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AS VOZES DE MARRAKECH - ELIAS CANETTI
Para quem não sabe, Canetti, inglês de ascendência judaica, ganhou um justo Nobel em 1981. Auto-de-Fé é seu mais famoso livro. Neste, ele conta uma viagem feita à Marrakesh em 1954. Ficou lá apenas 3 semanas e foi sem se informar sobre a cidade, sem guia e sem expectativa. Sua visão sobre o que deve ser uma viagem coincide com a minha, ir e andar, sem ter ideia do que ver, onde ir, o que procurar. Focar em cada passo dado, nas caras das pessoas, melhor ainda, não saber o idioma, e assim, escutar as vozes como sons naturais e poder imaginar. Nada de um monumento como alvo, nada de um mudeu como meta, mas sim se deicar levar. ------------- Cada capítulo é uma memória viva. Canetti é convidado por amigos que vão ao Marrocos fazer um filme. Sua função la´não existe, ele está lá. Camelos que sofrem, uma casa comum onde ele é convidado a entrar, uma escola infantil que ele observa, o cemitério judeu, os mendigos, um velho que o observa, um bar onde um casal se prostitui, não há um rumo, não há uma procura, única atitude é estar com olhos e ouvidos despertos. ---------------- O mais belo passeio é a ida ao bairro judeu, lojas, vendedores de rua, lugar em que Canetti tem a sensação de já lá ter estado, onde ele sente uma epifania. Não vale viagem que não seja para encontrar a nós mesmos, não há encontro que não seja a visão de um rastro, não há rastro que não aponte a alma do lugar e assim a nossa ancestralidade. Ele sente tudo isso. ------------------ A praça o chamou. ------------------ A escrita é perfeita. Canetti não é pedante, não faz poesia, não tenta ser verdadeiro. Ele conta o que viu e o que provou na carne e no espírito. Um livro muito pequeno e muito lindo. O melhor guia de viagem para qualquer lugar que voce vá.
FOGO PÁLIDO - VLADIMIR NABOKOV
Como vou falar deste livro, esplêndido, sem revelar seus muitos segredos? Seria terrível contar para você tudo aquilo que será descoberto conforme você avança em suas duzentas e poucas páginas.
A questão que Nabokov propões é certeira: Existe alguma coisa que seja verdadeira? Nosso cérebro tem o poder de absorver e compreender a realidade? Ou tudo que conseguimos é criar mentiras para nosso tolo consumo? Pior, só percebemos aquilo que desejamos perceber e queremos viver o que nosso passado e nosso meio nos faz querer viver. Mesmo sem o perceber.
Lemos um livro, ou vemos um filme, e o que assistimos ou lemos é aquilo que podemos e ansiamos por encontrar. Não há leitura isenta. Não há vida imersa na verdade. Criamos nossa crisálida de ilusão segundo a segundo. Se você é apenas um bobalhão, voce cria uma realidade curta e simplória, feita de desinteresse e funções corporais. Se voce tem uma mente mais sofisticada, voce cria um universo de visões e crenças complicadas. Nunca verdadeiras.
Este livro é uma maravilhosa peça de ilusão. É divertido e trágico. Venha comigo...
Voce abre o livro e trava conhecimento com um professor universitário. Ele vai comentar e lhe apresentar o último poema de um amigo morto. Nessa introdução, ele te aconselha a ler primeiro as notas que ele compilou.
E lá vou eu ler essas notas. O poema tem cerca de 15 páginas, as notas são duzentas páginas. Eis um livro em que as notas são mais importantes que a obra em si. Eis um livro em que o editor é mais importante que o autor.
Então leio as notas. Ou melhor, começo pela bibliografia. Depois leio o índice. E então as notas.
Falo do que elas tratam? Ok, só uma pista: O editor se vê na obra. Assim como voce se vê em seus filmes e livros favoritos. E por ter sido "amigo" do autor, ele vê sua biografia no poema.
Nabokov escreve como quem cozinha e sabe cozinhar. Tempera e aquece, bate e mistura, serve e exige paladares treinados. O livro é de 1962, e em 1962 ele era o autor mais importante a escrever em inglês. O Nobel não veio. Ele não era simpático a duas coisas que os juízes do Nobel amam. Política e vitimismo.
Não é um livro fácil. Mas é um prazer.
A questão que Nabokov propões é certeira: Existe alguma coisa que seja verdadeira? Nosso cérebro tem o poder de absorver e compreender a realidade? Ou tudo que conseguimos é criar mentiras para nosso tolo consumo? Pior, só percebemos aquilo que desejamos perceber e queremos viver o que nosso passado e nosso meio nos faz querer viver. Mesmo sem o perceber.
Lemos um livro, ou vemos um filme, e o que assistimos ou lemos é aquilo que podemos e ansiamos por encontrar. Não há leitura isenta. Não há vida imersa na verdade. Criamos nossa crisálida de ilusão segundo a segundo. Se você é apenas um bobalhão, voce cria uma realidade curta e simplória, feita de desinteresse e funções corporais. Se voce tem uma mente mais sofisticada, voce cria um universo de visões e crenças complicadas. Nunca verdadeiras.
Este livro é uma maravilhosa peça de ilusão. É divertido e trágico. Venha comigo...
Voce abre o livro e trava conhecimento com um professor universitário. Ele vai comentar e lhe apresentar o último poema de um amigo morto. Nessa introdução, ele te aconselha a ler primeiro as notas que ele compilou.
E lá vou eu ler essas notas. O poema tem cerca de 15 páginas, as notas são duzentas páginas. Eis um livro em que as notas são mais importantes que a obra em si. Eis um livro em que o editor é mais importante que o autor.
