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MOBY DICK E A FRAUDE
Não pense que o excesso de filmes de HQ, biografias ou "baseados em fatos reais" seja um acaso. O mundo nunca foi tão covarde e produzir algo que já tem um nome, uma grife, já é conhecido, já existe, é muito mais seguro. Um projeto sobre o cantor X ou sobre a tragédia Z, traz em si uma garantia de repercussão que um roteiro totalmente original não traz. Fazer um filme baseado em título literário famoso também garante alguma repercussão. -------------------- Grandes livros não dão grandes filmes. É uma verdade que tem várias excessões mas que mantém média alta. Os grandes romances da história não dão grandes filmes, e muitas vezes nem mesmo filmes bons ou passáveis. Cervantes, Stendhal, Hugo, Balzac, Proust, Joyce, Thomas Mann, Faulkner, Heminguay, Flaubert, nenhum desses autores tem um filme que lhe faça justiça. Alguns são desastres absolutos, DOM QUIXOTE, outros deram filmes até que interessantes, mas completamente infieis ao livro. Penso em Heminguay cujo ILHAS DA CORRENTE é um bom filme, mas bastante distante do romance. ------------------- Mesmo autores contemporâneos sofrem no cinema. Bellow, Updike, Roth, jamais tiveram um filme digno de sua obra e Tom Wolfe teve a sorte de ver OS ELEITOS-the right stuff, ser um muito, muito grande filme. Chegamos pois às excessões. TOM JONES é um filme digno do livro e que capta algo de sua verve. Shakespeare tem alguns filmes que souberam usar sua obra e que não passam vergonha quando comparados ao original. ( Porém há uma reparação: teatro é mais adaptável ao cinema que o romance ). Dois nomes se destacam: Jane Austen, que se dá muito bem em fimes e Henry James, o que é uma incrível surpresa, haja visto que sua obra é tão interiorizada. Penso que Austen se adapta bem por ter algo que o cinema ama: bom enredo, e James foi um caso de sorte, os filmes que deram certo foram escritos por gente que realmente o entendia. ------------------------ Chegamos ao tema: MOBY DICK. Há uma versão de John Huston que luta por ser fiel e não consegue ser. Huston tem como último filme de sua obra o filme OS MORTOS, um milagre de filmagem baseda em conto superlativo de James Joyce. Mas MOBY DICK não pode ser filmado. Quem o leu sabe disso, o romance de Herman Melville é um pesadelo feito de escuridão e de linguagem bíblica. Tudo nele parece uma acusação e não há modo mais perfeito de se entender a raiz da civilização americana que esse livro. Transpor MOBY DICK para a tela é impossível. Em imagens a riqueza verbal se torna um tipode cliché gótico. Eu gosto do filme de Huston, mas é uma falha que entretém, sempre uma falha. ---------------- Ontem vi outra versão do livro, um filme que era muito raro mas que o DVD nos trouxe de volta. Feito pela RKO em 1930, dirigido por Lloyd Bacon, o filme traz John Barrymore como Ahab e ver Barrymore é sempre um prazer gigantesco. Mas o filme, como é? ------------ Se voce leu o livro irá rir agora. Ahab é o atlético capitão de um navio, beberrão e mulherengo ( ou seja, é Barrymore ), que se apaixona por linda moça do porto de New Bedford. Ela corresponde e tudo parece bem. Mas a baleia arranca sua perna e ele se torna amargo. Sim meus queridos, MOBY DICK se torna uma hsitória de amor trágico. Mas!!!!!! Eu não posso atacar o filme e não devo. Porque ele é bom, é divertido e tem um saboroso gosto gótico. Os cenários são perfeitos, têm neblina, parecem sujos, escuros, úmidos. O filme cheira a bar de porto, a rum, a maresia. E mesmo a baleia é feita com surpreendente convencimento. Os efeitos são bons para sua época. O filme, malandro, usa o nome famoso e nobre: MOBY DICK, para atrair seu público, mas de MOBY DICK nada tem. Nada mesmo!!! Ou melhor, tem uma baleia e um cara chamado Ahab. Fazem o mesmo hoje com filmes que usam nomes como NICK FURY, FAUSTO, ROMEU E JULIETA, MILES DAVIS, OSCAR WILDE e que nada têm a ver com seu título. --------------------- Por falar em Oscar, vi Dorian Gray, a versão de 1946 e devo dizer, um belo filme de suspense, mas é tão Oscar Wilde quanto ZORBA O GREGO é Kazantzakis. Nada. Oscar Wilde sem artificialismo e fortes tintas gays é tão vazio como fazer biografia de ídolo do rock sem paixão por música e longas cenas musicais. Opa! É o que se faz.
MOLLOY - SAMUEL BECKETT
Na minha longa lista de leituras, nada foi mais difícil de ler que Faulkner. Não seus livros mais comuns, e ótimos, como Santuário, mas sim suas obras mais duras. Ele muda de ponto de vista sem nenhum aviso. Uma hora quem conta a hsitória é um velho e de repente, sem aviso, é um adulto deficiente com a mente de uma criança. Faulkner é desorientador. Joyce é também muito duro. Claro que a partir de Ulysses, livro que li e achei difícil mas jamais incompreensível. É até engraçado e Joyce é sempre um irlandês no pub falando bobagens. Finnegans é ilegível. Uma tentativa, mal sucedida, de se falar o que não se pode falar. Samuel Beckett foi secretário e amigo de Joyce e ganhou o Nobel de 1969. Poucos prêmios foram tão justos. Dele eu já lera a peça Godot e um romance, Malone Morre. Beckett completa o trio dos autores muito complicados. ( Proust e James não são nada complicados, são apenas chatos para quem não se concentra naquilo que lê. Eu os adoro ). ------------------- Molloy é narrado, sem parágrafos, em estilo vômito, por um velho muito velho. Ele tem vários problemas físicos, uma perna não funciona, não escuta direito, não sabe onde está, enxerga mal. Mesmo assim sai a rua para encontrar sua mãe. E se perde. É preso, é adotado por uma mulher, foge de cães, vaga à esmo. E fala. Fala. Fala conosco. Consigo, com ninguém. Ele é sujo, bobo, confuso, infantil, desinteressante. ---------------- Já se disse que Beckett escreve sobre aquilo que a literatura evita. Desse modo, Molloy seria uma personagem-sobra, ele é tudo aquilo que os outros deixam de lado. Sua ação é a ação que escritores ignoram. Também já se falou que Molloy é a humanidade perdida na história e a mãe seria Godot. Eu prefiro uma terceira abordagem: Molloy é um livro e todo livro é fala. Beckett brinca com a fala, tenta ir até onde ela pode ir, e depois além. Beckett não está interessado em filosofia ou em criar personagens, ele quer experimentar a língua, fazer jogos, misturar frases, dialogar. Beckett sabia que nada havia mais para narrar, então ele não narra, ele escreve. Não importa a ação, não importa Molloy, o que interessa é a página escrita. O que Beckett propôe é: Será possível escrever e descrever pensamentos reais? Será possível criar vida em frases escritas? Ele sabe que não, mas nos dá sua tentativa. --------------------- Na verdade é mais uma brincadeira de irlandês na mesa do pub.
ESTE LADO DO PARAÍSO - F. SCOTT FITZGERALD
Scott teve um azar terrível. Seu primeiro livro, este, lançado em 1920, quando ele tinha apenas 23 anos, foi um sucesso. Criou enorme expectativa sobre o que viria a seguir. Ele foi chamado de coisas como " Símbolo de sua Geração" e de " Futuro autor do Grande Livro Americano". Símbolo ele foi. Hoje a tal "era do jazz" é o tempo de Scott. O Grande Livro Americano dizem que até hoje ninguém o escreveu.
Caramba, já fazem cem anos! O tempo é realmente ilusório. Quando comecei a ler romances, em 1977, cem anos atrás era o tempo de Rimbaud e de Dostoievski. 1977- 1877. Agora, cem anos atrás é Fitzgerald, Joyce e Proust...
Amory Blaine é o centro deste livro. Acompanhamos sua vida dos 8 aos 24 anos de idade. Nasce rico, apegado à mãe, bonita e chique, e distante do pai, pai frio e sem graça. Menino hiper vaidoso, ( o livro ia se chamar A Vida de um Egotista. Max Perkins, seu editor, preferiu Este Lado do Paraíso ), Amory cresce exibicionista, egocêntrico, protegido, mimado, esnobe, chique, farrista, inconsequente. Vai estudar em Princeton. Joga futebol. É bonito e alto. Atrai as meninas. Deveria ser feliz. Todo o romance é ao estilo Henry James. Harold Bloom dizia que Scott era Henry James simplificado, ( Heminguay seria Mark Twain renovado e Faulkner um Melville em novo estilo ), e desse modo, Scott descreve procurando sempre um detalhe que nos surpreenda. Sua prosa é rica, farta, filigranada, e como autor novato, ele às vezes se perde, parece ser tomado por vaidade e exibicionismo, exagera, mas sempre o lemos com gosto e me peguei admirando muito este livro.
Amory deveria ser feliz, mas não é. Ele quer ser especial. Ele quer fazer algo. Mas na verdade não sabe o que. Amory tem talento, mas não tem vontade. Ele não tem força. Desse modo o vemos desfilar pelas páginas sem se envolver muito com nada. Ele parece se apaixonar por algumas meninas, quatro, mas vemos que ele se esquece delas logo ( menos uma, Rosalind, a única que feriu sua vaidade ). Achamos que ele ama seus amigos, mas se cansa deles rapidamente. A mãe morre e ele pouco reage, e mesmo a pessoa que ele mais respeita, um cardeal católico, quando falece, Amory sente no funeral uma certa liberação. Nada em Amory parece real, tudo é estilo, tudo é pose. Fake.
Várias vezes Amory fala mal dos poseurs, mas ele é o maior dos poseurs. Ele posa de criança amorosa, depois de estudante inadaptado, então vira o ídolo do esporte, o bêbado boêmio, o bom partido, vira um poeta de futuro, vai para a guerra, se torna um apaixonado desesperado, e termina o livro como um socialista pobre. Mas nada disso parece ser Amory Blaine. Ou melhor, ele é nada disso.
A juventude da época amou o estilo de vida do romance. Se identificaram. Viam em Amory o anti século XIX. Se antes tudo era certeza vitoriana, solidez, aqui estava um jovem que era tudo e nada. Sem compromisso, sem certeza alguma, sem rumo nenhum. Viram nele uma existência de festas e loucuras, de amores descompromissados e luxo sem fim. Esse novo homem, vazio, já tinha sido anunciado em autores menos populares, foi Fitzgerald quem deu popularidade ao tipo e o colocou no meio universitário. O novo jovem não era da boemia, ele era o cara de Princeton. Em 1980 ele ainda era o cara predominante. Seu lema era o famoso "Não sei o que desejo, mas sei aquilo que não quero". Amory Blaine vive esse lema integralmente. Em 1920, isso era muito, muito novo. Tudo que ele quer é esquecer o seu vazio e para isso ele inventa uma personalidade e procura, toda noite, por algum inédito prazer.
