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LONDON SESSIONS-HOWLIN WOLF and HARD AGAIN-MUDDY WATERS

"Voce é a lua da minha noite". "As estrelas brilham por voce". "O meu coração tic tac por voce". E então: "Eu vou me afastar de voce antes que cometa um crime". O último trecho é de Howlin Wolf, os outros das canções de rádio da época. Grande letristas, como Cole Porter ou Kurt Weill escreviam literatura ( os trechos ruins que citei não são deles, são coisas comuns dos anos 40 e 50 ), letras maravilhosas, sublimes, tristes ou eufóricas, mas o blues dava a radiografia de um tipo de vida ignorada, a vida dos pobres, dos negros pobres, mas não só deles. " Eu estou com uma arma na mão procurando quem me traiu". Para jovens classe média americanos e depois ingleses, isso parecia um filme noir, uma porrada na porta do quarto, isso parecia sexo. --------------- Pois Cole, Gershwin e Berlin escreviam sobre amor, e muitas vezes sobre erotismo. O blues falava de sexo. Não havia espaço para champagne, sedas ou conversas espertas. Era a violência do ciúme, o furor do desejo, a urgência da fome por carne. ------------ Em 1970 lançaram um disco chamado LONDON SESSIONS. O primeiro volume foi feito para homenagear Chuck Berry e o segundo Howlin Wolf. Estou com o disco de Wolf na mão. Quem o acompanha é Charlie Watts, Bill Wyman, Stevie Winwood e Eric Clapton ( ano cheio para Eric. Em 70 ele lançou seu primeiro disco solo, acompanhou John Lennon ao vivo, esteve nesta homenagem e ainda teve espaço para lançar Layla ). A voz de Wolf é a melhor do blues, é a mais viril e a que transmite mais verdade. Cada palavra tem peso, tem presença, vemos a ação acontecer. Wang Dang Doodle é talvez o ponto mais alto, mas não há falhas. -------------- Em 1977 Johnny Winter, o selvagem guitarrista albino, resolveu pagar tributo a Muddy Waters. Hard Again fez sucesso e até grammy ganhou. Winter, um guitarrista diabólico, dá espaço à Muddy, é uma celebração. Eu sei que Waters é o rei do blues, minha preferência por Howlin é questão pessoal, e portanto este é um disco obrigatório. Se voce não conhece Winter não sabe o que perdeu até agora, e Muddy é o próprio Mannish Boy. --------------- Faria um bem danado ao mundo se Howlin e Muddy fossem ensinados nas escolas. Eles têm tudo que falta a molecada de 2022: atitude, coragem, força, desejo. Ouça.

LONDON SESSIONS - HOWLIN WOLF

Eu não gosto de blues chique. Aquele tipo de blues feito nos anos 80, para publicitários e jornalistas. Muito bem gravado, solos cristalinos, vocais macios. É entediante. Chato. Nega tudo que o blues de fato é: música tosca. ------------- O blues é tosco porque em seu espírito há pouco espaço para invenções. São poucos acordes que se repetem, frases que fazem eco, temas sempre os mesmos. O que o redime, o que faz do blues algo de apaixonante é sua paixão, sua verdade, o perigo. Perigo porque o blues de verdade vive na margem, no limite, na quase marginalidade, no outlaw. ------------- Howlin Wolf tem a voz do perigo, da briga, da ofensa. É sujo. Dizem que ele batia nos músicos que errassem. Dizem que ele era forte como um touro. Dizem lendas e blues são lendas turvas. Em 1970 resolveram lançar, na Inglaterra, uma séries de LPs em homenagem aos mestres do rock e do blues. London Sessions. Músicos famosos acompanhando os veteranos. Falam que o dedicado a Bo Diddley foi um desastre. O disco de Chuck Berry um sucesso de vendas. E este, o de Wolf, o melhor. Quem o acompanha é Charlie Watts e Bill Wyman, Ian Stewart e Steve Winwood, e ainda Eric Clapton na guitarra. Generoso, Clapton sola pouco, o disco é do veterano. E é selvagem. A voz de Wolf repercute como voodoo. É blues de verdade. Safado e no fio da faca. Uma pistola na sua testa. Howlin Wolf foi, ao lado de Muddy, o melhor de todos.

