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BILL MURRAY EM O FIO DA NAVALHA

Em 1984 Bill Murray era um dos atores quentes da América. Saído do Saturday Night Live, pronto para lançar Ghostbusters, ele resolveu escrever uma adptação de O FIO DA NAVALHA, o belo livro dos anos 30 de Somerset Maugham. Depois de roteiro pronto, ele chamou o novato John Byrum para dirigir e conseguiu um belo capital da Columbia. Como Larry, o perdido jovem atrás do sentido da vida, Bill escalou ele mesmo. Era seu sonho filmar seu livro favorito. Lançado então, o filme afundou no box office. Desapareceu. Revi ontem. -------------------------- Já havia o visto na época. E tinha gostado muito. Depois tentei rever em 2000 e não suportei. Ontem o achei nada mal. Não é um grande filme. Mas é um bom filme. Muito melhor que qualquer das séries que a Netflix vende hoje. Sim, eu não as vi. Mas voce também não viu este filme bebê. --------------------------- Bill Murray consegue não parecer Bill Murray em 70% do filme, e isso para um ator tipo Bill Murray é muito difícil. Nos outros 30% ele é Bill Murray. Mas até podia ser, são cenas de humor. ------------------------- Em 1941 foi feita uma versão famosa da Fox. Sucesso de bilheteria, Tyrone Power e Gene Tierney, ela focava mais, como era moda na época, no drama de amor e no conflito entre caracteres. Na versão dos anos 80, se dá mais espaço ao período da guerra e às loucuras dos anos 1920 em Paris. Sophie, a bela personagem do livro, a menina que se casa, então o marido morre em acidente e ela vira putaine em Paris, tem muito mais espaço aqui. Theresa Russel. linda de doer, faz Sophie. Não podia ser melhor. --------------------- Produção cara, tem cenas na India e até no Tibet. Como aconteceu no filme anterior, nada da iluminação de Larry convence. Ele não parece ter encontrado a verdade. Parece antes um mochileiro que foi às montanhas fumar um. Mas não se assuste. O resto do filme é bom. E mesmo entre os monges nada parece forçado. É que para se exibir uma epifania é necessário um Powell ou um Kurosawa. Não é o caso. ---------------------------- Por fim, digo que o filme não rendeu dinheiro porque Murray não percebeu que já em 1984 ninguém estava interessado em ver um filme com "muita história". Como acontece hoje, é preciso fazer um filme com um plot simples. Se fosse apenas um cara indo ao Tibet ele teria mais chances. Filmes atuais que parecem complicados, têm na verdade, sempre, um enredo-plot que pode ser contado em uma linha. Já li várias vezes que quando um roteirista vai vender sua ideia ele tem trinta segundos para contar começo meio e fim. --------------------------------- Tem muito enredo aqui.