Em 2020 não é mais assim. Um jovem hoje sabe o que deseja. Mesmo que seja um querer imposto à ele, sua mente e seu coração estão comprometidos com algum desejo. "Sei o que desejo e sei o que não quero". Voltemos ao livro...
Scott Fitzgerald passou os próximos 15 anos vivendo como Amory Blaine. Ele escreveu seu próprio perfil neste livro. Muito autor faz isso. O problema é que ele não foi adiante. Escreveria Gatsby, livro ainda melhor, Suave é a Noite, excelente, mas continuou a viver e a querer ser, para sempre, Amory Blaine. Até nisso Fitzgerald antecipa tudo o que todos fariam nas décadas futuras do século: Scott jamais quis sair da universidade. Adolescência para sempre. Ter um futuro imenso e passado bem curto. Joyce, por exemplo, começa como ele, Retrato do Artista quando Jovem é seu Este Lado do Paraíso. Mas depois ele larga isso e vira adulto. Ulysses é um livro de um homem de 40 anos. E ao fim da vida Joyce escreve como um velho marujo de 90 anos. Até Heminguay encarou a idade e aos trancos e barrancos se tornou um homem de meia idade machão. Fitzgerald não. Apaixonado por aquilo que ele foi aos 20 anos, jamais saiu dessa armadilha. Um lamentável desperdício. Como prova este livro, seu talento era sem limite. Mas sua nostalgia o matou.
Caramba, já fazem cem anos! O tempo é realmente ilusório. Quando comecei a ler romances, em 1977, cem anos atrás era o tempo de Rimbaud e de Dostoievski. 1977- 1877. Agora, cem anos atrás é Fitzgerald, Joyce e Proust...
Amory Blaine é o centro deste livro. Acompanhamos sua vida dos 8 aos 24 anos de idade. Nasce rico, apegado à mãe, bonita e chique, e distante do pai, pai frio e sem graça. Menino hiper vaidoso, ( o livro ia se chamar A Vida de um Egotista. Max Perkins, seu editor, preferiu Este Lado do Paraíso ), Amory cresce exibicionista, egocêntrico, protegido, mimado, esnobe, chique, farrista, inconsequente. Vai estudar em Princeton. Joga futebol. É bonito e alto. Atrai as meninas. Deveria ser feliz. Todo o romance é ao estilo Henry James. Harold Bloom dizia que Scott era Henry James simplificado, ( Heminguay seria Mark Twain renovado e Faulkner um Melville em novo estilo ), e desse modo, Scott descreve procurando sempre um detalhe que nos surpreenda. Sua prosa é rica, farta, filigranada, e como autor novato, ele às vezes se perde, parece ser tomado por vaidade e exibicionismo, exagera, mas sempre o lemos com gosto e me peguei admirando muito este livro.
Amory deveria ser feliz, mas não é. Ele quer ser especial. Ele quer fazer algo. Mas na verdade não sabe o que. Amory tem talento, mas não tem vontade. Ele não tem força. Desse modo o vemos desfilar pelas páginas sem se envolver muito com nada. Ele parece se apaixonar por algumas meninas, quatro, mas vemos que ele se esquece delas logo ( menos uma, Rosalind, a única que feriu sua vaidade ). Achamos que ele ama seus amigos, mas se cansa deles rapidamente. A mãe morre e ele pouco reage, e mesmo a pessoa que ele mais respeita, um cardeal católico, quando falece, Amory sente no funeral uma certa liberação. Nada em Amory parece real, tudo é estilo, tudo é pose. Fake.
Várias vezes Amory fala mal dos poseurs, mas ele é o maior dos poseurs. Ele posa de criança amorosa, depois de estudante inadaptado, então vira o ídolo do esporte, o bêbado boêmio, o bom partido, vira um poeta de futuro, vai para a guerra, se torna um apaixonado desesperado, e termina o livro como um socialista pobre. Mas nada disso parece ser Amory Blaine. Ou melhor, ele é nada disso.
A juventude da época amou o estilo de vida do romance. Se identificaram. Viam em Amory o anti século XIX. Se antes tudo era certeza vitoriana, solidez, aqui estava um jovem que era tudo e nada. Sem compromisso, sem certeza alguma, sem rumo nenhum. Viram nele uma existência de festas e loucuras, de amores descompromissados e luxo sem fim. Esse novo homem, vazio, já tinha sido anunciado em autores menos populares, foi Fitzgerald quem deu popularidade ao tipo e o colocou no meio universitário. O novo jovem não era da boemia, ele era o cara de Princeton. Em 1980 ele ainda era o cara predominante. Seu lema era o famoso "Não sei o que desejo, mas sei aquilo que não quero". Amory Blaine vive esse lema integralmente. Em 1920, isso era muito, muito novo. Tudo que ele quer é esquecer o seu vazio e para isso ele inventa uma personalidade e procura, toda noite, por algum inédito prazer.
Em 2020 não é mais assim. Um jovem hoje sabe o que deseja. Mesmo que seja um querer imposto à ele, sua mente e seu coração estão comprometidos com algum desejo. "Sei o que desejo e sei o que não quero". Voltemos ao livro...
Scott Fitzgerald passou os próximos 15 anos vivendo como Amory Blaine. Ele escreveu seu próprio perfil neste livro. Muito autor faz isso. O problema é que ele não foi adiante. Escreveria Gatsby, livro ainda melhor, Suave é a Noite, excelente, mas continuou a viver e a querer ser, para sempre, Amory Blaine. Até nisso Fitzgerald antecipa tudo o que todos fariam nas décadas futuras do século: Scott jamais quis sair da universidade. Adolescência para sempre. Ter um futuro imenso e passado bem curto. Joyce, por exemplo, começa como ele, Retrato do Artista quando Jovem é seu Este Lado do Paraíso. Mas depois ele larga isso e vira adulto. Ulysses é um livro de um homem de 40 anos. E ao fim da vida Joyce escreve como um velho marujo de 90 anos. Até Heminguay encarou a idade e aos trancos e barrancos se tornou um homem de meia idade machão. Fitzgerald não. Apaixonado por aquilo que ele foi aos 20 anos, jamais saiu dessa armadilha. Um lamentável desperdício. Como prova este livro, seu talento era sem limite. Mas sua nostalgia o matou.
OSCAR WILDE....LEE MARVIN...BERLIOZ...HITCHCOCK...FRY
À QUEIMA ROUPA de John Boorman com Lee Marvin e Angie Dickinson.
Este filme, um original, começa bastante confuso. Isso porque Boorman mistura passado e presente, embaralha. Mas após 10 minutos as coisas começam a clarear. As pessoas falam que o filme tem influências da Nouvelle Vague, mas não, ele é puro Melville. Marvin, mais durão que nunca, é um bandido que foi traído. Procura vingança. Visual arrojado, trilha sonora invulgar, anguloso e estranhamente sexy. Tarantino ama esse filme. E faz tempo que Quentin não faz um filme tão bom quanto este. Obrigatório.
SINFONIA FANTÁSTICA de Christian-Jaque com Barrault, Berry, St.Cyr e Blier.
Biografia de Berlioz. O filme é chavão, cliché, mas a gente ainda o assiste com prazer. Berlioz sofre pacas e fica famoso já velho. Mesmo assim, não é feliz. Barrault foi o maior ator do teatro francês. O Olivier de lá. Jaque foi o diretor mais odiado pela Nouvelle Vague. Ele era correto. Profissional.
RETRATO DO ARTISTA QUANDO JOVEM de Joseph Strick
A adaptação do romance de Joyce até que funciona. Li o livro uns 20 anos atrás e detestei. O filme mostra toda a ira do jovem contra sua educação religiosa. Os padres são ruins pacas! Há um belo clima irlandês no filme e apesar de sua pobreza é um filme ok.
OS 39 DEGRAUS de Hitchcock com Robert Donat e Madeleine Carroll.
Ao conhecer uma menina que é fã de Hitch, resolvo assistir mais uma vez este filme da fase inglesa do mestre. Devo já ter visto cinco vezes, e continua sendo um prazer. Trata do tema central de Hitch: culpa. Fuga. Injustiça. Clássico.
OSCAR WILDE de Brian Gilbert com Stephen Fry e Jude Law.
Fry é Wilde. Nunca em um bio vi um ator tão adequado a um papel. Mas o filme, longe de ser ruim, não está à sua altura. Law é também perfeito como Bosie, o tolo amante mimado de Wilde. O clima de época é maravilhoso.
TARKOVSKI
O SACRIFÍCIO. No aniversário de um patriarca acontece a notícia do holocausto nuclear. É o mais assustador filme do russo. O cenário desaba em dor e em cenas quase incompreensíveis. Ele passa muito perto neste filme do absoluto fracasso, mas o filme acaba sendo salvo por algumas cenas inesquecíveis.
NOSTALGIA. Este não. Ele passa do ponto, e aqui, em seu último filme, Tarkovski erra. O filme é chato, chato se recompensa. Não há como suportar cenas tão longas e tão sem por que. Falta a poesia que tudo redimia.
Este filme, um original, começa bastante confuso. Isso porque Boorman mistura passado e presente, embaralha. Mas após 10 minutos as coisas começam a clarear. As pessoas falam que o filme tem influências da Nouvelle Vague, mas não, ele é puro Melville. Marvin, mais durão que nunca, é um bandido que foi traído. Procura vingança. Visual arrojado, trilha sonora invulgar, anguloso e estranhamente sexy. Tarantino ama esse filme. E faz tempo que Quentin não faz um filme tão bom quanto este. Obrigatório.
SINFONIA FANTÁSTICA de Christian-Jaque com Barrault, Berry, St.Cyr e Blier.
Biografia de Berlioz. O filme é chavão, cliché, mas a gente ainda o assiste com prazer. Berlioz sofre pacas e fica famoso já velho. Mesmo assim, não é feliz. Barrault foi o maior ator do teatro francês. O Olivier de lá. Jaque foi o diretor mais odiado pela Nouvelle Vague. Ele era correto. Profissional.
RETRATO DO ARTISTA QUANDO JOVEM de Joseph Strick
A adaptação do romance de Joyce até que funciona. Li o livro uns 20 anos atrás e detestei. O filme mostra toda a ira do jovem contra sua educação religiosa. Os padres são ruins pacas! Há um belo clima irlandês no filme e apesar de sua pobreza é um filme ok.
OS 39 DEGRAUS de Hitchcock com Robert Donat e Madeleine Carroll.
Ao conhecer uma menina que é fã de Hitch, resolvo assistir mais uma vez este filme da fase inglesa do mestre. Devo já ter visto cinco vezes, e continua sendo um prazer. Trata do tema central de Hitch: culpa. Fuga. Injustiça. Clássico.