UM GUITARRISTA CHAMADO PETER GREEN

Em 2004 uma eleição da revista Guitar World colocou Peter Green como um dos 3 maiores guitarristas da história. E voce talvez pergunte: Quem? -------------- Creio que voce já ouviu algo do Fleetwood Mac. Seja Dreams ou Hold Me, afinal, é a segunda banda que mais vendeu discos nos EUA em todos os tempos. Rumours é o segundo disco mais vendido na história. Fleetwood Mac, a banda formada por dois ingleses, John McVie e Mick Fleetwood, baixo e bateria, a tecladista inglesa, Christine Perfect, e mais dois americanos da California, a cantora Stevie Nicks e o guitarrista Lindsey Buckingham. Espera! Onde está Peter Green nessa história? ----------------- Estava no Fleetwood Mac, pois entre 1967 e 1970 a banda foi um grupo de ingleses que tocava blues e rock psicodélico e fazia sucesso, muito, apenas em seu país. Mick e John tocaram nos Bluesbreakers de John Mayall e saíram ou foram expulsos do grupo para formar sua própria banda. Caso único em que os chefes são membros que não compõe e nem cantam. Fleetwood Mac era a maior banda da onda do blues inglês, moda dos anos 60, moda que era a cara da Londres de então, mas que nos EUA não causava impressão nenhuma. Pelo grupo de John Mayall passaram Eric Clapton, Peter Green e Mick Taylor. Opa! Taí o Peter Green. Ele foi convidado para fazer parte do novo grupo. Fato recorrente para Mayall, lançar um cara e o ver sair. Eric Clapton saiu para o Cream, Mick Taylor para os Stones e Peter Green para o Fleetwood Mac. Lá ele virou estrela com seu estilo que B.B. King chamava de "o mais delicado do blues". Em 1968, mesmo com a concorrência braba de Beatles, Stones, Who, Kinks, Bee Gees, Aretha Franklyn, Marvin Gaye, Monkees, Tom Jones, Hendrix, Cream, Traffic e vasto etc, o Mac ficou em quarto lugarna Inglaterra. Nos EUA apenas em 198.... ----------------- A banda chegou a ter 3 guitarristas, Jeremy Spencer logo foi convidado e depois Danny Kirwan. Era fácil saber quem era quem: Jeremy tocava slide, Danny dava acordes de fundo e Peter tinha o tal toque delicado, suave, feminino. Herança do estilo de Clapton, Peter Green conseguia parecer ainda mais elegante que Eric. Mas, estamos nos loucos sixties, e em 1970 Peter Green sumiu. Ele simplesmente desapareceu. Diziam que ele estava na India. Que vagava de carona mundo afora. Mas não. Desconfortável com o sucesso, ele saltou fora e pirou. Lançou alguns discos muito estranhos e nunca mais voltou aos eixos. Jeremy Spencer também largou a banda, ao mesmo tempo, para ser pastor religioso. E o Fleetwood Mac implodiu. John e Mick faliram e se mudaram para a California, e na mais espetacular mudança de estilo da história, viraram a mais americana das bandas. Em 1975 entram Stevie e Lindsay e o resto são milhões de dólares. ------------------ Eu gosto dos dois Macs. O americano tem um talento para o POP soberbo. Rumours é a trilha sonora dos solares anos de 1977-1978. No auge das vendas de LPs no mundo, época de Bee Gees, Elton John, Eagles, Wings e disco music, eles foram reis. Lindsay trouxe o estilo Buddy Holly-Beach Boys e Stevie o feminismo dos anos 70. Mick Fleetwood e John McVie ficaram milionários. ------------------ Já a banda de Peter Green era blues inglês. Perfeito. E com músicas, nada blues, compostas por Green, como Albatross, Black Magic Woman ( aquela que o Santana regravou ) e Oh Well!, que são diamantes originais, não são blues nem POP, são Peter Green. Ouça. O cara era único.

PRECISAMOS FALAR DO MELHOR GUITARRISTA DO MUNDO

Jeff Beck poderia ser o guitarrista mais famoso do mundo, mas ele é "apenas" o melhor. Amigo íntimo de Jimmy Page, ele nunca teve o seu Led Zeppelin, mas isso não impede que Page o chame de seu mestre. Beck foi elogiado por Hendrix e Clapton, Eddie Van Halen e Joe Perry, Zappa e McLaughlin. Por que? ---------------- O segredo de Beck é que sua meta nunca foi o blues. Mercurial ao extremo, ele se cansou do estilo em apenas um disco: Thruth, um excelente album, mas o único onde Jeff Beck toca blues. Se todos os outros guitarristas citados continuam ou ficaram décadas repisando Muddy Waters e BB King, Jeff Beck seguiu outro ideário: o sax de John Coltrane. ---------------- Desde os Yardbirds as pessoas se surpreendem com os solos de Beck. São agudos, estridentes, afiados como facas, curtos, certeiros. Ele não tem, em quase 60 anos, dois solos parecidos. Insatisfeito sempre. -------------- Falei do Yardbirds? Ele aguentou dois anos na banda. E chamou o brother Page para seu lugar. Já famoso, formou o Jeff Beck Group, com Rod Stewart e Ron Wood. Era para terem sido a superbanda da virada da década. Mas foi aí que o calcanhar de Aquiles de Jeff Beck surgiu: ele é intratável. Jeff Beck é um cockney grosseiro do tipo dos filmes de Jason Stratham. Quando Rod errava um vocal ele mandava ele se foder. Na hora. O tal Group durou um mísero ano. Rod e Ron foram fazer os Faces. Jeff criou o segundo Jeff Beck Group. Mas logo brigou outra vez. ---------------------------- Não há na vida de Beck histórias de drogas ou bebida. Seu veneno foi sua incapacidade de compor e seu gênio de dono de pub. Por volta de 1974 ele partiu para o funk-jazz-rock. Instrumental. Nunca mais ele teve de tolerar algum cantor estrela. Sua guitarra se soltou ainda mais. Solos como sax, como trompete, jamais como blues. Blow By Blow vendeu muito. ------------------ Hoje, neste século, Jeff Beck se firmou, finalmente, como guitarrista central. Está sempre dando shows, grava quase todo ano, faz o que quer. Seu grande amor sempre foram carros antigos. Ouço dois discos: YOU HAD IT COMING de 2000, e WHO ELSE! de 2010. Ele usa e abusa da eletrônica. Brinca com synths e sequenciadores. Gente da geração dele quando usa música eletrônica costuma parecer fake. Ele não. A guitarra de Beck, cheia de efeitos, se adapta muito bem ao estilo. ------------ Dos amigos de sua geração, Jimmy Page não grava nada com alguma relevância desde o fim do Led Zeppelin. Clapton após encontrar Deus, grava discos de blues para publicitários coroas. Jeff Beck é o único que mantém acesa a chama da inquietação. Ao final, talvez ele seja o que sempre quis ser. Livre.

