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SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN - HISTÓRIAS DA TERRA E DO MAR

Poeta imensa, tenho aqui um livro com alguns contos de Sophia. HISTÓRIA DA GATA BORRALHEIRA é uma versão moderna pós Freud do conto clássico. A grande ideia aqui é a de que Cinderela é quem humilha a ela mesma. Ela, como nós, vemos no espelho aquilo que achamos que somos. Cinderela imagina o que falam dela, se observa como imagina que todos a observam e acaba por se condenar, mesmo em seu sucesso final. É um conto de horror gótico. O SILÊNCIO traz a ideia de como é fácil se perder a harmonia das coisas. Basta um nada para que tudo pareça virar de ponta cabeça. A CASA DO MAR é uma pequena obra prima. Sophia descreve uma casa que foi feita na praia, às dunas. Nada mais que isso. Porém, quanta beleza nessa descrição! Ao ler me pego pensando em como são bonitas as palavras, no poder que elas têm de criar mundos. SAGA narra a história de um dinamarquês que deseja ser marujo. Para isso foge de casa e nunca mais consegue voltar ao lar. Na velhice, rico e com família grande, sente que despediçou sua vida, pois nunca mais pode retornar. Ateus não vão perceber que esta é uma parábola sobre a religião. VILAS D'ARCOS é menos que um conto, quase um pensamento. O que se pensa? Que a vida não se vive, é um desarranjo. --------------------- O mundo seria melhor se Andresen tivesse ganho o Nobel e não o chatíssimo e vaidoso Saramago. Porque ela resume o melhor de Portugal enquanto Saramamgo exibe o pior aspecto da raça lusitana. Ela é o mar, a mudança, a impressão que quase diz e não diz, o jogo de palavras e principalmente a nobre elegância de um texto limpo e preciso. Saramago é verborragia que pensa dizer tudo e acaba por perder tudo. É um texto que exala pedantismo e obriga seriedade enfadonha. Um porre. Minha língua, a de Portugal, é feita para canção, para poesia e sonhos de delírios, e menos, bem menos, para prosa ou filosofia. ----------------- Que beleza Sophia.

............. a seguinte história - CEES NOOTEBOOM

Um engenhoso livro de pouco mais de 100 páginas. Um ex professor ( meu Deus, às vezes me sinto cansado desses livros que têm sempre um professor, um escritor ou um psicólogo, livros feitos para a turminha ), como dizia, um ex professor acorda em Lisboa e ele não sabe como apareceu lá se antes estava na Holanda. Então ele também não entende se ele é ele mesmo e notamos que o livro é um tipo de homenagem torta à Fernando Pessoa e a Portugal. ------------------ Ele recorda, ele surge lá e cá e embarca em um navio com umas poucas pessoas. Para onde vai o navio? Quem são esses companheiros de viagem? Não é fácil encontrar este livro e se voce vai o ler não leia daqui para frente. --------------- Ele morreu e Portugal, fim da Europa, é o além. No barco vão os mortos, que contam como morreram. Mortos, eles permanecem aqueles que estavam a morrer e então chegam ao Brasil, ao Pará, inferno? Fim do Mundo. Nesse momento o livro se revela e faz todo sentido, engenhoso, o narrador morreu e é outro pois é morto. Metafísico Nooteboom sempre é. Eis a vida pós morte, memória do pré além, além que é umidade e calor sem fim. Metamorfose física. Cinzas. E fim.------------- Mais não conto.

DE ONDE VIERAM MEUS GENES

leia e escreva já!

UM PORTUGUÊS CHAMADO JOÃO E ZORBA, O GREGO

João Casimiro Cristo era um português da região de Bragança. Nascido em 1908, ele, uma vez por mês, montava o burrico e saía pelas estradas de lama vendendo peixe seco. Desaparecia de casa por mais de quinze dias. Na jornada, ele visitava suas namoradas, sentia medo de bruxas, dos lobos e bêbado, deixava o burro andar por instinto em noites escuras como poço fundo. Voltava com algum dinheiro, abraçava a esposa, Helena, e sobrevivia o resto do mês com trabalhos de pedreiro. Um telhado para reformar aqui, uma janela ali. Tinha cinco filhos, quatro meninas e um menino. O rapaz, Mario, iria lutar na guerra de Moçambique e quase morrer lá, uma granada que lhe abriu a barriga. De volta à seu lugar, caiu da moto e ficou paraplégico. As filhas, uma delas minha mãe, emigraram duas para a França e duas para o Brasil. Aqui, em SP, minha mãe foi empregada doméstica de casal alemão. O que fez com que ela odiasse para sempre casais alemães ( mesquinhos ). Surgi de dentro dela. Com o sangue dos Cristos. ----------------------- Zorba, O Grego, de Nikos Kazantzakis caiu absolutamente em ostracismo. Seu heroi, Zorba, hoje seria domesticado pelo escritor e não o contrário. Pois no livro, o camponês grego, machista e impulsivo, salva o escritor de sua vida reprimida. Zorba o faz ver "que toda mulher precisa de um homem, pois todas são umas coitadinhas". ( Essa frase coloca qualquer pessoa nascida pós 1995 em estado de ódio puro ). Quando li esse livro, em 1988, ele salvou minha vida, pois vi logo que eu era o escritor e Zorba era meu avô. Foi o primeiro passo para uma dolorosa reconciliação com meu sangue. Pois eu passara a vida toda até então, eu tinha 26 anos, negando e odiando o passado de minha gente. Zorba fez nascer meu orgulho ancestral, fez com que eu percebesse tantos impulsos que vieram de meu avô ou antes dele. Meu nervosismo, o desejo de andar a esmo por aí, o caráter anti social, e ao mesmo tempo o prazer pelo papo de bar e as mulheres, o ar de brigão, a ansiedade por sair e escapar e até mesmo a intimidade com os bichos. Eu sou ele como sou meu pai, meu outro lado que é aquele que olha e se deita à espera ( meu pai era um pastor ) ----------------- Não indicarei à voce a leitura de Zorba porque é um livro tão distante de 2023 que seria melhor deixar ele preservado, escondido, e esperar um tempo menos policiado para o reabilitar. Se Zorba chama o escritor reprimdio de "empurrador de canetas", hoje somos apertadores de botões. Se as mulheres eram umas coitadinhas, hoje faz de conta que elas não precisam de ninguém. Se o dever de um homem como Zorba, era as agradar, elogiar e levar à cama, hoje o dever é as ignorar. Se Zorba ensinava ao escritor que viver era se jogar ao mundo do impulso puro e tentar ser único, hoje viver é ser solidário e fazer parte de um grupo focado em ser correto. Pois Zorba era a versão grega e iletrada do super homem de Nietzsche e nada hoje é mais fora de moda que ser um super homem ao estilo Nietzsche. O empurrador de canetas venceu. Por enquanto.

