Mostrando postagens com marcador john milton. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador john milton. Mostrar todas as postagens

TROUBLE IN PARADISE ( LADRÃO DE ALCOVA ), O FILME MAIS ANTIGO DO MUNDO

Existem obras de arte que são atemporais. Por exemplo: Sherlock Holmes. Apesar de seu charme "Inglaterra 1900 ", o tipo de diversão que Conan Doyle nos oferece é atemporal: mistério, suspense, gótico. Henry James é atemporal em sua psicologia do dinheiro e Proust é o mesmo em sua radiografia dos sentimentos. Nosso modo de pensar o poder e a sociedade é o mesmo de James e nossos ciúmes, medos e desejos são os mesmos de Proust. Mas há obras geniais que são testemunhos de seu tempo e são válidos como visita àquilo que fomos e provavelmente jamais voltaremos a ser. O valor, imenso, dessas obras se dá por sua BELEZA, por sua ENGENHOSIDADE. Pelo tamanho do espírito de quem as fez. Nada têm a ver com nosso mundo, mas nos fazem um bem imenso ao nos mostrar que existiram outros modos de ser e de fazer. Nos revigoram. Ativam partes obstruídas de nossa mente. ----------------------- Penso que uma pessoa que viva apenas na sua contemporaniedade é uma pessoa escravizada. E em 2022, um dos tempos mais pobres da história humana, viver com os dois pés e a mente neste momento é viver com apenas 2% daquilo que uma pessoa pode ser. ------------------ Ler John Milton ou Marlowe é ler algo passado, tomar contato com sentimentos e atitudes que nos são estranhas. E por isso são vitais: são descobertas daquilo que mora em nossa sombra mais escura. Ruínas que testemunham aquilo que perdemos. Ecos distantes que existem como forças indomadas porém incomunicáveis. Jamais entenderemos racionalmente o que era aquele mundo, mas podemos tomar contato com as forças que nos construíram. Como disse, há algo de profundamente liberador ao nos relacionarmos com uma arte perdida. No mínimo entendemos que somos mudança sem fim e que o que hoje parece definitivo é apenas uma etapa. Em seu melhor aspecto, crescemos muito, pois tomamos posse de uma herança comum a todos. ------------- O cinema já possui filmes em seu passado com mais de um século de idade. E alguns deles continuam a ser contemporâneos ( e espero que voce tenha entendido que isso não é um mérito em si ). Há filmes dos anos 20 ou 30 que continuam atuais porque falam de sentimentos que permanecem os mesmos. Há filmes que têm uma forma, um estilo de produção que permanece válido. Cortes rápidos, história com conteúdo, atores realistas, modo natural, são características de 2022 e que vários filmes antigos já as tinham. Mas existe gente como Ernst Lubitsch e seu cinema é completamente VELHO. E de todos seus filmes nenhum é mais VELHO que LADRÃO DE ALCOVA. --------------------- Lubitsch foi um homem da cultura vienense, um homem da virada do século XIX para o XX. O que caracteriza essa cultura é sua malícia elegante, o amor ao estilo, o modo de fazer acima do conteúdo, a discrição, a descoberta do sexo como poder, o horror à grosseria. Todos os seus filmes exibem tudo isso em imensas porções, mas só perceberá esse universo aquele que não tiver os dois pés em 2022. Assistir seus filmes é olhar para um mundo perdido em definitivo. ------------- LADRÃO DE ALCOVA conta a história de um casal de ladrões. Ele se faz passar por um nobre francês ( sim, em 1932, ano do filme, ainda havia nobre francês dando sopa por aí ), ela se faz passar por uma americana rica. Mas logo sabemos que os dois mentem. Se conhecem logo no começo do filme e de modo brilhante Lubitsch encena seu encontro: ele a rouba e ela o rouba. Percebem o furto, riem, e se unem. O amor nasce da alegria do trabalho em comum, o modo elegante de roubar é encenado de maneira rápida, alegre, leve. ------------ Juntos eles armam um golpe em cima de uma milionária. Ele se aproxima como um nobre falido, e a milionária o contrata como secretário. Ela é indicada para ser uma governanta. Mas algo dá errado: ele se deixa seduzir por ela. Lubitsch evita sempre o romance meloso, como vienense, e o roteiro é de Billy Wilder, ele crê que o amor é interesse mundano. O dinheiro vence o sentimento. Mas é hora de dizer o porque do filme ser o mais velho.... --------- A sedução. Herbert Marshall faz o ladrão. E não há ator menos contemporâneo que ele. Inglês, ele tinha uma perna mecânica, fora atingido por bomba na guerra de 1914 em que servira. Desse modo, em todos os seus filmes, ele mal se move, sua atuação é sempre da cintura para cima. O olhar é suave como brisa de primavera, a voz veludo fino, as mãos mal se notam, as roupas parecem recém passadas. O modo como ele seduz a milionária é suave, calmo, discreto, profundamente delicado. Voce nunca viu olhar como o dele. E apesar de tanta delicadeza, eles logo vão para a cama, pois Lubitsch sempre sugere sexo, sexo de adultos. Herbert Marshall nunca é violento ou ousado, ele DESEJA mas nunca IMPÕE. É ela quem abre a porta do quarto. ----------------- Ela é Kay Francis uma atriz que tem a presença chique dos anos 30: cabelos curtos, corpo magro e longo, olhar sonhador, voz maliciosa. As roupas são sempre justas e brilhantes e ela seduz a Herbert Marshall pelo que não diz, pelas frases ditas pelo meio, pela porta aberta, pelo olhar que evita mirar. Miriam Hopkins é a cumplice-ladra, uma atriz do estilo apimentada anos 30: na época se dizia LEVADA DA BRECA, uma maluquinha da era do jazz. Ela transpira desejo sexual por Marshall, os olhos brilham e cada roubo é uma penetração. ------------ Pelas palavras que usei voce deve ter percebido que nada neste filme lembra nem remotamente o cinema de hoje. Nada aqui é explícito e o que não se diz é mais importante e veemente que aquilo que é dito. É um cinema de pontinhos ... e nunca de exclamações !!!!!. Os ambientes são propositalmente artificiais, os coadjuvantes são TIPOS adoráveis ( Charlie Ruggles e Edward Everett Horton estão admiráveis como sempre ), a trilha sonora comenta a ação, os cortes são abruptos e dizem aquilo que não foi dito, a ação mantém o ritmo de um relógio, não acelera e não atrasa, os risos jamais são gargalhadas. O filme pede que nos sintamos educados, que relaxemos e gozemos o tempo em que ele transcorre. Imagino o prazer em ver esse filme em 1932, uma peça de arte delicada em um mundo que tentava preservar sua civilidade entre duas guerra hediondas. ----------- A palavra chave aqui é essa; CIVILIDADE. Neste filme tudo é civilidade. É, como toda obra de Lubitsch, uma homenagem à um mundo que morria, uma tentativa vã de o salvar. Wilder fazia o mesmo mas já sabendo que o mundo que ele amava era morto. Lubitsch ainda tinha esperança. CIVILIDADE, não há nada mais fora de moda no cinema contemporâneo. Asssitir este filme é ver fantasmas. É um cinema que nada pede, antes nos convida. Que não exibe, sugere e que não tenta emocionar, seu obejtivo é entreter. Elegante, muito elegante.

