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BROTHERS AND SISTERS - THE ALLMAN BROTHERS BAND. UMA BANDA DE HUMANOS.

Minha geração foi formatada para achar que o rock era inglês. Tive amigo que ficou surpreso quando soube que o rock havia sido inventado nos USA. Por causa disso, uma quantidade imensa de bandas e de artistas americanos foi mal digerido nos anos 70-80 ( falo do Brasil, na Europa e Japão esses americanos sempre foram apreciados ). O Little Feat, uma banda dos anos 70 que é melhor ou tão boa quanto qualquer banda inglesa de então, passou toda sua história sem ter um só disco lançado aqui, e os Allman Brothers eram considerados "apenas mais uma banda do sul ". ------------- Os irmãos Greg e Duane Allman eram da Georgia e formaram a banda em 1969, após anos trabalhando free lance em estúdios. O som deles misturava blues, country, algo de jazz e muito groovy. Duane, um guitarrista de gênio que tocou em Layla de Clapton, formou uma dupla brilhante com a guitarra afiada de Dickey Betts. Duas baterias ( isso virou tradição no rock sulista ), orgão e baixo. Eis os Allman. O terceiro disco, ao vivo, catapultou a banda ao estrelato em 1971. Mas a tragédia logo veio. Duane morre em acidente de moto, numa curva de uma estrada de serra, e o baixista, Berry Oakley, morre um ano depois na mesma curva andando no mesmo tipo de moto. Mas eles não param. ----------------- Brothers and Sisters é de 1973 e foi gravado, lógico, sem Duane ou Berry. Dickey Betts assume o protagonismo instrumental e o disco é uma pequena obra prima de rock sulista, o rock mais humano que há. ----------------- Uma coisa que me incomoda no rock inglês é que às vezes ele é tão afetado que parece inumano. Eles posam, os piores imitam, fingem, são atores. Os Kinks e Bowie assumiram isso e transformaram em arte, mas a maioria não sai do fingimento. Para cada The Who, banda muito inglesa e mesmo assim profundamente real, há centenas de grupos poser. Isso não impede que eu goste deles, mas meu lado visceral fica indiferente. Já um grupo como os Allman Brithers vai fundo no estômago. Eles têm cheiro e fedem. São feitos de alma e de sangue. --------------- O disco é um convite a viver solto, a beber e falar besteira, a amar e errar, a sair sem rumo e voltar quebrado. Ramblin Man é o centro da coisa, mas Pony Pony é tão boa quanto. ----------- É tudo uma questão de ser de verdade. Sacou?

PRINCE STANISLAUS DE ROLA

A mitologia do rock não existe mais, desde os anos 80 rockers se detonam ou não, fazem festas ou não, e nada mais que isso. Quando me apaixonei pelo rock, séculos atrás, o que mais me seduziu foi o fato de que gente como Brian Jones ou Syd Barrett pareciam ter uma loucura xamanica, algum tipo de segredo. E por outro lado, pessoas como Jagger ou Dylan traziam em si uma carga de infirmações sexuais e morais sem fim. Era fascinante e as histórias criavam mitos. ------------------ Quando descobri a arte verdadeira, vi que perto de Shelley ou Goethe, esses mitos do rock eram crianças. Brian Jones nada mais era que um Byron sem gênio. Mas as roupas, as fotos, os discos malucos, isso me fascinou para sempre. --------------- O que pouca gente sabe, é que por detrás desses rock stars havia uma turma de milionários excêntricos. Uma tradição inglesa é a do jovem estudante de Cambridge, feito com chá e sangue azul, herdeiros de famílias antigas, que aproveitam a juventude para "fazer escândalo" e depois se aquietam. Nos anos 60 muitos deles gravitaram para bandas como Rolling Stones, isso porque os Stones prometiam muitas jovens disponîveis. E foram esses jovens duques ou barôes que trouxeram para a banda o satanismo. Príncipe Stash, Stanislaus Klossowitz de Rola era filho do artista Balthus, alemão, e de uma nobre da Prússia. Criado em castelos, educado por tutor inglês, ele nasceu na França. Desde sempre interessado por magia, alquimia, filosofia oriental, ele pareceu para Brian, Keith e Mick, tudo aquilo que eles queriam ser. Mas o úncio que se tornou íntimo de Stash foi Brian. ------------- Vendo o príncipe hoje, sinto que se Brian tivesse sobrevivido, ele seria como Stash. Uma espécie de Kevin Ayers, fazendo seus discos sem grande alarde, vivendo em algum ponto da Europa, longe do hype. E cercado de objetos significativos. --------------- Na página de Stash, voce encontrará videos de seu castelo na Itália, seus livros, raros e fascinantes, suas ideias. É um homem imenso, de uma elegância hippie. ------------ O QUE? ELEGÂNCIA HIPPIE? ISSO EXISTE? Sim. O que mais me seduzia no rock de 1966-68 era a beleza marginal, exótica, chique, dos primeiros hippies ingleses. Depois eles se tornaram sujos, o tipo de bicho grilo que eu odeio, mas no começo, principalmente em 1966, comprando roupas na Bibba, gente como Jeff Beck, Brian, Kevin e Stash, tinham um estilo soberbo. Eles pegavam as roupas tipo "poeta do século XVIII" e as misturavam com sedas indianas e toques do Marrocos. Era o visual que um apaixonado por literarura como eu logo caía de paixão. Keats e Schiller vinham a mente. --------------- Em alguns vídeos Stash fala do perigo que é a moda de hoje, falar de magia negra sem saber o que seja. Em outros ele ensina a ser cool. Ele é um guru. Um guia e é fácil entender porque os rock stars caíram de amores por ele. Paul MacCartney, Jimi Hendrix, Bowie, foram outros amigos. Jim Morrison o temia, achava que ele era um vampiro. Well....mais posts sobre essa figura no futuro.

