terríveis! Em um deles Tolstoi descreve os horrores de um matadouro. E diz ser tipico dos tempos que as pessoas criem bichos de estimação, detestem ver a morte de um animal, mas se banqueteiem com quilos de vitela. De Olhos vendados, elas se alimentam sem pensar e sem nunca discordar. Em outro capitulo ele descreve o trabalho numa mina e faz o contraste com o passeio dos donos dessa mina no campo. Tolstoi foi um socialista, mas sempre radicalmente contra a violência. Cristo era seu guia. O amor sua única lei.
Cartas trocadas entre Tolstoi e Gandhi, entre Tolstoi e Shaw também estão presentes ( os 3 eram as pessoas mais discutidas de 1910 ). E há um longo texto onde Tolstoi chama Shakespeare de autor mediocre. Sua tese é a de que Shakespeare foi escolhido como autor mais importante do mundo, por exibir em suas peças toda a violência e amoralidade da nova classe dominante e não por valor estético. Provávelmente isso é verdade, mas WS não é ruim...
Bem, Tolstoi pensa como eu penso em 99% dos casos. Penso nas guerras, na igreja sem sentido, no mundo do espetáculo, no sexo como distração, na nossa aceitação passiva da violência. Penso que a resistência pacífica nunca foi usada por palestinos, por exemplo, e que olho por olho dente por dente nunca deu certo. Sim, a ciência nunca pensa na moralidade do que faz e muito menos no bem das pessoas ( só as vezes a medicina ). E que chegamos a um ponto em que nem sequer conseguimos imaginar que possa haver outro modo de viver.
O livro é triste, pessimista, irado, e infelizmente, verdadeiro.
Haverá uma era cristã?
,
FRANCESES, LUTHER KING E MENKEN
No meu post abaixo esqueci de dizer que esta pobre taba é também sala de testes de teorias de franceses intelectualóides. Estar na USP serviu dentre outras coisas, a me dar a certeza de que teóricos franceses são normalmente chatos e perigosos. Vaidosos sem nenhum contato com a ação prática. O clima francês da USP me faz amar cada vez mais a cultura inglesa. Claro que continuo adorando Voltaire, Proust e Stendhal, Pascal e Balzac, mas é só. Voltaire estava certo.
Desconfie sempre dos radicais. A revolução francesa, como a bolchevique, foram farsas. A revolução inglesa, discreta e pragmática, foi a verdadeira direção da modernidade. Digo isso porque Malcolm X era uma besta. Um idiota que não passava de um black bloc mais articulado. Luther King salvou a América. Sem ele teríamos visto o endurecimento do apartheid ou a guerra racial. O preconceito da elite intelectual impede que se diga a verdade, Luther King era acima de tudo um pastor cristão. Se ele seguia Gandhi e Thoreau era porque Gandhi e Thoreau coincidiam com Cristo. Tolstoi, que Gandhi seguia, dizia que seguir a simplicidade do evangelho era o caminho para a paz justa. Luther King mudou o planeta usando a mais antiga de nossas mensagens.
Saiu agora uma biografia de Tolstoi. O livro inicia descrevendo a vitalidade do autor russo aos 75 anos. Tolstoi foi um superstar e uma das pessoas mais vaidosas do mundo. Em 1910 era um mito em vida. Foi da juventude hedonista para a maturidade religiosa. Sua filosofia era o pacifismo radical, o mesmo de Gandhi. Sua fortuna foi dada aos pobres. Morreu como um homem do campo. E feliz.
Ando lendo o dia'rio de Menken. Imenso. Muito prazer. Nos anos 20 ele foi o ditador da cultura americana. Nos anos 30 era um famoso autor incoveniente. Um mundo de politicos, cientistas e escritores. O modelo do intelectual americano. Paulo Francis e Gore Vidal.
Vivemos tempos de perigo. Qualquer idiota pode hoje ser escutado por milhares de milhares. Se eu fosse louco o bastante para escrever idiotias agressivas seria lido por montes de bestas deslumbradas. Se eu divulgasse crendices singelas seria amado por bandos de tontos tossideiros. Perigo.
Desconfie sempre dos radicais. A revolução francesa, como a bolchevique, foram farsas. A revolução inglesa, discreta e pragmática, foi a verdadeira direção da modernidade. Digo isso porque Malcolm X era uma besta. Um idiota que não passava de um black bloc mais articulado. Luther King salvou a América. Sem ele teríamos visto o endurecimento do apartheid ou a guerra racial. O preconceito da elite intelectual impede que se diga a verdade, Luther King era acima de tudo um pastor cristão. Se ele seguia Gandhi e Thoreau era porque Gandhi e Thoreau coincidiam com Cristo. Tolstoi, que Gandhi seguia, dizia que seguir a simplicidade do evangelho era o caminho para a paz justa. Luther King mudou o planeta usando a mais antiga de nossas mensagens.
Saiu agora uma biografia de Tolstoi. O livro inicia descrevendo a vitalidade do autor russo aos 75 anos. Tolstoi foi um superstar e uma das pessoas mais vaidosas do mundo. Em 1910 era um mito em vida. Foi da juventude hedonista para a maturidade religiosa. Sua filosofia era o pacifismo radical, o mesmo de Gandhi. Sua fortuna foi dada aos pobres. Morreu como um homem do campo. E feliz.
Ando lendo o dia'rio de Menken. Imenso. Muito prazer. Nos anos 20 ele foi o ditador da cultura americana. Nos anos 30 era um famoso autor incoveniente. Um mundo de politicos, cientistas e escritores. O modelo do intelectual americano. Paulo Francis e Gore Vidal.
Vivemos tempos de perigo. Qualquer idiota pode hoje ser escutado por milhares de milhares. Se eu fosse louco o bastante para escrever idiotias agressivas seria lido por montes de bestas deslumbradas. Se eu divulgasse crendices singelas seria amado por bandos de tontos tossideiros. Perigo.
ROMANCES DE AMOR
Como fiz vários posts sobre o Amor em música, falo agora de livros, poucos, que trazem memórias de amor.
O primeiro de minha vida foi Tom Sawyer. Sim, isso mesmo, o amor de Tom e Becky, o primeiro beijo. Incrível mas eu lembro do exato momento em que li sobre esse beijo: aos 9 anos, debaixo de bananeiras no quintal de casa. Muito calor. Antevi aí meu futuro primeiro beijo. Só não pensei que fosse demorar tanto.
Depois o namoro de Peter Parker e de Gwen Stacy e então os grandes romances.
David Copperfield com Dora, quando ela morre, a primeira página que me fez chorar ( no quarto, lendo de madrugada ). Em seguida o mais perfeito dos romances sobre o amor, O Morro dos Ventos Uivantes, Heathcliff e Catherine, o amor como maldição, como sina, o amor que é dor para sempre. O máximo do romantismo fatalista, um cataclisma na minha mente e alma. O cenário perfeito ( vento frio em campos pantanosos ) a mulher perfeita e o homem "mal" que esconde sua ferida.
Tudo que veio depois foi menos forte. Jake e Lady Brett no Heminguay de O Sol Também se Levanta, o amor impotente, amor irrealizável em meio a fiesta da Espanha. Os amores nas obras-primas de Stendhal, O Vermelho e o Negro e A Cartuxa de Parma, amores irônicos, amores que são como atuações que convencem o próprio ator. E escritos com a maestria do maior estilista.
O amor simples de Kitty e Lievin em Anna Karenina, pois o amor de Anna e Vronsky nunca foi para mim o centro da obra, mas sim o amor de Lievin, que descobre a perfeição na simplicidade de sua mulher. A felicidade nasce após a morte em vida do aturdido Lievin.
