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O MENSAGEIRO- L.P. HARTLEY

   Harold Pinter fez deste romance, de Hartley, o brilhante roteiro que Joseph Losey dirigiria em 1971 e com o qual ganharia a Palma de Ouro em Cannes. Pinter fez um trabalho exemplar, o roteiro, como às vezes acontece, melhora o livro. As opções de Pinter são acertadas. Ele eliminou toda a parte zodiacal da história e conseguiu fazer do Mensageiro uma personagem mais interessante.
   Em 1950, um sessentão encontra objetos que lhe recordam uma história sua vivida em 1900, aos treze anos de idade. Uma estada na casa de campo de um seu amigo, membro da elite vitoriana. Lá, ele se apaixona pela irmã do amigo, noiva de um nobre ferido na guerra dos boêres, e que mantém um caso com um fazendeiro grosseiro. O narrador é usado como mensageiro entre os amantes. Acaba por perceber que é usado, e sofre com isso.
   Crítica ao sistema de classes, retrato do despertar da vida adulta, fotografia da repressão sexual, o livro é tudo isso. Há um começo delicioso com a descrição da vida escolar, das tragédias e glórias do menino. Depois vem sua vergonha nas férias, vergonha por ser mais pobre que seu amigo, sua glorificação da nobreza e sua relação de ódio e admiração com o fazendeiro vizinho, um homem do tipo "natural" à DH Lawrence. Ele, o amante, caça, ama, briga, esbraveja, tem força fisica, tem vontades; já o nobre visconde, noivo de Marian, a irmã do amigo, é educado, comedido, discreto e convencional.
  Hartley tem bela maneira de mostrar a cegueria do mensageiro. Consegue nos fazer lembrar de nossas tolices, do modo como tudo nos parece confuso, misterioso e assustador na pré-adolescência. Ele não percebe o código dos adultos, e pior, percebe que não percebe. Afirmo que é um belo livro desse escritor do século XX, morto na década de 70 e que foi um tipo de Thomas Hardy menor.
   Mas o filme é uma obra-prima....Faz falta a música de Michel Legrand e as imagens do menino correndo...O filme é mais duro, mais cruel, cortante. Pinter dá asas a confusão do menino, cria suspense, mergulha na tolice de uma visão cega.
  Faça então o contrário do que fiz, leia primeiro e veja o filme depois. Assim como acontece com  Wonder Boys ou Desejo e Reparação, o filme supera o livro, o que demonstra que o livro está longe de ser genial.
  Mas que ele, o livro, fica na cabeça, ah...ele fica sim... 

O MENSAGEIRO- JOSEPH LOSEY E HAROLD PINTER, filme obrigatório para os que pensam

Água de chuva escorre em janela. É a primeira cena deste que é o mais perfeito retrato da era vitoriana. Porque não se atém apenas ao charme ou ao ridículo da época. Ele exibe a crueldade.
Um adolescente vai passar o verão em casa de muito rico e esnobe amigo. Sutilmente percebemos que por ele não ser tão "alta classe" como todos os outros, olham-no com curiosidade, condescendencia, e logo fazem dele "um ser util". Afinal, lhe outorgaram o privilégio de os frequentar.
O menino se apaixona pela irmã mais velha do amigo. Como estamos em 1900, nada sabe sobre amor, namoro ou sexo. É usado pela irmã, que percebe esse amor juvenil. Pois ela tem um caso com o vizinho, um muito grosso, muito sujo e muito sexy plebeu. Fazem então do menino o mensageiro de seu caso secreto. Caso recheado de sexo, caso à D.H.Lawrence. Nesse processo, o menino quase enlouquece.
Todo o sistema de classes inglês é exposto. Os dandys vivem em seu mundinho de charutos, jantares, e total incompetência para a vida. Mas se vêem como muito especiais e detém o dinheiro e os direitos. O vizinho aluga as terras dos "nobres". Esse é o sistema. É ele quem produz a terra, quem gera riqueza, quem tem idéias e quem tem ambição. Os dandys recebem seu aluguel. Ao menino, que não é dandy ou arrendatário, que nada sabe e não sabe querer, resta o anódino papel de mensageiro.
A moça acha no vizinho aquilo que não terá com seu noivo: animalidade. Mas a sociedade vencerá. Ao mensageiro resta confusão e amargor. Bem-vindo à vida!
Poucos filmes tiveram elenco tão perfeito. Julie Christie faz a moça. Bela e fria como aço. Ela é toda egoísmo. Atriz mais que perfeita, atriz que esnobou o star-system, ela, aqui no auge da fama, logo diminuiria suas aparições. Optaria por viver.
Alan Bates faz o vizinho. E ele tem toda a animalidade que o papel requer. Para esse tipo, que é o personagem que na verdade fez a riqueza do império, Bates é imbatível.
Temos ainda Margaret Leighton como a mãe ultra esnobe. Terrível em suas suspeitas, essa atriz de longa carreira está assustadoramente ultra-classe. Edward Fox faz o noivo, um bem intencionado e meio aéreo dandy, ferido de guerra.
E numa pequena aparição temos esse fenômeno da natureza chamado Michael Redgrave. O pai de Vanessa nos comove como o menino nos dias de hoje. Seu olhar, olhar parvo, tolo, de ainda apaixonado, de quem arruinou sua vida, é inesquecível. Com um olhar apenas, Sir Michael diz toda a tragédia de sua não-vida. Um gênio.
Poucos filmes têm um Nobel em sua equipe. Harold Pinter, nobel de 2005, fez o roteiro ( baseado em L P Hartley ) à seu modo: cruel, ferino e de poucos diálogos. Nada de panfletagem: tudo é subentendido. O roteiro brilha em chamas.
A trilha sonora de Michel Legrand é feita de fugas à Bach. Talvez a mais bela das trilhas. A música tema é obra de mestre erudito consumado. Perfeição.
A fotografia é do mestre Gerry Fisher, mestre que fotografou 2001 de Kubrick. Os campos, as casas, as roupas, os céus são quadros de retratistas ingleses, mas atenção!!!! Jamais têm aquele jeito arrumadinho demais, nunca parecem "moda".
Joseph Losey é um diretor americano de esquerda que fugiu do país no MacCarthismo. Se adaptou muito bem à Inglaterra, se tornando um dos melhores diretores ingleses da época ( 1960/1977 ). Ele tinha um soberbo senso visual e uma ferina ambição. Seus filmes são sempre ácidos e estranhamente etéreos.
O Mensageiro venceu Cannes em 1971.
Losey, Legrand, Pinter, Fisher, Julie, Redgrave, Leighton, Bates e Fox. Onde achar hoje uma equipe assim????
Ps. Foi este filme, visto na Globo em 1977 que me acendeu o amor por Julie Christie. Me vi como aquele menino mensageiro. Mais importante, me apaixonei não só por ela, mas pela música superior de Legrand e pelo cinema. Se hoje escrevo sobre filmes, muito se deve a este filme.
Sua primeira frase ( dita por Sir Michael ): " O passado é um país distante. Visitá-lo é sempre conhecer um lugar desconhecido. "