O PARAÍSO PERDIDO - JOHN MILTON

Para a cultura de língua inglesa, Milton é tão central como Dante ou Cervantes. Para nós, latinos, não. Talvez isso se deva ao fato dele ser um puritano, inimigo dos católicos. Talvez seja a velha rivalidade cultural entre França e Inglaterra. De todo modo, após alguns anos de busca, eu encontrei um volume digno da obra. Uma edição dos anos 60, gigantesca e ilustrada. -------------- Milton imaginou a obra como modo de glorificar Deus e a revolução inglesa. E sem querer nos deu a primeira obra a dar ao MAL uma cara humana. Satã é o heroi da obra prima de Milton. -------------- Satã é um anjo, um dos favoritos de Deus. Ele cai por ousar ambicionar o poder divino. Satã diz nesta obra a frase mestra do mundo moderno: "PREFIRO SER UM DEUS NO INFERNO QUE UM SERVO NO PARAÍSO". Há nesta frase o germe de Baudelaire, Maiakovski, Rimbaud, Wilde, Wagner e de toda a arte moderna. Até o drogadozinho da esquina advoga essa filosofia. John Milton a criou. E seu intento era exatamente o contrário. --------------- Harol Bloom diz que Milton se apaixonou por Satã durante a escrita do poema. É bem crível. 80% da obra tem Satã como centro. É esta também uma das primeiras vezes em que o mal parece muito mais INTERESSANTE que o bem. Shakespeare fez isso antes. Dante fez do Inferno algo bem mais forte que o Paraíso. Mas foi Milton quem deu ao mal o tipo de caráter que vemos até hoje na arte mais popular. O Coringa, o Duende Verde e Loki são herdeiros desse Satã. ------------------- Mas o que faz desse anjo algo mais interessante que o próprio Criador? Sua humanidade. Deus é Tudo e nós somos incapazes de imaginar o que seja isso. Satã pode voar, é imortal, e tem poderes assombrosos, mas ele tem VÍCIOS humanos. Ele tem ódio. Ele tem crueldade. Ele é obssessivo. Ele tenta se consolar no centro do Inferno. Em graus diversos, todos nós sabemos o que significa tudo isso. -------------- A crítica marxista gosta de dizer que John Milton deu ao mundo o poema do capitalismo. Que Satã é o grande capitalista transformando o mundo me inferno. Um heroi do mal. Marxistas erram muito e este foi um de seus mais lamentáveis erros. Satã diz textualemte que: " Prefiro ser Rei entre os condenados que um anjo entre os anjos". É uma frase perfeita para Lenine ou Staline. Na verdade Satã advoga a tática de toda revolução ( ele é o molde de todo revolucionário ), pois ele diz: " Entrarei sorrateiramente na mente dos homens e farei deles meus comparsas ". -------------- Se Milton viesse à Terra agora ele pensaria estar no mundo de Satã. Tudo o que o anjo caído desejava é costume neste nosso velho mundo. Quem ler esta obra em 2021 terá o gosto amargo de perceber que ele venceu. ------------- Não, não estou sendo carola ou puritano. Nosso mundo é o da dualidade. Somos o anjo caído e o anjo que luta por não cair. Mas veja bem: anjo caído. Quem caiu está perdido lá embaixo. Milton sabia onde vivíamos. O mundo da matéria é um mundo que se decompõe. Que fede. A inveja, o medo e o ódio nos dominam muito mais que a generosidade, a coragem e o amor desinteressado. ------------------ Ninguém mais lê este livro.