Ofélia e Hamlet...Esse amor continua um enigma, pois é impossível saber quem foi Hamlet e porque Ofélia o amava. O desagradável Hamlet.
Os amores dos livros de Jane Austen, tímidos, convencionais, trêmulos e hesitantes. A doce alegria de seus finais práticos, finais que na verdade são elogios ao pragmatismo. Ler Austen é amar suas heroínas e admirar os falsos tolos que são na verdade seus heróis.
Gatsby e sua tragédia. O desajustado que não percebe seu desajuste. O amor como miragem de beleza. Impossível.
Não posso negar a importãncia de A Insustentável Leveza do Ser. Hoje percebo suas falhas, mas na época, anos 80, Tereza foi musa para mim. Aliás, era esse seu nome? Well...Kundera foi por algum tempo um herói.
Estranho....poucos livros me marcaram como 'livros de amor". Falar de Henry James como autor amoroso é absurdo. A questão amorosa é centro de suas obras-primas, mas aquilo é mesmo amor? São personagens tão auto-centrados que fica dificil levar aquele sentimento a sério. Amor? Será? Solidão seria mais correto dizer.
Na verdade meus livros de 'amor" são os poetas. E deles ( Keats, Shelley. Blake, Lorca, Yeats, Rilke ) não vou falar. Estou discorrendo sobre a prosa.
Então nada de Dante e Beatriz.
Volto a Tom Sawyer. O beijo e amor por Becky é parte de um todo. Tom faz estrepulias, foge de casa, recupera dinheiro roubado, briga, se perde em mina abandonada. E ama à Becky cada vez mais. Esse é o roteiro ideal de uma boa história de amor. O arcabouço foi criado a mais de 3000 anos, na Grécia. E não se fez até aqui uma base melhor. O herói que ama e parte, prova sua grandesa e retorna ao amor.
É isso.
FERRAGUS- HONORÉ DE BALZAC
Existem alguns autores, poucos, que são uma literatura completa. Desse modo, ler Tolstoi é como ler todo um capítulo, longo, da história do romance mundial. Se voce ler as quatro principais obras de Tolstoi e mais nada em toda a vida, voce poderá reinvidicar conhecimento em romance e em literatura mundial. Conhecer Tolstoi equivale a ler centenas de bons escritores. É assim com muitos poucos. Romancistas tão grandes, livros tão infinitos que os conhecer aumenta nossa alma, estica a nossa inteligência, dá sabedoria a nossa leitura. Depois deles voce lê melhor.
Balzac é assim. Ler Balzac é ler toda uma literatura. Mais que isso, ele é inexplicável. Como podemos explicar um homem que escreveu sempre para tão apenas ganhar dinheiro, pagar suas contas, e que mesmo assim fez arte absoluta? Como desvendar um autor que escreveu como máquina, dezoito horas por dia durante dez anos, mais de 80 livros publicados, e que mesmo com essa produção industrial conseguiu ser único? Veja o caso de Ferragus...
Publicado em capítulos, no jornal, virou febre em França, um tipo de novela das oito em papel. Balzac escrevia com essa intanção, a de vender, e conseguia sucesso. A história fala de ciúmes, de medo, de vingança e sempre de amor. Uma sociedade secreta, gente rica e gente pobre. Ladrões e nobres. E Paris. A cidade é o grande personagem. E como escreve Balzac!!!! Vielas e boulevares, casas sórdidas, palacetes, a lamacenta, fétida, imunda cidade. Putas, bêbados, loucos, devassos, jogadores. Becos para se perder, a cidade que Balzac odeia, e ama, e não se cansa de descrever. Gênios vivem lá e diabos.
Balzac é diabólico! Me vejo doido para voltar pra casa e ler. Seus personagens nos capturam! Queremos ler sobre eles, conhecê-los cada vez mais. Flanar com eles. As páginas correm. Cores diante de nosso olham. Balzac pinta, faz música, narra e descreve. Seu estilo é a mescla de romance e realismo, de verdade e fantasia. Ele serve o prato completo. Domina sua arte, sabe tudo, sua escrita não tem limites.
Que escritores passam essa impressão? O dom soberbo de tudo poder escrever, de poder criar milhares de personagens, todos individualizados, todos de verdade. O poder de dar cenário a cada página, de nos fazer ver, escutar e principalmente, querer prosseguir querendo mais e mais. Sensual Balzac, nos pega pelos sentidos.
Eu admiro Henry James e amo Cervantes, mas Balzac me dá prazer, puro prazer, absoluto prazer. Eis um autor que pode te curar de uma ressaca de más leituras, de páginas mal escolhidas, de indicações da moda.
Como ocorre com todo grande autor, Balzac é uma prova: Não gostar dele é revelar ao mundo e a si-mesmo a ignorância de um mal leitor.
Devoro o gênio francês.
Balzac é assim. Ler Balzac é ler toda uma literatura. Mais que isso, ele é inexplicável. Como podemos explicar um homem que escreveu sempre para tão apenas ganhar dinheiro, pagar suas contas, e que mesmo assim fez arte absoluta? Como desvendar um autor que escreveu como máquina, dezoito horas por dia durante dez anos, mais de 80 livros publicados, e que mesmo com essa produção industrial conseguiu ser único? Veja o caso de Ferragus...
Publicado em capítulos, no jornal, virou febre em França, um tipo de novela das oito em papel. Balzac escrevia com essa intanção, a de vender, e conseguia sucesso. A história fala de ciúmes, de medo, de vingança e sempre de amor. Uma sociedade secreta, gente rica e gente pobre. Ladrões e nobres. E Paris. A cidade é o grande personagem. E como escreve Balzac!!!! Vielas e boulevares, casas sórdidas, palacetes, a lamacenta, fétida, imunda cidade. Putas, bêbados, loucos, devassos, jogadores. Becos para se perder, a cidade que Balzac odeia, e ama, e não se cansa de descrever. Gênios vivem lá e diabos.
Balzac é diabólico! Me vejo doido para voltar pra casa e ler. Seus personagens nos capturam! Queremos ler sobre eles, conhecê-los cada vez mais. Flanar com eles. As páginas correm. Cores diante de nosso olham. Balzac pinta, faz música, narra e descreve. Seu estilo é a mescla de romance e realismo, de verdade e fantasia. Ele serve o prato completo. Domina sua arte, sabe tudo, sua escrita não tem limites.
Que escritores passam essa impressão? O dom soberbo de tudo poder escrever, de poder criar milhares de personagens, todos individualizados, todos de verdade. O poder de dar cenário a cada página, de nos fazer ver, escutar e principalmente, querer prosseguir querendo mais e mais. Sensual Balzac, nos pega pelos sentidos.
Eu admiro Henry James e amo Cervantes, mas Balzac me dá prazer, puro prazer, absoluto prazer. Eis um autor que pode te curar de uma ressaca de más leituras, de páginas mal escolhidas, de indicações da moda.
Como ocorre com todo grande autor, Balzac é uma prova: Não gostar dele é revelar ao mundo e a si-mesmo a ignorância de um mal leitor.
Devoro o gênio francês.