Então leio as notas. Ou melhor, começo pela bibliografia. Depois leio o índice. E então as notas.
Falo do que elas tratam? Ok, só uma pista: O editor se vê na obra. Assim como voce se vê em seus filmes e livros favoritos. E por ter sido "amigo" do autor, ele vê sua biografia no poema.
Nabokov escreve como quem cozinha e sabe cozinhar. Tempera e aquece, bate e mistura, serve e exige paladares treinados. O livro é de 1962, e em 1962 ele era o autor mais importante a escrever em inglês. O Nobel não veio. Ele não era simpático a duas coisas que os juízes do Nobel amam. Política e vitimismo.
Não é um livro fácil. Mas é um prazer.
NOBEL
Todo mundo sabe que eu gosto do Bob. Adoro a sensação de aventura que ele dá. Mas odiei o Nobel ser dado para ele. Porque ele é um músico, ele compõe música e sua poesia, em livro, não funciona se não for cantada. Bob concorre com Leonard Cohen, Lou Reed, Patti Smith, Neil Young, os grandes letristas do rock. É no mínimo esquisito colocar Bob ao lado de Philip Roth ou de Amos Oz. Não é questão dele ser melhor ou pior, é questão dele ser de outro universo.
O Nobel se vulgariza. Fica POP. E se é assim, então que vença logo Caetano. E que a gente coloque Cole Porter ao lado dos grandes escritores que mereciam ter ganho e nunca venceram.
O Nobel se vulgariza. Fica POP. E se é assim, então que vença logo Caetano. E que a gente coloque Cole Porter ao lado dos grandes escritores que mereciam ter ganho e nunca venceram.
SEAMUS HEANEY E O NOBEL
Fico sabendo só hoje que Seamus Heaney morreu no fim de agosto. Irlandês, o terrorismo irlandês dos anos 60/70 marcou toda sua obra. Li Heaney em 1998, e como ainda vou reler não falarei dele agora. Seria tolo. O que recordo é sua escrita surpreendente. Onde voce espera mistério surge o cotidiano, onde o dia-a-dia nasce o inefável. A Irlanda tem os nobéis de Shaw, Yeats, Beckett e Heaney. Não tem Joyce e muito menos Wilde.
Estou aqui com a lista de todos os ganhadores do Nobel. Se voce desconhece Heaney, saiba que há muita gente não só esquecida como não relevante. Seamus é relevante. Quem lembra de Sully Prudhomme, o primeiro vencedor? Em 1901 o autor mais famoso do mundo era Tolstoi. Ou talvez Mark Twain. Escolheram Sully. Os primeiros dez anos são assustadores. Apenas Selma Lagerlof permanece relevante. Não vou delirar e dizer que poderiam ter premiado Machado de Assis. Ninguém o conhecia fora do Brasil. Como seria um absurdo querer que Lorca ou Pessoa tivessem ganho. Só se tornaram conhecidos pós-morte. Mas em 1910 podiam ter premiado Thomas Hardy. Daria tempo em 1902 de premiar Tchekov. Preferiram escolher Heyse e Kipling.
Nos anos de 1910-1920 a coisa melhora um pouco. Temos Tagore e Maeterlinck, mas foi o tempo de Proust! Rilke! Kafka! Tudo bem, seria impossível ter conhecimento de Kafka então, mas Proust em lugar de Heidenstan e Rilke tomando o prêmio de Gjellup, que beleza!
Os anos 20 foram os melhores. Na lista dos vencedores temos Knut Hamsun, Anatole France, Yeats, Shaw, Henri Bergson, Thomas Mann e Sinclair Lewis. Lewis é o primeiro americano a vencer. Deveria ter sido Twain. Fitzgerald nunca venceu. Yeats foi o primeiro irlandês. E Bergson o primeiro e um dos poucos filósofos.
Nos anos 30 o nível cai de novo e sobe no pós-guerra. É quando premiam Gide, Hesse, Mann, Faulkner e Eliot. Raras vezes o nível do prêmio foi tão alto. Russel é o segundo filósofo a vencer, em 1950 e Heminguay vence após Faulkner, em 54, assim como Sartre vence depois de Camus, Camus ganha em 57 e Sartre em 64.
Nesse tempo a lista dos injustiçados cresce. Laxness em 55 no lugar de Borges. Ivo Andric em 61 e não Nabokov. John Steinbeck vence em 62, mas não Tennessee Willians. Patrick White e nada de Graham Greene. Harry Martinson e não Philip Roth ou John Updike. A lista é imensa! Premiam Jelinek e esquecem Iris Murdoch. Ignoram Wallace Stevens, Auden, Kaváfis...
Mas têm grandes acertos. Kawabatta em 68, Bellow em 76, I.B. Singer em 78. As vitórias de Paz, Szymborska, Naipaul...A tardia premiação de Pinter e de Golding.
Claro que há uma má vontade com os americanos. Basta dizer que nos últimos 40 anos apenas Saul Bellow e Toni Morrison venceram. Talvez possamos considerar Singer um americano, então são três. Justo? Penso que sim. Edward Albee ou Gore Vidal ficariam mal nessa lista? Odysseus Elytis venceu em 1979. Quem é Elytis? E Wole Soyinka? Mesmo Claude Simon, vencedor de 1985, quem o estuda hoje?
A lista completa voce acha em Nobel Prize. com.
Nela voce não encontrará Calvino, Lawrence, Waugh, Pound, Dylan Thomas, Vallejo...
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