O CARADURA DE DINO RISI E PERDIDOS NA ÁFRICA DE ETTORE SCOLA, DOIS FILMES SOBRE O ESTRANGEIRO

Dois filmes italianos, dois filmes sobre viagens. No primeiro, de Dino Risi, Vittorio Gassman, brilhante como sempre, é um produtor de cinema. Ele leva suas atrizes e seu roteirista para o Festival de cinema de Mar Del Plata, na Argentina, onde seu novo filme irá concorrer. Falido, ele pensa em encontrar um amigo seu que emigrou para Buenos Aires e ficou milionário. O filme parece, no início, um banal veículo para enaltecer a Argentina, é 1964 e o país vive seu último período de fartura. Lá, Gassman encontra um italiano, Amedeo Nazzari, dono de terras e gado. Absurdamente rico, ele trata os italianos que ainda vivem na Italia como deuses. Mima-os, enaltece-os, fica a seus pés. Começamos então a perceber o objetivo do roteiro de Age e Scarpelli ( existe dupla de roteiristas com mais filmes que essa? ), a emigração, os italianos que foram e não voltaram, o modo como eles hiper valorizam seu país de origem e por isso não conseguem retornar. O filme é leve, alegre, cheio de piadas, mas há um fundo trágico, duro, sombrio, o milionário enaltece Gassman mas ao mesmo tempo finge não perceber seus pedidos de ajuda. Na parte final do filme ele se torna belíssimo. É quando Gassman finalmente encontra o amigo "rico", papel curto e forte de Nino Manfredi. Vemos logo que Nino é terrivelmente pobre, sua vida de imigrante foi um fiasco e mesmo assim ele tenta fingir riqueza. Até que, num momento raro em filmes, tipo do momento que nenhum cinema conseguia fazer melhor que os italianos, surge a verdade: Manfredi abre o jogo no meio de uma frase, se revela, Gassman faz o mesmo, e de repente estão os dois, rindo de suas desgraças e amigos como nunca. O produtor falido levará o amigo pobre numa festa de milionários para tentar descolar um emprego para o amigo, os milionários irão oferecer entrevistas de emprego, mas Nino sabe a verdade, imigrantes ricos têm vergonha daqueles que não deram certo. Tanto na Italia como na Argentina não há lugar para ele entre seus conterrâneos. Quando ele recusa o taxi e parte sozinho rumo à sua vida de proletário, sabemos estar diante de um grande momento em filme. Mas o show continua! Gassman vence o prêmio e continua falido. O avião decola rumo à Italia, os pobres amigos de Manfredi acenam e sabemos que nada mudou. Em outro avião, que desce, chega o cantor Celentano, e vemos o milionário Nazzari correr para o homenagear. O filme revela vícios e charmes da alma da Italia como poucos. ---------------- Preciso enaltecer Vittorio Gassman, ator de teatro, shakespeareano, talvez o maior do país, que via o cinema apenas como exercício e que por isso brincava enquanto interpretava. Há nele uma sabedoria, um domínio da arte que nos faz sentir prazer 100% do tempo. É genial. Sempre, em qualquer filme. Famoso, ele fez filmes nos EUA nos anos 50, e ao fim da vida, nos anos 80-90, chegou a filmar com Altman e Woody Allen. -------------------- No segundo filme que vi, de Ettore Scola, feito em 1968, também se fala de outro país, no caso Angola. É a Angola portuguesa, e é cômico para nós vermos os extras falando minha língua. Alberto Sordi é um industrial em crise existencial que vai à Africa procurar um parente que desapareceu por lá. No começo ele se comporta como um turista rico, fotografa animais, pessoas, se coloca superior. Mas com o tempo ele muda, muda muito, e se envolve numa aventura absurda e com ares de pesadelo ( embora o filme jamais deixe de ser uma comédia ele toca em coisas muito sérias ). É uma aventura maravilhosa! Um dos filmes menos conhecidos de Scola, é meu favorito. Sim, é quase uma obra prima. Vemos no filme influências que vão de Huston à Joseph Conrad, dá pra dizer que nesta saga de um homem à procura de um desparecido, o Apocalypse Now de Coppolla fica vários pontos para trás. Este é muito, muito melhor! Selva, desertos, um português maluco e malandro ( portugueses na Italia têm a fama de malandros, eu não sabia disso ), nativos passivos, uma pobreza absoluta, um casal racista, nesse caldo de gente e lugares, Sordi e seu contador, Blier, ambos brilhantes, nos fazem entrar dentro de Angola, dentro deles mesmos. O desaparecido, que foi padre, ladrão, traficante de armas, um mistério eterno, afinal surge no meio de uma aldeia no fim do nada: é um guru místico. Ou não, pois quando eles conversam vemos que ele é nada mais que um maconheiro viajante mentiroso. Nino Manfredi faz esse guru e sua atuação nos faz apaixonar por ele. É um homem que fugiu e nada achou, ou achou tudo, talvez. Eles fogem da aldeia e entram em navio luso, rumo à Europa. Mas Nino olha os nativos na praia que o chamam....as mulheres negras....--------------- Obra prima completa, longo e que vemos o tempo todo com prazer, é uma saga cômica do tipo que Voltaire escrevia. O homem que se dá mal e aprende então um segredo. Filme tão bom que dá vontade de ver de novo. ---------------- Entre 1945-1970 não houve cinema como o italiano. E nunca mais haverá. Foi uma conjunção, uma sorte, que uniu um país em momento de enriquecimento e mudança moral, roteiristas revolucionários, atores brilhantes e diretores ousados. E ainda, de brinde, algumas das atrizes mais belas da história. Termos a chance de usufruir desses filmes é um privilégio. Sem preço. Dê um presente a si mesmo e veja esses dois grandes filmes.