ANNA KARENINA, FILME DE JOE WRIGHT
Presos num teatro. Anna, Vronsky, todos vivem no palco dos costumes, das convenções com eventuais escapadas para os sujos bastidores. Menos Lievin, desajeitado personagem "fora do palco". Tom Stoppard, o roteirista, que é um dos mais importantes autores de teatro de hoje, entendeu bem onde vive o centro da coisa. Joe Wright, com absoluto dominio da técnica de cinema, teve o talento de transpor essa ideia para a tela. Em seu quarto filme, o diretor inglês prova ser o melhor dotado dos diretores em atividade. Sabe fazer cinema, fala com cortes, movimentos de câmera, cores. Tudo em sua obra tem a marca de um diretor que sabe o que quer. Nada ao acaso, nada gratuito. Em termos de know-how sua arte é uma aula. Os primeiros trinta minutos deste filme são absolutamente geniais. Ophuls ou Powell ficariam felizes em ver o que Wright faz. Depois o filme cai, não por erro de seu diretor ou de seu bom elenco, mas por ser Anna Karenina obra infilmável. Diante da cordilheira intransponível que é a obra-prima de Tolstoi, o filme até que se sai muito bem. Lindo de se ver, inteligente em suas decisões, tentando não tornar a trama superficial,( risco de toda adaptação de alta literatura para o cinema ), é este, de tudo que vi, o melhor filme de 2012. Tão melhor que provávelmente terá pouco público. É um filme que exige atenção, sensibilidade e bom gosto, tudo o que o público frequentador de cinema não tem.
Anna morre por ser uma tola. Muita gente diz isso e tendo a concordar. O filme foge dessa conclusão. Um dos méritos da obra de cinema é a de que ela não vê Anna como eu vejo. A leitura de Stoppard é diferente da minha. E mesmo assim gostei muito do filme. Wright e Stoppard modernizam um pouco a personagem. Ela é quase uma mulher de 2012. Presa nas redes de 1880. Mas será apenas o moralismo sexual o assassino de Anna Karenina? Fosse escrito hoje, como Anna se salvaria de sua falência afetiva? Trabalhando e sendo uma "mulher livre"? Quase no fim do filme tive esse insight: Estamos tão aferrados a nossos costumes de hoje que pensamos automáticamente no trabalho como cura e liberdade. Por outro lado: O que uma mulher faria hoje para ser estigmatizada como Anna? Qual o pecado de 2012?
A visão de Tolstoi no livro, que não sei se fica clara no filme, é a de que o amor puramente erótico leva sempre a destruição. Anna, o amante e o marido, estão presos em seus desejos. O marido em seu mundo de poder e de politica, Anna e Vronsky em seu desejo um pelo outro. Esse tipo de amor levando necessariamente ao fim, seja dele mesmo, seja da familia.
Muito do amor que tenho pelo livro, um dos dois ou três que mais me emocionaram na vida, se deve ao personagem de Lievin, a voz de Tolstoi no livro. Perdido, rico, com sérias dúvidas sobre religião e sobre o sentido das coisas, Lievin tenta se livrar da angústia no trabalho. Mas não no puro trabalho "acumulativo", ele vive um tipo de comunismo ingênuo, usa as mãos para trabalhar, tenta ser um de seus empregados. Mas isso não o alivia. Então, em páginas que guardo como um tesouro, ele descobre que o amor só pode ser feliz se for dado a todo o universo. Lievin ama Kitty, mas o amor dos dois sobrevive porque se esparrama ao seu redor. Amando Kitty ele ama a vida, e amando a vida ele passa a trabalhar pela e para a vida. Tolstoi viveu isso e após a grande crise que sofreu em meio a redação de Anna Karenina, ele cria um tipo de cristianismo-socialista-franciscano-proto hippie que fez dele uma pessoa perseguida na Rússia e ao mesmo tempo venerada pelo mundo inteiro. Em 1900, 1905, intelectuais viajavam ao interior da Rússia para ver o mestre. Como mostra o recente filme sobre seus anos finais, sua fortuna foi dada aos camponeses.
Lievin aqui é feito por um ator que tem o rosto e a voz de Lievin. escolheram muito bem. Mas puxa! Eu queria mais Lievin, please! A cena final, quando ele vai falar a Kitty que teve uma ideia e pega o filho no colo é belíssima. Em meio a montes de cenas belas, é talvez a mais bela. Não esquecerei daquela folha verde com a água da chuva a escorrer...
Como não esquecerei a neve no trem, o campo sendo arado, a cena de reprovação no teatro, a corrida de cavalos....
Termino este texto dizendo que é um prazer voltar a ver "um filme" feito em 2012. Um filme que é cinema. Feito de cortes, de cenários, de diálogos e de atores. Com ação e pensamento, com ideias e ideais. Coragem e extremo bom gosto. Nada de forçado, sem apelações. Sim, não é uma obra-prima, mas em tempo sem grandes filmes e sem grandes histórias, Anna Karenina e Joe Wright são uma grande esperança e um belo consolo.
Que bom!
Anna morre por ser uma tola. Muita gente diz isso e tendo a concordar. O filme foge dessa conclusão. Um dos méritos da obra de cinema é a de que ela não vê Anna como eu vejo. A leitura de Stoppard é diferente da minha. E mesmo assim gostei muito do filme. Wright e Stoppard modernizam um pouco a personagem. Ela é quase uma mulher de 2012. Presa nas redes de 1880. Mas será apenas o moralismo sexual o assassino de Anna Karenina? Fosse escrito hoje, como Anna se salvaria de sua falência afetiva? Trabalhando e sendo uma "mulher livre"? Quase no fim do filme tive esse insight: Estamos tão aferrados a nossos costumes de hoje que pensamos automáticamente no trabalho como cura e liberdade. Por outro lado: O que uma mulher faria hoje para ser estigmatizada como Anna? Qual o pecado de 2012?
A visão de Tolstoi no livro, que não sei se fica clara no filme, é a de que o amor puramente erótico leva sempre a destruição. Anna, o amante e o marido, estão presos em seus desejos. O marido em seu mundo de poder e de politica, Anna e Vronsky em seu desejo um pelo outro. Esse tipo de amor levando necessariamente ao fim, seja dele mesmo, seja da familia.
Muito do amor que tenho pelo livro, um dos dois ou três que mais me emocionaram na vida, se deve ao personagem de Lievin, a voz de Tolstoi no livro. Perdido, rico, com sérias dúvidas sobre religião e sobre o sentido das coisas, Lievin tenta se livrar da angústia no trabalho. Mas não no puro trabalho "acumulativo", ele vive um tipo de comunismo ingênuo, usa as mãos para trabalhar, tenta ser um de seus empregados. Mas isso não o alivia. Então, em páginas que guardo como um tesouro, ele descobre que o amor só pode ser feliz se for dado a todo o universo. Lievin ama Kitty, mas o amor dos dois sobrevive porque se esparrama ao seu redor. Amando Kitty ele ama a vida, e amando a vida ele passa a trabalhar pela e para a vida. Tolstoi viveu isso e após a grande crise que sofreu em meio a redação de Anna Karenina, ele cria um tipo de cristianismo-socialista-franciscano-proto hippie que fez dele uma pessoa perseguida na Rússia e ao mesmo tempo venerada pelo mundo inteiro. Em 1900, 1905, intelectuais viajavam ao interior da Rússia para ver o mestre. Como mostra o recente filme sobre seus anos finais, sua fortuna foi dada aos camponeses.
Lievin aqui é feito por um ator que tem o rosto e a voz de Lievin. escolheram muito bem. Mas puxa! Eu queria mais Lievin, please! A cena final, quando ele vai falar a Kitty que teve uma ideia e pega o filho no colo é belíssima. Em meio a montes de cenas belas, é talvez a mais bela. Não esquecerei daquela folha verde com a água da chuva a escorrer...
Como não esquecerei a neve no trem, o campo sendo arado, a cena de reprovação no teatro, a corrida de cavalos....