REVOLVENDO UMA LEMBRANÇA DE FUTURO

1979 foi um ano muito frio. Eu vestia um paletó de couro preto e meu cabelo estava sempre sujo. Tinha 17 anos e ia ver filmes pornô aos domingos. Minha vida era feita de rock, masturbação e livros do século XIX. Eu sofri pra caramba nesse ano e por isso ele foi o ano mais importante da minha vida. Ou não. --------------- Estudava numa escola que odiava, o Mackenzie e em um ano inteiro fiz apenas 3 amigos lá. Leandro Cunha Bastos, um morador de Higienópolis gay, chique e esnobe como só nos anos 70 se podia ser. Ele sentava na minha frente e se virava toda hora para fazermos fofocas. Outro amigo era Osvaldo, filho de um professor da USP, comunista claro. Era um chato, mas gostava de mim. Comunas naquela época eram sérios e ele sabia russo. O terceiro amigo era Paulo Cãndido, um cabeludo culto que adorava cinema. Ele até sabia quem era Miou-Miou e Bulle Ogier. -------------------- Comprar discos era dos poucos prazeres que eu tinha e em abril eu comprei uma dupla de LPs Stones + Beatles. Se em 1977 eu havia comprado Abbey Road e Let It Bleed, e isso fora uma felicidade, escutava Let It Bleed após Abbey Road por meses, em 1979 eu comprei Revolver e Their Satanic Majesties Request juntos. E isso fora um drama. Por semanas eu chegava em casa às 13-45hs e ouvia Revolver e Satanic em seguida. Isso mudou muito minha percepção da vida. Se aprofundou. E ficou mais confusa, bem mais confusa. ------------------ Revolver é, talvez, o maior disco da história do rock. São poucos os discos que podem lhe fazer frente. Seria tolice eu ficar aqui descrevendo um disco que todo mundo conhece e que eu escutei centenas de vezes. Então vou destacar um detalhe genial, um toque em cada canção que faz toda diferença. -------------- Abrir com George e não com John ou Paul é uma diferença. E o riff de timbre metálico nem parece Beatles. O que diferencia Taxman é a classe da gravadora EMI. Tarimbados em discos eruditos, a turma de George Martin dá uma sonoridade moderna, seca, dura à este rock. Taxman é uma obra prima, os backing vocals dos Beatles são sempre magníficos e perfeitos, e temos o melhor solo de guitarra do grupo. Então vem Eleanor Rigby e eu lembro bem de ouvir essa melodia severa, clássica, gelada quando era uma criança em 1967. Ouvir Eleanor Rigby pela primeira vez é sempre uma experiência importante. Um quarteto de cordas, sem bateria ou guitarra, num disco POP? O cello é sublime e severo, a melodia é inesgotável. É uma canção exata. Destaco todo contra ponto feito pelo cello e o modo como a palavra Lonely soa. Voce nunca mais ouviu Lonely dita assim. ------------------- She Said é típica de John, amarga e rocker. Para quem diz que Ringo não importava, a bateria soa muito original. Já Yellow Submarine, aparentemente boba, é sobre os hippies holandeses que viviam em barcos numa comunidade sem posses. Paul vivia pesquisando música de vanguarda, os sons de marujos é ideia dele. -------------------------- Dr Robert é deliciosa e é sobre drugs. Well well well.... esse refrão com orgão ao fundo dá a marca da coisa. O elan na voz de Paul, ao fundo, carrega a música para o alto. Love you too tem as cítaras de George em algo de soturno. ----------------- Good day é elegãncia total. O piano é lindo. Feliz. And Your Bird can Sing tem dos melhores vocais de John e um solo de guitarra bem californiano. Então vem For no One e como sempre a emoção cresce. Tivesse feito apenas essa canção na vida e Paul já teria lugar na história. A letra conta tudo o que voce lembra daquele dia maldito em que ela se foi. Paul pega detalhe por detalhe, o olho dela onde nada mais há. E a melodia....as notas parecem caminhar para o vazio, a canção é como se uma prece à beira do abismo, não há desespero, o que sentimos é a dor inevitável. Ela se vestiu para partir. Note o final da canção. UM grande compositor faria um belo refrão repetido ao infinito. Paul, gênio, termina deixando a linha melódica no ar, como inacabada. Imagino o que Brian Wilson sentiu ao ouvir isso..... I Want to tell you é um grude, voce não esquece essa melodia de George. É sua primeira obra prima. O piano dissonante dá algo de DESTINO à canção. Got to Get é Paul fazendo canção POP de adulto...aos 25 anos!!!!!!!!!!------------- E por fim Tomorrow never knows....eu, em 1979 mergulhava no caos e voltava da treva para botar o Satanic para rodar. Sim, eu ouvia o Satanic após Tomorrow never knows. Terminava esta canção, verdadeira oração psico, e começava SING THIS ALL TOGETHER....era ou não pra pirar?

KEVIN AYERS AINDA ESTÁ VIVO E PASSA BEM

Leio recentemente que entre 1969 e 1973 Kevin Ayers criou todo o rock inglês que seria feito nos anos seguintes. Tanto em termos de som, como em termos de assuntos e letras. ------------------ Eu escutei muito todos os seus discos entre 2008 e 2011. Me faziam um bem danado, naqueles anos da morte do meu pai e da descoberta de minha solidão. Kevin era profundo e muito bem humorado, um esteta apurado e ao mesmo tempo relax. Um hippie, mas também um Oscar Wilde do século XX. Suas músicas iam do mais refinado POP, à música concreta e repetitiva. Nesse processo, é simples perceber nele o estilo do Roxy Music, mas também da carreira solo de Eno. E também algo de Ultravox, Bowie, muito John Cale, Stranglers, Pulp, David Sylvian e rock alemão. Porém, ele é sempre Kevin Ayers, e mesmo quando parece POP demais, ele mantém algo só dele. ------------------ Sua voz é maravilhosa. Ele jamaos grita e nunca canta bem. Ele canta bonito. Sua desafinação é charme e o timbre, benção que ele recebeu de graça, é aquela do homem que bebe e fuma sem perder estilo. Sua voz nasceu para cantar canções bonitas e irônicas. Ele soa sempre distante. E afiado. Tudo que ele toca parece brilhar. Morador de Ibiza, há sol mesmo em suas canções tristes. Cada sílaba que Ayers emite tem o carimbo de sua vida. --------------- Ele era de Canterbury e isso dá marca especial a todo inglês. Centro do cristianismo, local de romarias, Canterbury tem sotaque pronunciado e ambiente medieval. Logo cedo, enquanto os Beatles ainda estavam em Hamburgo, Kevin já ia de carona no circuito Mahakesh-Bombaim. De volta, veio uma banda: Wilde Flowers. E depois o caótico e sublime Soft Machine. Um disco por ano de 1969 até 1984, carreira solo cheia de joias e isenta de chatices. Em Ibiza nos anos 70, ele criou a imagem de praieiro relax, sol e cerveja. --------------------- Em 1974 ele foi para a gravadora de Elton John. E se tornou uma quase estrela. Mas não deu certo. Apesar de ser um homem bonito, havia algo nele que impedia sua explosão. Era a preguiça. Ele compunha hits em potencial, mas perdia o momento por não se aplicar em tv e shows. Se tornou um artista low profile. Conhecido por conhecedores, ignorado pela massa. -------------- Ele faleceu a cerca de dez anos ( preguiça de pesquisar ). Mas não morreu. Reescuto agora alguns de seus discos e continuo encantado com a variedade que ele produz. Faixas de sons "sem sentido" misturadas a canções de beleza POP sublime. Sempre com sua marca: elegância e calma, boa vida e romance. A vox de Kevin Ayers é terapêutica, remédio contra tempos sombrios de feiúra extrema e mal gosto como lei. Poder ouvir sua obra é um prazer que não passa. Viva Kevin Ayers!