ERIC CLAPTON E VAN MORRISON

Eric e Van lançaram uma música em que pedem o fim do lockdown. Esse é um direito deles. São os dois de um tempo em que era comum se pedir liberdade. Se hay gobierno soy contra, lembram? Quem não gostou da canção ou da atitude tem todo o direito de dizer o que pensa. O problema é quando não se desgosta do ato, mas se ofende a pessoa. Eis o tal do lacramento. Acusam Eric de dever seu dinheiro à Bob Marley. De ter explorado a música dos negros: o blues. Sou obrigado a defender Eric? Van Morrison eles nem atacaram. É provável que nem saibam quem é. Eric saiu dos Yardbirds por pensar que a banda era pop demais. Foi fazer blues com John Mayall para honrar o blues e não para ganhar dinheiro. Quando o Cream explode nas paradas ele se sente incomodado. E parte para Delaney e Bonnie na intenção de fazer o que sempre sonhou: virar americano. Bob Marley deveu sua popularização mundial à versão de Eric para i shot the sheriff. E Eric não foi o primeiro branco a gravar reggae. Por que não falaram dos outros? Porque eles não se manifestam contra a maré? Lacração tem fedor podre. Lembra o CALA A BOCA e também o FICA NO SEU LUGAR. Pior, há um movimento que luta contra a integração. Negros não devem amar brancos. Cada raça deve manter sua pureza. Lembra nazismo. Mas eu prefito chamar de loucura. Conheço aluna negra que não fala com branco. Que nome isso deve ter? Irão cobrar Chico Buarque por usar o samba dos negros? Tem gente atacando Gilberto Gil por causa de seus casamentos com brancas. Dizem que ele quer branquear a raça. Raça? Que raça? Nosso DNA é todo o mesmo. Somos filhos do mesmo Adão. Haja burrice! Clapton foi influenciado por Muddy Waters, BB KIng, JJ Cale, The Band, Country e Blues. E daí? No blues original há uma imensa influência de country e de folk irlandês. E daí? O violão veio da Espanha e as harmonias da Alemanha. E daí? A língua é a inglesa, e o inglês é de origem bárbara celta e saxônica...e daí? Em 2020 ter de falar para um negro que não existe cultura pura e nem raça original...é ridículo! Trata-se do mais elementar conhecimento. Bem...espero que Eric não tenha ficado triste. Espero que ele já soubesse que hoje a censura vem de onde deveria vir o vale tudo.

STEPPIN' OUT (1966) by John Mayall's Bluesbreakers



leia e escreva já!

BLUESBREAKERS, MAYALL, CLAPTON, MCVIE E FLINT.

   Clapton is God.
   Foi por causa deste disco que essa pichação virou mania na Londres de 1966. E se a gente lembrar em 2015, que na época guitarra era aquela de George Harrison, Roger McGuinn e Brian Jones, todos ótimos, mas todos com cara de 1965, este disco, de 1966, mostra o porque do choque que Eric causou. É o primeiro disco "de guitarra" da história do rock.
   Porque mesmo o Yardbirds de Eric, e então de Jeff Beck, era banda de vocal e de harmônica. A guitarra era uma segunda ou terceira voz, notada só pelos mais freaks. neste disco ela se torna o centro, a estrela.
  Quem leu o livro de Eric sabe que ele é um iluminado. Sua estrada pessoal começou aqui, homenageando os mestres. O cara-pálida inglês tenta ser um negro do Mississipi. Inventa outra coisa. O grande herói da guitarra. Na sua cola vem Peter Green no Fleetwood Mac original, e Jeff Beck no disco Thruth. ( Hendrix é americano, e a América nego, é outra lenda ).
  Seria bom ouvir os 3 discos juntos. O disco de Eric abrindo todos os timbres e escalas do blues rock. O baixo de John McVie e a voz e teclados de John Mayall levando a banda com generosidade. É dançável e tem um dos top de todo o rock: Have You Heard About my Baby. De chorar. O disco faz com Layla e 461 Ocean Boulevard, os três grandes discos de Clapton. ( E também vários singles do Cream ). Depois o primeiro disco do Fleetwood Mac desenvolvendo a linguagem com maior agressividade e punch. E o disco de Beck, a cristalização do estilo. Tudo pronto então para a irrupção do big rock dos guitarristas dos anos 70.
  Eric viraria as costas a tudo isso. Sua estrada o levaria ao mundo mais clean, menos egocêntrico do rock amigável de The Band e J J Cale.
  Os 3 discos se ouvem muito bem neste tempo de salada geral. Aqui nasce o primeiro ingrediente. A mistura América e Europa.

Eric Clapton & Friends - Call Me The Breeze (Official Music Video)



leia e escreva já!

THE BREEZE, AN APPRECIATION OF J.J. CALE...ERIC CLAPTON AND FRIENDS.

   Na classificação de Ezra Pound, Eric Clapton seria um mestre e não um criador. Ao contrário de Jeff Beck e Jimmy Page, Eric nunca se preocupou em criar, seu negócio foi aprender, superar e divulgar seus ídolos. Aqui ele paga tributo a um dos maiores, o certeiro JJ Cale, um rei da guitarra econômica.
   Eric veio de toda aquela coisa blue. Ele, Peter Green, Mick Taylor, Jeff e Jimmy, Keith, Pete. Todos branquelos sonhando com o Mississipi e New Orleans. O Cream era a amplificação dessa vertente. Robbie Robertson desviou o rumo de Eric. Quando ele ouviu The Band sua vida mudou. A guitarra passou a ser mais refinada, sutil. Numa entrevista ele conta: Meu objetivo não é ser o mais rápido. É conseguir tocar uma só nota. A nota perfeita. A segunda mudança de Eric foi a descoberta da voz e da canção, isso via Stevie Wonder. Foi então que a presença de JJ Cale se tornou mais forte. Stevie Wonder trouxe voz e inspiração, JJ trouxe estilo, solos, climas. Essa sopa deu em Eric solo. 
   JJ Cale morreu em 2013. Pouco antes ele e Eric haviam gravado seu primeiro disco em dupla. Uma obra-prima de amizade, de troca, de rock`n`roll. Agora em 2014 Eric lança este cd só com músicas de Cale. São 16 faixas curtas com a participação de Tom Petty, Mark Knopfler, John Mayer e Willie Nelson. Nada disso, não é um desses impessoais discos de homenagens. A coisa aqui é intimista, discreta, como foi JJ Cale. O cd é obrigatório. 
  Raras vezes Clapton tocou tão bem. E impressiona o modo como todos cantam com a voz à JJ Cale. Até a voz de Tom Petty fica rouca como a do grande músico da Flórida. Guitarras dialogam com brilho, naquele estilo agudo, cigano que JJ popularizou. Disco feliz, disco que comprei hoje e que escutarei pelo verão afora. 
  Para quem não conhece, JJ Cale foi um cara influente que jamais estourou. De 1967 a 2013 foi uma longa e discreta carreira. Gravou bastante e esse seu estilo é discreto, simples, sinuoso, sofisticado e delicado. Sem jamais deixar de parecer viril. JJ Cale fazia música de homem, e sempre com ternura. Voz rouca e grave, seus discos exalam calor. O som de Cale é tropical, chuvoso. Ele combina com praia, estrada, carros grandes e camisas havaianas. E com uma noite de mojitos, de varanda com charuto, com lembranças. É sexy sem jamais ser exibido. Discreto sempre.
  Acho que ele teve uma boa vida. Encontrou um estilo único e o desenvolveu ao limite. Não procure nele a inquietação de Kevin Ayers por exemplo. JJ é o mestre que trabalha sobre seu molde. Perfeccionista. 
  Pena que nunca mais haverá um novo disco dele. 