Termino este texto dizendo que é um prazer voltar a ver "um filme" feito em 2012. Um filme que é cinema. Feito de cortes, de cenários, de diálogos e de atores. Com ação e pensamento, com ideias e ideais. Coragem e extremo bom gosto. Nada de forçado, sem apelações. Sim, não é uma obra-prima, mas em tempo sem grandes filmes e sem grandes histórias, Anna Karenina e Joe Wright são uma grande esperança e um belo consolo.
Que bom!
O AFRICANO- LE CLÉZIO
Tolstoi dizia que a maior surpresa que um homem pode ter é a chegada da velhice. Não sei, para mim ela tem chegado lentamente. Talvez pelo fato de amar coisas antigas ela me seja mais confortável, mas mesmo assim dolorida. Surpresa para mim, a maior da minha vida, foi uma foto 3/4 que tirei a três anos. Tirei numa dessas máquinas automáticas e fiquei chocado ao ver o resultado: aquele não era eu! Aquele rosto, aquele olhar, a boca, aquele era meu pai !!!
Le Clézio começa este livro assim: " Todo ser humano é resultado de um pai e de uma mãe. Pode-se não amá-los, não os reconhecer, pode se duvidar deles. Mas eles aí estão, seus rostos, suas mãos, suas atitudes... " No livro, escrito em 2004, o autor vê fotos e pensa a história de seu pai.
Francês nascido nas Ilhas Maurício, faz-se médico e vai clinicar na África. Nigéria, Camarões, o pai anda. O continente que se apresenta, como diz Le Clézio, não é aquele de Huston ou de Heminguay, é a terra de Karen Blixen, lugar cheio de gente, não de feras, continente humano, crianças, doenças, feiticeiros, fome, e de risos, conversas, danças, paisagens, da liberdade sem fim. O pai se apaixona, corre rios, sobe montanhas, único europeu entre africanos. Os nativos o aceitam, é o homem que ajuda. Apesar das amputações que ele opera, das mortes, da falta de tudo, faz-se um idilio, que é completo com a mãe de Le Clézio. O casal vive em cabanas na chuva, em raios que desabam. O autor é concebido na África. No fim da gestação a mãe vai à França ter o filho, o pai irá depois.
A mão da história intervém: é 1940 e a França é invadida. O pai não pode ir. Tenta chegar a Europa pelo Saara, fracasso. O filho só será conhecido em 1948, oito anos mais tarde. Durante esses anos a África muda. A lenta agricultura, a indolência do tempo se parte. As companhias da Europa caem sobre a terra, as tribos conhecem a ganância, guerras, lutas. O pai se torna amargo, angustiado, aquela terra não é mais sua.
Conhece o filho, enfim. São estranhos. O pai é rigido, disciplinador, severo, fechado.
É 2004 então. E Le Clézio agora compreende o pai. Pode sentir o que ele sentiu. O horror da miséria, a África sendo destruída, a volta a França, nação que não é a de seu pai. Ele percebe que no rigor havia o desencanto, que na disciplina ele o educava. O pai morre em 1982. No bolso ele levava uma Vida de Jesus. Le Clézio pensa.
O mundo cospe na África. Brinca com ela. Ele conta a história tenebrosa de Biafra, o maior inferno que a Terra viu. Recorda seus amigos africanos, as brincadeiras na terra, os cupinzais, as formigas, o pó. Chega a uma conclusão idêntica a de Chesterton: A criança nunca vive em mundo de fantasia, ela vive no absoluto real. Um cupim era um cupim. O ver, sentir, o presente é o cupim e nada mais que o cupim.
Le Clézio leva a África dentro de si. Vive a meninice sempre. Todas as operações feitas pelo pai, todas as crianças que ele viu morrer, tudo está vivo nele. Mais, ele é aquilo que seus pais viveram antes dele, ele é a chegada do pai ao continente, ele é as Ilhas Mauricio, ele é o pai e a mãe.
Curto, simples, pequeno, triste.
Le Clézio começa este livro assim: " Todo ser humano é resultado de um pai e de uma mãe. Pode-se não amá-los, não os reconhecer, pode se duvidar deles. Mas eles aí estão, seus rostos, suas mãos, suas atitudes... " No livro, escrito em 2004, o autor vê fotos e pensa a história de seu pai.
Francês nascido nas Ilhas Maurício, faz-se médico e vai clinicar na África. Nigéria, Camarões, o pai anda. O continente que se apresenta, como diz Le Clézio, não é aquele de Huston ou de Heminguay, é a terra de Karen Blixen, lugar cheio de gente, não de feras, continente humano, crianças, doenças, feiticeiros, fome, e de risos, conversas, danças, paisagens, da liberdade sem fim. O pai se apaixona, corre rios, sobe montanhas, único europeu entre africanos. Os nativos o aceitam, é o homem que ajuda. Apesar das amputações que ele opera, das mortes, da falta de tudo, faz-se um idilio, que é completo com a mãe de Le Clézio. O casal vive em cabanas na chuva, em raios que desabam. O autor é concebido na África. No fim da gestação a mãe vai à França ter o filho, o pai irá depois.
A mão da história intervém: é 1940 e a França é invadida. O pai não pode ir. Tenta chegar a Europa pelo Saara, fracasso. O filho só será conhecido em 1948, oito anos mais tarde. Durante esses anos a África muda. A lenta agricultura, a indolência do tempo se parte. As companhias da Europa caem sobre a terra, as tribos conhecem a ganância, guerras, lutas. O pai se torna amargo, angustiado, aquela terra não é mais sua.
Conhece o filho, enfim. São estranhos. O pai é rigido, disciplinador, severo, fechado.
É 2004 então. E Le Clézio agora compreende o pai. Pode sentir o que ele sentiu. O horror da miséria, a África sendo destruída, a volta a França, nação que não é a de seu pai. Ele percebe que no rigor havia o desencanto, que na disciplina ele o educava. O pai morre em 1982. No bolso ele levava uma Vida de Jesus. Le Clézio pensa.
O mundo cospe na África. Brinca com ela. Ele conta a história tenebrosa de Biafra, o maior inferno que a Terra viu. Recorda seus amigos africanos, as brincadeiras na terra, os cupinzais, as formigas, o pó. Chega a uma conclusão idêntica a de Chesterton: A criança nunca vive em mundo de fantasia, ela vive no absoluto real. Um cupim era um cupim. O ver, sentir, o presente é o cupim e nada mais que o cupim.
Le Clézio leva a África dentro de si. Vive a meninice sempre. Todas as operações feitas pelo pai, todas as crianças que ele viu morrer, tudo está vivo nele. Mais, ele é aquilo que seus pais viveram antes dele, ele é a chegada do pai ao continente, ele é as Ilhas Mauricio, ele é o pai e a mãe.
Curto, simples, pequeno, triste.
O MAR, O MAR - IRIS MURDOCH, É POSSÍVEL SABER ALGUMA VERDADE?
Fizeram um filme sobre Iris Murdoch alguns anos atrás. Acho que Richard Eyre dirigiu... sei que era com Kate Winslet e Judi Dench. Bom filme, que mostrava a importância de Iris para a cultura inglesa no período 1960/2000. Ela fazia palestras, divulgava sua filosofia, tinha fãs apaixonados. Leio em Harold Bloom que ela era profissionalmente uma filósofa. E Bloom diz que considera Iris Murdoch autora genial, mas que estranhamente, ela nada escreveu de plenamente satisfatório. Para ele, Iris nunca escreveu um romance, ela escrevia textos romanescos.