OS 10 PAÍSES MAIS INFLUENTES DA HISTÓRIA DO MUNDO

CEOWORLD MAGAZINE elegeu as dez nações mais influentes em toda história. Começo falando das duas surpresas: EUA e França não estão entre os 10. Weeellll....falemos dos EUA. Intelectuais americanos gostam de dizer que o jazz é o maior legado da cultura americana. Se for, então o país está mal. Sim, jazz é ótimo, eu adoro, mas é APENAS um estilo musical com 100 anos de vida, e que nesse tempo, mínimo em termos de cultura mundial, já entrou em decadência. O jazz usa instrumentos que não foram inventados nos EUA, improvisa sobre notações musicais e harmonias europeias e mesmo seus nomes mais hard ou hiper ousados têm como norte a música europeia de vanguarda. Se eu falar do rock a coisa é ainda mais gritante. O rock mudou a cultura de cinco décadas, mas cinco décadas significam o que, perante 5000 anos de cultura? Quanto à literatura, a americana deve quase tudo aos realistas russos. Ah sim, o cinema, essa invenção francesa que foi desenvolvida como arte na Alemanha e na França dos anos 20. Talvez o grande legado cultural dos EUA seja mesmo o jeans, porque mesmo a arte POP e a publicidade moderna são criações inglesas. -------------- A França é fato mais chocante não ter sido colocada entre os 10. Mas eu dou algumas razões: O iluminismo é inglês, o existencialismo nasceu no norte da Europa ( Dinamarca e Suécia ), o romantismo é alemão, e a pintura moderna foi feita por imigrantes que viviam em Paris. A arte francesa é rica mas não é criação gaulesa e se formos mais fundo, a França não descobriu países, não criou religiões, não organizou a cultura. Seu maior nome talvez seja Carlos Magno e ele foi um quase alemão que salvou o cristianismo mas não lhe deu novo rosto. Vamos falar então do número um, e se isso o surpreender será provado que voce anda meio fraco em cultura. Itália é o centro da nossa cultura planetária. É o número um. Precisa falar porque? Vamos lá.... Voce mora em um prédio? Concreto, cimento armado, arcos e colunas modernas, tudo foi criado lá. A ideia que fazemos de decoração também. A música que voce ouve, seja jazz, rock, funk ou eletro, começa na Itália. Foram eles que criaram a notação musical, a harmonia que entendemos, que codificaram a melodia, que inventaram 90% dos nossos instrumentos. Cantar acompanhado por instrumentos, algo que parece tão natural, é uma invenção da Italia. ( No oriente sempre se cantou com acompanhamento, mas ouça musica tradicional do Japão ou da China para voce entender de onde vem nosso gosto musical ). A Italia criou todo o nosso conceito de leis, de direito e de tribunal. A língua romana penetrou e formatou não só as línguas latinas como também deu ao inglês vocabulário e sintaxe. Mais, é na Italia que o cristianismo toma forma e se organiza e é lá também onde se criam os primeiros museus e as primeiras universidades. Nem preciso falar da renascença, movimento italiano que coloca o homem como centro do cosmos. Repare que apesar de não termos consciência disso, estamos cercados da cultura italiana. Por fim, nossa ideia de beleza nasce lá e sem a Italia a Europa jamais teria sido centro do planeta. ----------------- O segundo lugar é a Grécia e sim, somos pensadores gregos. Graças à eles, pensamos sobre a vida e sobre a morte sem colocar Deus no jogo, mesmo que creiamos Nele. Democracia é conceito grego e esportes também. Não falarei TUDO que devemos à Grécia porque voce conhece o assunto, gregos são louvados desde sempre. Provável voce ter pensado que eles eram o número um. A Italia é maior porque ela continua a influenciar por séculos e séculos enquanto os gregos param de ser relevantes após o século I. ------------- A Espanha é o terceiro país mais influente e basta pensar na descoberta da América e na consequente cultura espanhola espalhada do Chile ao Caribe, da California às Filipinas. É a Espanha ainda, quem nos dá o Barroquismo, o conceito de Don Juanismo, o fidalgo, que dará origem ao dandy inglês. Ela nos dá as ordens religiosas, a invenção do violão-guitarra, o estilo de vida dedicado ao sol. Mais importante, toda a cultura espanhola continua em crescimento, continua se desenvolvendo, espalhando sua influência em países que antes eram indiferentes à ela. -------------- India é o quarto lugar. Eu colocaria ela na frente da Espanha, mas acontece que a India não colonizou ninguém e colonizar é influenciar. A India criou nossos algarismos, inventou o conceito do zero. Tendemos a exagerar sua importância. Coisas como budismo ou a diversidade de castas são fatos restritos, não são mundiais. Há budistas no globo inteiro, mas apenas no Tibet são maioria. A India é estranhamente fechada em si mesma. ---------------- O próximo é a Thailandia e não serei leviano de comentar. Nada sei sobre essa civilização. Penso que esse lugar tão honroso se deva a sua cultura ter guiado todos os povos daquela região do planeta. ------------------ Falarei agora do sexto lugar. Surpreso e contente, vejo que Portugal, o pequeno país de 10 milhões de almas, ficou à frente de Inglaterra, Japão, China e Alemanha. Portugal meu caro, Portugal. Que honra! Mas por que? Eles criaram a navegação que possibilitou as descobertas. Foram os primeiros ocidentais vistos no Japão e os primeiros a criar embaixadas comerciais na India, na China, nas ilhas do mar Índico. Portugal expandiu o globo, meteu as caras no desconhecido, criou o conceito de DESBRAVADORES que hoje vive nos herois do espaço sideral. Deu língua e cultura ocidental a países da Africa e inventou o Brasil. Portugal tirou a Europa da Europa, expandiu o ocidente. Criou o comércio que faria a riqueza de Inglaterra e Holanda. Portugal inventou a ideia de globalismo. ---------------- Em seguida vem o Japão. A frente da China. Por que? Porque apesar de ter bebido a cultura da China, o Japão continua a crescer por séculos, a influenciar. É a gravura japonesa que influencia a arte moderna. É a tecnologia japonesa que muda a indústria. É o Japão quem cria o conceito de Zen e mesmo o budismo japonês é muito mais influente que o indiano. -------------- Agora a Inglaterra. Lá há o mesmo problema que há na França. Algumas coisas que pensamos ser inglesas não são. O comércio e a colonização é espanhola e portuguesa. A marinha é aperfeiçoamento de criações de Portugal. Na arte, o romantismo é alemão e o realismo é russo. As universidades são italianas, as leis idem. O gentleman nasce do cortesano italiano e do fidalgo espanhol. Então o que seria 100% contribuição inglesa? O iluminismo. A filosofia prática, que dá ao fazer preferência ao pensar. Pragmatismo. Essa a grande contribuição inglesa, pois mesmo a revolução industrial se acha espalhada, quase ao mesmo tempo, entre Belgica, Holanda e Inglaterra. Voce pode perguntar sobre o protestantismo, mas ele nasce na Suiça. Veja que interessante, tendemos a superficialmente pensar que muita coisa é herança inglesa, mas acabamos entendendo que o iluminismo e a consequente divisão entre coroa e parlamento são as grandes contribuições da Inglaterra. ------------------- O nono lugar é a China e o décimo a Alemanha. Alemães nos deram o romantismo, a super valorização do Eu. Como consequência disso, vieram o freudianismo e o marxismo. É na Alemanha que nasce a ideia do artista como ser livre, sem compromissos com a sociedade. Mas observe: O que significa isso diante de coisas como a descoberta da America ou a codificação de todas as nossas leis? Nada. Tendemos a pensar na importância de uma cultura olhando apenas aquilo que nos interessa. Então os EUA seriam imensos por terem criado a internet, mas esquecemos que para criar a net foi antes preciso criar o circuito integrado, a matemática mais moderna, a física quântica, o hardware. Pensamos que a culinária francesa é uma contribuição cultural imensa, mas esquecemos de quem inventou o queijo, o vinho ou o pão fermentado. Pensamos que a cirurgia plástica é um avanço magnífico, mas não pensamos que nosso ideal de beleza é grego e romano. Louvamos a Inglaterra por sua educação e seu modo de vida, mas não sabemos que essa educação e esse modo de ser foram implantados por reis que queriam viver em um país civilizado como era Veneza ou Milão. ----------------- Sem a cultura latina seríamos vassalos do mundo árabe ou vikings em rituais pagãos.