O FIO DA NAVALHA + GASLIGHT. DIVERSÃO PARA ADULTOS BABY

   O FIO DA NAVALHA de W. Somerset Maugham é daqueles best sellers que ninguém mais lê. Maugham, escritor profissional ao extremos, escreveu de tudo: romances, contos, teatro, cinema. Em certo momento, anos 40 e 50, ele era um dos cinco autores mais lidos no mundo. Hoje seus livros não interessam mais. São muito pop para serem estudados pelo povo metido a artista, e muito adultos para serem lidos por quem quer apenas fantasia, afinal, nossos atuais best sellers são todos fantasias sobre horror ou ciência, ou algum tipo de auto ajuda disfarçada.
  O FIO DA NAVALHA foi um dos romances formadores em minha vida. Como Zorba O Grego, Cândido, Complexo de Portnoy, são aqueles livros que me fizeram amar a leitura já em minha época de adulto. Se a história de meus livros amados começou com Tom Sawyer e A Ilha do Tesouro, foi com O Fio da Navalha que essa história se confirma. Li 3 vezes e me identifiquei com Larry, o homem que traumatizado pela guerra, passa a vida fugindo do mundo à procura da iluminação. Maugham escreve como quem fala à beira da lareira fumando um cachimbo. Pausado, calmo, jamais cansativo. Literatura de alta gastronomia. Como a de Isak Dinesen. Evelyn Waugh.
  Em 1984, Bill Murray, apaixonado pelo livro, fez um filme sobre a obra de Maugham. Larry feito por Bill Murray. Um filme longo e aborrecido. Pior que tudo, metido à arte. Salva-se apenas a Sophie feita por Theresa Russel. Ontem vi a versão de Edmund Goulding, Fox, 1946, época em que a moda Maugham estava no auge. É um típico filme adulto POP de Hollywood. O tipo de filme que hoje só pode ser feito na TV. Estranhamente o filme foca muito mais em Elliot, o velho esnobe, e Maugham, o próprio escritor que conta a história de Larry. Funciona? Muito. Larry no filme se torna aquilo que ele é na vida: personagem esquivo, que surge e desaparece, um solitário. Gene Tierney faz a maldosa ex noiva de Larry. Há que se dizer, Gene Tierney foi a mais bonita mulher do cinema. Estranho fato, todas as divas da tela hoje parecem grotescas. Marilyn, Greta, Marlene, Rita, são como bonecas em show de travestis. Porém Gene Tierney, assim como Grace Kelly ou Jeanne Crain, são tão belas hoje como sempre foram. É um bom filme.
  Patrick Hamilton escrevia teatro popular-chique. Esse tipo de teatro hoje sobrevive apenas em alguns musicais. O público era o casal de 35-60 anos, classe média, curso superior, querendo se divertir ao mesmo tempo que usava sua inteligência. O filme Gaslight, direção de George Cukor, Oscar para Ingrid Bergman, é eletrizante. Ingrid é a pobre mulher que quase enlouquece nas mãos de Charles Boyer. NUNCA ME IRRITEI TANTO com um vilão como com esse CRÁPULA feito por Boyer. Não me importa se ele exagera ou não. Eu fiquei a ponto de destruir a TV. Eu o odiei muito! MUITOOOOOOOOOOO!!!!!!!! Ótimo filme. Dizem que a versão inglesa é ainda melhor. Vou vê-la.
  Ingrid Bergman? Ela exala sexualidade até quando dorme. Tivesse sido atriz nos mais despudorados anos 60 ou 70, teria enlouquecido homens em salas de cinema. Ela tem traços nórdicos demais, mãos grandes, mas seu olhar e suas cenas de beijo são de absoluta entrega. Sentimos que ela é ultra quente. Aqui ela ganhou seu Oscar, merecido, e os USA se apaixonaram por ela. Ingrid vinha da sequência Casablanca, Por Quem Os Sinos Dobram, Notorious de Hitchcock...difícil achar atriz com sequência de filmes tão icônica. Mas em 48 ela destruiria tudo ao largar marido médico para viver com Roberto Rosselini, logo um italiano!!!! Corajosa Ingrid.
  Dois ótimos filmes. Gaslight é melhor.

HISTÓRIAS DOS MARES DO SUL - W. SOMERSET MAUGHAM

   De 1930 até 1970, se voce falava o nome Maugham, 99% de pessoas leitoras sabiam quem era. Muitos filmes eram feitos baseados em seus livros, e a maioria tinha boa bilheteria. E ele escrevia muito, era um profissional da escrita. Romances, contos e peças, ele dominava todos os meios. Mas, por volta de 1970, ele começou a ser esquecido ( havia morrido durante os anos 60 ). Outro tipo de autor passou a ser mais vendido, autores que pegavam mais pesado em sexo e em violência.
 Maugham não é um estilista. Seu foco é o assunto. Ele escreve sobre personagens e sobre histórias, o que importa é o que é dito e não como é dito. Seu maior sucesso foi Servidão Humana, livro que detesto. O Fio da Navalha é um prazer, e em como todos os seus livros, contrabandeia filosofia oriental. Maugham, antes dos hippies, e de uma forma muito mais pop que Huxley, propagava ideias de fuga da civilização, vida alternativa, espiritualidade. Foi rei no tempo de Graham Greene, Agatha Christie, Pearl Buck, Waugh e Woodehouse. Todos autores brilhantes.
 Aqui são contos que têm em comum a ambientação nos mares do Pacífico Sul. Pessoas desgarradas, pessoas que encontram a felicidade, pessoas que sofrem com calor e doença, insetos e loucura. Ele descreve local, radiografa personagens e então parte a ação. São todos ótimos, mas um, chamado Macintosh beira o genial.
 Acho que Maugham está escondido em algum canto das livrarias. Procure. Esta minha edição é de 1957, tempo dos livros de capa dura sem desenho, sem nada. O título vinha apenas na lombada. Pois procure, certo que voce vai gostar.