Texto romanesco é aquilo que Stevenson ou Kipling escreveram. Livros em que a ação e a ambientação são o mais absorvente. Os personagens são secundários. Nunca parecem seres reais. Weeell.... Murdoch adorava Henry James e Shakespeare, dois mestres em criar gente de verdade. Mas, nos livros de Iris, o que nos seduz é seu enredo, os momentos de mistério e de leve absurdo que ela cria. Quanto aos persoangens, nos são quase indiferentes.
Aqui, um diretor de teatro, aos 60 anos, resolve se aposentar. Ele é famoso, de um modo pop e quase vulgar. Compra um velho e esquisito casarão numa praia inglesa e passa a viver lá, só. O inicio desse longo livro é delicioso. Murdoch nos leva pela mão à esse mundo meio doido, meio mágico que ela cria. Nos sentimos em meio ao sol, a espuma do mar, as pedras, as salas da casa. O ex-diretor começa a ter a sensação de que coisas estranhas acontecem na casa. E chega a ver um monstro no mar. Logo sabemos que as coisas estranhas eram seus amigos, que se infiltravam na casa sem que ele o soubesse. E que o monstro pode ser um flash-back de uma antiga viagem de LSD.
Mulherengo, esse velho homem recebe visitas das atrizes e vedetes que amou. E dos atores que conheceu. Ele começa a escrever suas memórias, que é o livro que lemos. Na infância foi menino retraído, com inveja do primo mais rico. E é escrevendo esse livro que ele mergulha no inferno: recorda sua primeira namorada, e ao surpreendentemente encontrá-la na praia, passa a viver um delirio de ciúmes, de medo e de paranóia. E mais do enredo eu não conto.
Murdoch era adepta de um tipo de platonismo do bem. Ela acreditava que o que vemos é ilusório, e que a vida verdadeira só pode nos ser conhecida de forma indireta. Charles, o diretor aposentado, é quem nos conta a história, nos revela seus pensamentos, seus sentimentos. Mas algo nos perturba. Começamos a perceber que Charles está completamente enganado. Que sua primeira namorada é uma senhora feia, desinteressante, e pior, que ela não o quer. Charles vê em tudo aquilo que ela faz um sinal de amor, planeja coisas impossíveis, tem total fé naquilo que quer crer. Ao mesmo tempo, ele nos descreve seu primo como um arrogante e sem sal militar reformado. Mas ficamos confusos, porque tudo o que esse primo diz nos parece interessante, profundo, do bem. Por mais que Charles fale mal desse primo, o que desejamos é ouvi-lo falar.
A paixão de Charles termina em morte. Ele se enganara. E ao fim do livro, em belas páginas, descobre que seu primo era muito mais do que ele imaginara. James, o primo, fora sempre um estudioso de misticismo budista, um colecionador de obras do Tibet, um mistério. E fora também o homem que sempre lhe ajudara. Quanto ao primeiro amor... que amor?
Como leitores somos manipulados pela arte de Murdoch. Acreditamos em Charles, depois percebemos seu erro e sua doideira e ao fim, quando ele cai na real, quando ele renega seu amor "louco", sua paranóia, vem o pensamento fatal: E se ele estivesse certo? E se aquele fosse mesmo seu grande amor? E se ela realmente o amasse? E se a "febre" de Charles fosse na verdade "o bem" ?
Iris Murdoch dizia que o mundo de Shakespeare, Homero, Dante e Tolstoi é o verdadeiro mundo. É o mundo real, que não conseguimos e não suportamos perceber. Que o drama mágico de Shakespeare, que as paixões simbólicas de Homero, que a poesia de Dante ou o imenso universo de Tolstoi são a verdade. Que o cotidiano de jornais, tvs, carros e telefone é apenas A Ilusão.
Iris Murdoch estava certa. E quanto mais o mundo avançar século xxi adentro, mais razão lhe daremos. Não esquecer o mundo de Shakespeare, de Dante, Homero, Tolstoi é recordar sempre o que somos DE VERDADE. É não perder contato com o que desejamos, o que sofremos, o que podemos ser e aquilo que acreditamos.
O resto é pó...
Texto romanesco é aquilo que Stevenson ou Kipling escreveram. Livros em que a ação e a ambientação são o mais absorvente. Os personagens são secundários. Nunca parecem seres reais. Weeell.... Murdoch adorava Henry James e Shakespeare, dois mestres em criar gente de verdade. Mas, nos livros de Iris, o que nos seduz é seu enredo, os momentos de mistério e de leve absurdo que ela cria. Quanto aos persoangens, nos são quase indiferentes.
Aqui, um diretor de teatro, aos 60 anos, resolve se aposentar. Ele é famoso, de um modo pop e quase vulgar. Compra um velho e esquisito casarão numa praia inglesa e passa a viver lá, só. O inicio desse longo livro é delicioso. Murdoch nos leva pela mão à esse mundo meio doido, meio mágico que ela cria. Nos sentimos em meio ao sol, a espuma do mar, as pedras, as salas da casa. O ex-diretor começa a ter a sensação de que coisas estranhas acontecem na casa. E chega a ver um monstro no mar. Logo sabemos que as coisas estranhas eram seus amigos, que se infiltravam na casa sem que ele o soubesse. E que o monstro pode ser um flash-back de uma antiga viagem de LSD.
Mulherengo, esse velho homem recebe visitas das atrizes e vedetes que amou. E dos atores que conheceu. Ele começa a escrever suas memórias, que é o livro que lemos. Na infância foi menino retraído, com inveja do primo mais rico. E é escrevendo esse livro que ele mergulha no inferno: recorda sua primeira namorada, e ao surpreendentemente encontrá-la na praia, passa a viver um delirio de ciúmes, de medo e de paranóia. E mais do enredo eu não conto.
Murdoch era adepta de um tipo de platonismo do bem. Ela acreditava que o que vemos é ilusório, e que a vida verdadeira só pode nos ser conhecida de forma indireta. Charles, o diretor aposentado, é quem nos conta a história, nos revela seus pensamentos, seus sentimentos. Mas algo nos perturba. Começamos a perceber que Charles está completamente enganado. Que sua primeira namorada é uma senhora feia, desinteressante, e pior, que ela não o quer. Charles vê em tudo aquilo que ela faz um sinal de amor, planeja coisas impossíveis, tem total fé naquilo que quer crer. Ao mesmo tempo, ele nos descreve seu primo como um arrogante e sem sal militar reformado. Mas ficamos confusos, porque tudo o que esse primo diz nos parece interessante, profundo, do bem. Por mais que Charles fale mal desse primo, o que desejamos é ouvi-lo falar.
A paixão de Charles termina em morte. Ele se enganara. E ao fim do livro, em belas páginas, descobre que seu primo era muito mais do que ele imaginara. James, o primo, fora sempre um estudioso de misticismo budista, um colecionador de obras do Tibet, um mistério. E fora também o homem que sempre lhe ajudara. Quanto ao primeiro amor... que amor?
Como leitores somos manipulados pela arte de Murdoch. Acreditamos em Charles, depois percebemos seu erro e sua doideira e ao fim, quando ele cai na real, quando ele renega seu amor "louco", sua paranóia, vem o pensamento fatal: E se ele estivesse certo? E se aquele fosse mesmo seu grande amor? E se ela realmente o amasse? E se a "febre" de Charles fosse na verdade "o bem" ?