AZEITONAS - MORT ROSENBLUM

Mais que falar sobre o fruto sagrado, o que há de melhor neste livro é nos abrir a mente para a cultura do mediterrâneo. Há uma raiz, uma identidade em comum entre Espanha, sul da França, Itália, Grécia, Turquia, Croácia, Tunisia, Marrocos, Israel e Palestina. Inclui-se também Portugal e Chipre. Essa cultura, antiga como o Velho Testamento, se caracteriza pelo vinho, pelo pão, pelo amor ao sol e pelo culto à oliveira. Não exsite vida, como a conhecemos, nessa nações, sem o azeite, sem a azeitona, sem a árvore que para eles simboliza o espírito do Homem. ------------ Pois é a oliveira uma árvore indestrutível. Ela pode ser congelada na neve, esmagada por deslizamentos, queimada pelo fogo e mesmo assim renascerá. Voce pode cortar todos os seus galhos, serrar seu caule, ela irá brotar mais uma vez. Ela parecerá morta, mas a raiz, essa permanece. E volta a subir à luz da superfície. Oliveiras em Israel do tempo de Cristo. Oliveiras na Grécia do tempo de Aristóteles. Oliveiras na Espanha plantadas pelos romanos de César. Oliveiras do meu avô que estão lá desde sempre. -------------- Minha família, por parte de mãe, tinha oliveiras em Portugal. Ler estas histórias é para mim rememorar tudo que ouvi. Minha mãe, aos 8 anos, já ia colher as azeitonas no inverno gelado. As mãos congeladas agarrando os galhos para tirar os frutos. Essa imagem me persegue desde que nasci: O Tempo das Azeitonas. Só quem é de família desses lugares sabe como a oliveira é central para esses povos. Eles amam, servem, comem, vivem por e para elas. Não há no planeta nenhuma árvore tão central. ------------- Azeite para iluminar. Azeite para revitalizar a pele. Sabão de azeite. Azeite no pão, na sopa, na carne e na verdura. Azeite no doce, no peixe, na ave, no legume. Em casa tudo levava azeite. Não ter azeite era ser a pessoa mais pobre do mundo. Azeite no feijão, no arroz, beber azeite. Vida em forma de alimento. História que tem sabor. Quente, macio, vivo. Citado na Bíblia, na Ilíada, no Corão. Sempre sagrado: azeite e pão. Aldous Huxley disse: " As raízes penetram a rocha, abrem caminho, trazem a vida...eu amo todas as árvores, mas nada se compara a força da oliveira". ---------------- Voltando a Portugal, em 2016, minha mãe chorou por ver que suas oliveiras haviam sido todas arrancadas. ( Único modo de matar uma delas: arrancar a raiz central ). Vejo naquilo que minha mãe a prova viva do que este livro diz: Quando arrancam uma oliveira é arrancada a raiz de quem lá vive. Minha mãe não quer mais voltar à sua terra. Não é mais sua, as raízes foram retiradas. ------------ Na Palestina quando Israel desaloja uma comunidade arranca as oliveiras e planta novas. Eu entendo isso. Vi aqui em casa. ---------------- Agora, por ordem de Bruxelas, plantam milhares de oliveiras em Portugal. Decidiram que Portugal será produtor de azeite e só de azeite. Derrubam castanheiros, nogueiras, cortiças, uvas e pessegueiros, tudo será oliveiras. Mas ninguém as ama. São raízes estrangeiras. São impostas. Pior: o azeite será vendido como made in Italy. ( Sim, 80% do azeite vendido como italiano não vem da Itália ). ---------------- Vinho...o vinho é diferente. Embora tão velho como o azeite, ele virou moda desde a muito. Não é mais uma tradição de famílias, de todas as famílias do campo ao redor do Mediterrâneo. Perdeu sua alma. A azeitona manteve seu aspecto familiar, simbólico, sagrado. Até quando? Até quando houver barris de azeitonas em mercados de rua. Oliveiras em propriedades simples, onde se faz o azeite da casa. Árvores com centenas de anos. Velhos colhendo a mão na geada de dezembro. A união do mundo do sul da Europa com o passado-futuro árabe do continente. Mundo de sol, de instrumentos de corda, do mar sempre presente, de longas conversas sobre comida.

AS ALTAS MONTANHAS DE PORTUGAL - YANN MARTEL.