PRIMAL SCREAM E THE MOODY BLUES, O PROBLEMA DA CRÍTICA INGLESA

GIVE OUT BUT DON'T GIVE UP, disco do Primal Scream lançado após Screamadelica, comete o maior dos pecados, na visão de um crítico inglês: ele lembra os Rolling Stones. Talvez, para esses ditadores do gosto, só o Led Zeppelin pode ser mais pecaminoso que os Stones. Todo e qualquer disco que tiver um cheiro de Jagger e Richards será escutado com imensa má vontade. Na verdade eu imagino que eles nem escutam. Dão uma opinião a priori após dois minutos de riffs. ------------------ Screamadelica foi produzido por Jimmy Miller, produtor dos Stones entre 68-73. Só uma besta não percebia que Bobby Gillespie ama Jagger e etc. Tudo em Screamadelica recorda Beggars Banquet. Só que um bando de mixers deu um banho de beats e bytes na coisa e os críticos, tolinhos, amaram essa homenagem rave aos associados de Jimmy Miller. ----------------- Se voce quiser os favores da crítica inglesa, imite Kinks e Small Faces. Ou então mergulhe numa deprê pós Joy Division. Tudo que escapar desse canone será atacado. -------------- Give Out foi feito nos EUA, pior, no sul dos EUA e Bobby não é o primeiro inglês que ao ir aos EUA fica maluco com o que vê. U2 e Stones Roses são outro exemplo. A não ser que voce seja muito tapado, a América vai mudar sua vida. Até os Kinks sentiram a coisa e os Small Faces, após os EUA, viraram The Faces e Humble Pie. Bobby se juntou ao povo de Memphis-Tennessee, e fez um disco de rock que só não é ótimo porque ele não tem voz. Esse som, uma mistura de rock-gospel e soul exige grande voz. Van Morrison vem à cabeça ( Van é mais um que mudou nos EUA. Them era uma banda british, nos EUA ele virou quase um folk american singer ). ------------------- Se voce cresceu amando a música dos USA não tem como não desbundar ao ver Chicago, New Orleans e a casa do Elvis. Se o cara alugar um Cadillac e pegar a highway 61, bem, Cream era bem inglesa, Layla era puro USA. John Lennon foi morar em NY. Do you know what i mean? -------------------- DAYS OF FUTURE PASSED dos Moody Blues fez o caminho inverso. A banda até 1967 era um tipo de cover dos EUA, em 67 virou o molde do som made in England. É um poço de pretensão. Dizem que é o disco que inventou o prog rock. Observe, bandas prog, por mais que viagem aos EUA, nunca sofrem influência da América. Isso porque eles se acham artistas. Nesse sentido os Moody são avôs do prog. --------------------- Eles se trancaram no estúdio da Decca, e com uma orquestra gravaram esta coisa. É música erudita com banda de pop rock. Mas entenda, não é erudito tipo vanguarda, é orquestra tocando algo tipo trilha sonora de Spielberg ou desenho Disney. Xarope. Dá um choque porque é muito bobo. Em 1967 parecia estranho, hoje parece tolo. Então, depois da orquestra e até de um narrador, sotaque mega BBC, vem o melotorm. Um melotrom!!!!! O melotrom é o avô do synth. Uma coisa que usava fita para armazenar sons. Sempre que eu ouço um melotrom imagino um cara de gola rulê e óculos roxo. É um timbre doentio. ADORO!!!! Space Oddity tem melotrom. O album Satanic dos Stones é todo melotrom. Parece som de inferno em technicolor. --------------- As faixas POP sem orquestra são boas. Ótimas até. Mas pra chegar nelas voce tem de aguentar 15 minutos de xaropada. Ah sim, a crítica inglesa falou na época: Oh!!!!! Influência dos Beatles!!!! Nada disso! O disco é filho do Pet Sounds. Mais um.

MONSIEUR GAINSBOURG, UMA HOMENAGEM

Bem tarde o rock inglês acordou e percebeu que Serge Gainsbourg fazia música instigante. Hoje, o francês é considerado extra cool e Melody Nelson está sempre na lista dos melhores discos da história. Se vivo Serge daria risadas disso tudo. Ele nunca jamais foi rock. --------------- Em 2006 um bando de músicos ingleses e alguns poucos americanos resolveram fazer um disco em homenagem a Serge. As versões vão de dignas à vergonhosas. Sem a voz de Serge se perde muito. Ofensiva, irônica e ao mesmo tempo sublime, sua voz temperada a alcool e cigarro faz muita falta. ------------- Franz Ferdinand abre a coisa e faz um som à FF com 0% de Gainsbourg. Voce pode dizer que eles mantiveram sua identidade. Eu achei apenas banal. Depois temos Cat Power destruindo je taime mois non plus. É muito, muito ruim. Jarvis Cocker faz de longe a melhor versão. Timbre de voz, interpretação, arranjos, ele entendeu tudo. De tudo que há no album, é o único digno do mestre. ------------ Portishead, Brian Molko, Tricky, todos fazem um som ok, mas nada muito memorável. Michael Stipe canta como se Serge fosse Jacques Brel, Stipe não entendeu nadaaaaaaa..... ----------- Marianne Faithfull, desde 1964 muito francesa, faz um reggae com Sly e Robbie. Ótimo!!!! Como Sly e Robbie tocaram com Serge, no sublime disco de reggae que ele fez, a coisa tem tarimba. Então vem Gonzales e depois o Placebo. É legal saber que todo esse povo é fã. Só isso. Já Marc Almond transforma Serfe em Soft Cell, e isso é um elogio. The Rakes é o pior. E The Kills escolheu a música errada para eles. Carla Bruni fecha o disco. Ela faz o mesmo que Cat Power, faz de Serge um cara para restaurantes bacaninhas. Horror baby. -------------- Vale ouvir como curiosidade.