CONFISSÕES- W. SOMERSET MAUGHAM

   Memórias do famoso autor inglês escritas quando ele tinha sessenta anos. Ainda viveria mais vinte, vindo a morrer em 1965. Não espere encontrar a intimidade do autor aqui. Ele quase nada fala de sua vida física. Estas memórias são espirituais, estando assim próximas daquilo que Montaigne e Rousseau escreveram. Maugham fala de seus livros e de suas peças. Dá muitos conselhos e percebemos o ressentimento que ele tem em relação a crítica. Crítica que jamais lhe deu o valor devido.
   Maugham foi um autor de imenso sucesso popular. Seus livros e suas peças fizeram dele um homem rico. E muitas obras ainda se tornaram filmes bem sucedidos. Nascido inglês, ele passou seus primeiros sete anos na França, seu pai era do corpo diplomático. Quando seus pais morreram foi para a Inglaterra, onde foi educado por um tio, severo, frio e religioso. Maugham jamais se sentiu confortável em seu país. Suas influências são francesas, Maupassant e Flaubert, e seus favoritos também, Stendhal e Balzac. Já adulto, ele irá estudar na Alemanha e sua vida será feita de viagens. Os Mares do Sul foram sua viagem mais importante.
   Algumas estocadas que ele dá em ingleses são certeiras. O fato de que eles pouco se interessam por sexo e que têm relações sentimentais e nunca apaixonadas. Ingleses gostam de lembrar de seu canto, gostam de manter uma quente amizade, mas são incapazes de arroubos românticos. Sexo é uma desagradável obrigação. São comerciantes, povo feito para o ganho monetário, sem a poesia de alemães e o dom hedonista dos latinos. Se isso é verdade ou puro ressentimento não cabe a mim dizer, o que posso falar é que sua literatura é realmente marcada pelo "bom-tom" e uma falta de sexualidade vibrante. Falam de bons e velhos tempos, do campo e da escola, de amor espiritual, mas raramente contam abertamente casos de pura luxúria ou de tara. Mesmo nos liberais anos de 1970, suas descrições "apimentadas" sempre soam falsas ou pior, violentamente culpadas. É uma literatura insuperável na arte de descrever a natureza, de contar a infância, de lidar com aventura, mas não consegue ser filosófica ou carnal.
   O melhor de Maugham são suas descrições de suas leituras de adolescência. A aventura de um novo livro, a emoção inesquecível. São páginas em que me vi. Mas devo dizer que não é um grande livro. Maugham enrola, estica, pula, edita, acaba por fugir.
   Um tímido. Ele fala que gosta de estar só, apenas a observar a vida. Pena que aqui ele apenas flutuou pelos temas, sem os tocar e arranhar.
   

SERVIDÃO HUMANA - W. SOMERSET MAUGHAM

O assunto de Maugham é sempre o do homem tentando nascer. A busca pela liberdade, pelo conhecimento e pela paz. E a trajetória é sempre nessa ordem : escapar do meio, encontrar um sentido, obter o equilíbrio. Escrevendo sobre isso, o inglês Maugham se tornou um dos dois ou três mais populares escritores do século XX. Ele é o melhor autor classe B de seu tempo. ( Tempo de belos autores B : Simenon, Agatha Christie, Conan Doyle, Saint-Exupery, Chandler, Henry Miller... ).
Philip é um inglês tímido e com um pé torto. É adotado por pastor e sofre bastante na escola. Larga os estudos e vai à Paris, estudar pintura. Se apaixona por moça muito vulgar. O livro não segue o rumo esperado. Philip não tem talento e a moça o despreza. Lemos sobre a dor de amar e ser enganado. Burramente ele despreza quem o ama de verdade e segue, de forma humilhante, o rastro dessa moça infame.
Derrotado, ele volta e se torna médico. O livro tem seu momento de luz ( onde Maugham faz uma vulgarização da iluminação de Lievin em ANA KARENINA ). É quando Philip vê que a vida é completamente destituída de sentido. Nascer, trabalhar e morrer. Isso é tudo. Os mais fracos se agarram com desespero num sentido que é dado por sua própria imaginação. Vista friamente, não há mérito em se viver de modo X ou Y. Tudo dá na mesma.
Ao pensar isso a vida de Philip muda. Ele se torna livre. Ser bem sucedido ou não, ser feliz ou não, tanto faz. O resultado é idêntico : nenhum. Ele não é mais obrigado a nada. Não deve mais à vida ser feliz ou ser um vencedor.
É lógico que Maugham banaliza uma filosofia tão preciosa. Mas é um prazer ver um autor tão best-seller, que vendia tanto, lido por meninos, donas de casa e estudantes, advogar o pessimismo vitalista e não, como hoje, prometer sentidos mágicos à existência. Um anti-Paulo Coelho.
Mais profunda é a descoberta por Philip de que a arte é uma parte muito pequena da vida. Que a vida está pouco se importando com novidades, belezas e refinamentos. A fome e a dor é que importam. O maior interesse é sobreviver.
Ao fim, o sentido que Philip encontra é o conforto. A paz possível, a de se ter um trabalho útil, uma esposa amiga e saudável e um canto iluminado para se morar. O céu de Philip está a beira-mar, médico de pescadores, nos braços de uma jovem loura bonitinha. Como não há sentido nesse acidente chamado vida, cabe a nós fazer da vida algo de livre e digno.
O livro diz que nada é mais nobre que abrir mão de alguma coisa para o bem de outro. É o que Philip aprende. Duramente e árduamente. E fim.