   São 3 capítulos longos. Em cada um, uma história com tempo e personagens diferentes. Todas se passam em Portugal.
  A primeira é em 1903. Um rapaz vai de carro de Lisboa até o norte do país. Automóveis são novidades e a viagem é um pesadelo. Esse rapaz quer encontrar uma relíquia numa igreja esquecida. O texto, detalhista às vezes, outra vez apressado, parece árido. Difícil de ler.
  A segunda história é a de um patologista. Na noite de ano novo de 1939 ele vivencia o horror. É dos textos mais perturbadores que já li. Chego a pensar que não deveria ter lido. Não contarei detalhes.
  O terceiro justifica as falhas dos outros dois. É encantador. Fala de um senador do Canadá que adota um chimpanzé. Riquíssimo em sentido e em diversão, é um primor em termos de conto filosófico. A única coisa que posso dizer é que a mensagem é sublime.
  Yann Martel escreveu a Vida de Pi, e este novo livro não faz a metade do sucesso daquele. Penso que seja porque este começa de um modo muito antipático. E também porque Portugal não é tão exótico como a India. Os dois têm paralelos: viagens, busca, sofrimento intenso, algum humor e Deus como uma presença escondida em animais. Penso que este livro daria um filme ainda melhor que PI. Só que bem mais difícil de se fazer.
  Há um momento, sublime, no livro, em que o personagem entende que melhor seria aprender a ser um bicho, que ensinar um bicho a parecer gente. Senti isso, intuitivamente, em 1991, com meu cachorro Nicky. Aprendi com ele a ser um bicho. E ser um bicho não é fazer palhaçadas ou aprender a brigar. É aprender a NÃO FAZER NADA. A ignorar o tempo e ficar simplesmente VIVO.
  Essa descoberta, que parece enganosamente simples, é de uma dificuldade imensa. Nossa razão nos impele a aproveitar o tempo, usar o tempo, a viver a vida. Mas na verdade viver é simplesmente esquecer de viver.
  Não é um livro fácil e não é bem escrito.
  Mas todos vocês deveriam tentar o ler.

PEIXOTO. JOSÉ LUIS PEIXOTO.

O texto abaixo é meu texto fertilizado pelo texto de Peixoto.
Li um livro dele e não gostei. Era prosa. Aqui é poesia. Em poesia ele é outro, melhor.
Há nações de prosa e há nações poesia.
Portugal é poesia. Assim como a Polônia. A Irlanda. Ou Itália.
E tem lugares da prosa. Apesar de tudo. Apesar de tanta poesia que lá também há.
Porque não existe país sem poesia. Porque não existe homem sem poemas.
Neste livro ele o divide em dois: Primeiro a infância. Depois ele e uma mulher. Ou "as mulheres".
Português - melancolia.
Pouco se me importa se essa melancolia é moda ou é verdade. Ela existe. Portugal é melancólico. Talvez por viver num beco à beira mar quase caindo mundo abaixo.
Talvez por ser uma tribo celta encurralada entre pedras.
Talvez por ser desconfiança seu deus.
Não importa. Ela existe.
Peixoto fala dos cinco familiares que se foram. Fala de saudades  e de vencer a saudade. Fala sempre do tempo. O tempo que passa e não deveria, que não passa e se demora. Fala de sono e de sexo. Ciúmes. Sangue e sonho. E de Portugal.
Não existem coincidências.
Leio na hora certa.
Leio quando necessitei ler.
Ele veio às minhas mãos.
Eu fui à ele.
( nossa vida não é nossa ).

josé luis peixoto.

   perguntava à minha mãe se ela iria me amar pra sempre.
Essa era a pergunta que mais me deixava tonto. Se o que era agora seria também depois. Sempre.
Nessa frase-pergunta está contida toda a minha vida. Destino. E destino é o que não acaba. Está sempre posto à frente.
Mãe, voce vai me amar para sempre...
  os quatro eram eu e meu irmão e meu pai e minha mãe.
E enquanto houver um existirão os quatro. Debaixo da pele no escuro mora o destino e os quatro são destino. A criança é todo um universo e crescer é diminuir esse universo. Voce perde. Voce deixa ir. Voce esquece. Encolhe. E a manhã clara e fria com aragem se torna um verso. Felizmente existe a palavra para nos lembrar. Mas a palavra é um nada.
  poesia não é linha e palavra. é o pelo da minha cachorra.
Interessa-me o que é sempre. O que é amor pelo sempre. Mais que o amor, sempre. Meu amor é pelo sempre.
Interessa-me a luta contra o tempo. O tempo e a luta. Mais o lutar. Enquanto se luta se é tempo. Jamais vencerei se ele existir. Luto tolamente se ele for ilusão. O interesse me interessa sempre.
  sou mais que minha circunstância. e no entanto, toda a minha circunstância vive dentro de minha pele.
 

OS CARETOS RAPAZES DE SANTO ESTEVÃO DA TORRE DE DONA CHAMA.

   Existe uma vila onde acontece uma festa. E essa festa tem sido estudada por gente do mundo afora. A vila, hoje com dez mil habitantes, tinha, até 2000, cerca de quatro mil almas. Essa vila é vizinha de várias outras vilas e cidades. Tem estradas, tem um rio, e não fica entre montanhas. Se localiza no nordeste de Portugal, a alguns quilômetros da Espanha das Astúrias e da Galizia. Pois bem, o que ninguém consegue entender é o porque dessa festa só acontecer nessa vila e nunca em nenhuma outra. Desde sempre. O que aconteceu que fez com que essa festa só ali sobrevivesse por tantos séculos, ou, o que parece mais certo, só ali acontecesse, pois só existem registros de festas lá e não nas outras vilas.
  No inverno, em fevereiro, rapazes colocam roupas coloridas. Cheias de fitas, babados, listras, bolas, flores, arabescos. Empunham tambores e saem pela cidade fazendo barulho. Nos rostos têm máscaras. E vem daí o mistério. Nos desenhos dessas máscaras não se percebe influência de lugar nenhum. Não são gregas, romanas, árabes, africanas, nada. Parecem primitivas, muito ancestrais. Ninguém entende como e porque foram criadas.
  Esses carretos andam pelas ruas assustando as pessoas, e se alguma casa estiver destrancada eles a invadem. E só saem após comer e beber. Todos os jovens fazem parte dessa procissão. Dessa festa. Dessa coisa ancestral.
  Minha mãe nasceu em 1941 nessa vila. Toda a família dela é 100% de lá. Meu pai nasceu em 1926 numa vila a cerca de 20 quilômetros de lá. E nunca viu essa festa.
  Desde criança ouço minha mãe falar dos carretos. Do pavor que ela tinha deles. Ela gritava. E seu irmão foi detestado por fazer parte deles uma vez.
  Os tambores tocando, a fria noite zunindo, e as máscaras, essas máscaras zumbis, andando por vielas e caminhos, no escuro, sem tochas, batendo em portas e janelas, pedindo para entrar.
  Isso é celta, óbvio. Algumas cerimônias de inverno lembram muito essa procissão. E o fato de escolherem Santo Estevão leva a essa direção.
  Eu adoraria estudar isso.
PS: Há festas chamadas Caretos em todos o nordeste de Portugal e na Galizia. O que intriga é que a da Torre é diferente em design e em canções de todas as outras. Parece ser a raiz pura da festa.