OSCAR WILDE de Brian Gilbert com Stephen Fry e Jude Law.
Fry é Wilde. Nunca em um bio vi um ator tão adequado a um papel. Mas o filme, longe de ser ruim, não está à sua altura. Law é também perfeito como Bosie, o tolo amante mimado de Wilde. O clima de época é maravilhoso.
TARKOVSKI
O SACRIFÍCIO. No aniversário de um patriarca acontece a notícia do holocausto nuclear. É o mais assustador filme do russo. O cenário desaba em dor e em cenas quase incompreensíveis. Ele passa muito perto neste filme do absoluto fracasso, mas o filme acaba sendo salvo por algumas cenas inesquecíveis.
NOSTALGIA. Este não. Ele passa do ponto, e aqui, em seu último filme, Tarkovski erra. O filme é chato, chato se recompensa. Não há como suportar cenas tão longas e tão sem por que. Falta a poesia que tudo redimia.
UMA IRMÃ, UMA AMIGA, UMA PERDIDA; DESCUBRO VIRGINIA WOOLF E ADORO.
Virginia Woolf escreve como uma mulher muito, muito sensível. Não do tipo chorosa, mas como um tipo de nervo exposto. Antena. Ela capta tudo a seu redor: cores, vozes, cheiros, vento, calores, movimentos; e une tudo isso a suas memórias, dores, risos, rostos, sons. Vomita esses fragmentos no papel. O leitor que os aprecie como aquilo que eles são: fragmento de vida.
Ela escreve como Debussy fazia sons. Como pingos de tinta. Organizados. Há rigor na sua escrita. E música. Melodia. Harmonia.
É uma irmã que descubro só agora. Ela escreve como eu escrevo quando muito inspirado. Os poucos textos meus dos quais me orgulho são como os dela. E só agora descubro isso. ( Talvez a tenha evitado por já saber disso ).
Talvez se vivesse hoje os remédios salvassem Virginia. Talvez ela os evitasse. Eles iriam obscurecer seu radar. O nervo que tudo captava captaria pouco então.
Ela completa a irmandade: Proust, Joyce e Kafka. O quarteto modernista. Dos quatro ela é a mais feminina, a mais sintética, objetivamente turva. Proust entra na mente e a vasculha. É uma lente de aumento voltada para dentro do olho. Ele encontra a alma e a admira. Ama. Joyce pega a vida e faz dela uma anedota. Ele ri para não chorar. Como uma mosca, ele voa pelas ruas da cidade e pega um pouco de todo lixo. Une esses restos e tenta criar um monumento. De dejetos. Kafka é a minhoca. Ele sai da lama e se debate ao sol. Seu mundo é escuro e úmido. Seus caminhos levam a mais lama.
São os modernistas fundamentais. Os que descobriram a cidade, a mega cidade, a sociedade incivilizada, o fim do lar, da família, da igreja. Os grandes negadores.
Entre eles Virginia é a borboleta. ( Observe que Proust é o único que não é um animal. É uma lente. ) Ela quer voar mais alto e mais forte. Mas voa hesitante. E entre flores lembra da lagarta. E breve, cai.
Bem vinda Virginia.
Ela escreve como Debussy fazia sons. Como pingos de tinta. Organizados. Há rigor na sua escrita. E música. Melodia. Harmonia.
É uma irmã que descubro só agora. Ela escreve como eu escrevo quando muito inspirado. Os poucos textos meus dos quais me orgulho são como os dela. E só agora descubro isso. ( Talvez a tenha evitado por já saber disso ).
Talvez se vivesse hoje os remédios salvassem Virginia. Talvez ela os evitasse. Eles iriam obscurecer seu radar. O nervo que tudo captava captaria pouco então.
Ela completa a irmandade: Proust, Joyce e Kafka. O quarteto modernista. Dos quatro ela é a mais feminina, a mais sintética, objetivamente turva. Proust entra na mente e a vasculha. É uma lente de aumento voltada para dentro do olho. Ele encontra a alma e a admira. Ama. Joyce pega a vida e faz dela uma anedota. Ele ri para não chorar. Como uma mosca, ele voa pelas ruas da cidade e pega um pouco de todo lixo. Une esses restos e tenta criar um monumento. De dejetos. Kafka é a minhoca. Ele sai da lama e se debate ao sol. Seu mundo é escuro e úmido. Seus caminhos levam a mais lama.
São os modernistas fundamentais. Os que descobriram a cidade, a mega cidade, a sociedade incivilizada, o fim do lar, da família, da igreja. Os grandes negadores.
Entre eles Virginia é a borboleta. ( Observe que Proust é o único que não é um animal. É uma lente. ) Ela quer voar mais alto e mais forte. Mas voa hesitante. E entre flores lembra da lagarta. E breve, cai.
Bem vinda Virginia.
O MUNDO E SEUS HERÓIS, ULYSSES BY JAMES JOYCE. ( O BRASIL TEM ALGUM MITO )
Todas as histórias do ocidente começam em Homero. A Ilíada é fonte de nossas sagas de guerra, vingança e destruição; a Odisseia a raiz de todas as narrativas de viagens, descobertas, e principalmente do retorno. Em Homero está tudo aquilo que nos foi dado como o Herói.
Povos refizeram a seu modo essas histórias. E se identificaram como pertencentes ao mesmo lugar através desses novos heróis. A Inglaterra em Arthur, a França em Carlos Magno, a Alemanha com Siegrified, Portugal em Sebastião e depois os Lusíadas. A Espanha em El Cid e depois em Quixote. A Itália em Julio César e Roma e depois em Petrarca e Dante.
Novas sagas foram criadas. Há quem diga que a França de hoje nada mais tem de Carlos Magno, que o mito franco hoje se revela em Montaigne. Mas a função da saga de Carlos Magno já está absorvida, ela construiu a união francesa. Que perdura.
Essas histórias entram em choque. Na Espanha os catalães se percebem muito mais nos poetas dos anos 1.200 que em Quixote. Italianos do sul não se enxergam em Petrarca ou Dante.
Na América existiam as sagas de seus povos nativos. Que morreram e morrem com eles. As novas nações foram criadoras de novas sagas. Os EUA criaram Moby Dick, Huck Finn e todo o mito do oeste. E como na Europa, a fonte de tudo isso está no Homero grego. O México tenta, desde sempre, ressuscitar os mitos de seus povos primeiros, os Astecas. Na Argentina temos Martin Fierro como sua Odisseia. E no Brasil ainda esperamos nossa saga heroica.
A primeira tentativa foi vestir índios em trajes gregos. Iracema e Ubirajara. Não deu certo. E continua não dando. Várias tentativas foram feitas de criar nossa saga nacional: bandeirantes, chefes índios, até o esculacho de Macunaíma. A TV pegou esse vácuo e a Globo por uma década tentou unir nossa raça variada em um ciclo de histórias: Gabriela, Tieta, O Bem Amado. Seria essa a nossa saga: a do malandro baiano. Desmoronou quando o malandro baiano se revelou uma mentira além de toda mentira. Um boneco de papel. Um herói sem heroísmo. Veio o ciclo Rei do Gado, e esse era tão oco e falso que não causou nem marola.
Não temos heróis. O maior escritor nacional odiava heróis.
Ulysses de James Joyce cria o heróis possível ao século XX. O homem comum. Um trabalhador de Dublin, que como o Ulysses grego, vive uma saga. A saga de ter de viver um dia em sua vida. A imensa dificuldade que é existir em meio á tantas vozes, apelos, desejos, sentimentos, memórias e fragmentos que se embaralham dentro e fora de sua mente. Ele anda e passa por enterro, bordel, redação de jornal, ruas e mais ruas, bares, a casa, e principalmente ele passa por sua mente, imensa como um mar. Navega. Joyce dedica essa saga irônica não à Irlanda, mas ao ocidente. A Irlanda sempre teve um excesso de narrativas, de Cuchulain, St. Patrick, Elfos, e reside aí sua excelência em imaginação. A ambição de Joyce era maior, ele queria mostrar que todos nós somos Ulysses. Perdidos no Mediterrâneo em busca da volta ao lar.
James Joyce, todos sabem, falhou. O mito do século XX é alguma coisa entre Clark Kent e um astronauta. Um cowboy e John Kennedy. O grande cientista e Don Corleone. Joyce errou, nenhum desses mitos é um homem comum. Eles todos tentam parecer o Zé Ninguém, o cara como nós todos, mas não são. Todos são excepcionais.
Mas o livro de Joyce é em si um mito. O símbolo dos livros ambiciosos, dos livros ilegíveis, dos livros super valorizados, o livro que as pessoas amam e odeiam sem nunca ter lido. E que eu li e senti: ora, é apenas mais um grande livro! Proust é melhor, Henry James mais profundo, Thomas Mann mais ambicioso, Eliot muito mais metido e vários poetas são bem mais complicados.
Ulysses é lindo, divertido e rico. Joyce errou. Mas enquanto escrevia esse erro...foi um herói.
Povos refizeram a seu modo essas histórias. E se identificaram como pertencentes ao mesmo lugar através desses novos heróis. A Inglaterra em Arthur, a França em Carlos Magno, a Alemanha com Siegrified, Portugal em Sebastião e depois os Lusíadas. A Espanha em El Cid e depois em Quixote. A Itália em Julio César e Roma e depois em Petrarca e Dante.
Novas sagas foram criadas. Há quem diga que a França de hoje nada mais tem de Carlos Magno, que o mito franco hoje se revela em Montaigne. Mas a função da saga de Carlos Magno já está absorvida, ela construiu a união francesa. Que perdura.
Essas histórias entram em choque. Na Espanha os catalães se percebem muito mais nos poetas dos anos 1.200 que em Quixote. Italianos do sul não se enxergam em Petrarca ou Dante.
Na América existiam as sagas de seus povos nativos. Que morreram e morrem com eles. As novas nações foram criadoras de novas sagas. Os EUA criaram Moby Dick, Huck Finn e todo o mito do oeste. E como na Europa, a fonte de tudo isso está no Homero grego. O México tenta, desde sempre, ressuscitar os mitos de seus povos primeiros, os Astecas. Na Argentina temos Martin Fierro como sua Odisseia. E no Brasil ainda esperamos nossa saga heroica.
A primeira tentativa foi vestir índios em trajes gregos. Iracema e Ubirajara. Não deu certo. E continua não dando. Várias tentativas foram feitas de criar nossa saga nacional: bandeirantes, chefes índios, até o esculacho de Macunaíma. A TV pegou esse vácuo e a Globo por uma década tentou unir nossa raça variada em um ciclo de histórias: Gabriela, Tieta, O Bem Amado. Seria essa a nossa saga: a do malandro baiano. Desmoronou quando o malandro baiano se revelou uma mentira além de toda mentira. Um boneco de papel. Um herói sem heroísmo. Veio o ciclo Rei do Gado, e esse era tão oco e falso que não causou nem marola.