461 OCEAN BOULEVARD- ERIC CLAPTON, O CARA LEGAL.

   Eric é um cara estranho. Mas também é um cara legal. Como Neil Young ou Bruce Springsteen, voce pode até não gostar de suas músicas, mas é dificil atacar o cara. Eric é dos poucos nomes do rock que dá vontade de ser amigo. Eu adoro por exemplo, Keith Richards, mas não sei se seria bom ser seu brother. De Bowie então nem é bom falar...
   ( Aproveito pra recomendar de novo a bio de Eric. )
   Em 1974, após 4 anos de retiro em virtude de vicios em álcool e heroína, e contando com uma força espiritual de Pete Townshend, Eric vai à Miami gravar este disco. Que chega ao primeiro posto tanto na GB como nos USA. É o melhor disco de Eric. Calmo, limpido, sereno e muito bonito.
   Vale aqui dizer que o objetivo de Clapton como guitarrista nunca foi ser o mais rápido, o mais original ou o mais potente. Ele sempre afirmou que seu sonho era conseguir a perfeição, tocar a nota cristalina. Nessa busca, Zen, ele se afirma com seu estilo limpo, puro, sem ruído, fluido, um estilo que pode ser chamado de espiritual. Ele jamais agride, e é sempre "belo". Equilibrado. Robbie Robertson, Steve Cropper e J J Cale também possuem esse segredo.
   Preciso repetir a história do triângulo Eric-Patty-George? Eric se apaixona pela esposa do melhor amigo, George Harrison, é rejeitado por ela e dá uma bela pirada. E como o mundo gira, ela acaba nos braços de Eric, anos depois. Pelas fotos de Patty é fácil entender a paixão de Clapton.
   Mas vamos falar deste disco? É um dos que mais ouvi em minha vida. O som da guitarra é tão perfeito, tão simples e ao mesmo tempo macio, sexy, esperto, que voce acaba escutando Eric como se ele fosse um pequeno mantra. Aqui ele regrava alguns velhos blues, todos brilhantes, e é onde ele lança Bob Marley para o mundo, I Shot The Sheriff. A melhor faixa é Give Me Straight, linda de chorar. Mas há muito mais: I Can`t Hold On, com sua discreta alegria, Motherless Children, que tem um slide de derreter cinturas...e faixa final, um estupendo duelo de guitarras deslizantes, um hino a respeito de estradas e destinos. Wow!
   Como falo sempre, o tempo coloca tudo em seus lugares. Revela a verdade e ridiculariza a mentira. Este disco, dono de seu tempo, sobrevive. É bom pacas!

MEU AMIGO RODERICK STEWART ( uma bio duca! )