Iris Murdoch dizia que o mundo de Shakespeare, Homero, Dante e Tolstoi é o verdadeiro mundo. É o mundo real, que não conseguimos e não suportamos perceber. Que o drama mágico de Shakespeare, que as paixões simbólicas de Homero, que a poesia de Dante ou o imenso universo de Tolstoi são a verdade. Que o cotidiano de jornais, tvs, carros e telefone é apenas A Ilusão.
Iris Murdoch estava certa. E quanto mais o mundo avançar século xxi adentro, mais razão lhe daremos. Não esquecer o mundo de Shakespeare, de Dante, Homero, Tolstoi é recordar sempre o que somos DE VERDADE. É não perder contato com o que desejamos, o que sofremos, o que podemos ser e aquilo que acreditamos.
O resto é pó...
A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER- MILAN KUNDERA
É o vômito de uma derrota. Mas Kundera não escreve vomitando. Ele é autor que escreve sempre sob-controle, sua escrita é estranhamente fria. Isso explica seu imenso sucesso em 1984/85. Em tempo blasé, nada é mais aparentemente blasé que este livro. Suas frases são como objetos de estilo em apto moderno.
Mas é só aparência. Por trás de suas frases distantes há a emoção dilacerante de uma derrota. A derrota da mais linda das revoluções: a primavera de Praga. Movimento libertário ( feito de sexo e arte ) que foi esmagado pelos tanques russos e se tornou no Ocidente uma palhaçada de marketing. A primavera de 68 nada teve de midiática. Foi o sonho de um socialismo humanista. De uma politica não científica. Foi absoluto desastre. Traumatizante derrota.
No livro Teresa é o símbolo do povo tcheco. Ela acorda para a vida tarde demais, é usada e entra em noia. Termina descobrindo a paz de se "cultivar seu jardim" ( como dizia Voltaire ).
A livre Sabrina é o espírito de 68. Ela a nada se prende e bate asas, vai à California, onde assiste a derrota como estrangeira em terra de estrangeiros.
Mas quem é Thomas? Esse médico que se humaniza e parece ser derrotado, mas que também aprende a cultivar seu jardim? Thomas é Milan? Thomas é o leitor? Não importa. Ele é um médico, um homem feito para ajudar, para curar, para servir. A escrita de Kundera é curativa. Neste relato ele se cura e tenta curar almas que se tornaram estéreis.
Há uma frase de antologia: " Se o paraíso é um círculo, onde o tempo não se esvai mas é repetição de prazer, os cães, em sua doce e não-ambiciosa rotina, vivem no Eden do não-tempo." Esse cão é Karenin ( homenagem a Anna Karenina ). Morre com um tumor.
O nome Karenin não é em vão. Este livro tem muito em comum com a obra-prima de Tolstoi ( o melhor livro já escrito? ). A vida de Kitty e Lievin antecipa a vida de Thomas e Teresa. Tolstoi adivinhou a vida possível.
Hoje nada é mais fora de moda que Kundera. Ele não é exagerado. Não é drogado ou sujo. É sempre elegante, distante, preciso.
O filme de Philip Kauffman ( diretor da obra-prima Os Eleitos ) é tão bom quanto o livro. Tem Daniel Day Lewis e Juliette Binoche ( perfeitos ). Quem amou o livro amará o filme.
Mas é só aparência. Por trás de suas frases distantes há a emoção dilacerante de uma derrota. A derrota da mais linda das revoluções: a primavera de Praga. Movimento libertário ( feito de sexo e arte ) que foi esmagado pelos tanques russos e se tornou no Ocidente uma palhaçada de marketing. A primavera de 68 nada teve de midiática. Foi o sonho de um socialismo humanista. De uma politica não científica. Foi absoluto desastre. Traumatizante derrota.
No livro Teresa é o símbolo do povo tcheco. Ela acorda para a vida tarde demais, é usada e entra em noia. Termina descobrindo a paz de se "cultivar seu jardim" ( como dizia Voltaire ).
A livre Sabrina é o espírito de 68. Ela a nada se prende e bate asas, vai à California, onde assiste a derrota como estrangeira em terra de estrangeiros.
Mas quem é Thomas? Esse médico que se humaniza e parece ser derrotado, mas que também aprende a cultivar seu jardim? Thomas é Milan? Thomas é o leitor? Não importa. Ele é um médico, um homem feito para ajudar, para curar, para servir. A escrita de Kundera é curativa. Neste relato ele se cura e tenta curar almas que se tornaram estéreis.
Há uma frase de antologia: " Se o paraíso é um círculo, onde o tempo não se esvai mas é repetição de prazer, os cães, em sua doce e não-ambiciosa rotina, vivem no Eden do não-tempo." Esse cão é Karenin ( homenagem a Anna Karenina ). Morre com um tumor.
O nome Karenin não é em vão. Este livro tem muito em comum com a obra-prima de Tolstoi ( o melhor livro já escrito? ). A vida de Kitty e Lievin antecipa a vida de Thomas e Teresa. Tolstoi adivinhou a vida possível.
Hoje nada é mais fora de moda que Kundera. Ele não é exagerado. Não é drogado ou sujo. É sempre elegante, distante, preciso.
O filme de Philip Kauffman ( diretor da obra-prima Os Eleitos ) é tão bom quanto o livro. Tem Daniel Day Lewis e Juliette Binoche ( perfeitos ). Quem amou o livro amará o filme.
ANNA KARENINA - TOLSTOI
A primeira sentença já faz com que saibamos estar diante de algo muito especial. Após as primeiras vinte páginas estamos viciados e logo sentimos a presença de um tipo de gênio ou duende em cada palavra escrita. Tolstoi é vasto como Shakespeare. Seu dom é o de abarcar tudo. Ao contrário de Dostoievski, ele não se limita apenas aos loucos ou desajustados. Diferente de Tchekov, ele é potente, forte, corajoso, heróico.
Anna é o personagem central mas não é o maior. Vronski é tão grande como ela. O que o livro nos dá é inestimável. A idéia central é : o amor romântico é valorizado demais. Erramos ao aceitar o pensamento de que tudo se desculpa pelo amor. Pode-se matar, e se pode morrer. Se for por amor foi por bela causa. Pois a esse amor, no fundo egoista, Tolstoi opõe o amor de Lievin e Kitty. E em Lievin, Tolstoi cria o mais nobre personagem de toda literatura ( incluindo Quixote e Hamlet ). Lievin ama Kitty com fidelidade e devoção, Kitty aprende a admirar Lievin e dessa admiração brota o amor. Mas o amor deles é um amor que engloba tudo, eles estão interessados na vida, não vêem toda a vida nos olhos do outro. Kitty vive ocupada com seu trabalho na fazenda e Lievin tem ideais. Lievin sonha com a igualdade entre camponeses e vive em crise de espírito e de carne. O livro contrasta todo o tempo o mundo futil de Anna com o mundo vital de Lievin. Lievin entende Anna e poderia a amar. Mas Anna está cega pelo que imagina ser Vronski e Vronski ama Anna. Eles se bastam... mas a vida não é assim.
As páginas da crise espiritual de Lievin e sua cura pela observação da natureza, são a coisa mais maravilhosa que li em toda a vida. Ao ler aquilo voce sente todo o sufoco e aturdimento de Lievin, mas, milagrosamente, a ressureição dele é a sua. Quando ele sente finalmente a paz e enxerga o sentido de tudo, voce, maravilhado, sente exatamente o mesmo. A sensação é de sol brilhando, de anjos descendo, de mar descoberto. Vemos a vida pela primeira vez. Mas há bem mais.