Não temos heróis. O maior escritor nacional odiava heróis.
Ulysses de James Joyce cria o heróis possível ao século XX. O homem comum. Um trabalhador de Dublin, que como o Ulysses grego, vive uma saga. A saga de ter de viver um dia em sua vida. A imensa dificuldade que é existir em meio á tantas vozes, apelos, desejos, sentimentos, memórias e fragmentos que se embaralham dentro e fora de sua mente. Ele anda e passa por enterro, bordel, redação de jornal, ruas e mais ruas, bares, a casa, e principalmente ele passa por sua mente, imensa como um mar. Navega. Joyce dedica essa saga irônica não à Irlanda, mas ao ocidente. A Irlanda sempre teve um excesso de narrativas, de Cuchulain, St. Patrick, Elfos, e reside aí sua excelência em imaginação. A ambição de Joyce era maior, ele queria mostrar que todos nós somos Ulysses. Perdidos no Mediterrâneo em busca da volta ao lar.
James Joyce, todos sabem, falhou. O mito do século XX é alguma coisa entre Clark Kent e um astronauta. Um cowboy e John Kennedy. O grande cientista e Don Corleone. Joyce errou, nenhum desses mitos é um homem comum. Eles todos tentam parecer o Zé Ninguém, o cara como nós todos, mas não são. Todos são excepcionais.
Mas o livro de Joyce é em si um mito. O símbolo dos livros ambiciosos, dos livros ilegíveis, dos livros super valorizados, o livro que as pessoas amam e odeiam sem nunca ter lido. E que eu li e senti: ora, é apenas mais um grande livro! Proust é melhor, Henry James mais profundo, Thomas Mann mais ambicioso, Eliot muito mais metido e vários poetas são bem mais complicados.
Ulysses é lindo, divertido e rico. Joyce errou. Mas enquanto escrevia esse erro...foi um herói.
LENDO ULYSSES DE JAMES JOYCE
No dia de Ulysses comecei a ler o livro de James Joyce. Falo o que ele nunca foi.
Chato, mal humorado, elitista, arduo. Estou adorando! Na verdade ele consegue capturar o sabor da vida. Pensamentos fragmentados, desejos rabiscados, sujeira e beleza. E o ruido ao redor que nos acompanha sempre e sempre. Os personagens se fundem ao meio. E Joyce, pegando Homero como guia, nos guia pela vida do mundo que mora em Dublin.
Acima de tudo fica o amor de Joyce pela vida e pelo seu livro.
Este meu texto quer apenas dizer que Ulysses nada tem do que falam. Me divirto. Para quem ama palavras, texto, ousadias, um deleite.
Chato, mal humorado, elitista, arduo. Estou adorando! Na verdade ele consegue capturar o sabor da vida. Pensamentos fragmentados, desejos rabiscados, sujeira e beleza. E o ruido ao redor que nos acompanha sempre e sempre. Os personagens se fundem ao meio. E Joyce, pegando Homero como guia, nos guia pela vida do mundo que mora em Dublin.
Acima de tudo fica o amor de Joyce pela vida e pelo seu livro.
Este meu texto quer apenas dizer que Ulysses nada tem do que falam. Me divirto. Para quem ama palavras, texto, ousadias, um deleite.
A UTILIDADE DA BELEZA É A DE DESTRUIR O CONCEITO DE UTILIDADE
E tudo começou com Beardsley. Com uma linha sinuosa, desenhada a nanquim, preto sobre o branco. Um diabinho e uma mulher nua. Era o começo do fim do século XIX, e como protesto ao automatismo da vida industrial, eles criaram a noção de que só teria valor aquilo que fosse feito manualmente. A revolução seria a revolução da beleza. Se o mundo se tornava cada vez mais feio, sujo, aglomerado, cabia ao homem, a todo homem, se individualizar. Fazer de seu ambiente, de sua vida, testemunho de sua beleza individual. ( Me parece que hoje, burramente, o protesto se dá pelo culto ao feio. Como se não fosse feio aquilo que produzimos naturalmente ).
O que seria essa beleza? Para o art nouveau inglês, o belo seria noturno, negro, curvilíneo, pecaminoso e satânico. Whistler exemplifica bem esse estilo noturno. Mas Londres não foi solitária. Barcelona, Bruxelas, Paris, Berlin e principalmente Viena logo adotaram o estilo. Beleza para todos! Não vamos esquecer nunca que eles eram socialistas, sua ambição era coletiva e socializante.
Uma contradição! Um dos lemas era: Melhor fazer um cinzeiro em dez dias que dez cinzeiros em um dia! E realmente eles levavam até mais de dez dias para fazer um cinzeiro. E essa peça seria única, cheia de criatividade, beleza. E cara...O novo estilo, JUNGSTIL, começou a ser sinal de luxo, status, exclusividade. Mobilia, quadros, roupas, objetos, um simples saleiro, tudo era Jungstil. O jovem estilo. Nada acessível às massas que continuavam em sua pobreza feia do produto anônimo. Mas havia a arquitetura, e com ela a cidade poderia mudar, e com a mudança do ambiente o povo poderia adquirir o senso da beleza! Maravilhosas fachadas em Viena, em Paris, estações de metrô, postes de luz, gares de trens, bancos, jardins, tudo art nouveau, novo lema: Arte de Hoje para o Tempo de Agora!
A música do tempo: Debussy! Ravel ! Satie! Curvas, panos, tapetes, cortinas, luzes, ferro fundido, prata, ouro, vitrais, flores, veludo. Poetas do tempo: Rilke, Stefan George, Mallarmée, Valéry. Corpos nús, sexo, oriente, Grécia. Vapores...Luxo, sempre o luxo, a calma, a volúpia. Klimt, Mucha, Otto Wagner, Victor Horta.
Em Trieste, em 1905, Rilke e Joyce se cruzaram na cidade. E não se reconheceram, claro. Mas veja, uma cidade, média, viu dois gênios respirarem seu ar ao mesmo tempo. Um, Rilke, cultuando a negra pantera que trazia em seu movimento a beleza do sexo e da morte; o outro, Joyce, odiando tudo aquilo e querendo mostrar ao mundo o cuspe, a merda e a vulgaridade da vida real. E quem sabe, achar a beleza maior nessa verdade.
Para o Art Nouveau, a beleza era um fim em si. Para Joyce, a verdade era a beleza. Sempre a verdade.
Como todo movimento novo, ele logo ficou velho. Em dez anos, o esgotamento. E quando a primeira guerra veio, em 1914, culpou-se o Jungstil pela guerra. Falou-se que sua falta de moral, de fibra, sua preguiça seria o ambiente que levou o mundo ao Kaos! Jungstil passou a ser coisa decadente, suja, mortal...
Por 50 anos, até 1964 mais ou menos, TUDO referente a Klimt, Beardsley, Whistler, foi considerado de segunda categoria. Foi o tempo da ditadura da linha reta. Da Bauhaus, de Mondrian, aqui no nosso Brasil do chato Niemeyer. Sem ornamentos, sem enfeites, sem copiar a natureza. Linhas puras, aço e vidro, regras e réguas. A beleza substituída pela FUNCIONALIDADE. O objeto, a construção, deve cumprir sua função. Tudo o que não tenha uma utilidade é dispensável. ( Oscar Wilde: A arte e a beleza só o são quando completamente inuteis ).
Os anos 60 recuperaram a Jungstil. De repente o inutil voltou a ser cultuado. O mundo viu um renascimento do ornamento, do enfeite, do negro, do dúbio, do floral, do véu, o satânico, o exagero. A curva retomou seu posto de rainha de estilo. A vida como arte, o eu como construção consciente de beleza. Se voce quer que eu vulgarize, a música pop de Incredible String Band, Soft Machine, Gong, música floral, cheia de arabescos, surpresas, tintas e noites, discos como o Satanic dos Stones, Sgt Peppers, Forever Changes do Love. Capas, olhos árabes, vitrais art déco, música indiana, marroquina, flamenco...A beleza, a busca da beleza como única fé, a religião do BELO.
E hoje? E 2015?
Uma luta neste vale-tudo do mercado que é o mundo. Um planeta que virou um bazar de vidro e pedra. De um lado a hiper-funcionalidade. Beleza sendo conceito relativo, ou pior, futil. Estranhamente esse conceito se tornou quase religioso, pois ele no fundo nega a matéria. Se voce nega a beleza do olhar e do tato, voce está negando o mundo sensual, o mundo da matéria. Voce vive no mundo da função, do pensamento e do fazer imaterial. É quase um universo cego. O Brasil ama esse mundo. Por tradição somos ligados a cegueira. Prédios todos iguais, ruas sem ornamentos, funcionalidade que em nosso trágico caso, nunca funciona. Estamos no pior dos dois mundos.
E há a luta pela preservação da beleza. Que se transformou no culto ao prazer egoísta. Cultua-se o belo imaginando que a beleza vive no status. Na saúde. No chique. É uma tradição que inexiste no Brasil. Ou melhor, sobre- vive numa natureza que ensina a filosofia da beleza, do excesso, da curva exuberante. Mas nós odiamos essa beleza. Cuspimos nela. A sinuosidade de um riacho, canalizamos. Ele parece ser não funcional.
Para mim, beleza cura tudo. Essa a sabedoria dos gregos, dos católicos, dos românticos, dos art nouveau, dos fauve. A beleza dá sentido ao que parecia absurdo. Ela nos consola, nos guia, nos justifica. A curva pode mais que a reta. O sinuoso absurdo seduz.
John Keats, em 1810 estava certo:
a thing of beauty is a joy for ever.
O que seria essa beleza? Para o art nouveau inglês, o belo seria noturno, negro, curvilíneo, pecaminoso e satânico. Whistler exemplifica bem esse estilo noturno. Mas Londres não foi solitária. Barcelona, Bruxelas, Paris, Berlin e principalmente Viena logo adotaram o estilo. Beleza para todos! Não vamos esquecer nunca que eles eram socialistas, sua ambição era coletiva e socializante.
Uma contradição! Um dos lemas era: Melhor fazer um cinzeiro em dez dias que dez cinzeiros em um dia! E realmente eles levavam até mais de dez dias para fazer um cinzeiro. E essa peça seria única, cheia de criatividade, beleza. E cara...O novo estilo, JUNGSTIL, começou a ser sinal de luxo, status, exclusividade. Mobilia, quadros, roupas, objetos, um simples saleiro, tudo era Jungstil. O jovem estilo. Nada acessível às massas que continuavam em sua pobreza feia do produto anônimo. Mas havia a arquitetura, e com ela a cidade poderia mudar, e com a mudança do ambiente o povo poderia adquirir o senso da beleza! Maravilhosas fachadas em Viena, em Paris, estações de metrô, postes de luz, gares de trens, bancos, jardins, tudo art nouveau, novo lema: Arte de Hoje para o Tempo de Agora!