RIO DURAN DURAN, OU NADA COMO O TEMPO

Leio que recentemente este disco foi considerado um dos 50 melhores discos ingleses de todos os tempos. Lembrei então que eu já o considerei um dos 10 melhores dos anos 80. Ouvi RIO por anos com prazer visceral. Era um disco de verão, solar, pra cima. E lindo. Ouço-o hoje, após tanto tempo. Sim, ele se mantém. Ao contrário de coisas como Echo and The Bunnymen, que são bons, porém datados, Rio não tem época. É de 1982, e é de qualquer tempo. ------- Recordo então do contra-baixo de John Taylor, sempre digno da escola Bernard Edwards de groove. Me surpreendo com a guitarra pesada de Andy Taylor, na verdade ele era o diferencial no som da banda, e os teclados discretos e ao mesmo tempo dominantes de Nick Rhodes. A banda era profissional. Tocavam bem, muito bem, e tinham algo a transmitir. ---------------------- No verão europeu de 1982 eu estava lá, eu vi. A Europa começava a respirar pós crise dos anos 70. Roupas muito coloridas, carros pequenos laranja ou amarelo limão, e uma infinidade de shows. Numa feira de rua nos cafundós de Portugal, comprei Rio do Duran Duran. ( Nessa barraca de rua havia também Talking Heads, Classix Nouveau, Adam Ant, XTC e Stranglers. Comprei tudo isso. Essas coisas não existiam no Brasil de então ). Para quem não sabe esse foi o verão New Romantic e a ordem era ser bonito. Mas esse "bonito" era aquele de brincadeira, um visual que misturava Lord Byron-Oscar Wilde e sci fi dos anos 50. O Duran Duran foi o primeiro a largar esse visual. Passou a seguir o estilo Roxy Music do disco Manifesto. Mas Simon Le Bon e sua gangue não largaram o modo de estar e de ser. Festa. ------------------- Lonely in your Nightmare seria alegremente assinada por Bryan Ferry. Hold Back The Rain é esfuziante. E os hits são aquilo que hits deveriam ser sempre: sublimes. Todo o POP inglês dos anos 80 beberia nessa fonte. Luxo dançante. ------------ Quando voltei ao Brasil, setembro de 82, o Duran Duran começava a tocar no rádio. Mas só se tornaria famoso por aqui em 1984. Me surpreendi ao saber que a Blitz era uma febre no país. Era uma banda que tentava trazer o clima que eu vira na Europa para esta taba. Gostei. Eu achava que era o fim do bode Gonzaguinha-Simone-Maria Bethânia. Não era. --------------------- O tempo fez justiça a este disco. Ele é muito bom.

SMITHS

Lembro de terem acusado os Smiths da faminilização do rock inglês. Bobagem. O rock inglês sempre foi feminino. Ou voce acha que Cliff Richard nasceu onde? Ou melhor, o rock inglês sempre se dividiu entre um estilo efeminado, estilo que está em MacCartney, Donovan e Winwood e um estilo Cockney-Macho, estilo que independe de opção sexual e que é aquele de Jagger, Daltrey e Plant. É o país de Shelley e do pré-rafaelismo, isso não é pouca coisa. ----------------- Morrissey, mais ainda que Leonard Cohen, é uma anomalia no mundo do rock. Ele simplesmente não é da coisa. Eu sei que ele foi chefe do fã clube do Mott The Hoople e que cresceu adorando Roxy Music e T.Rex, mas sua presença no mesmo universo que Liam Gallagher ou Joe Strummer é estranhíssima. Isso porque Morrissey é acima de tudo um tipo de estudante de Oxford e sempre será, mesmo com 65 anos de idade. Em suas letras nada remete ao universo do rock, mesmo que esse rock seja o de Bowie ou Pink Floyd. Ele canta como um inglês branco classe média ferido de amor e nunca tenta parecer um negro do blues ou um redneck do bayou. Seus lamentos estão a milhôes de anos luz de Van Morrison e mesmo sua verve nada tem de music hall, a verve de Ray Davies, talvez o artista mais próximo de Morrissey em espírito mas nunca em estilo. Nada do que digo aqui tem a intenção de dizer que ele é melhor ou pior que algum dos citados, Morrissey é apenas diferente. O único que parece de seu mundo é Scott Walker, e Scott também não parece ser do rock. ---------------------- Eu não ouvia Smiths desde 1986. Sim, voce não leu errado, 1986. Os conheci em 1985, através de Hatful Of Hollow. Lembro da primeira vez que ouvi, no escuro, e do que senti: estranheza. Não havia teclados, não havia solos de guitarra, a voz de Morrissey parecia fora de tom. A sensação era de que ele cantava uma canção e Johnny Marr tocava outra. Marr fazia acordes maravilhosos, rítmicos e Morrissey ia cantando um la la la aleatório do modo que quisesse. Essa foi minha primeira impressão e mesmo assim me apaixonei por Hand In Glove e What Difference does it Make. ---------------- Depois entendi melhor e por um ano eu ouvi Smiths até cansar. Smiths, REM e Lloyd Cole, foram meus sons de então. Como foi ouvir hoje? ------------------ Well..... eu havia esquecido como Johnny Marr era bom. Hand in Glove começa e voce é invadido por uma floresta de acordes maravilhosos. A impressão é histórica, uma canção que marcou um tempo. A banda toca com confiança absoluta, a voz não pede licença, ele vem e fala o que tem de falar. Smiths estreava com esse single em 1983 e não podia ser melhor. Quando What Difference does it Makes começa eu lembro do que sentia em 1985: exultação! Canto com Morrissey hoje como o Eu de 1985 cantava. Unidos dois Eus em quase 40 anos de vivência. É uma das melhores canções do rock inglês. Confesso: sim, eles foram uma das 5 ou 6 maiores bandas que a ilha já deu ao mundo. Sheila Take a Bow antecipa todo o Oasis e Pulp, está tudo lá. A idolatria está justificada. Em apenas 3 anos eles deixaram marca tão forte que até hoje nada surgiu por lá que sequer tocasse sua posição. Stone Roses, Radiohead, Artic Monkeys...a Inglaterra produziu suas bandas icônicas, mas quando voce ouve How soon is Now é preciso falar em Kinks, Who, Beatles para poder comparar seu impacto. ------------ Não, não sou fã dos Smiths. Continuo preferindo Stones, Led ou Who, mas reconheço que neles há genialidade. Uma fórmula só deles. -------------- Sim, após 40 anos podemos dizer: são eternos. PS: Óbvio que eu sei que Mick Jagger é bissexual e que sua imagem sempre foi dúbia sexualmente. Mas sua música é viril, terrivelmente cheia de testosterona. Pergunte a uma feminista o que ela acha das letras de Jagger. Os Rolling Stones deixam uma herança de bandas cheias de atitude macho, seja Aerosmith, seja New York Dolls. Quando falo que MacCartney feminilizou o rock inglês desde 1963, falo o óbvio, a obra de Paul, que adoro, é castrada. Sua música não tem pênis, agressividade, atitude viril nenhuma. George e John perto dele são como hunos estupradores. Paul fez ao rock inglês aquilo que Tom Jobim fez com o samba, transformou o que era duro e perigoso em algo fofo. Nos EUA os Beach Boys fizeram o mesmo.