As fofocas e as suntuosas festas, a vaidade vazia, a crueldade do marido traído ( e que nunca se torna um vilão ) o final de Anna. Estamos longe do romance melado, estamos longe do realismo. Tolstoi escreve num estilo só dele, é como se nos pegasse pela mão e fosse nos mostrando o mundo. "Veja leitor, eis uma mulher bela ! Percebe onde reside sua fraquesa ? Veja leitor, isto é a nobreza e isto é a vilania ! " Tolstoi nos faz mais adultos, mais vivos, ele nos dá o mundo.
Anna Karenina nos surpreende todo o tempo. Quando pensamos ter captado quem ela é, algo acontece e duvidamos de sua verdade. O autor cria personagens críveis, podemos vê-los, podemos ouvir suas vozes, mas nunca conseguimos capturá-los.
Leon Tolstoi foi parte da nobreza russa, foi soldado, foi literato. Enfrentou forte crise espiritual e largou tudo. Foi viver numa comunidade agrícola ( em suas terras ) onde fundou uma religião e um tipo de proto-socialismo. Todos os seus anos de velhice são anos de pregação utópica. Tolstoi morreu amargurado pela realidade egoista dos homens, recebendo romarias de escritores que o viam como um deus. Anna Karenina nos dá tudo isso.
O que faz de um livro um bom livro é sua capacidade de nos abstrair da realidade.
O que faz de um livro um grande livro é quando o autor cria uma nova realidade e nós mergulhamos nela.
O que faz de um livro coisa de gênio é o dom de transformar o leitor e o mundo durante sua leitura e após sua leitura. Após Anna Karenina, deixamos de ser os mesmos e o mundo deixa de ser como era. Tolstoi cria um mundo de tinta e papel. E mais incrível, modifica um universo de pedra, água e fogo, usando apenas tinta e papel. Talvez Deus exista.
Anna é o personagem central mas não é o maior. Vronski é tão grande como ela. O que o livro nos dá é inestimável. A idéia central é : o amor romântico é valorizado demais. Erramos ao aceitar o pensamento de que tudo se desculpa pelo amor. Pode-se matar, e se pode morrer. Se for por amor foi por bela causa. Pois a esse amor, no fundo egoista, Tolstoi opõe o amor de Lievin e Kitty. E em Lievin, Tolstoi cria o mais nobre personagem de toda literatura ( incluindo Quixote e Hamlet ). Lievin ama Kitty com fidelidade e devoção, Kitty aprende a admirar Lievin e dessa admiração brota o amor. Mas o amor deles é um amor que engloba tudo, eles estão interessados na vida, não vêem toda a vida nos olhos do outro. Kitty vive ocupada com seu trabalho na fazenda e Lievin tem ideais. Lievin sonha com a igualdade entre camponeses e vive em crise de espírito e de carne. O livro contrasta todo o tempo o mundo futil de Anna com o mundo vital de Lievin. Lievin entende Anna e poderia a amar. Mas Anna está cega pelo que imagina ser Vronski e Vronski ama Anna. Eles se bastam... mas a vida não é assim.
As páginas da crise espiritual de Lievin e sua cura pela observação da natureza, são a coisa mais maravilhosa que li em toda a vida. Ao ler aquilo voce sente todo o sufoco e aturdimento de Lievin, mas, milagrosamente, a ressureição dele é a sua. Quando ele sente finalmente a paz e enxerga o sentido de tudo, voce, maravilhado, sente exatamente o mesmo. A sensação é de sol brilhando, de anjos descendo, de mar descoberto. Vemos a vida pela primeira vez. Mas há bem mais.
As fofocas e as suntuosas festas, a vaidade vazia, a crueldade do marido traído ( e que nunca se torna um vilão ) o final de Anna. Estamos longe do romance melado, estamos longe do realismo. Tolstoi escreve num estilo só dele, é como se nos pegasse pela mão e fosse nos mostrando o mundo. "Veja leitor, eis uma mulher bela ! Percebe onde reside sua fraquesa ? Veja leitor, isto é a nobreza e isto é a vilania ! " Tolstoi nos faz mais adultos, mais vivos, ele nos dá o mundo.
Anna Karenina nos surpreende todo o tempo. Quando pensamos ter captado quem ela é, algo acontece e duvidamos de sua verdade. O autor cria personagens críveis, podemos vê-los, podemos ouvir suas vozes, mas nunca conseguimos capturá-los.
Leon Tolstoi foi parte da nobreza russa, foi soldado, foi literato. Enfrentou forte crise espiritual e largou tudo. Foi viver numa comunidade agrícola ( em suas terras ) onde fundou uma religião e um tipo de proto-socialismo. Todos os seus anos de velhice são anos de pregação utópica. Tolstoi morreu amargurado pela realidade egoista dos homens, recebendo romarias de escritores que o viam como um deus. Anna Karenina nos dá tudo isso.
O que faz de um livro um bom livro é sua capacidade de nos abstrair da realidade.
O que faz de um livro um grande livro é quando o autor cria uma nova realidade e nós mergulhamos nela.
O que faz de um livro coisa de gênio é o dom de transformar o leitor e o mundo durante sua leitura e após sua leitura. Após Anna Karenina, deixamos de ser os mesmos e o mundo deixa de ser como era. Tolstoi cria um mundo de tinta e papel. E mais incrível, modifica um universo de pedra, água e fogo, usando apenas tinta e papel. Talvez Deus exista.
NOITES COM SOL- TAVIANI ( E TOLSTOI )
Que Tolstoi foi o maior escritor da história não tenho dúvida alguma. Que foi um santo há quem pense. Não creio em santos, mas creio em iluminados. O conde Tolstoi teve uma iluminação, um êxtase, uma visão.
Padre Sérgio é seu conto mais auto-biográfico e em 1990 os irmãos Taviani fizeram este filme baseado no conto. A narrativa de Tolstoi é terrível obra-prima de filosofia natural. O filme jamais poderia o igualar. Mas ele é, felizmente, digno de tal brilho. É um imperfeito filme que impressiona e comove. Na alma.
Os primeiros vinte minutos são fracos. É a parte que narra Sergio como um barão que serve ao seu rei. Mas ele é traído por sua noiva e parte. Sua vida será a busca impossível por Deus.
Primeiro ele se torna padre. Depois um ermitão. Faz milagres ( o filme não os esclarece ). É vencido pela tentação ( a tentação é feita por uma muito jovem Charlotte Gainsbourg...... ) e termina se juntando aos camponeses e desaparecendo no mundo.
O filme tem cenas que impressionam. São momentos sem voz, de absoluta beleza. A cerejeira, com a qual ele dialoga ( calado ) desde a infância em busca de Deus; a vastidão do campo, onde ele se isola para fugir dos homens; a cena final, em que ele caminha para o fim; o mergulho no lago... Em todas essas cenas há algo de profundamente religioso. Os Taviani conseguem nessa hora algo de Dreyer e de Bresson, mas acima de tudo, nunca traem o espírito de Tolstoi.
Tolstoi foi um hippie antes do tempo. Um existencialista. Um homem do nosso tempo e do futuro. O filme brilha por nos mostrar isso. Sergio quer alguma coisa. Mas nem ele sabe o que.
A cópia que existe desse filme em DVD é terrível. A fotografia está estragada. Mesmo assim o filme é belo. E tem uma trilha sonora de Nicola Piovani genial. Música maravilhosa à Mozart.
Se voce tem uma alma inquieta, se voce crê no mistério da vida, se voce quer mais do que pode ter... veja este filme. É obrigatório. Imperfeito, porém inesquecível. Faça esse bem a sí-mesmo.
Noites com Sol é uma oração de fé na vida. Triste, porém, vivo.