SILÊNCIO...O MAIS DURO FILME DE MARTIN SCORSESE.

   Cada vez menos gente sabe história, então conto aqui o contexto do filme: No século XVII, com medo do protestantismo, Roma dava força total aos jesuítas. Os jesuítas foram uma criação do século XVI que visava converter almas. Guerreiros de Deus, sua missão era levar a fé para o máximo de pessoas pagãs. Assim, eles se espalharam pelo mundo. Futuramente, o próprio catolicismo os tornaria proscritos. Portugal, país ocidental que primeiro tocou o Japão, tomou para sí a missão de catequizar os japoneses. No fundo dessa questão havia o desejo de provar aos protestantes que a igreja de Roma era a verdadeira. Para os marxistas, que tudo gostam de simplificar, tudo era mera questão de mercado. Mas não era só isso. Na verdade o cristianismo começava a duvidar de si-mesmo. Converter era um modo de reafirmar-se. Mas, e o filme mostra isso também, ao ter contato com outras culturas, o jesuíta entrava em questionamento. E, se forte, saía com uma nova certeza.
  Scorsese consegue mostrar tudo isso. E sem nunca parecer didático. O filme, feito sem orgulho, sem espetáculo, humilde, simples e extremamente triste, é difícil de assistir. As cenas de sofrimento são insuportáveis; as torturas absurdas e revoltantes, a dor se espalha por todo lado. Mas Scorsese é honesto. Ele mostra, exibe, fala, e nunca se exibe. O filme é isento de "arte". É uma obra de fé.
  Generoso, o filme pode ser visto como refutação de Deus. Passamos quase 3 horas com o desespero da dúvida. Deus não fala, tudo é dor e silêncio. Mas há o final...O belo e exato final. O fim do filme tudo clareia. Não o contarei. Que assista quem puder.
  O tema do filme é, percebemos então, a humildade. Todo mal vem do orgulho e da vaidade. E um homem só percebe isso quando é humilhado. Scorsese dá uma esperança a nós, seres vazios do século XXI. Na figura do japonês tolo, aquele que peca sem parar e se confessa após cada erro, vejo a nossa época. Somos todos aquele traidor. Todos tentamos manter o que podemos dos dois mundos: o mundo da alma e o mundo da carne. Não somos de todo maus. Apenas confusos e covardes. Ou, é isso que o filme diz, filhos favoritos.
  Para não revelar o final do filme falarei que Bergman tem um filme chamado O Silêncio. Nesse filme um padre se mata por não poder ouvir Deus. Bergman, que foi um homem de fé que acreditava não a possuir, fez um filme que o trai. Ele não tem final. Fica em suspenso. Já Scorsese repete esse desespero. Mas vai além e lhe dá uma nota final. O americano aceita sua crença ancestral. Bergman, sempre adolescente genial, não pode fazer isso. Bergman, que eu adoro, morreu ainda adolescente. Scorsese atinge a velhice. Reconcilia-se.
  Para mim, sangue luso que passou 40 anos brigado com meu passado, o filme mostra além de tudo, mais um dos brilhantes desastres portugueses. Por insistir em catequizar, os lusos perdem o Japão para a Holanda, que desejam apenas vender e comprar. Portugal, um dos mais complicados dos países, não pode e não quer apenas vender. Ele precisa batizar, salvar, mudar a alma do Japão. E, como o filme mostra, os lusos não percebem que um japonês não é um europeu. Ele vê o mundo de outra forma.
  Essa a grande chave do filme. E é a imagem que fica, que me ficou entre lágrimas. Um japonês não consegue ver o mundo sem o molde budista-taoísta. Para ele Deus é a natureza e as estações. Um tipo de nada anímico. Pois para nós, mesmo nós, materialistas herdeiros do ocidente, tudo sempre é tocado por um Deus único e humanizado, que se sacrifica e morre, e ressuscita e pode falar conosco. Essas imagens conduzem a cultura. Inclusive da ciência. Da história. Dos nossos sentimentos. O renascer é a condição de todo herói. E de cada homem vivo.
  Nós sabemos disso. Tudo nos é familiar. E talvez, Scorsese diz isso, sejamos parte da Verdade. O Silêncio da natureza é a voz de Deus.
  Perto deste filme, falho e chato, lindo e inesquecível, todos os filmes do Oscar são obras de crianças.
 

CONQUISTADORES - ROGER CROWLEY

   Este livro foi best seller nos EUA, Inglaterra e Portugal, mas não por aqui. Talvez porque ele demonstre a importância da descoberta do Brasil para a Europa de 1500: nula. Cabral fazia a rota genial que os lusos haviam descoberto. A sacada havia sido que para se passar pelo Cabo das Tormentas era mais fácil navegar para oeste, abrir o ângulo e depois descer para leste com a força da corrente marinha. Cabral abriu esse ângulo ainda mais e veio dar no Brasil. Gostou dos gentis índios, mas percebeu que esses índios eram pobres demais. Nada tinham que pudesse ser cobiçado. Então ficaram pouco tempo e continuaram rumo à Africa. O livro gasta cinco linhas com nosso país tupi. E só.
 O autor trata Portugal como o país que inventou a noção de Império Global. Ingleses, séculos depois, apenas os imitaram. O que fez com que um país tão miserável ( Veneza, França, Espanha eram muito mais ricos ) conseguisse esse feito, maior em coragem que a conquista da Lua em 1969, é para Crowley um mistério. Sem terra, pequeno, acossado pelos espanhóis, Portugal teve a ideia: aumentar o território se jogando ao mar. Em caravelas, barcos pequenos, porém velozes. E assim surgiu a linhagem de grandes marujos, homens que venceram o vazio do oceano.
 O pensamento luso era o de exploração. ( E isso foi a miséria do país, do nosso e do deles ). Eles jamais pensavam em colonizar. O desejo era o de ficar rico depressa. Os tupis e guaranis na verdade nada tinham para ser trocado ou roubado. O português não queria explorar minas, caças ou construir fazendas; ele queria a coisa pronta. E a costa africana tinha escravos, tecidos, canela e pimenta, era só pegar. Na India a coisa era ainda melhor. Tinham joias. Os lusos eram piratas. Se usarmos essa palavra entenderemos melhor sua ação. Mas eram piratas apoiados por uma nação e por um rei que acreditava ser herói do catolicismo. Portugal seria o país matador de muçulmanos. E mataram. Milhares.
 Crowley deplora a crueldade dos europeus. Portugal vence todas as batalhas com facilidade. A proporção de mortes é de 50 pra um. A Europa tem armas melhores. Os árabes têm armas ridículas. Mas Crowley jamais chama os lusos de vilões. Isso porque ele sabe que no Marrocos, na Grécia, em Bizâncio, os árabes também mataram, torturaram, humilharam. A guerra é um mal. Mas ela existe e nesse mundo todos são o que são. Guerreiros.
 Impressiona o amor de Portugal pela batalha. Eles lutam para pilhar, para roubar, e alegremente se jogam sem titubear. A falta de ordem é grande. Marujos desviam ganhos, é cada um por si. Eis a grande diferença de Portugal para aquilo que os ingleses fariam: os ingleses punem o roubo e a corrupção com mão de ferro. Marinheiros ingleses não podem pegar nada. Os lusos fingem não perceber. Todos roubam e todos se corrompem. O que um navio inglês captura é da coroa. Cada marujo recebe seu salário. Já em Portugal cada marujo mete a mão naquilo que é capturado. O que sobrar é da coroa.
 O mundo que os portugueses encontram nas costas da India é o mundo do comércio. Barcos chineses, árabes, turcos, etíopes comerciam livremente. Há toda uma etiqueta de negócios. Os portugueses chegam dando tiros, não têm a menor paciência em negociar e logo toda a costa do mar vermelho e do oceano Índico mergulha em terror.
 Não poderia durar muito. Essas viagens de dois anos, algumas duram três, eram caras, e são venezianos e genoveses que as financiam. As pessoas ficam ricas, Portugal não. Os olhos do mundo começam a mirar a rota portuguesa, espiões italianos roubam mapas, e o segredo é descoberto. Portugal perde o monopólio. Quando vier o terremoto, já no século XVIII, a decadência do reino já virou mania.
 Crowley escreve bem. Tem o gosto da aventura e a seriedade de um historiador.