EXISTEM CANÇÕES QUE MUDAM O MUNDO. POUCAS FAZEM ISSO. ESTA FEZ.

Existem canções, poucas, raras, que podem mudar a vida de uma pessoa. Basta as escutar na idade e no momento certo. Elas nos fazem mudar nosso gosto musical, nossa maneira de ver o futuro, nosso comportamento. ARE FRIENDS ELECTRIC? do Tubeway Army, banda de Gary Numan, mudou toda a música inglesa em 1979. E aqui no Brasil, os poucos que a escutaram, enlouqueceram. Passamos a ter mania por robots, computadores, emoções sob controle, distanciamento. Era o romantismo dos anos 80 que se anunciava. Mais que Kraftwerk ou Bowie, Gary Numan anunciava que o futuro da canção era tecnológico. Seus shows, uma orgia de luzes cegantes e de presença robótica mudaram toda uma geração. -------------- Ele levou às massas aquilo que outras bandas e artistas solo não puderam levar. Sua obra antecipa o planeta sob controle e vigilância. Mas, como é seu som? -------------- É POP, mas não aquele POP eletro enjoativo que se faria moda com os Pet Shop Boys após 1985. Ao contrário dos músicos que usam synths para pareceram instrumentos "normais", Gary Numan sempre usou sintetizadores que soavam como sintetizadores. E é isso que eu amo. ---------------- Quando ouço música eletrônica eu quero que ela seja profundamente robótica, gelada, sem emoção, sem alma, desértica. E é isso que temos aqui. Nada lembra a emoção do blues ou do soul, nada parece rock como entendido em 1979. Por isso Gary Numan jamais penetrou nas paradas dos EUA. Lá ele foi considerado uma coisa sem sentido, fake. Já na Grâ Bretanha ele foi superstar. Número um em vendas entre 1979-1981. Sua nova atitude conquistou um povo que não tinha raízes soul e blues. ---------------------- Continuo amando. Ouço agora. Me amociona ( contradição não? Sua frieza é profundamente emocionante ). A bateria, real, tem ritmos simples, marciais, e a massa de teclados parece exalar gelo. A voz de Gary Numan é maldosa, mecânica, alienígena. Ele se colocava como um ET. Bowie em modo glacial. As promessas de LOW levadas ao fim. Para um moleque de 16 anos isto soou como um mantra. Quase uma ligação religiosa. Sim, se voce tem menos de 50 anos, tendo crescido em meio a tantos nomes eletro, isto pode parecer apenas curioso. Mas entenda, Gary Numan é de uma radicalidade chique abissal. Não a toa ele se viu logo num beco sem saída. E virou um aviador. Largou a música. ------------------------ A questão é: seus amigos são elétricos? Sim, são. Estão numa tela 24 horas por dia. E falam comigo por sinais matemáticos codificados. Não me importa se aquilo que vejo é real. É eletricidade. E meus olhos são hoje leitores de luz. ----------------- Existem canções que mudam o mundo e entram nele como se fossem uma invasão marciana. Ouça o modo como essa canção começa. NÃO É MÚSICA. É UM EXÉRCITO ALIEN ATERRISANDO. No primeiro acorde do teclado, um tiro de laser, uma luz feito onda sonora, voce se entrega. Genial. ------------- PS: Gary deu o passo que nós queríamos que Bowie e Ferry dessem. Em 1980 achávamos que Bowie e o Roxy Music partiriam para esse som, cada vez mais eletro e frio. Mas não. Então Gary Numan, assim como tantos outros, deu o passo.

HUNKY DORY - DAVID BOWIE. POR QUE ELE HOJE É CONSIDERADO SEU MELHOR DISCO?

Já aviso, Hunky Dory não é meu Bowie favorito. Prefiro muito mais Low, Diamond Dogs, Lodger, Young Americans e mesmo Station to Station me soa muito mais fascinante. -------------- Fazia, creia, uns 20 anos que eu não ouvia este disco. Então hoje o reouvi. Eu o escutava muito em 1989, 1990, época em que foram lançados seus discos em edição japonesa, depois parei. Ouvindo hoje algumas coisas me surpreendem: Primeiro: É basicamente um disco acústico. Segundo: a beleza do piano de Rick Wakeman ( pena não terem trabalhado juntos mais vezes ). A sequência das 6 primeira faixas é imbatível. Poucos, muito poucos discos, são tão superlativamente belos como aqui, nessas 6 faixas. Changes, Oh you pretty things, Eight line poem, Life on Mars, Kooks e Quicksand, minha favorita, são melancólicas, solitárias, belas, diáfanas. Bowie é um jovem inglês, em 1971, cantando em seu flat, violão, tentando se entender e entender o que o cerca. É um quase derrotado lançando sua última carta. Nunca mais ele cantou assim. E a preferência de 2023 por este disco reside nisso: nosso tempo se identifica com esse jovem isolado. O super artista ambicioso de Low nos incomoda. É um tipo anti 2023. Já o Bowie de Hunky Dory parece ser um cara de agora. Mas não é. Bowie é bem maior que qualquer artista POP que trabalha hoje por aqui. Ele é uma outra coisa. --------------------- O piano de Wakeman pontua todas essas músicas. Seu dedilhado delicado dá brilho e ângulos ousados às canções. É um acerto absoluto. O problema de Hunky Dory é que após o pico atingido em Quicksand ele cai demais. O cover de Newley, Fill your heart anuncia o que parece ser um outro disco. Um outro Bowie. Andy Warhol, uma homenagem em estilo Dylan, é apenas comum, Song for Bob Dylan é indigna do mestre ( e comete o erro de dizer que a voz de Dylan é sad and blue...ora David...ela é angry and hungry ). Bowie se torna aí um tipo de Ian Hunter, Mott The Hoople na veia. Depois vem a estupenda homenagem à Lou Reed, Queen Bitch, riff que cita Sweet Jane, a parceria Bowie Ronson dando as caras enfim. Bewlay Brothers é bem chatinha. -------------------- Quando ouvi este disco a primeira vez senti o mesmo que hoje: são dois discos enfiandos em um só. Durante seis faixas é David no quarto com o piano de Wakeman compondo milagres de beleza melancólica. Depois é Bowue homenageando seus ídolos em faixas não mais que médias ( fora Queen Bitch, que é brilhante ). Ziggy Stardust nasce nessa mescla. Ele seria a união dos dois lados, aquele de Quicksand e de Queen Bitch. ------------------- Belo tempo para se ter 15 anos em Londres. Após este disco, as lojas seriam invadidas por Lou Reed com Transformer, o primeiro do Roxy Music, T. Rex vendendo como Beatles e mais Gary Glitter, Mott The Hoople e Sweet. Uma festa. Nunca mais foi assim. Hunky Dory é um adeus dado no princípio. Triste como Bowie sabia ser.