Padre Sérgio é seu conto mais auto-biográfico e em 1990 os irmãos Taviani fizeram este filme baseado no conto. A narrativa de Tolstoi é terrível obra-prima de filosofia natural. O filme jamais poderia o igualar. Mas ele é, felizmente, digno de tal brilho. É um imperfeito filme que impressiona e comove. Na alma.
Os primeiros vinte minutos são fracos. É a parte que narra Sergio como um barão que serve ao seu rei. Mas ele é traído por sua noiva e parte. Sua vida será a busca impossível por Deus.
Primeiro ele se torna padre. Depois um ermitão. Faz milagres ( o filme não os esclarece ). É vencido pela tentação ( a tentação é feita por uma muito jovem Charlotte Gainsbourg...... ) e termina se juntando aos camponeses e desaparecendo no mundo.
O filme tem cenas que impressionam. São momentos sem voz, de absoluta beleza. A cerejeira, com a qual ele dialoga ( calado ) desde a infância em busca de Deus; a vastidão do campo, onde ele se isola para fugir dos homens; a cena final, em que ele caminha para o fim; o mergulho no lago... Em todas essas cenas há algo de profundamente religioso. Os Taviani conseguem nessa hora algo de Dreyer e de Bresson, mas acima de tudo, nunca traem o espírito de Tolstoi.
Tolstoi foi um hippie antes do tempo. Um existencialista. Um homem do nosso tempo e do futuro. O filme brilha por nos mostrar isso. Sergio quer alguma coisa. Mas nem ele sabe o que.
A cópia que existe desse filme em DVD é terrível. A fotografia está estragada. Mesmo assim o filme é belo. E tem uma trilha sonora de Nicola Piovani genial. Música maravilhosa à Mozart.
Se voce tem uma alma inquieta, se voce crê no mistério da vida, se voce quer mais do que pode ter... veja este filme. É obrigatório. Imperfeito, porém inesquecível. Faça esse bem a sí-mesmo.
Noites com Sol é uma oração de fé na vida. Triste, porém, vivo.
A BEM AMADA / KHADJI MURAT
Thomas Hardy teve uma longa carreira. Seu último livro é este, "A BEM AMADA", novela curta, reescrita várias vezes pelo autor. Após este título, Hardy se dedicaria apenas a poesia. E do que trata a novela ?
Um jovem de posses, escultor, passa sua vida atrás da alma da tal "bem amada", símbolo da mulher perfeita- sublime-ideal. Pensa várias vezes tê-la achado, mas esse espírito logo foge de sí, transferindo-se para outra forma feminina, outro corpo. Essa primeira parte da narrativa se chama " Um jovem de 20 anos". A segunda parte é "Um jovem de 40 anos".
Uma antiga amada vem a morrer e ele sente que era ela, então, seu grande amor. Agora que está morta e inacessível, nosso jovem de 40 vê o quanto a amava. Ato imediato, apaixona-se pela filha da falecida, imagem mais tosca da mãe. Eis a nova encarnação da bem-amada.
No terceiro segmento, "Um jovem de 60 anos", ele conhece a filha da filha de sua amada. A mãe dessa menina, sua ex- musa, tenta fazer com que eles se casem. Ele enfrenta esse ridículo, mas ela não o quer ( como a mãe não o desejou ).
Hardy se dá muito melhor quando é naturalista. Aqui, tentando ser também simbolista, ele se torna enfadonho. Apesar de curto, o livro não avança, não flui, não seduz. Uma pena, pois o tema é maravilhoso.
Falar de "Khadji Murat" é falar de seu autor, e falar de Leon Tolstoi é falar do maior de todos. Chamado por muitos de "o melhor conto de aventuras já escrito", aqui se fala de tudo que ainda importa. Heroísmo, familia, camaradagem, guerra, miséria, e até de ecologia, Tolstoi fala.
Khadji é um rebelde muçulmano que resolve lutar ao lado de seus antigos inimigos, os russos. O cenário é a rebelião na Tchetchenia ( vejam só... os problemas não mudam... ) e Khadji é orgulhoso, individualista, hábil e muito religioso. Em 120 páginas, lidas em poucas horas, dúzias de personagens surgem nítidos, vivos, a respirar. Tolstoi mostra com imagens simples e fortes a selvageria do homem, o ridículo que é a guerra, a traição pelo dinheiro, a violencia sem justiça, o absurdo e a futilidade da vaidade. Ele mostra, diz, pinta. Nos envolve no cenário gelado, sentimos o gosto da comida, respiramos a pólvora e a névoa. Os golpes que decepam, nós os sentimos.
Khadji não é bom. Ele é um homem grande. Tolstoi é um homem grande. E esta história, simples, curta e breve, soa vasta, imensa, de verdade plena.
Ler "Khadji Murat" é ver o espírito do homem, saborear o salgado gosto da vida e se tornar um pouco menos iludido com o brilho tolo do mundo. Tolstoi foi mais que um escritor, foi um guru.
Um jovem de posses, escultor, passa sua vida atrás da alma da tal "bem amada", símbolo da mulher perfeita- sublime-ideal. Pensa várias vezes tê-la achado, mas esse espírito logo foge de sí, transferindo-se para outra forma feminina, outro corpo. Essa primeira parte da narrativa se chama " Um jovem de 20 anos". A segunda parte é "Um jovem de 40 anos".
Uma antiga amada vem a morrer e ele sente que era ela, então, seu grande amor. Agora que está morta e inacessível, nosso jovem de 40 vê o quanto a amava. Ato imediato, apaixona-se pela filha da falecida, imagem mais tosca da mãe. Eis a nova encarnação da bem-amada.
No terceiro segmento, "Um jovem de 60 anos", ele conhece a filha da filha de sua amada. A mãe dessa menina, sua ex- musa, tenta fazer com que eles se casem. Ele enfrenta esse ridículo, mas ela não o quer ( como a mãe não o desejou ).
Hardy se dá muito melhor quando é naturalista. Aqui, tentando ser também simbolista, ele se torna enfadonho. Apesar de curto, o livro não avança, não flui, não seduz. Uma pena, pois o tema é maravilhoso.
Falar de "Khadji Murat" é falar de seu autor, e falar de Leon Tolstoi é falar do maior de todos. Chamado por muitos de "o melhor conto de aventuras já escrito", aqui se fala de tudo que ainda importa. Heroísmo, familia, camaradagem, guerra, miséria, e até de ecologia, Tolstoi fala.
Khadji é um rebelde muçulmano que resolve lutar ao lado de seus antigos inimigos, os russos. O cenário é a rebelião na Tchetchenia ( vejam só... os problemas não mudam... ) e Khadji é orgulhoso, individualista, hábil e muito religioso. Em 120 páginas, lidas em poucas horas, dúzias de personagens surgem nítidos, vivos, a respirar. Tolstoi mostra com imagens simples e fortes a selvageria do homem, o ridículo que é a guerra, a traição pelo dinheiro, a violencia sem justiça, o absurdo e a futilidade da vaidade. Ele mostra, diz, pinta. Nos envolve no cenário gelado, sentimos o gosto da comida, respiramos a pólvora e a névoa. Os golpes que decepam, nós os sentimos.
Khadji não é bom. Ele é um homem grande. Tolstoi é um homem grande. E esta história, simples, curta e breve, soa vasta, imensa, de verdade plena.
Ler "Khadji Murat" é ver o espírito do homem, saborear o salgado gosto da vida e se tornar um pouco menos iludido com o brilho tolo do mundo. Tolstoi foi mais que um escritor, foi um guru.
Assinar:
Postagens (Atom)