AMOR DE PERDIÇÃO- CAMILO CASTELO BRANCO. PORTUGAL E SUA MÁ SINA.

   Ah Portugal Portugal...aqui estão seus fidalgos que jamais pensam em trabalhar. Que não aplicam seu dinheiro em produção. Que vivem de renda, de alugueis e cuja única forma de enriquecimento maior é o casamento. Em pleno século XIX a burguesia lusa ainda vive como na idade média! Nada de indústria, nada de ambição capitalista. Aquele mundinho pequeno, tosco, bobo, de casamentos arranjados, de padres fechados e si, de preguiça abjeta, de tolas emoções. Mundo de uma imensa maioria feita servil, sem vontades, de cabeça baixa, e uma fidalguia esnobe, burríssima, com ares de realeza, com suas intrigas de honra, seus preconceitos de classe, e a preguiça, a preguiça burra que traz o azar. O azar português...
 O romance, enorme sucesso, fala do amor que não se pode realizar. Famílias de posses, inimigas. Tudo termina em morte. Mas nas entrelinhas vemos esse universo, esse mundo mesquinho, vazio, pobre, sem objetivo nenhum. Alma lusa que nada em círculos, cismada, tonta, rancorosa.
 Triste.

GALVEIAS - JOSÉ LUIS PEIXOTO.....PORTUGAL E A REALIDADE

   Minha origem é portuguesa. Já devem ter notado isso. Sou filho de pai e mãe e não tenho tio ou primo que não sejam de lá. Estive em Portugal. Conheci o país muito pobre de 1982. E o menos pobre de 1985. Minha mãe vai lá quase todo ano. Diz que tudo mudou. Virou Europa. Não parece mais a ilha cercada de mar e de Espanha por todos os lados. As pessoas são mais bonitas. Têm dinheiro. Consomem.
   Ter sangue luso não é fácil. É uma mistura louca de timidez com arrogância. Luxúria com rigidez. Falta de finésse com ares aristocratas. Muita fofoca. Muita inveja. E preguiça. ( Se você tirar a timidez e a rigidez terá como resultado o brasileiro ). Cresci nesse ambiente lusitano. Ouvindo falar daquela terra de frio, de bruxas, de uvas e de azeitona. Acreditava que gabeta era gaveta e que libro era livro. Nosso feijão era a batata.
   99% do tempo se falava de comida. A saudade era uma saudade da comida. O paladar era a língua do amor. Pouco olho e muita língua. Em casa se falava dos pratos, das frutas, da carne, nunca da paisagem de Portugal. A terra sempre foi, para mim, uma cozinha.
   Então leio esse autor novo de lá, nascido em 1980, e descubro que nada mudou em Portugal. Eles continuam abraçados a esse realismo de pedra, realismo que vem desde Eça e que nunca dá trégua. O autor descreve a vida em 1982, a vida numa vila do Algarve, as pessoas, os cães e o tempo. E tudo é como sempre: sujeira, medo, fofoca, violência e frio. As pessoas exalam solidão e orgulho. O sexo ronda cada pensamento. E tudo é escuro, triste, úmido e distante. Familias que brigam, vizinhos que se matam, vilas que afundam na indiferença. Mais um livro com esse Portugal triste, pedregoso, barrento, fedido.
   Como eu sei que ele não é apenas isso, é muito mais, me vem a sensação que boa parte da literatura lá feita tem o mesmo vicio daquela que aqui se faz, que seja: eles olham livros para escrever sobre a terra e descrevem a terra a partir dos livros. O Portugal aqui mostrado é tão real como é um texto de Graciliano ou de Jorge Amado. É verdade, mas é uma verdade, jamais a verdade.
   Eu não acho que a literatura deva ter alguma obrigação em relação a verdade. A verdade se cria. A realidade se pensa. Mas este tipo de literatura, a velha escola realista, quer ser verdade. Quer exibir a verdade. E fica apenas assim....um arroto.

A SIBILA- AGUSTINA BESSA-LUIS

   Agustina, uma das mais destacadas vozes portuguesas do século XX, desenvolve aqui a história de uma familia do campo, avôs, pais, primos. Familia que aparece cheia de posses, mas que vai sendo dilapidada por homens gastadores, galanteadores, infantis. Há uma frase, maravilhosa de Agustina que faz brilhar a narrativa: "Os homens vivem o tempo e o espaço, e assim perdem a vida. As mulheres não se colocam tão confortáveis no modernismo, elas perdem o tempo, ignoram o espaço e assim conhecem a vida".
   Duas irmãs são centro do livro. Quina, uma delas, desenvolve aquilo que perdemos no tempo, ela lê sinais no clima, percebe como são as pessoas, sente coisas que todos um dia sentiam mas que não conseguimos sentir mais. Em meio a saga, em meio as idas e vindas da vida, Agustina consegue dar toques misticos, sem nada de forçado, e demonstrar duplos sentidos, sem jamais interromper a história.
   É um livro dificil de ler. A autora escreve de modo farto, rico, um tipo de ourivesaria verbal, um banquete léxico, português do norte, cheio de expressões que nos são estranhos. Mas vale a pena, ela cria um mundo, cria um ritmo. A Sibila não se esgota nunca.