De todos os astros do rock cujas bios eu li, Rod Stewart é aquele de quem eu gostaria muito de ser amigo. O cara é legal, simples, gente boa. E a forma que ele escolheu de contar sua vida demonstra isso. Nada da confusa história cheia de lacunas de Keith Richards, nada da detalhada e melô bio de Paul MacCartney. O drama sem humor de Clapton também não está aqui e nem a coisa arty de Patti Smith. Rod é engraçado. Tudo o que ele conta é auto-irônico, lê-lo é um prazer e uma alegria. Ele foi e é feliz, não tem vergonha disso, nunca tenta ser herói. Ele é o Rod do Faces, aquela que foi a mais feliz das bandas.
Cada capítulo usa o tipo de título que era usado por Swift, Fielding e Sterne..."Como nosso herói perdeu a virgindade e ao mesmo tempo foi descoberto por um olheiro de futebol". Roderick Stewart foi o caçula de uma familia grande. Era fruto de um acidente, sua mãe engravidou sem querer, seu irmão mais próximo era 9 anos mais velho. Rod nasceu, e como último bebê, foi mimado. Seu pai era um encanador, e longe de serem ricos, nunca passaram privações. Sempre vaidoso ( Rod sempre dá um jeito de falar de seu cabelo, e tira uma de si-mesmo sobre essa mania de arrumar os fios ), ele amava futebol. Desmistifica certas lendas tipo, não, ele nunca foi jogador profissional ( fez uma peneira, não passou ), nunca foi coveiro ( mediu túmulos por uma semana, aí foi demitido ), não era mal aluno...e nem bom...era quieto. E jamais pensou em ser cantor. O que ele gostava e gosta mesmo é de futebol e de carros esporte. O ato de cantar vem em quarto lugar, pois ainda existem as mulheres. Muito da má vontade de certos críticos com ele vem daí, na época dos heróis do rock, dos drogadões, dos "tudo pelo rock", Rod Stewart sempre disse que estava nessa para poder ter um carro novo.
A gente lê página e mais página adorando estar na companhia de Rod. Nesse sentido, sua escrita é como suas melhores músicas, amigas para toda a vida. Ele ganha um violão do pai, toca mal, e como é fã de Bob Dylan, canta suas músicas na praia, na escola. E todo mundo começa a dizer, "canta Rod!". Ele canta. Vai a shows em porões sujos, vira fã dos Stones, ( onde eles estarão? ), e meio por acaso canta em bandas de blues. Todas são absolutos fracassos. Os produtores acham sua voz ruim e sua figura pouco rebelde. Como aconteceu na mesma época com Bowie e Elton, Rod passa a década de 60 no segundo e terceiro times. Porque mesmo quando ele entra para o Jeff Beck Group, que em 68 estourou, toda a atenção era de Jeff, já então um mito da guitarra...e um cara sempre de mal humor.
É nesse grupo que ele faz amizade com um cara tão descabelado, desencanado, mod e engraçado quanto ele, um tal de Ron Wood. Quando Jeff despede Ronnie, Rod sai junto. E isso bem na véspera de tocarem em Woodstock. ( Rod sente alivio por ter perdido essa chance. Todos que tocaram lá foram congelados como "o cara que tocou em Woodstock").  É então que a gravadora Mercury lhe oferece um contrato para um disco solo. Disco que será gravado em 15 dias. E que eu considero maravilhoso! É o soberbo LP que tem Handbags and Gladrags...um disco profundamente emocionante.  Esse album faz sucesso de critica...e nada de público. Mas com o segundo, Gasoline Alley, vem o sucesso na América e com Maggie May nasce o fenômeno.
As pessoas não lembram, mas o single Maggie May foi o primeiro a ser número um nos EUA e Inglaterra na mesma semana. Nem os Beatles conseguiram isso. E o lp Every Picture Tells a Story também seria número um nos dois países ao mesmo tempo! Só Michael Jackson com Thriller faria isso de novo. Era, em 1971, uma luta nas paradas, Rod brigando com Imagine de Lennon que brigava com Simon e Garfunkel que brigava com My Sweet Lord que brigava com Led Zeppelin.
Volto no tempo e digo que aos 9 anos Rod foi levado pelo pai ao cinema. Ele viu AS FÉRIAS DE MONSIEUR HULOT, de Jacques Tati. Até hoje seu filme favorito. Ao mesmo tempo, Ronnie Wood, quilômetros longe, via o mesmo filme. E depois do Jeff Beck Group, os dois formam os Faces, o mais tatiano dos grupos!
O Faces era o anti-rock progressivo. Anti-art rock. Era uma banda de palhaços, de grandes amigos, de preguiçosos. Entravam no palco sem um set list. Conversavam com a platéia decidindo na hora o que tocar. Jogavam futebol, montavam um bar, traziam dançarinas de can can, tudo no palco. Riam. SE DIVERTIAM. E traziam todo esse bom humor aos fãs. E aproveitavam para também levar tietes, dúzias pro hotel. Rod sempre foi isso, sem disfarçar, um cara da classe trabalhista que se divertia com a fama e o dinheiro. "Missão social?", "Mártir da fama?"....não me faça rir!Mas escrevendo com essa falta de pretensão ( e ele confessa ter uma imensa dificuldade para compor ), Rod Stewart conseguiu nos dar algumas das mais lindas, poéticas, inesquecíveis, fantásticas músicas de toda a história. Com sua voz privilegiada, ele nos faz ver, sentir e estar nos lugares que ele descreve. Em seus primeiros seis anos de carreira, tudo o que Rod canta vira vida de verdade.
Nascido dos escombros do Small Faces ( Steve Marriott saiu deixando Ian, Laine e Kenney a ver navios ), o Faces é uma banda duca!!!!!
Mas como Rod conseguiria administrar a carreira solo e a banda? Sendo que como solo ele vendia 10 vezes mais que nos Faces?
Continuo em outro post!

UM SHOW RUIM E UM SHOW EXCELENTE...BLIND FAITH E THE FACES

   Assisti a 3 show em dvd recentemente. Sobre os Stones no Hyde Park falo depois. Antes, o Blind Faith, também no Hyde Park.
   Blind Faith foi considerado o primeiro super-grupo da história e com eles já se percebe, super-grupo não significa grupo bom. O Blind Faith nunca funcionou.
   O único disco deles saiu em 1969 e eu o comprei, em lançamento exclusivo do Museu do Disco, em 1981. Viajei no disco, viajei porque fui sempre fã de Winwood, Clapton e Ginger Baker, mas é um disco decepcionante. E no show a gente vê porque. A banda não se aquece, não solta faísca, parece com sono, sem vontade. Os caras se dão bem, não é inimizade, eles apenas não acontecem.
   Steve Winwood, recém saído do Traffic, com apenas 20 anos, parece ficar todo o tempo admirado com a presença de Eric Clapton. Eric, com apenas 25 anos, já era a tempos o deus da guitarra. Toca maravilhosamente bem, mas está sonado. E há Ginger Baker na bateria e ver Ginger tocar é sempre emocionante.
   O toque de Ginger é completamente original e até hoje não surgiu alguém que toque como ele. É uma mistura de beat apache, ritmo tribal africano e muito jazz. Uma figuraça! O que faltou? Alguém com fogo, com paixão.
   Paixão sobra nos Faces. Show de 1973, ele começa com troupe de garotas dançando can can. O video do tube cortou as moças, no dvd elas ficaram. A banda entra e bota pra capar. É a melhor banda de bar do mundo, um tipo de irmãos Marx do rock inglês.
  Rod Stewart começa com uma vaidade quase irritante, mas se esquenta e toma o show no colo. E que voz é essa? Lembro que em 1976 eu e meus bros da escola conversávamos sobre qual a best voz do mundo. Robert Plant vencia, mas Rod era melhor. Ao vivo ele arrasa!
  Ron Wood dá uma aula de slide e Ronnie Lane foi um puta contra-baixo. Em The Borstal Boys a banda atinge um pico de fogo. Ian MacLaglen se exibe no teclado e Kenny Jones vira punk estraçalhando a bateria. Ao final, uma canção a capella, a banda em êxtase e os fãs em orgasmos múltiplos.
  Tudo o que Blind Faith não conseguiu sobra nos Faces.
   Ou melhor, o que falta a 99% das bandas sobra nos Faces.
   Enjoy it!