A música do tempo: Debussy! Ravel ! Satie! Curvas, panos, tapetes, cortinas, luzes, ferro fundido, prata, ouro, vitrais, flores, veludo. Poetas do tempo: Rilke, Stefan George, Mallarmée, Valéry. Corpos nús, sexo, oriente, Grécia. Vapores...Luxo, sempre o luxo, a calma, a volúpia. Klimt, Mucha, Otto Wagner, Victor Horta.
Em Trieste, em 1905, Rilke e Joyce se cruzaram na cidade. E não se reconheceram, claro. Mas veja, uma cidade, média, viu dois gênios respirarem seu ar ao mesmo tempo. Um, Rilke, cultuando a negra pantera que trazia em seu movimento a beleza do sexo e da morte; o outro, Joyce, odiando tudo aquilo e querendo mostrar ao mundo o cuspe, a merda e a vulgaridade da vida real. E quem sabe, achar a beleza maior nessa verdade.
Para o Art Nouveau, a beleza era um fim em si. Para Joyce, a verdade era a beleza. Sempre a verdade.
Como todo movimento novo, ele logo ficou velho. Em dez anos, o esgotamento. E quando a primeira guerra veio, em 1914, culpou-se o Jungstil pela guerra. Falou-se que sua falta de moral, de fibra, sua preguiça seria o ambiente que levou o mundo ao Kaos! Jungstil passou a ser coisa decadente, suja, mortal...
Por 50 anos, até 1964 mais ou menos, TUDO referente a Klimt, Beardsley, Whistler, foi considerado de segunda categoria. Foi o tempo da ditadura da linha reta. Da Bauhaus, de Mondrian, aqui no nosso Brasil do chato Niemeyer. Sem ornamentos, sem enfeites, sem copiar a natureza. Linhas puras, aço e vidro, regras e réguas. A beleza substituída pela FUNCIONALIDADE. O objeto, a construção, deve cumprir sua função. Tudo o que não tenha uma utilidade é dispensável. ( Oscar Wilde: A arte e a beleza só o são quando completamente inuteis ).
Os anos 60 recuperaram a Jungstil. De repente o inutil voltou a ser cultuado. O mundo viu um renascimento do ornamento, do enfeite, do negro, do dúbio, do floral, do véu, o satânico, o exagero. A curva retomou seu posto de rainha de estilo. A vida como arte, o eu como construção consciente de beleza. Se voce quer que eu vulgarize, a música pop de Incredible String Band, Soft Machine, Gong, música floral, cheia de arabescos, surpresas, tintas e noites, discos como o Satanic dos Stones, Sgt Peppers, Forever Changes do Love. Capas, olhos árabes, vitrais art déco, música indiana, marroquina, flamenco...A beleza, a busca da beleza como única fé, a religião do BELO.
E hoje? E 2015?
Uma luta neste vale-tudo do mercado que é o mundo. Um planeta que virou um bazar de vidro e pedra. De um lado a hiper-funcionalidade. Beleza sendo conceito relativo, ou pior, futil. Estranhamente esse conceito se tornou quase religioso, pois ele no fundo nega a matéria. Se voce nega a beleza do olhar e do tato, voce está negando o mundo sensual, o mundo da matéria. Voce vive no mundo da função, do pensamento e do fazer imaterial. É quase um universo cego. O Brasil ama esse mundo. Por tradição somos ligados a cegueira. Prédios todos iguais, ruas sem ornamentos, funcionalidade que em nosso trágico caso, nunca funciona. Estamos no pior dos dois mundos.
E há a luta pela preservação da beleza. Que se transformou no culto ao prazer egoísta. Cultua-se o belo imaginando que a beleza vive no status. Na saúde. No chique. É uma tradição que inexiste no Brasil. Ou melhor, sobre- vive numa natureza que ensina a filosofia da beleza, do excesso, da curva exuberante. Mas nós odiamos essa beleza. Cuspimos nela. A sinuosidade de um riacho, canalizamos. Ele parece ser não funcional.
Para mim, beleza cura tudo. Essa a sabedoria dos gregos, dos católicos, dos românticos, dos art nouveau, dos fauve. A beleza dá sentido ao que parecia absurdo. Ela nos consola, nos guia, nos justifica. A curva pode mais que a reta. O sinuoso absurdo seduz.
John Keats, em 1810 estava certo:
a thing of beauty is a joy for ever.
JOYCE, RICHARD ELLMAN
O pai de James Joyce, John Joyce. Que homem! Foi um grande cantor, voz de tenor que se tornou lenda. Herdeiro de várias propriedades, hipotecou tudo, ano a ano, e quando James fez 21 anos, a família estava na absoluta miséria. O pai, John, tinha tantos talentos que jogou fora todos. Sabia navegar, desenhar, inventar, contava histórias, criava ideias. Jogador de rugby, de boxe, nadador mestre. Amigo de todos, mudava de casa como quem penteia o cabelo. Beberrão. Um personagem de John Ford. Real.
John teve onze filhos. James Joyce foi o primeiro. O pai adorava o filho. O filho amava o pai. Em seus livros existem montes de personagens baseados no pai. James tinha mais seis irmãs e quatro irmãos. O pai ignorava a todos, menos James. A mãe era caseira, chorosa, forte, e morreu aos 44 anos.
James Joyce foi educado em escolas jesuítas. Isso serviu para lhe dar agudeza. E também para o fazer romper com o catolicismo. Joyce era egocêntrico, vaidoso, frio e terrivelmente talentoso. Sempre foi o melhor aluno da classe e sempre ofendia os professores, amigos, mestres, outros escritores, com sua mania de falar a verdade, de se achar acima de todos, mais inteligente, mais talentoso, especial. James Joyce se tinha na conta de um gênio desde cedo. Ele foi sempre áspero com Yeats, com Lady Gregory, Synge, todos talentos reconhecidos e que o ajudaram em seus começos. Todos suportavam Joyce porque viam nele o gênio.
James não gostava de Shakespeare. Seus favoritos eram Ibsen, Tolstoi, Flaubert e principalmente Dante. Seu estilo logo se modelou. Joyce escreveria sobre gente e situações banais, mas mostraria nessa banalidade o extraordinário. Transformaria o homem do século XX, o homem anônimo, no Ulysses urbano. Realismo extremado pintado como mito grego, lenda etrusca, arte latina. James jamais esqueceu da grandeza de John Joyce.
Passou fome em Paris, sempre a procura de trabalho, sempre esnobe, sempre fora do padrão. Richard Ellman não tem medo de mostrar o quanto Joyce era antipático, distante e ferino. Sua voz, era um grande cantor também, bela, feria e encantava. Impressiona a confiança que ele sempre teve em si-mesmo, inabalável.
Estou na página 220, Joyce com 22 anos, prestes a descobrir o estilo dos Dublinenses, seu grande livro de contos. Emocionante. Ellman também escreveu biografias de Wilde, Yeats...seu estilo é minucioso, preciso, documentado. Para quem ama literatura, este imenso volume é um paradiso.
PS: É minha segunda leitura. Dez anos depois.
John teve onze filhos. James Joyce foi o primeiro. O pai adorava o filho. O filho amava o pai. Em seus livros existem montes de personagens baseados no pai. James tinha mais seis irmãs e quatro irmãos. O pai ignorava a todos, menos James. A mãe era caseira, chorosa, forte, e morreu aos 44 anos.
James Joyce foi educado em escolas jesuítas. Isso serviu para lhe dar agudeza. E também para o fazer romper com o catolicismo. Joyce era egocêntrico, vaidoso, frio e terrivelmente talentoso. Sempre foi o melhor aluno da classe e sempre ofendia os professores, amigos, mestres, outros escritores, com sua mania de falar a verdade, de se achar acima de todos, mais inteligente, mais talentoso, especial. James Joyce se tinha na conta de um gênio desde cedo. Ele foi sempre áspero com Yeats, com Lady Gregory, Synge, todos talentos reconhecidos e que o ajudaram em seus começos. Todos suportavam Joyce porque viam nele o gênio.
James não gostava de Shakespeare. Seus favoritos eram Ibsen, Tolstoi, Flaubert e principalmente Dante. Seu estilo logo se modelou. Joyce escreveria sobre gente e situações banais, mas mostraria nessa banalidade o extraordinário. Transformaria o homem do século XX, o homem anônimo, no Ulysses urbano. Realismo extremado pintado como mito grego, lenda etrusca, arte latina. James jamais esqueceu da grandeza de John Joyce.
Passou fome em Paris, sempre a procura de trabalho, sempre esnobe, sempre fora do padrão. Richard Ellman não tem medo de mostrar o quanto Joyce era antipático, distante e ferino. Sua voz, era um grande cantor também, bela, feria e encantava. Impressiona a confiança que ele sempre teve em si-mesmo, inabalável.
Estou na página 220, Joyce com 22 anos, prestes a descobrir o estilo dos Dublinenses, seu grande livro de contos. Emocionante. Ellman também escreveu biografias de Wilde, Yeats...seu estilo é minucioso, preciso, documentado. Para quem ama literatura, este imenso volume é um paradiso.
PS: É minha segunda leitura. Dez anos depois.
FOGO PÁLIDO- VLADIMIR NABOKOV
Após o imenso sucesso de Lolita, Nabokov lança em 1962 este original, intrigante e muito irritante romance. Um enigma, eu termino sua leitura e ainda não consigo entender do que se trata. Talvez seja uma brincadeira de literato para literatos. Ou um grito de raiva de um exilado. Um tabuleiro de um novo tipo de jogo lógico. Uma barafunda de intenções que deram em nada.
Um exilado do reino de Zambla apresenta, na introdução, os poemas de John Shade. Shade é um grande poeta americano que acaba de morrer. O exilado-narrador, conseguiu fazer amizade com o poeta, conseguiu dar um baile nos herdeiros, e agora edita o último poema de Shade, o livro que temos em mãos. Antes de ler o poema, somos convidados a ler todas as notas de rodapé, que vêm numeradas ao fim do livro. Lemos. E começamos a nos incomodar.
O narrador se revela vaidoso, um homossexual erudito e um quase maluco. Ou talvez um completo lunático. Cada palavra, cada imagem do poema remete a Zembla. É assim que o exilado o entende e é assim que ele quer que o compreendamos, um poema sobre sua nação e sobre ele mesmo. Ele edita o livro e distorce todo o sentido em seus comentários inflados. As notas são muito mais longas que o poema. E segundo esse editor-zembliano-exilado, contam de forma cifrada a história da revolução em Zambla, a fuga do rei e sua odisséia pessoal.