DIEGO COSTA E O QUE É SER UM PATRIOTA

   Com toda essa coisa do jogador que escolheu a Espanha vem a tona a questão do que é ser brasileiro hoje. Mais que isso, o porque de ninguém estar mais disposto a morrer e matar por um país. ( Mata-se por uma religião ou por vingança pessoal- Iraque, Palestina, Afeganistão...)
   Eu amo o que restou do meu bairro. E amo os valores e o estilo de vida que nele existiam. Não amo a cidade que hoje existe e muito menos o way of life paulistano. Jamais seria voluntário numa guerra por SP, muito menos pelo Brasil. Mas eu mataria e morreria para defender a Serra do Mar de fazendeiros e o mesmo faria por Butantã e Caxingui- de eles ainda existissem- e grifo essa questão.
   Estou lendo a bio de Robert Capa, e já adianto que é a melhor bio que li na vida. De todas as páginas eletrizantes, as melhores são aquelas sobre a guerra civil da Espanha. Morrer alegremente por um estilo de vida. Os homens morriam e matavam na absoluta certeza da missão cumprida, a defesa de seus antepassados e todo um sistema de valores. De seu chão. Hoje isso não mais existe. Vou defender uma cidade que não reconheço como minha? Um lugar que em nada lembra as ruas e lugares que eu amava? Eu já perdi essa guerra para o progresso. Gente estranha vive onde viviam meus amigos. A cidade esqueceu de minha passsagem, morreu para meus passos. Vou morrer pelo que não mais conheço?
   Eu seria voluntário para defender valores que me são vitais. Mas eles já foram perdidos. O que me resta é lutar pelo pouco que sinto ser meu. um animal, meu bairro, a Serra, uma praia.
   Ser brasileiro ou ser francês se torna assim um problema. Como vou lutar por Alphaville que nada tem a ver comigo? Me sinto em casa na Torre de Dona Chama, norte de Portugal, fronteira espanhola, mas me sinto um estrangeiro no Tatuapé. E antes que pensem em esnobismo, me sinto muito estrangeiro em Lisboa.
   Não me venham então falar em patriotismo. O jogador escolheu o lugar onde lhe deram valor. Ele defenderá seus amigos e sua familia, familia que hoje tem vida melhor graças a seu trabalho na Espanha. O que sua Sergipe natal lhe oferecu? Nada.
   Sou estrangeiro em Manaus, tanto como em Belgrado. Não gosto da comida, não gosto do clima e mal entendo a lingua. Mas conheço Miami mesmo sem ter ido lá. Gente como eu sente que New York e Londres são nossas. Mas essa New York e essa Londres deixou de existir lá por 1960. Paris faleceu, mas Roma é pra sempre. Eu lutaria pela Londres da Segunda-Guerra, lutaria contra Hitler, seria voluntário contra a escravidão. Daria tiros em navios que pescam baleias. Mas jamais mataria um argentino que lutasse contra o Brasil por uma questão de fronteira. Jamais.
   Minha pátria é onde se registra minha história. É onde vive quem eu amo. Lugares que me formaram. Cantos seguros. Onde eles estão?

VENTO, AREIA E AMORAS BRAVAS- AGUSTINA BESSA-LUIS. UMA MENINA BACANA.

   Gente. Parentes em que cada um interessa por ser único. É uma menina que narra e ela é feinha. E tudo olha. Casa rica na praia com multidão de empregados. Tias, avós. Gente excêntrica. Surpresas em toda página. Vida. Ela descobre a vida. Bichos e gostos. As cores cheiram. Perfume vivo que ri.
   Como ela escreve bem!!! As palavras são comidas por quem as lê. Nada acontece no livro que é um livrinho. A vida cresce. Dá pena quando acaba.
   Filosofia. A autora foi central no Portugal de todo século XX. Escreveu muito. Para adultos. E pouca coisa para crianças. Do que ela fala? Do vento que irrita. Da areia que incomoda. Das amoras bravas lá do mato. Ela faz a gente estar lá. E as frases? São redondas, rolam dentro da gente. Iluminam também. E aquecem.
   Pode marcar. Já me conquistou.
   A menina sabe que cresce. E sente aquela dorzinha dentro que nunca se sabe de onde vem. Cresce e não quer. Cresce e quer que cresça logo. A irmã vaidosa e linda, o irmão que some em caçadas. Tem uma tia doida. E um monte de solteirões. Gente que não se casa porque não necessita de alguém que lhes diga que são amados. Se amam. Avó calada e que morre como se em sonho. O pai que joga e a mãe que é puritana. A igreja. Festas! E as comidas boas. Os campos sem fim, pinheirais, fragas, serras...
   Viver!

AS NAUS- ANTÓNIO LOBO ANTUNES, Portugal, este pesadelo.

   Quando era um miúdo, lá por 1975, lembro de uma portuguesa ir fazer faxina em casa. E de minha mãe comentar com meu pai como era triste esse povo que fugia corrido de Moçambique para não ser estripado pelos negros. Faz tempo.
   Lobo Antunes toca nessa ferida. Num tempo que voa entre 1500 e 1977, Pedro Alvares Cabral, Diogo Cão, Vasco da Gama, Luis de Camões, entre outros, voltam da África e tentam sobreviver na Lixboa setentista e socialista. Tudo lhes parece sujo e louco e agora eles são anônimos. A narrativa, eliptica, tonta, é cheia de adjetivos, de imagens de pesadelo, de becos sem saída, imagens de sujeira, de sexo, doenças, fedor e uma melancolia quente e desesperada.
   Portugal é o lugar onde todos pensam e querem crer ter sangue de fidalgo. E seus heróis andam sem saber onde estão, onde ficar, o que fazer. Miragem. Sofrem de saudades africanas. Querem as mulatas e o verão sem fim. O mar cheio de pestes, a fome e a violência.
   Ler Lobo Antunes não é fácil. Ele exige muito do leitor. Quer atenção e quer cultura. Escrita espinhosa, complicada, exagerada, tortuosa. Quase barroca. Barroquismo ateu.