DEAD BEES ON A CAKE - DAVID SYLVIAN

Chique. David Sylvian faz parte daquela geração que cultuou Roxy Music. Ingleses nascidos entre 1958-1970, gente que viu o Roxy surgir quando tinham 14, 16 anos, ou que viram seus herdeiros estourar nas paradas quando tinham 9, 10 anos de idade. Sylvian formou a banda Japan em 1976, aos 16 anos e em 1978 lançaram seu primeiro disco. Em meio a dezenas de grupos que seguiam a trilha Roxy, o Japan era o mais xerox de todos. O melhor de então era o Ultravox. Melhoraram com o tempo e em 1981 lançam seu melhor disco e encerram carreira. Sylvian passa a ter uma das mais interessantes carreiras solo da Inglaterra, trabalhando com Robert Fripp e Ryuchi Sakamoto. Seu alvo deixa de ser o Roxy Music e passa a ser Brian Eno. -------------------- Este disco, de 1999, é de uma elegância fria e melancólica hipnotizante. Não é POP, mas não chega a ser hermético. O som é nú, Sylvian expõe o esqueleto do som, é angular, espaçado, lânguido. Todas as faixas poderiam ser gravadas por Bryan Ferry solo, Bryan, lógico, faria delas algo mais encorpado e balançante, mas o tipo de canção é a mesma. Sylvian tem classe, é um tipo de cantor POP muito fora de moda em 2023, pois ele ama a beleza, o chique, a coisa refinada ao máximo. Ouvir este disco, que nada tem de saudoso, o som é todo século XXI, é lembrar algo perdido, uma espécie de apreço, de gosto por aquilo que vale mais, que é superior. ------------- Hoje somos obrigados a falar que amamos o comum e o vulgar. --------------------- Observe o modo como todo o disco é mixado. Ele não facilita, nos obriga à estranheza, mas nunca é o original desequilibrado, sujo, é a originalidade da beleza. O espírito de Sylvian é aquele da poesia simbolista, a Torre de Marfim, o artista que não advoga da vida vulgar, o esteta. É fascinante este disco.

LLOYD COLE - DON'T GET WEIRD ON ME

Escrevi em outro post que uma boa banda ou artista POP tem em média 3 grandes anos, depois ele passa a reciclar aquilo que fez. Há excessões. Os Rolling Stones tiveram 7 grandes anos e o Led Zeppelin também os mesmos sete. Se voce olhar com isenção, verá que gente como U2 ou Pearl Jam foram inspirados durante 3 anos, depois tudo foi um grande refazer. Lloyd Cole foi grande em 1984, 1985 e 1986. Os tais 3 anos de média. O disco do qual falo agora é de 1991, seu segundo solo após o fim de sua banda, os Commotions. Eu sou apaixonado por Rattlesnakes e Easy Pieces, os discos de 84-86 da banda. Mas, como Cole é um grande cara, é óbvio que nada do que ele faz pode ser ignorado. Este disco tem alguns momentos de sublime beleza. Lloyd Cole entende o que seja belo. Não nega sua raça. ---------------- Nas seis primeira faixas ele usa uma banda convencional de rock. O baterista e o guitarrista são Fred Maher e Robert Quine, os dois vindos da banda de Lou Reed, músicos que tocaram na obra prima que é New York. Mas não espere que Lloyd faça aqui um disco à Lou Reed. O som nessas faixas é POP bonito, meio rock meio folk, o estilo que ele seguia em 1984 porém com menos euforia e menos ingenuidade. Menos belo. Nas 5 faixas seguintes ele usa uma orquestra arranjada por Paul Buckmaster, e aí a coisa fica belíssima! --------------- Buckmaster é figura importante do rock e do Pop. Em 1969 foi ele quem fez os arranjos de Space Oddity de Bowie e em 1970 trabalhou na orquestra que acompanhava Elton John em Your Song. Nas décadas seguintes continuou sendo chamado para escrever aquele modo sublime com que ele embala e enlaça melodias inspiradas. Neste disco ele usa seu dom com elegância e discrição. Lloyd Cole faz uma mescla de Burt Bacharach com Leonard Cohen. Funciona às maravilhas, são 5 grandes canções. É um belo disco.

THIS IS HARDCORE - PULP

Pulp é, em meio a onda do Britpop, a mais adulta entre seus pares. E isso faz com que Pulp seja, sim, sem dúvida alguma, muito melhor que Oasis, Blur, Suede ou Stone Roses. Jarvis Cocker é um intelectual refinado se colocado ao lado de Noel, Damon, Ian ou Brett. This Is Hardcore, de 1998, é seu último grande disco e como ser inteligente que é, Cocker percebeu sua maturação e fala por toda a obra de finais, despedidas, desvanecimentos, apagamentos e sumiços. A banda, mega competente, que sempre foi witty ( esperta e alegre ), é aqui melancólica. Mas sem jamais perder a elegância. ---------------- Cocker sempre teve uma queda pelo POP francês e esse é seu diferencial. Faz anos que ele vive em Paris e já lançou disco solo com canções francesas. Isso tempera sua alma. Enquanto os Gallagher sonhavam com Lennon, e Albarn pensava em Marc Bolan, Jarvis seguia Serge Gainsbourg e Jacques Dutronc. Para um inglês, isso faz toda diferença. Como Yeats e Shelley, há nele um forte cheiro de vinho e de Camembert. Neste disco, belíssimo, ele derrama todo seu romantismo sem pieguice, um romantismo irônico, inteligente, que mais que Bowie, remete à Bryan Ferry e John Cale. Vejo que o album teve a produção de Chris Thomas, o cara que produziu os melhores discos do Roxy Music e de Pretenders. Entenda...não falo que Pulp lembre Roxy, não lembra, mas é o mesmo espírito. Voce ouve este disco do mesmo modo como ouve Siren ou For Your Pleasure: com uma taça de champagne e uma lembrança diáfana na cabeça. ------------------------ Há no Oasis uma vulgaridade de operários de Manchester que às vezes enjoa. Há no Blur uma sombra juvenil que não cessa. O Stone Roses é, para mim, uma banda comum hiper valorizada. E o Suede escorre vaidade insuportável em cada acorde copiado do pior do glam rock. O Pulp, ao lado deles, parece maduro, chique, consciente, no tom exato. Tem suas influências, mas as usa com sabedoria. Junta tudo mas deixa, acima de todo som, a voz de Cocker brilhar, uma voz que casa perfeitamente com aquilo que se diz. Os arranjos são ricos, quase sinfônicos. A impressão geral é de estarmos diante de algo invulgar: um desses discos que ficam, que permancecem. Passados 25 anos ele ainda impressiona. Muito. Ouça. E não esqueça de suas feridas.