CADILLAC RECORDS

   Já escrevi isso um dia e volto a repetir: A coisa mais importante do século XX não foi o comunismo, a chegada a Lua, Bill Gates, a TV ou o esporte. Se um cara do século XIX chegasse a SP, Paris ou New York agora o que mais o deixaria pasmo seria a "negritude" do mundo. Falo negritude porque não falo só do fato de muitos negros andarem livres pelas ruas. O que mais o impressionaria é que a música é negra, o design é africano e principalmente, falamos, caminhamos, nos vestimos e gesticulamos como negros. Este filme, que NÂO é um bom filme, vai te ajudar a entender isso.
   Eu adoro Fred Astaire. Amo Cary Grant e John Wayne. Mas ninguém no mundo de hoje anda, fala e vive no mundo de Astaire, Cary e Wayne. O mundo desses ícones é o de 1941 por exemplo. E este filme começa em 1941. E começa numa plantation no Mississipi e Muddy Waters está lá. E aquele negro caipira, com seu violão é um homem de hoje. Coisa que Astaire não é.
   A história da Chess Records é conhecida por qualquer um que saiba o que seja Rock. Leo Chess, judeu polonês, pobre, pega Muddy e o grava. O resto é lenda. Muddy lança a base do som rock e Little Walter a atitude auto-destrutiva do rock star. Eles falam como Keith Richards e tocam como Jimi Page ou Jack White. Ganham alguma grana e bebem demais.
   O filme foi produzido por Beyoncé. E ela exagera um pouco em seu papel de Etta James. Tem Etta demais e Chuck de menos. Mos Def faz Chuck Berry. O cara que uniu Muddy ao country e inventou assim Elvis e os Beatles. Mos Def faz Chuck melhor que o próprio Berry.
   A melhor cena do filme é aquela em que Chess descobre um cara chamado Howlin Wolf. Cedric the Entertainer faz Wolf. O cara mais honesto-simples-forte e durão do blues. Suas cenas são do balacobaco e ele merece um filme só pra ele.
   Eles, diretora, produtora, atores, amam o blues. A gente percebe isso no filme. Mas tentaram contar coisas demais. Até a chegada dos Stones na Chess para gravar umas faixas em 1964 eles botaram ( e a cena é ótima ). " Esses branquelos magricelos são espertos".
   Ao ler a bio de Keith a gente percebe que ele passou toda a vida imitando Muddy, Chuck e Wolf. Ser chamado de black seria o maior elogio possível para Keith. E ele é, ele chegou lá. O povo que não gosta de Keith é o mesmo que não escuta black music. Ele é preto. E esse processo todos nós vivemos, em maior ou menor grau. Somos apaixonados pelo som, pela ginga, pelo improviso, pelo espírito voodoo.
   Veja o filme e entenda do que falo.
    PS: Quando Howlin Wolf morreu em 1976 ele estava tão falido que não havia dinheiro para seu enterro. Eric Clapton pagou o funeral e a lápide. Nada mais justo. Wolf é o homem que o fez nascer.

PARA MEU AMIGO LÉO, 461 OCEAN BOULEVARD-ERIC CLAPTON, NA BEIRA DO OLHO

   Amigo, a gente sabe que não dá pra passar pela vida impune. E que enquanto a corda não aperta forte, enquanto a gente não vê o diabo cara a cara, acordar e viver pode ser uma coisa adiada. Tem quem nunca acorde, e se distraia com doces  e amargas construções de desocupados. Mas a vida é uma coisa muito séria.
   Eu acho que voce viu o diabo muito cedo. E que desde então voce faz hora. Cara, seu negócio está na estrada! Voce nasceu pra viajar. Todo o resto, trabalho, mulheres, teses, filosofices, são mata-tempo. Voce sabe disso.
   Vi o demo com 23 anos e desde então tento travar trégua com o dito cujo. Não faço a menor ideia de qual seja a minha estrada. A vida é maravilhosa, um inexplicável milagre, o que me aflige é ela ser tão curta. Voce sabe, eu posso ver elfos na Paulista porque eu sou um elfo.
   Eric Clapton tem a alma de quem optou pelo encontro. Foi lá no cú do Judas e voltou. Ele não foi um desesperado por ter lido Sartre ou ter estudado demais. Não. Ele esteve lá, cara a cara e desabou. Voce conhece esse desabamento. Se não conhecesse não seria fã de Whitman.
   Vivemos em tempos tristes. Tristeza é confundida com inteligência.
   Este é o disco de 1974, de quando Eric voltou após os quatro anos de heroína. Mal ele sabia o que ainda iria ocorrer. Well...se Layla é o mais apaixonado dos discos, aqui temos uma pausa na vida. O disco é uma prece, calma, um pedido de paz, sem mais dor.
   Eu o comprei em 1991, e após o doloroso ano de 1990, ele veio como uma canção de recomeço. É isso! O disco tem espirito de retorno. Ele acalma, ilumina.
   A primeira música é uma tradicional canção folk, aqui com percussão, teclado, e a guitarra "feminina" de Eric. Seu timbre é sempre sinuoso, suave, relaxado. Give Me Strenght, a segunda canção, composição de Clapton, é sublime. Não há como a descrever. Religiosa. E assim segue o resto do disco. Blues quase alegres, canções pensativas, um reggae quebrado, um hino à esperança, e ao final um rock que tem um solo que te enlouquece.
   É o disco mais "The Band" de Eric. Tem a simplicidade sincera da banda canadense. A alma que parece se erguer, que ilumina. Um modo sem afetação de cantar e de tocar.
   Amigo, acho que voce vai conseguir entender do que o disco trata.
   É sobre a espera.