Isso incomoda o leitor porque todo o romance passa a parecer uma grande farsa. Estaremos lendo uma piada? Estaremos lendo uma alucinação? Como levar a sério uma obra que parece ter sido escrita por um Nabokov futil e mal intencionado? E então vem a parte final. O começo renasce no final da saga. Não conto. O livro é fácil de achar. Compre se puder. Mas aviso, é leitura cansativa. Sofisticada ao extremo, um jogo de escritor.
Nabokov foi complicando cada vez mais sua escrita. Seus textos dos anos 30 e 40 são jóias de estilo, e mesmo assim fáceis de ler. A partir dos anos 60 ele foi se complicando. E é simples entender o porque: Ele se entediou com sua arte. Escrever bem lhe era pouco desafiador. Como aconteceu com Joyce, ele se deu tarefas cada vez mais duras. Marca de um autor grande e de um homem ambicioso.
Lolita foi seu passaporte. Essa comédia ácida, cruel, certeira foi o sucesso que lhe deu a liberdade para ousar. O filme lhe deu uma casa na Suiça.
Este livro é o começo de sua livre diversão.
Um exilado do reino de Zambla apresenta, na introdução, os poemas de John Shade. Shade é um grande poeta americano que acaba de morrer. O exilado-narrador, conseguiu fazer amizade com o poeta, conseguiu dar um baile nos herdeiros, e agora edita o último poema de Shade, o livro que temos em mãos. Antes de ler o poema, somos convidados a ler todas as notas de rodapé, que vêm numeradas ao fim do livro. Lemos. E começamos a nos incomodar.
O narrador se revela vaidoso, um homossexual erudito e um quase maluco. Ou talvez um completo lunático. Cada palavra, cada imagem do poema remete a Zembla. É assim que o exilado o entende e é assim que ele quer que o compreendamos, um poema sobre sua nação e sobre ele mesmo. Ele edita o livro e distorce todo o sentido em seus comentários inflados. As notas são muito mais longas que o poema. E segundo esse editor-zembliano-exilado, contam de forma cifrada a história da revolução em Zambla, a fuga do rei e sua odisséia pessoal.
Isso incomoda o leitor porque todo o romance passa a parecer uma grande farsa. Estaremos lendo uma piada? Estaremos lendo uma alucinação? Como levar a sério uma obra que parece ter sido escrita por um Nabokov futil e mal intencionado? E então vem a parte final. O começo renasce no final da saga. Não conto. O livro é fácil de achar. Compre se puder. Mas aviso, é leitura cansativa. Sofisticada ao extremo, um jogo de escritor.
Nabokov foi complicando cada vez mais sua escrita. Seus textos dos anos 30 e 40 são jóias de estilo, e mesmo assim fáceis de ler. A partir dos anos 60 ele foi se complicando. E é simples entender o porque: Ele se entediou com sua arte. Escrever bem lhe era pouco desafiador. Como aconteceu com Joyce, ele se deu tarefas cada vez mais duras. Marca de um autor grande e de um homem ambicioso.
Lolita foi seu passaporte. Essa comédia ácida, cruel, certeira foi o sucesso que lhe deu a liberdade para ousar. O filme lhe deu uma casa na Suiça.
Este livro é o começo de sua livre diversão.
ULYSSES, BARBARA GANCIA, HAVAIANAS, ROBERTO CARLOS E MONKEES
Paulo Coelho não gosta de Joyce. Seria surpreendente se ele gostasse. Porque tanto blá blá blá? Paulinho conseguiu o que desejava. Ele vingou aqueles que não conseguem ler Joyce. Que leiam Coelho.
A Cinemateca produz uma multi-facetada mostra de filmes silenciosos. É sua chance, voce pequeno preconceituoso, de descobrir as delicias do mais cinematográfico dos tipos de filme. Imagem pura, ação sem diálogos, filmes que independem da lingua do país em que foram feitos, o mais pop dos estilos. E com trilha sonora improvisada ao vivo. Vão passar O Gabinete do Dr Caligaris. Tenho péssimas lembranças desse filme. Assisti aos 16 anos, e apesar de ter o dvd, nunca tive coragem de reve-lo. Hiper doentio, me dá um medo horroroso. Ver esse filme de Robert Wienne é como entrar na mente de um louco.
Os Monkees, amados, vão excursionar. Se viessem ao Brasil eu iria. E teria de levar calmantes, balão de oxigenio e lenços à mão. Sem Davy Jones não será a mesma coisa. Mas lá estarão Peter, Mickey e Michael. E aquele monte de canções estupendas. Monkees é a única banda fake que virou lenda. E seu programa de Tv era anarquia pura. Ácido para crianças.
Roberto Carlos foi o cantor da primeira canção que cantei na vida. O tempo voa e ele permanece de pé. Assim como MacCartney consegue, sem esforço, ser a alma em música da Inglaterra viva, com tudo de bom e ruim que ela tem ( comodismo, romantismo simplificado, humor, harmonia e hierarquia ), Roberto é o Brasil. Ele é doce demais, suave demais, sentimental demais, saudosista demais e carola demais. E ao mesmo tempo é profundamente verdadeiro, sincero, comovente e consolador. Ele não ousa. Ele executa. Ouvir coisas como Detalhes ou A Beira do Caminho é tomar contato com os arquétipos imorredouros de uma nação. O tempo voa e ele cresce. No deserto da canção romântica deste mundo velho e cínico, Roberto Carlos é bálsamo de esperança.
Barbara Gancia é sempre ótima. Um texto dela: "Onde estão os Ricos?" Brilhante e hilariante. Ela toca com pé de chumbo e humor de veludo em assunto que muito me interessa. Ou seja: Com essas camisetas simplesinhas, essas bermudas horrorosas e chinelos fedidos, ainda existem ricos? O que define a riquesa? Afinal, hoje todos se vestem como pobres, assistem coisas de pobre e falam como pobres. Existem ricos, ricos de verdade? Onde estão esses endinheirados que se vestem como ricos, se divertem entre ricos e usufruem apenas do que é exclusivo? Barbara fala das imagens do Brasil de 1950, onde, ao contrário de hoje, todos parecem ricos. Ternos de linho e camisas brancas alinhadas. O pobre virou lei geral?
Dou meu palpite: Ditadura da democracia. Ser rico é uma vergonha. Ser feliz é ser personagem da novela das oito. E rico de novela se comporta e goza a vida como pobre. A única diferença entre classes é que eles assistem Batman em poltronas melhores e usam a mesma bermuda de pobre comprada em loja mais cara. Fora isso, é o mesmo mundo de churrasco, balada e chinelo.
Pense nisso: Na vida ou voce crê em tudo ou em nada. Isso é coerência. Crer em tudo: Anjos, física nuclear, na história, no marxismo, na psicanálise, em Jung e nas religiões. Porque tudo é uma questão de fé e se voce admite uma, creia, voce admite a validade de qualquer outra construção da mente criativa. Ou descrer de tudo. Religião, história, poesia, Freud e Marx, Kant e Goethe, admitir que tudo é vã construção da razão FANTASIOSA e assim se despir de toda crença e se guiar apenas por SUA EXPERIÊNCIA DE VIDA. Esse é o pensamento do mais importante filósofo vivo. E ele é tão bom que deixa a hipótese em aberto. Creia em tudo ou creia em nada. Mas jamais cometa a bobagem de crer em uma coisa e negar outra, ou negar tudo menos uma única teoria. Voce deve ir fundo. Ser um homem aberto a tudo, ou ser um homem descrente de tudo.
Pra finalizar: Eu adoro a Inglaterra. E abomino os ingleses vivos.
A Cinemateca produz uma multi-facetada mostra de filmes silenciosos. É sua chance, voce pequeno preconceituoso, de descobrir as delicias do mais cinematográfico dos tipos de filme. Imagem pura, ação sem diálogos, filmes que independem da lingua do país em que foram feitos, o mais pop dos estilos. E com trilha sonora improvisada ao vivo. Vão passar O Gabinete do Dr Caligaris. Tenho péssimas lembranças desse filme. Assisti aos 16 anos, e apesar de ter o dvd, nunca tive coragem de reve-lo. Hiper doentio, me dá um medo horroroso. Ver esse filme de Robert Wienne é como entrar na mente de um louco.
Os Monkees, amados, vão excursionar. Se viessem ao Brasil eu iria. E teria de levar calmantes, balão de oxigenio e lenços à mão. Sem Davy Jones não será a mesma coisa. Mas lá estarão Peter, Mickey e Michael. E aquele monte de canções estupendas. Monkees é a única banda fake que virou lenda. E seu programa de Tv era anarquia pura. Ácido para crianças.
Roberto Carlos foi o cantor da primeira canção que cantei na vida. O tempo voa e ele permanece de pé. Assim como MacCartney consegue, sem esforço, ser a alma em música da Inglaterra viva, com tudo de bom e ruim que ela tem ( comodismo, romantismo simplificado, humor, harmonia e hierarquia ), Roberto é o Brasil. Ele é doce demais, suave demais, sentimental demais, saudosista demais e carola demais. E ao mesmo tempo é profundamente verdadeiro, sincero, comovente e consolador. Ele não ousa. Ele executa. Ouvir coisas como Detalhes ou A Beira do Caminho é tomar contato com os arquétipos imorredouros de uma nação. O tempo voa e ele cresce. No deserto da canção romântica deste mundo velho e cínico, Roberto Carlos é bálsamo de esperança.
Barbara Gancia é sempre ótima. Um texto dela: "Onde estão os Ricos?" Brilhante e hilariante. Ela toca com pé de chumbo e humor de veludo em assunto que muito me interessa. Ou seja: Com essas camisetas simplesinhas, essas bermudas horrorosas e chinelos fedidos, ainda existem ricos? O que define a riquesa? Afinal, hoje todos se vestem como pobres, assistem coisas de pobre e falam como pobres. Existem ricos, ricos de verdade? Onde estão esses endinheirados que se vestem como ricos, se divertem entre ricos e usufruem apenas do que é exclusivo? Barbara fala das imagens do Brasil de 1950, onde, ao contrário de hoje, todos parecem ricos. Ternos de linho e camisas brancas alinhadas. O pobre virou lei geral?
Dou meu palpite: Ditadura da democracia. Ser rico é uma vergonha. Ser feliz é ser personagem da novela das oito. E rico de novela se comporta e goza a vida como pobre. A única diferença entre classes é que eles assistem Batman em poltronas melhores e usam a mesma bermuda de pobre comprada em loja mais cara. Fora isso, é o mesmo mundo de churrasco, balada e chinelo.