ARTHUR BY THE KINKS, POR QUE TANTO ELOGIO?

A partir dos anos de 1980, os Kinks passaram a ser considerados a maior banda da história do rock inglês. Opinião essa, que entre os cults e cools, nunca mais foi contestada. Entre ingleses bacanas e americanos fashion, amar a banda de Ray Davies é lei inconteste. Dentre os motivos de tanta idolatria podemos contar desde as falta de sucesso nos EUA até o estilo extra britânico de compor. Assim como The Band seria inimaginável na Europa, os Kinks só poderiam ser ingleses. Eles abandonaram os blues já em 1964, country foi usado apenas como humor e temas como estradas, mulheres faceis e carros velozes não existem. Do The Jam à Blur, de James à Pulp, todo mundo bebeu na fonte de Ray Davies. E essa fonte moldou letras, cortes de cabelo, ironia e melodias. Ao lado dos Beatles, não há banda mais onipresente na ilha. -------------------- Arthur é uma opera rock. Lançada alguns meses antes de Tommy, do The Who, ela é hoje considerada bem superior a obra de Pete Townshend. Ela é? Wellll..... não é preciso tanto assim. Tommy não é grande coisa. Entenda, eu adoro The Who, mas Tommy tem um monte de momentos muito fracos. See Me Feel Me é dose pra elefante. E as letras são bobas, nada significam de fato. Tommy tem alguns momentos maravilhosos, Sally Simpson, Amazing Journey, Sparks, mas no geral é aborrecido. Já o disco dos Kinks, se nunca atinge a altura da abertura de Tommy, não tem um só momento chato. Usando o estilo "canção de vaudeville", especialidade de Davies, Arthur é uma homenagem a era da rainha Vitoria. What????? ------------- Sim meus queridos, no auge do hippie, da anarquia em rock, Ray Davies escreve sobre os bons velhos tempos. Chá, jardins, coletes de veludo, cricket, famílias jantando, de leste à oeste, tudo era Inglaterra. E para falar disso, ele compôe músicas que são o contrário da moda de 1969, ano do disco, ou seja, sem peso, sem solos, sem viagens espaciais. É uma coleção de canções ultra inglesas que falam de coisas inglesas para ingleses recordarem. Entendeu o porque de tanto amor pelo disco? ----------------- Se está parecendo que não gosto de Arthur voce se enganou. O disco é sublime. E eu amo os Kinks. São uma das 5 maiores bandas da história inglesa. Apenas penso que Village Green e Something Else são discos ainda melhores. Arthur é grande, mas não o maior. ----------------- Elegantes, cínicos, classudos, inteligentes, POP, os Kinks são tudo aquilo que todo rock star inglês quer e quis ser. Ray Davies é como um molde onde eles se medem. Não à toa foi ele quem abriu o show de encerramento das Olimpíadas de Londres. Ray criou aquilo que entendemos como "rock inglês". Ouça o que postei.

SCREAMADELICA - PRIMAL SCREAM

Anos atrás, em um momento de caixa baixa, vendi meu vinil de Screamadelica. Consigo o cd e ouvi ontem. Fazia mais de década que não o ouvia inteiro. Claro que é bom, mas não é um disco normal, é na verdade uma coleção de remixes, por isso o fato de ser um album com cara de greatest hits. Para os ingleses é um dos 10 maiores discos dos anos 90, para os americanos ele nem existe. É antiga essa diferença entre EUA e UK. Tudo que é americano vende muito bem na Ilha, até mesmo Willie Nelson e Garth Brooks. Já americanos deixam de consumir verdadeiras joias do rock inglês. Isso desde 1964. Posso citar Status Quo, Gary Glitter, Gentle Giant, Small Faces, The Jam, Happy Mondays, como exemplo de gente que é hiper estrela em UK e mal chegam aos 100 primeiros postos na Billboard. Há também aqueles que são razoáveis nos USA, mas que na Ilha são smash hits: Kinks, Traffic, T.Rex, Roxy Music, Smiths, Style Council, Ultravox, Blur, são todos BIG na Inglaterra e medianos em vendas nos USA. ------------- Na onda baggy de 1988-1992, Stone Roses, Happy Mondays e Primal Scream eram os maiorias e nenhum estourou nos EUA. O movimento do clube Hacienda em Manchester nem passou perto de se tornar popular na América. Em 88 a Billboard descobria o RAP e o eletro de Detroit e em 92 era a vez do grunge. Nesse meio tempo houve o estouro dos Red Hot e o fenômeno Metallica. Não havia espaço para o rock viajante dos Primal Scream. Screamadelica é psicodélico até a medula, e como disse em outro post, os anos 90 inauguraram o saudosismo como fenômeno hype. Pela primeira vez escutar coisas velhas era cool. Doors e Love, Hendrix e Cream, todos deixaram o mofo para trás. Cabelos longos, sons meio prog meio hard rock, guitarras, blusas coloridas, valia reciclar tudo. O Primal Scream reciclava um album antigo apenas: Beggars Banquet dos Rolling Stones. Screamadelica inteiro tem acordes de piano chupados de Sympathy for The Devil. Nicky Hopkins é o dono dos acordes originais. Jimmy Miller produziu o Beggars Banquet e surpresa! Foi Jimmy quem produziu algumas das faixas daqui. A guitarra, presente em vários momentos, sempre bem vinda, repete também os acordes keithrichardianos de Sympathy for The Devil. Não, nada de plágio!!!! Primal Scream usa influências, assume esse ato, e as rejuvenesce com batidas de acid house. Acontece então um fenômeno que se repetiu por toda a década de 90: O passado casado com o presente, o rock dos anos 60 e 70 recauchutado. O Nirvana usou um hit do Boston para estourar mundialmente, riffs do Black Sabbath fizeram a vida de metade dos grupos de Seattle e o Led Zeppelin parecia ser, outra vez, o maior grupo de rock do universo. Grandes anos 90! Beck misturou RAP com John Fogerty, STP era Led Zeppelin com Beatles e Janes Addiction citava toda uma discografia em apenas quatro minutos de som. Pode-se dizer que foi uma década onde toda coleção de discos era usada todo o tempo em todo disco. Os anos 90 foram o paraíso para quem tinha conhecimento nerd de rock. ( Todos os grandes rock stars da época foram grandes colecionadores ). --------------------- O rock viveu momentos brilhantes. 1968-1972....1978-1982....1988-1993....talvez 1997-2002. E então o fim. O rock perde o posto de protagonismo e se torna apenas mais um gênero. Bandas sempre haverão, mas nunca mais haverá um rock star como "maior estrela do mundo". Esse posto é, faz vinte anos já, do RAP, do POP, do R and B, do cinema. Screamadelica é um disco que nos faz viajar de volta a seu tempo, é uma capsula temporal. Atemporal? Em tempos virtuais, tudo é atemporal e nada parece eterno. Falar em atemporalidade na arte hoje é absurdo. O fato de eu estar falando deles para voce AGORA faz deste disco atemporal. E é um prazer poder o escutar.