FICAR VELHO É FODA

Passei todo o ano doente. Com a sensação de que a gripe ia me pegar. E me escondia. Nos banheiros, na biblioteca, na praça. Foi a mais forte experiência de inadequação que vivi. O inferno na Terra. Um tipo de anjo caído do paraíso. Porque apenas seis meses antes eu morava no céu. Era percebido, desejado, respeitado. E agora eu virara um tipo de pária. Só, ignorado, auto-sacrificado. Odiava tudo com todas as minhas fés.
No banheiro eu rabiscava as paredes. Na biblioteca eu me perdia nos longos corredores de livros mofados. Meus cabelos, longos, estavam sempre sujos e por mais que eu lavasse eram oleosos. Eu teimava em usar um paletó de couro, gelado. E naquele inverno apavorante, cheio de vento e umidade, ele era como um tipo de placa de aço. Minha garganta doía toda manhã.
No mundo inteiro eu tinha só dois amigos. Um era um garoto ansioso, sujo e fedido, que tinha o rosto cheio de espinhas e a expressão mais masturbatória que já vi. A gente ia ao cinema, um pulgueiro, ver filmes de sexo e olhar pras vagabundas da rua. Depois ficava conversando de madrugada, na calçada. O outro amigo era um idealista. Ele adorava Jimi Hendrix, adorava tanto que se parecia com ele. Caminhávamos pela cidade, com pressa. Sonhávamos em montar uma loja de discos. E bêbados, imitávamos uma banda de rock. Com uma vassoura na mão ele era Jimi, e eu, com um tubo de desodorante como microfone, copiava todos os trejeitos de Mick Jagger em It's Only Rocknroll. Todo esse universo de fantasia era destruído quando eu chegava em minha nova escola- um lugar que era a ilha da disco music. Menos pra ela...
Ela gostava de exibir a calcinha. E o namorado, um magrelo com cara de raposa, estava sempre rindo, com os dentes amarelos. Ela não era bonita. Era sublime. Baixava um pedaço do jeans justo e mostrava o começo da calcinha roxa. Eram duas aberrações naquele ambiente tão banal. E eu, tímido, seguia os dois, calado, sempre por perto, sombra. Matavam aula para beber nos botecos do centro. Eu não ia. Andava pelas ruas geladas e esperava. Uma manhã ela me deu um beijo. Seco e breve. Desandei.
Suado e cheio de raiva eu chegava em casa. Um lugar sempre vazio, minha mãe ia à ginástica e meu irmão estudava todo o dia. Botava os discos e delirava. Ouça:
Existe uma época pra tudo. A gente aprende quando fica velho- O tempo pra amar por exemplo. A gente pode amar a vida toda, claro, mas tem um tempo que é o melhor tempo de amor que voce terá. Assim como há o melhor tempo de ter raiva, de odiar ou de sonhar. E acontece na vida também o grande tempo de leitura, de ver filmes e de ouvir música. A vida toda eu fiz tudo isso, mas jamais existiu época melhor pra escutar um disco que esse ano de 1979. Eu tinha um tipo de alucinação com os discos. Enquanto escutava criava histórias, via cenas de romance, me inspirava e fazia parte do que ouvia. Não acontecia de ser 'eu' ouvindo o disco, era 'nós' na música. Meu mundo era aquilo, e doía. Escutava com raiva.
Sticky Fingers é doente. Cheira a ampolas usadas, a algodão com álcool. E é todo desespero. Os solos de Mick Taylor são todos sublimes- e voce sabe- sublime é a beleza terrível. Se na capa há uma pistola escondida num jeans justo ( Warhol ), aqui, nos sulcos, há a tentação da morte. Não só em Sister Morphine, a mais seca das canções drogadas, mas em Moonlight Mile, a mais triste canção de Jagger.
Por isso é dificil escutar isso agora, em 2012. Porque minha raiva se foi. minha solidão virou conforto e a menina da calcinha foi esquecida.
Ficar velho é foda. Voce percebe que a vida é uma sucessão de traições. Ouvir os discos daquele tempo, e são poucos, dói muito. Porque em todo esse tempo eu traí aquele moleque. Todos os sonhos e todas as raivas foram despedaçadas. E as ruas geladas nunca mais foram visitadas...
Ou não.
Talvez ter feito o moleque sobreviver, e hoje, aqui, poder escrever isto para voces, seja uma vitória. Meu compromisso em 1979, agora percebo, era com Brian Jones, e ele morreu. Eu queria ser ele, na verdade eu o era. A vitória foi ter passado por aquele inferno e ter vencido.
PS: Hoje eu sei- e sei por ter lido a bela bio de Eric Clapton.

Cream - Tales of Brave Ulysses



leia e escreva já!

Alice Ormsby Gore - Legendary Celebrity



leia e escreva já!

O MAIS HUMANO DOS ROCK STARS. ERIC CLAPTON, A AUTOBIOGRAFIA.