Pense nisso: Na vida ou voce crê em tudo ou em nada. Isso é coerência. Crer em tudo: Anjos, física nuclear, na história, no marxismo, na psicanálise, em Jung e nas religiões. Porque tudo é uma questão de fé e se voce admite uma, creia, voce admite a validade de qualquer outra construção da mente criativa. Ou descrer de tudo. Religião, história, poesia, Freud e Marx, Kant e Goethe, admitir que tudo é vã construção da razão FANTASIOSA e assim se despir de toda crença e se guiar apenas por SUA EXPERIÊNCIA DE VIDA. Esse é o pensamento do mais importante filósofo vivo. E ele é tão bom que deixa a hipótese em aberto. Creia em tudo ou creia em nada. Mas jamais cometa a bobagem de crer em uma coisa e negar outra, ou negar tudo menos uma única teoria. Voce deve ir fundo. Ser um homem aberto a tudo, ou ser um homem descrente de tudo.
Pra finalizar: Eu adoro a Inglaterra. E abomino os ingleses vivos.
OS MORTOS- JAMES JOYCE
No momento em que Joyce escreveu Os Mortos, sua alma se encontrava perturbada. Ele se irritava ao constatar que mesmo vivendo na Itália, a Irlanda permanecia viva dentro de sua mente. O conto é a constatação de que tudo aquilo que cremos morto continua influenciando a nossa vida. Mais que isso, por ser morta, e portanto fora do tempo, essas coisas têm o poder da imutabilidade. Portanto, como deixa claro esse conto, quem pode vencer um amor que morreu de tanto amar?
No Natal, em Dublin, irmãs solteiras convidam amigos e parentes para a ceia. Música, poesia, discursos e bebidas. Ao fim da noite, Gabriel, o personagem central, descobre que sua esposa viveu uma paixão na juventude. Um jovem apaixonado por ela, de certa forma, morreu de amor por sua mulher. Caindo em si, ele constata que ninguém conhece verdadeiramente alguém, e pior, que os mortos continuam ditando, indefinidamente, os acontecimentos da vida dos vivos. Joyce, jovem quando escreveu este conto, demonstra soberba compreensão da vida e da mortalidade. Gabriel olha a esposa, olha a neve que cai ao fim da narração, e percebe o tempo.
Não há um final nesse conto, não existe um começo. Exemplo central do tipo de história possível no mundo moderno, Joyce sabe que o mundo ordenado de Austen ou Dickens se fora. Não podemos crer mais em vidas que transcorrem em linha reta. O conto é um fragmento, uma noite numa vida, um floco de neve. Não saberemos de onde os personagens surgiram, e jamais iremos saber o que deles será feito. A narrativa é um pedaço de um pedaço, e do pedaço se tenta tirar um sentido, e esse sentido, Joyce sabia, é a busca do sentido. O único personagem definido e completo é o rapaz morto.
Na biografia de Richard Ellman ficamos sabendo que a esposa de Joyce também teve um jovem amante que morreu. Joyce escrevendo tenta dar rumo a uma história que o perturbou? Como saber? Uma tristeza "fofa" ronda através de todo o texto. As pessoas na festa não se percebem, não se tocam, estão em mundos paralelos, à parte. Mas é uma melancolia tola, ausente de propósito, sem força. A impossibilidade do trágico também está aqui representada. Pois a tragédia se dá em pessoas que aceitam a dor e sabem ser ela certa e fatal. Nosso tempo não mais a conhece. Negamos.
OS MORTOS, com suas vozes empoladas, seus discursos vazios e a cena aterradora na escadaria, é, talvez, o melhor conto que já tive a glória de ler. James Joyce fala de emoções inescapáveis e da condição de se viver sem se poder saber nada. Gabriel tem seu mundo roído diante de nossos espiritos, ele desaba em meio minuto. O modo como Joyce faz isso, simples, claro e sorrateiro, deixa marca na carne de quem o lê.
Ler é morrer um pouco, e absurdamente, é também viver mais.
No Natal, em Dublin, irmãs solteiras convidam amigos e parentes para a ceia. Música, poesia, discursos e bebidas. Ao fim da noite, Gabriel, o personagem central, descobre que sua esposa viveu uma paixão na juventude. Um jovem apaixonado por ela, de certa forma, morreu de amor por sua mulher. Caindo em si, ele constata que ninguém conhece verdadeiramente alguém, e pior, que os mortos continuam ditando, indefinidamente, os acontecimentos da vida dos vivos. Joyce, jovem quando escreveu este conto, demonstra soberba compreensão da vida e da mortalidade. Gabriel olha a esposa, olha a neve que cai ao fim da narração, e percebe o tempo.
Não há um final nesse conto, não existe um começo. Exemplo central do tipo de história possível no mundo moderno, Joyce sabe que o mundo ordenado de Austen ou Dickens se fora. Não podemos crer mais em vidas que transcorrem em linha reta. O conto é um fragmento, uma noite numa vida, um floco de neve. Não saberemos de onde os personagens surgiram, e jamais iremos saber o que deles será feito. A narrativa é um pedaço de um pedaço, e do pedaço se tenta tirar um sentido, e esse sentido, Joyce sabia, é a busca do sentido. O único personagem definido e completo é o rapaz morto.
Na biografia de Richard Ellman ficamos sabendo que a esposa de Joyce também teve um jovem amante que morreu. Joyce escrevendo tenta dar rumo a uma história que o perturbou? Como saber? Uma tristeza "fofa" ronda através de todo o texto. As pessoas na festa não se percebem, não se tocam, estão em mundos paralelos, à parte. Mas é uma melancolia tola, ausente de propósito, sem força. A impossibilidade do trágico também está aqui representada. Pois a tragédia se dá em pessoas que aceitam a dor e sabem ser ela certa e fatal. Nosso tempo não mais a conhece. Negamos.
OS MORTOS, com suas vozes empoladas, seus discursos vazios e a cena aterradora na escadaria, é, talvez, o melhor conto que já tive a glória de ler. James Joyce fala de emoções inescapáveis e da condição de se viver sem se poder saber nada. Gabriel tem seu mundo roído diante de nossos espiritos, ele desaba em meio minuto. O modo como Joyce faz isso, simples, claro e sorrateiro, deixa marca na carne de quem o lê.
Ler é morrer um pouco, e absurdamente, é também viver mais.
THE DEAD - JAMES JOYCE
O que fala mais alto sobre aquilo que voce é, é aquilo que te acompanha pela vida.
Quadros de Gauguin, o Transformer de Lou Reed, O Morro dos Ventos Uivantes, filmes de John Ford, William Butler Yeats e Shakespeare. Tem certas coisas que me dão um norte. Acrescente a isso este conto, o último do volume Dublinenses, do gênio meio cego da Irlanda ( Irlanda e Paris são outras obsessões ).
O conto, curto, trata de uma reunião de natal em 1904. Três senhoras recebem parentes e amigos para um jantar. Travam-se conversas, dança-se, ouve-se música e ao final a esposa daquele que talvez seja o personagem central ( não há protagonista ) faz uma confissão, confissão essa que modificará o sentido da vida desse marido e do próprio conto.
Ela fala de um amor vivido aos 17 anos. Um amor terminado em morte.
O texto é só isso. Em primeira leitura ele nos apaixona por ser muito bem escrito. Fácil de ler, é quase um poema sobre momento pleno de vida. Tudo é VIVO naquela casa. Acompanhamos as danças, as conversas, no fundo tão banais, com absoluto encanto. Mas a coisa se torna perigosa ao final. Um convidado, famoso cantor, canta uma melodia folclórica antes de se ir. É essa canção que trará de volta a este mundo a imagem do moço morto, do namorado perdido. De volta ao hotel, após a "confissão" da esposa, temos um dos mais lindos monólogos da história ( vasto como Shakespeare e com a mesma dimensão cósmica ). O marido percebe, e nós com ele, que perante a MORTE, diante de um amor falecido, a vida nada significa, e ele, seu amor, é um vazio para a esposa.
Um homem que escreve tal conto é um gênio. Me sinto pouco à vontade para chamar um autor de gênio, mas Joyce é. E muito poucos foram.
Percebemos ao final que a casa das três senhoras é nossa vida. Cheia de conversas, de movimento, de luta por atenção. Joyce adorava música, queria ter vivido como músico, e ele faz da música o elo de ligação com o eterno, com outro mundo. Na casa eles comem, riem, se exibem e bebem. Mas existe a neve lá fora e a presença desse jovem amante que morreu por amor. A casa é cercada por esse frio, e por esse espírito que permanece afetando a vida, para sempre.
Joyce consegue, com simplicidade e facilidade de gênio, nos fazer entender a beleza da morte perante a vida, e mais perigoso, que apenas morrer por uma causa dá sentido à vida, no caso, morrer por amor. Que sómente um amor morto em seu auge permanece como sentimento vivo. Estranho e belo : morrer para permanecer vivo. É um pensamento profundamente cristão.
Como é possível que um homem em apenas vinte páginas vá tão longe ? Consiga provar que aquela reunião ( vida ) é um ínfimo nada perante o mundo de fora ( morte ) e que um casamento de vinte anos nada representa perante um amor de sacrifício ?
Apenas certos contos de Tolstoi e Tchekov chegam aos pés deste pequeno monumento ao ato de escrever. Joyce foi um santo.
Quadros de Gauguin, o Transformer de Lou Reed, O Morro dos Ventos Uivantes, filmes de John Ford, William Butler Yeats e Shakespeare. Tem certas coisas que me dão um norte. Acrescente a isso este conto, o último do volume Dublinenses, do gênio meio cego da Irlanda ( Irlanda e Paris são outras obsessões ).
O conto, curto, trata de uma reunião de natal em 1904. Três senhoras recebem parentes e amigos para um jantar. Travam-se conversas, dança-se, ouve-se música e ao final a esposa daquele que talvez seja o personagem central ( não há protagonista ) faz uma confissão, confissão essa que modificará o sentido da vida desse marido e do próprio conto.
Ela fala de um amor vivido aos 17 anos. Um amor terminado em morte.
O texto é só isso. Em primeira leitura ele nos apaixona por ser muito bem escrito. Fácil de ler, é quase um poema sobre momento pleno de vida. Tudo é VIVO naquela casa. Acompanhamos as danças, as conversas, no fundo tão banais, com absoluto encanto. Mas a coisa se torna perigosa ao final. Um convidado, famoso cantor, canta uma melodia folclórica antes de se ir. É essa canção que trará de volta a este mundo a imagem do moço morto, do namorado perdido. De volta ao hotel, após a "confissão" da esposa, temos um dos mais lindos monólogos da história ( vasto como Shakespeare e com a mesma dimensão cósmica ). O marido percebe, e nós com ele, que perante a MORTE, diante de um amor falecido, a vida nada significa, e ele, seu amor, é um vazio para a esposa.
Um homem que escreve tal conto é um gênio. Me sinto pouco à vontade para chamar um autor de gênio, mas Joyce é. E muito poucos foram.
Percebemos ao final que a casa das três senhoras é nossa vida. Cheia de conversas, de movimento, de luta por atenção. Joyce adorava música, queria ter vivido como músico, e ele faz da música o elo de ligação com o eterno, com outro mundo. Na casa eles comem, riem, se exibem e bebem. Mas existe a neve lá fora e a presença desse jovem amante que morreu por amor. A casa é cercada por esse frio, e por esse espírito que permanece afetando a vida, para sempre.