UM GUITARRISTA CHAMADO PETER GREEN

Em 2004 uma eleição da revista Guitar World colocou Peter Green como um dos 3 maiores guitarristas da história. E voce talvez pergunte: Quem? -------------- Creio que voce já ouviu algo do Fleetwood Mac. Seja Dreams ou Hold Me, afinal, é a segunda banda que mais vendeu discos nos EUA em todos os tempos. Rumours é o segundo disco mais vendido na história. Fleetwood Mac, a banda formada por dois ingleses, John McVie e Mick Fleetwood, baixo e bateria, a tecladista inglesa, Christine Perfect, e mais dois americanos da California, a cantora Stevie Nicks e o guitarrista Lindsey Buckingham. Espera! Onde está Peter Green nessa história? ----------------- Estava no Fleetwood Mac, pois entre 1967 e 1970 a banda foi um grupo de ingleses que tocava blues e rock psicodélico e fazia sucesso, muito, apenas em seu país. Mick e John tocaram nos Bluesbreakers de John Mayall e saíram ou foram expulsos do grupo para formar sua própria banda. Caso único em que os chefes são membros que não compõe e nem cantam. Fleetwood Mac era a maior banda da onda do blues inglês, moda dos anos 60, moda que era a cara da Londres de então, mas que nos EUA não causava impressão nenhuma. Pelo grupo de John Mayall passaram Eric Clapton, Peter Green e Mick Taylor. Opa! Taí o Peter Green. Ele foi convidado para fazer parte do novo grupo. Fato recorrente para Mayall, lançar um cara e o ver sair. Eric Clapton saiu para o Cream, Mick Taylor para os Stones e Peter Green para o Fleetwood Mac. Lá ele virou estrela com seu estilo que B.B. King chamava de "o mais delicado do blues". Em 1968, mesmo com a concorrência braba de Beatles, Stones, Who, Kinks, Bee Gees, Aretha Franklyn, Marvin Gaye, Monkees, Tom Jones, Hendrix, Cream, Traffic e vasto etc, o Mac ficou em quarto lugarna Inglaterra. Nos EUA apenas em 198.... ----------------- A banda chegou a ter 3 guitarristas, Jeremy Spencer logo foi convidado e depois Danny Kirwan. Era fácil saber quem era quem: Jeremy tocava slide, Danny dava acordes de fundo e Peter tinha o tal toque delicado, suave, feminino. Herança do estilo de Clapton, Peter Green conseguia parecer ainda mais elegante que Eric. Mas, estamos nos loucos sixties, e em 1970 Peter Green sumiu. Ele simplesmente desapareceu. Diziam que ele estava na India. Que vagava de carona mundo afora. Mas não. Desconfortável com o sucesso, ele saltou fora e pirou. Lançou alguns discos muito estranhos e nunca mais voltou aos eixos. Jeremy Spencer também largou a banda, ao mesmo tempo, para ser pastor religioso. E o Fleetwood Mac implodiu. John e Mick faliram e se mudaram para a California, e na mais espetacular mudança de estilo da história, viraram a mais americana das bandas. Em 1975 entram Stevie e Lindsay e o resto são milhões de dólares. ------------------ Eu gosto dos dois Macs. O americano tem um talento para o POP soberbo. Rumours é a trilha sonora dos solares anos de 1977-1978. No auge das vendas de LPs no mundo, época de Bee Gees, Elton John, Eagles, Wings e disco music, eles foram reis. Lindsay trouxe o estilo Buddy Holly-Beach Boys e Stevie o feminismo dos anos 70. Mick Fleetwood e John McVie ficaram milionários. ------------------ Já a banda de Peter Green era blues inglês. Perfeito. E com músicas, nada blues, compostas por Green, como Albatross, Black Magic Woman ( aquela que o Santana regravou ) e Oh Well!, que são diamantes originais, não são blues nem POP, são Peter Green. Ouça. O cara era único.

CARAVAN, IN THE LAND OF GREEN AND PINK

Hoje, primeiro dia do outono, sinto as coisas perdidas. O que nos constroi não é o que temos muito menos aquilo que desejamos, mas sim o que foi perdido. Há um momento nessa canção, quando o piano começa a ser dedilhado, que fala exatamente disso. Ganhamos a beleza desses acordes, mas ao ganhar os perdemos, pois tudo é uma perda...ou não? Os dedos se vão entre as teclas produzindo beleza superlativa e meus ouvidos e minha alma vai junto até essa Terra da Inocência. Sim, eu posso reouvir quantas vezes eu quiser, mas aquele momento...onde? Se perdeu. Caravan era uma banda de Canterbury e isso faz deles ilheus dentro de uma ilha. Da turma de Kevin Ayers, eles conjugam magia com beleza e beleza com alegria etérea. Então vou ir adiante nessa ideia ( e eu sei que este texto está como lodo ): Se tudo é perda então cabe à vida ser construção incessante, pois cada perda deve ser compensada. E quando o piano é dedilhado e aquele momento único é perdido, pois ele nunca mais será como o primeiro, então essa impressão e esse sentimento devem ser levados avante, desenvolvidos e usufruidos ao infinito. Eis então John Keats: um momento de beleza é alegria para sempre. E se ameacei cair na negação de afirmar que a vida é perda, então agora afirmo que não pode haver perda onde mora a beleza. O disco é sublime.

Caravan In the Land of Grey and Pink