   Ler a bio de Clapton não é ler a bio de um rock star. Muito menos a de um guitarrista. É a biografia, muito sincera, de um homem. Desde o começo de sua vida Eric teve apenas uma coisa em mente: construir uma vida. Jamais ele desejou ser uma estrela. Nesse processo, doloroso, ele se desconstruiu sempre. Fugiu do estrelato, fugiu do virtuosismo instrumental e na pior das batalhas, fugiu de sua própria vida. Chegou a uma situação de absoluta destruição. E sobreviveu. O foco é na luta interior, o rock é a segunda, às vezes terceira linha.
   Clapton nasceu pobre no subúrbio. Mato e espaço. Sua timidez vem do sentimento de se estar sobrando. Quem ele pensava ser sua mãe era na verdade sua avó. A verdadeira mãe lhe foi apresentada como irmã. O jogo só foi revelado na puberdade. A verdadeira mãe, fria, nunca baixou a guarda. Mas por sorte os avós eram ótimos.
   Na escola Eric evitava brigas e fugia do centro das atenções. Péssimo aluno, melhorou quando foi estudar design. Bom desenhista, um dos assuntos favoritos de Clapton em todo o livro é a moda, as artes visuais. Ele descreve roupas, móveis, tapetes e quadros. Bom gosto, dom que se reflete nos acordes que ele sempre produziu em suas guitarras.
   O blues ele descobriu no rádio. Sentiu-se no paraíso. Com violões ruins aprendeu a tocar sózinho, copiando discos. Além do blues, Buddy Holly. Bandas de bar, de pub e então vêm os Yardbirds, uma banda de blues. Purista, caiu fora quando a banda estourou fazendo um tipo de versão de blues- pop. Eric não queria ser como os Beatles, queria ser Muddy Waters. Com 19 anos as ruas já apareciam grafitadas: Clapton is God.
   Grava com John Mayall. Os Bluesbreakers são puro blues. Mas ele adorava Jack Bruce e quando ele o convida para tocar se forma o Cream. Ginger Baker vem pra batera e Ginger e Jack se odeiam. Tocar é bom, e eles criam a jam session no rock. Por ter pouco repertório tocam versões de dez minutos de cada faixa. Os shows são hiper concorridos, sucesso em palcos, o Cream é a banda mais fashion em 67. Clapton começa a circular com Jimi Hendrix. Os dois vão a bares onde tocam juntos, de surpresa. Ao mesmo tempo Clapton circula com a nova invenção inglesa, os hippies de sangue azul. São os filhos de barões e duques que caem na estrada e se tornam um tipo de ciganos chiques. Para essa galera, Eric Clapton é a coisa mais "In" que existe. Ele se envolve com Alice Ormsby-Gore, uma das mais ricas herdeiras (há uma foto dela, fascinante ), mas já nesse tempo, o coração dele tem dona: Pattie, a esposa de George Harrison.
   O primeiro disco da The Band faz Clapton sair do Cream. Ele quer fazer aquele som. Simples, não uma ego-trip como o Cream se tornou. Forma com seu amigo Steve Winwood o Blind Faith, uma tentativa errada de ser The Band. Ao mesmo tempo toca com Lennon, Harrison, Stones e quem mais vier. Pattie o rejeita e ele vai pros EUA. Faz papel de músico de apoio na banda de Bonnie Bramlet e conhece muito pó, muita heroina e grandes músicos de lá. Namora a irmã de Pattie, traça várias fãs on the road. Vem Layla com uma nova banda: Derek and The Dominos, uma tentativa de zerar tudo. Afunda. Layla, dedicado desesperadamente a Pattie não faz com que ela largue George.
   Fica 3 anos em casa, entre álcool e drogas, casos vazios. Pete Townshend o obriga a sair e faz em 74 o show da sua volta. Grava o disco do retorno, o muito bom 461 Ocean Boulevard, onde descobre o reggae. Mas desde então ( 1974 ) até o fim dos anos 80 a vida de Clapton se resume a garrafas e mais garrafas.
   Nesse torpor de bebida se casa com Pattie. O que foi o desejo de sua vida se torna um inferno. Eric Clapton exibe coragem, conta tudo. A patetice, a idiotice. Ao contrário de Keith Richards ele nunca glamuriza: é o inferno. E se diverte. Eis a dificuldade: beber é divertido. E pior que isso, parar de beber significa abrir mão do que dá sentido a vida, beber.
   Começa a tocar mal, grava discos ruins, bate o carro, escala edificios, ofende amigos, perde tempo. Tenta um tratamento, falha. Tentará novamente bem mais tarde. Numa cena comovente, se ajoelha e se entrega. Desiste de lutar. Se salva nesse momento. A partir daí o livro é a reconstrução da vida de um doente. Eric diz, minha prioridade não é minha música ou meus filhos, é me manter sóbrio. ( Ele não bebe a mais de 25 anos ).  Tem um filho com uma italiana, esse garoto morre ao cair de uma janela. Tears in Heaven. Seus amigos do AA agradecem por ele não voltar a beber mesmo com essa dor. Eric passa a trabalhar pelos AA do mundo todo.
   Uma bela vida? Uma sábia vida.
   Guardo dois momentos de Eric Clapton comigo. O show para George, no aniversário de um ano de sua morte. E aqui no Brasil, recentemente. Olhar para ele é ver um homem são. Um cara que esteve lá e voltou. E que não se faz de "louco profissional". Sério. E agora, calmo, muito calmo.
   Nas amenidades, Carla Bruni foi namorada de Eric nos anos 90. E foi roubada dele por Mick Jagger. Desde então Eric passou a sentir aversão por Jagger ( Jagger é famoso por roubar namoradas de amigos ). Bob Dylan, que é descrito por Eric como um cara impossível de se conhecer. E que chegou a morar numa tenda num jardim, nos anos 70. Fala do quanto Paul e John esnobavam George. Sua praia sempre foi o blues, blues de Buddy Guy, John Lee Hooker, Muddy e BB King. Duane Allman e Stevie Ray. Há também belos elogios a Hendrix, e a JJ Cale, um cara que mudou seu som.
   Ao contrário do que acontece com a bio de Keith, esta dá vontade de conhecer o cara, de conversar com ele. Ele fala dos outros, não só de si, fala das artes ebulientes de 1960, de bandas como Small Faces, Who e Traffic, de pintura, de Ferraris, de muitas mulheres. E fala pouco de sua técnica, de como toca ou canta.
   Disse que em 1967, filhos de nobres, belos e ricos, começaram a se vestir como ciganos, a se entupir de ideias zen e cair na estrada. Disse que Eric era o rei entre eles. Foram sábios esses nobres. Eric Clapton é o mais nobre dos ciganos e o mais humano dos rock stars.