Joyce consegue, com simplicidade e facilidade de gênio, nos fazer entender a beleza da morte perante a vida, e mais perigoso, que apenas morrer por uma causa dá sentido à vida, no caso, morrer por amor. Que sómente um amor morto em seu auge permanece como sentimento vivo. Estranho e belo : morrer para permanecer vivo. É um pensamento profundamente cristão.
Como é possível que um homem em apenas vinte páginas vá tão longe ? Consiga provar que aquela reunião ( vida ) é um ínfimo nada perante o mundo de fora ( morte ) e que um casamento de vinte anos nada representa perante um amor de sacrifício ?
Apenas certos contos de Tolstoi e Tchekov chegam aos pés deste pequeno monumento ao ato de escrever. Joyce foi um santo.
OS VIVOS E OS MORTOS- JOYCE E HUSTON
No começo da estrada a coisa veio como golpe de vento frio em meu rosto. Melhor, um tapa e uma palavra dura : - Acorda !
Após esse acordar eu olhei para todos os rostos e não mais pude vê-los em sua fantasia falível.
A vida me revelou sua jóia. Pedra gelada que queima as mãos de quem a acaricia.
Você vive e vê um milhão de finais...e aquilo que não parte, afundando em saúde e beleza, desfaz-se lento e macilento, na triste morte de coisas esquecidas.
Dia a dia a vida entrega-se aos finais. Se tudo é finito o que tem valor ?
No começo da estrada essa neve cai sobre minha cabeça e clareia a visão de meu futuro, se tudo parte e fenece, o que faz a vida valer ?
Melhor ser então o que morre logo, com ombros altos e brilho na face a se deixar roer pelas dores das manias e os ritos da senilidade. Pois não existe amor velho.
Se os outros soubessem... é impossível ambicionar perante a ruína e é grotesco pensar em glória ao se saber onde todas as glórias vão.
Livros e música e tudo o que permanece é a Lua que faz silêncio e o negro vazio do céu.
Meu amor permanece por ter sido morto jovem. Permanece como um cantor e como sua canção. Amor que não conheceu a secura de rugas e a tolice de papadas.
E desde aquele vento frio estourando em meu rosto nada tem valor perante a Lua.
Suas alegres conversas são rolhas voando e caindo no lixo. Esta festa tem a duração de um ronco. Mas o canto daquele amor falido, esse nos acompanha até o vazio.
Toda a rua tem sua morte e em todo dia há mortos esquecidos. Nada será amanhã belo como agora, a não ser o amor falecido...
Escrevo isto após assistir " os vivos e os mortos" de Huston e após reler "the dead" de Joyce.
Em meio ao tolo bla bla bla de uma noite, nasce a lembrança de uma paixão morta.
E nada vivo tem o peso desse amor falecido.
Conto e filme, tanta coisa e só isso.
Conto, tudo.
Filme, lindo.
Joyce também percebeu cedo que só a morte importa.
Huston desde sempre só flertou com ela. Esperou-a para fazer seu filme mais pessoal.
É só isso.
A Lua fria e o vazio do céu. E alguém que também percebeu...
Após esse acordar eu olhei para todos os rostos e não mais pude vê-los em sua fantasia falível.
A vida me revelou sua jóia. Pedra gelada que queima as mãos de quem a acaricia.
Você vive e vê um milhão de finais...e aquilo que não parte, afundando em saúde e beleza, desfaz-se lento e macilento, na triste morte de coisas esquecidas.
Dia a dia a vida entrega-se aos finais. Se tudo é finito o que tem valor ?
No começo da estrada essa neve cai sobre minha cabeça e clareia a visão de meu futuro, se tudo parte e fenece, o que faz a vida valer ?
Melhor ser então o que morre logo, com ombros altos e brilho na face a se deixar roer pelas dores das manias e os ritos da senilidade. Pois não existe amor velho.
Se os outros soubessem... é impossível ambicionar perante a ruína e é grotesco pensar em glória ao se saber onde todas as glórias vão.
Livros e música e tudo o que permanece é a Lua que faz silêncio e o negro vazio do céu.
Meu amor permanece por ter sido morto jovem. Permanece como um cantor e como sua canção. Amor que não conheceu a secura de rugas e a tolice de papadas.
E desde aquele vento frio estourando em meu rosto nada tem valor perante a Lua.
Suas alegres conversas são rolhas voando e caindo no lixo. Esta festa tem a duração de um ronco. Mas o canto daquele amor falido, esse nos acompanha até o vazio.
Toda a rua tem sua morte e em todo dia há mortos esquecidos. Nada será amanhã belo como agora, a não ser o amor falecido...
Escrevo isto após assistir " os vivos e os mortos" de Huston e após reler "the dead" de Joyce.
Em meio ao tolo bla bla bla de uma noite, nasce a lembrança de uma paixão morta.
E nada vivo tem o peso desse amor falecido.
Conto e filme, tanta coisa e só isso.
Conto, tudo.
Filme, lindo.
Joyce também percebeu cedo que só a morte importa.
Huston desde sempre só flertou com ela. Esperou-a para fazer seu filme mais pessoal.
É só isso.
A Lua fria e o vazio do céu. E alguém que também percebeu...
RETRATO DO ARTISTA QUANDO JOVEM - JAMES JOYCE
O pai. Acompanhar esse pai às tabernas. Ele é um bom aluno. Escola de jesuítas. Padres. O catolicismo irlandês. Jesus e Maria. Ele e ele.
Stephen Dedalus. Dedalus fala com Dedalus. No mundo infantil de Stephen só existem padres e ele mesmo. E a injustiça. Os castigos dados pelos padres.
Cada parte do livro ( pequeno volume ) é uma etapa da vida de Stephen. Para onde ele caminha ? Descobre o sexo com uma puta. A culpa. Um dos mais tortuosos capítulos já escritos : Dedalus cai do céu. Ele cai, desaba, mergulha na vida. Adeus à igreja, adeus a inocência. A consciencia culpada luta com o corpo desejante. Santos e Jesus. A escrita é um labirinto.
Stephen adora andar pelas ruas. Caminha e caminha. Para onde ele vai ?
Já crescido, um jovem. Discute teoria estética, discute a Irlanda. Um poço de rancor, de ira mansa, um caminho de solidão.
O livro é isso : da infãncia ao despertar de um jovem. Ele nunca posa de vítima, Dedalus sofre mas assume. Escolhe partir. Sem família e sem Irlanda. Nada de amigos. Todos os outros personagens do livro são fantasmas. No mundo de Stephen existe apenas Stephen. O livro é luxuriantemente moderno. O corpo começa a falar.
Não é fácil esse caminho. Nem mesmo para o leitor. O livro fala e fala e fala. A igreja ocupa o centro. Ícones e vestes de sacerdotes. E as ruas sujas. O texto é tortura tortuosa. Voltas e caminhos. E jóias entre as vielas escuras e podres.
" Viver, errar, cair, triunfar, recriar a vida para além da vida ! Um anjo selvagem lhe tinha aparecido.... " Esse é o caminho de Dedalus. Mas há mais :
Ele percebe que toda arte que nos dá repulsa ou que nos atrai não é válida. A arte superior SUSPENDE a vida. Não causa nem repulsa e nem atração. Olhamos suspensos. Paramos. Tudo o que nos pega pelo sentido da atração ou da repulsa é pornográfico. Explícito. O prazer estético se encontra na SUSPENÇÃO. O momento onde não existe nem atração e nem repulsa, nem prazer e nem dor, onde não há tempo. Voce enxerga com a alma, não com o corpo.
É esta a mais bela e perfeita definição do que seja arte que já lí. Não fosse por mais, o livro valeria por ela.
Deve ter sido duro ser Joyce. Ele não baixa a guarda nunca. Não amolece, não agrada, jamais deixa de fazer o que quer fazer. Ele tem o rigor e a fé do jesuíta. Crê no seu destino, crê em sua mente e nunca se corrompe. James Joyce era meio santo. Este duro, crispado, irado livro é um atestado de fé. A fé de Stephen Dedalus em James Joyce.
Stephen Dedalus. Dedalus fala com Dedalus. No mundo infantil de Stephen só existem padres e ele mesmo. E a injustiça. Os castigos dados pelos padres.
Cada parte do livro ( pequeno volume ) é uma etapa da vida de Stephen. Para onde ele caminha ? Descobre o sexo com uma puta. A culpa. Um dos mais tortuosos capítulos já escritos : Dedalus cai do céu. Ele cai, desaba, mergulha na vida. Adeus à igreja, adeus a inocência. A consciencia culpada luta com o corpo desejante. Santos e Jesus. A escrita é um labirinto.
Stephen adora andar pelas ruas. Caminha e caminha. Para onde ele vai ?
Já crescido, um jovem. Discute teoria estética, discute a Irlanda. Um poço de rancor, de ira mansa, um caminho de solidão.
O livro é isso : da infãncia ao despertar de um jovem. Ele nunca posa de vítima, Dedalus sofre mas assume. Escolhe partir. Sem família e sem Irlanda. Nada de amigos. Todos os outros personagens do livro são fantasmas. No mundo de Stephen existe apenas Stephen. O livro é luxuriantemente moderno. O corpo começa a falar.
Não é fácil esse caminho. Nem mesmo para o leitor. O livro fala e fala e fala. A igreja ocupa o centro. Ícones e vestes de sacerdotes. E as ruas sujas. O texto é tortura tortuosa. Voltas e caminhos. E jóias entre as vielas escuras e podres.
" Viver, errar, cair, triunfar, recriar a vida para além da vida ! Um anjo selvagem lhe tinha aparecido.... " Esse é o caminho de Dedalus. Mas há mais :
Ele percebe que toda arte que nos dá repulsa ou que nos atrai não é válida. A arte superior SUSPENDE a vida. Não causa nem repulsa e nem atração. Olhamos suspensos. Paramos. Tudo o que nos pega pelo sentido da atração ou da repulsa é pornográfico. Explícito. O prazer estético se encontra na SUSPENÇÃO. O momento onde não existe nem atração e nem repulsa, nem prazer e nem dor, onde não há tempo. Voce enxerga com a alma, não com o corpo.
É esta a mais bela e perfeita definição do que seja arte que já lí. Não fosse por mais, o livro valeria por ela.
Deve ter sido duro ser Joyce. Ele não baixa a guarda nunca. Não amolece, não agrada, jamais deixa de fazer o que quer fazer. Ele tem o rigor e a fé do jesuíta. Crê no seu destino, crê em sua mente e nunca se corrompe. James Joyce era meio santo. Este duro, crispado, irado livro é um atestado de fé. A fé de Stephen Dedalus em James Joyce.
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